sábado, 8 de setembro de 2007

A terceira margem do Rio Guaíba

Por Ana Weiss, para o Valor
Publicado pelo
Valor Online em 06/09/07

Obra de Cildo Meireles: artistas indicaram trabalhos e montaram relações entre obras, realizando as próprias curadorias
Foto Divulgação


Foi e é um esforço louvável da equipe envolvida na Fundação Bienal do Mercosul transformar um projeto que leva uma definição geopolítica no título em um acontecimento a ultrapassar as fronteiras das nacionalidades. A idéia da mostra aberta ao público de Porto Alegre até 18 de novembro nasceu nos anos 1990 apoiada em uma expectativa local de inclusão artística. Para tanto, escolheu o caminho da profissionalização.

Desde o começo a opção foi pelo estabelecimento de um conselho de administração - e não deliberativo - composto mais por executivos e figuras ligadas às esferas administrativas do que propriamente por artistas. Essa foi a pedra angular da construção mais complicada do evento, a formação de equipes com experiência sólida em administração e dispostas a trabalhar por menos que o valor de mercado, criando um padrão de eficiência empresarial, para um evento que dura poucas semanas e não produz lucro.

Inaugurada com as bênçãos do empresário Jorge Gerdau Johannpeter, do grupo Gerdau, a fundação nunca teve problemas em trazer para a sua cúpula executivos locais, assim como administradores e gerentes de áreas diferentes. O que foi, sobretudo no começo, questionado por muitos artistas.

"Os descontentes diziam que a bienal era como um disco voador que pousava de dois em dois anos em Porto Alegre", conta Justo Werlang, diretor-presidente da Fundação Bienal, integrante da diretoria desde a primeira edição e articulador, com a produtora argentina Maria Benites, do anteprojeto que chega à sexta edição com um aproveitamento exemplar de verbas trazidas da iniciativa privada via leis de incentivo fiscal.

Esta edição - cujo tema central é o título do iniciático "A Terceira Margem do Rio", de Guimarães Rosa - foi construída sobre os moldes de sustentabilidade presentes no que há de mais contemporâneo na concepção de mostras de arte de caráter internacional, como a bienal Documenta de Kassel, realizada este ano, na Alemanha.

O orçamento da montagem foi menor em relação à edição passada, R$ 12 milhões, dos quais R$ 2,5 milhões foram integralmente destinados ao projeto educativo tentacular dirigido pelo professor e artista uruguaio Luiz Camnitzer. A quinta bienal custou R$ 10,7 milhões.

Para isso, foram necessárias algumas operações anteriores à chegada do projeto do curador espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, coordenador do segmento latino-americano do Museu de Arte de Blanton, da Universidade do Texas. Convidado em maio, o propositor do tema rosiano fez questão de montar um esquema matricial de curadoria, delegando nichos até mesmo entre artistas. Além de mostrar os próprios trabalhos selecionados, artistas do naipe de Waltércio Caldas indicaram trabalhos e montaram relações entre obras, realizando as próprias curadorias.

Para sustentar o projeto ousado de um curador jovem, havia na Bienal do Mercosul uma continuidade ainda pouco comum em eventos espaçados. "A Fundação Bienal do Mercosul não foi constituída a partir de um patrimônio imobiliário ou financeiro, não conta com um fluxo de subsídios anuais fixos. O único patrimônio de que dispõe são os valores humanos que compõem seus diversos quadros", observa Welang, também vice-presidente da Fundação Iberê Camargo. "Durante o percurso de cinco edições, a fundação agregou poucas pessoas novas. Por isso sempre tivemos a necessidade de manter uma política forte de qualificação. Assim, conseguimos manter nosso quadro, não perdemos expertise e despertamos nos profissionais um comprometimento. Acredite: é cada vez maior o número de voluntários que trabalham conosco."

Em edições passadas, a bienal se apoiou em consultorias para aprimorar seus processos, como a captação de recursos, hoje otimizadas em cotas pelo desenho de Yacoff Sarkovas. Atualmente ela está sob os cuidados de uma diretoria interna, atuante muito antes e depois dos preparativos para a mostra em si.

A equipe que trabalha há pelo menos dois anos na sexta edição da Bienal do Mercosul é composta por diretores Institucional, Administrativo e Financeiro, de Marketing, Jurídico, de Patrocínios, de Turismo, de Comunicação, de Captação de Recursos, de Espaços Físicos e da diretoria dos diretores, nas palavras do diretor-presidente, a de Equipes. Ao todos são 16 diretores, todos trabalhando voluntariamente.

O projeto de diretoria da sexta bienal tem como uma das metas a formação de voluntários para a atuação na área cultural. Desde a escolha do curador, passando por todo o detalhamento do projeto curatorial à captação do elevado volume de recursos financeiros para sua materialização, a bienal funciona como um grande laboratório de capacitação de jovens lideranças que, aliás, tem contribuído imensamente para a otimização dos recursos e o aprimoramento administrativo, até mesmo no que diz respeito a temas bastantes discutidos no universo corporativo, como a transparência: "As informações são abertas, a agenda de todos na bienal é aberta na internet, os relatórios são distribuídos aos conselhos, colaboradores e patrocinadores."

Uma das propostas de transparência de gestão dos jovens administradores toma emprestado o conhecimento dos colegas curadores. Em novembro, as exibições espalhadas pelos Armazéns do Cais do Porto (às margens do Rio Guaíba), no Santander Cultural e no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) serão recolhidas. No lugar delas será montada uma enorme exposição "de prestação de contas de tudo o que foi mobilizado para a realização da mostra". Mais que um making of, a mostra pode ser mais uma boa explanação para os interessados em trabalhar com produção cultural. Em qualquer das muitas especializações que hoje esse mercado engloba.


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br