terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Comunicação Estratégica: história pra boi dormir

Wilson da Costa Bueno *
Publicado pela
Envolverde em 11/02/08

A literatura, as comunicações em congressos e mesmo as falas dos executivos que transitam na área da comunicação das organizações, têm incorporado, com alguma facilidade, a tese (ou a certeza) de que, efetivamente, a Comunicação Empresarial brasileira se apresenta, hoje, como estratégica para as organizações.

Será mesmo? Descontada a hipocrisia empresarial, é possível dizer que esta história está muito mal contada e que, na prática, o discurso está longe de se realizar.

É verdade que os profissionais de Comunicação Empresarial gostariam muito que isso efetivamente acontecesse: afinal de contas, ela, se verdadeira, terá consolidado de vez a importância da comunicação no processo de gestão das organizações. Mas, para sermos justos com o conceito e com a realidade, precisamos considerar que a Comunicação Empresarial brasileira tem ainda que vencer alguns desafios e que eles, necessariamente, não são fáceis de serem superados.

Em primeiro lugar, para que a Comunicação Empresarial seja assumida como estratégica essa condição deverá estar favorecida pela gestão, pela cultura e mesmo pela alocação adequada de recursos (humanos, tecnológicos e financeiros), sem os quais ela não se realiza . A intenção ou o desejo apenas não produzem a realidade.

Em segundo lugar, devemos estar de acordo com respeito ao conceito de estratégia a que estamos nos referindo. O termo "estratégica" não pode ser utilizado como sinônimo de relevante ou fundamental. Assim, quando afirmamos que a Comunicação Empresarial é estratégica não estamos querendo simplesmente dizer que a organização a considera importante para alavancar os seus negócios ou para plasmar positivamente a sua imagem. Isso é pouco e desvirtua (ou restringe) o verdadeiro significado de estratégia.

Podemos, simplificada e pedagogicamente, assumir estratégia como a forma (arte?) de definir e aplicar recursos com o objetivo de atingir objetivos previamente estabelecidos. O termo origina-se do jargão militar e tem a ver com a palavra "stratego" que, em grego, significa um general.

O problema não se resume apenas aos termos que explicitam o conceito de estratégia, mas à sua inserção mesma em teorias (e práticas) de administração ou gestão. E há teorias e práticas de administração ou gestão aos borbotões, adaptadas a culturas empresariais, a dimensões (pública ou privada) etc. Cada guru de plantão cria a sua própria e executivos sem cérebro pagam uma fortuna para assistir às suas palestras em eventos internacionais de "management", o que confirma o nosso subdesenvolvimento em termos de gestão empresarial.

A administração estratégica que realmente interessa maximiza a importância das condições sociais, dá ênfase à dimensão cultural e aceita o planejamento multifatorial, ou seja que não se limita ou prioriza a vertente meramente econômica ou financeira. Mais ainda: a comunicação estratégica não deve estar resumida a uma mera instância operacional, tarefeira, como parece tem sido a prática em nosso País.

Pode-se facilmente perceber que, ressalvadas as honrosas exceções, a Comunicação Empresarial brasileira não atingiu ainda o patamar desejado. O planejamento em Comunicação (muitas vezes confundido com mera descrição de ações e produtos e correspondentes custos de execução) raramente está respaldado em cenários previamente desenhados; freqüentemente vislumbra a organização individualmente, sem considerar a presença dos concorrentes; e apenas recentemente está buscando desenvolver metodologias que permitem avaliar, consistentemente, os resultados de suas atividades (assessoria de imprensa, patrocínios, publicações etc). Na verdade, a própria definição dos públicos de interesse (os chamados "stakeholders") e o conhecimento detalhado de seu perfil são esforços pouco usuais na Comunicação Empresarial. Privilegia-se, básica e prioritariamente, a intuição dos executivos (que imaginam saber o que o mercado e os públicos demandam ou apreciam), o que, convenhamos, não está em sintonia com uma perspectiva estratégica.

A Comunicação Empresarial não se sustenta em ambientes organizacionais em que esta perspectiva de planejamento esteja ausente. Ela só pode ser pensada, implantada e exercida, se a organização (empresa pública ou privada, ONG, entidade) adota e pratica a administração estratégica. Dificilmente, se poderia surpreender uma Comunicação Empresarial estratégica numa organização que fosse avessa a um sistema de gestão comprometido com este paradigma organizacional.

Finalmente, para que tenhamos uma verdadeira comunicação estratégica será preciso dispor de estruturas e de recursos (humanos, financeiros, tecnológicos etc) que possam viabilizar a definição e a implementação das estratégias e a correspondente (e necessária) avaliação dos resultados.

As equipes de comunicação, na maioria das organizações brasileiras, estão cada vez mais enxutas, com profissionais desempenhando múltiplos papéis e assoberbados com as instâncias de execução e controle. Pouco tempo lhes resta para a tarefa de planejar e reduzidas são as possibilidades de que possam comandar, após a execução das suas atividades, processos sistemáticos de avaliação.

As estruturas de comunicação nas organizações não dispõem, necessariamente, de perfis profissionais capacitados para o planejamento e, dificilmente, estão previstas, para dar suporte a essa atividade, a construção de cenários, pesquisas de audiência (que dê conta dos principais públicos de interesse) ou metodologias adequadas para mensurar os resultados em comunicação.

Não é incomum percebermos que, mesmo os produtos tradicionais da Comunicação Empresarial (house-organs e publicações de toda ordem, eventos e patrocínios, assessoria de imprensa etc), não merecem avaliação sistemática ou, o que pode parecer mais surpreendente, não decorreram de pesquisa ou planejamento prévio. Eles foram criados e são mantidos por absoluta convicção de que são necessários (embora muitos deles não justifiquem essa condição) e, muitas vezes, reproduzem modelos e padrões que não estão em sintonia com a cultura organizacional, com a dinâmica do mercado ou com os objetivos maiores das organizações.

A Comunicação Empresarial estratégica requer, obrigatoriamente, a construção de cenários, fundamentais para um planejamento adequado e que, efetivamente, leve em conta as mudanças drásticas que vêm ocorrendo no mundo dos negócios e da própria comunicação.

Ela deve considerar a segmentação dos mercados e da audiência, o que implica, necessariamente, em atentar para novos nichos de mercado e para perfis mais complexos de consumidores, que, em geral, acumulam múltiplos papéis e, portanto, múltiplas demandas informativas.

A Comunicação Empresarial estratégica deve priorizar a personalização dos contatos, potencializada pelas novas tecnologias, mas admitir sempre que as formas de relacionamento dependem de contextos sociais e culturais específicos. Cada público, cada país , cada sociedade exibem características peculiares em função de seu background, de sua trajetória e de sua forma de contemplar o mundo. Deve também levar em conta que a sociedade se estrutura, gradativamente, em redes e que atravessamos, definitivamente, um momento de transição, em que os mercados convencionais vão sendo substituídos e, com eles, a forma de produzir e comercializar mercadorias (bens físicos ou culturais).

A Comunicação Empresarial estratégica deve assumir a importância crescente dos chamados ativos intangíveis (marca, reputação ou imagem, rede de relacionamentos etc) e transitar, com desenvoltura, pela chamada "era do acesso, definido por Rifkin (2001) como aquela que transforma os recursos culturais em "commodities" e estabelece o império de uma economia conectada baseada em serviços.

A Comunicação Empresarial estratégica precisa estar afinada com a proposta de gestão de conhecimento, que, como ela, está ainda mais difundida do que efetivamente praticada, e, definitivamente, resgatar a importância (estratégica!) da comunicação interna e valorizar a diversidade, o que implica em considerar a pluralidade de idéias, vivências e opiniões como atributos fundamentais do moderno processo de gestão.

A comunicação estratégica, assim como a administração estratégica, não são mesmo para qualquer organização. Falar é sempre mais fácil do que fazer. Por enquanto, a comunicação empresarial estratégica é mais uma expressão vazia de realidade, manejada por executivos que não sabem o que dizem e por organizações que não sabem aonde querem chegar. Uma velha e insossa história para boi dormir.

(Envolverde/Portal da Comunicação)

* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.

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Para críticos as metas do Milênio são muito gerais

Abra Pollock
Publicado pela
Envolverde em 11/02/08

Os pontos de referência usados nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas não são representativos dos progressos feitos pelos países da África e contribuem para o estereótipo do “fracasso africano”, segundo a norte-americana Instiutuiçao Brookings. “Há esta máquina das metas que converte as boas notícias sobre a África em notícias ruins’, disse o autor do estudo, William Easterly, economista da Universidade de Nova York e professor convidado do Programa sobre Economia Global e Desenvolvimento da instituição Brookings. “A África tem problemas suficientes para que as organizações internacionais e os organizadores de campanha minimizem seu progresso”, acrescentou.

Um ponto-chave destacado pelo estudo é o fato de a Organização das Nações Unidas originalmente ter fixado as metas como uma série de pontos de referência para medir o progresso mundial, não de países ou regiões, afirmou Easterly. Portanto, os resultados de um país perdem valor quando são medidos pelos indicadores globais. Com isto concordam Jan Vandemoortele, funcionário da ONU que co-presidiu o grupo especial, formado por membros de diferentes agências das Nações Unidas, que desenhou as metas em 2001.

“Apenas se pode calcular se o progresso está em marcha para atingir os Objetivos de 2015 em nível global”, escreveu Vandemoortele em um ensaio de 2007 para o instituto Mundial de Pesquisa sobre Desenvolvimento Econômico da ONU. “Não se pode fazer para nenhuma região nem país em particular porque as metas quantitativas foram fixadas em linha com as tendências globais, não com base nas tendências históricas especificas” de um lugar, acrescentou.

Entretanto, esta é precisamente a forma com que as metas têm sido aplicadas nos últimos anos, disse Easterly, que apresento na semana passada os resultados de sua pesquisa. De fato, os informes anuais da ONU sobre o progresso nas metas são oferecidos por região e não por país. Segundo o informe de 2007 sobre a África, “a região subsaariana não está no caminho de alcançar os Objetivos”. Esta conclusão não considera os diferentes níveis entre os países, explicou Easterly, acrescentando que os pontos de referência dessas metas supõem desafios altamente desproporcionais para as nações mais pobres contra os que já têm um desenvolvimento maior.

Segundo o estudo, um exemplo é o quarto objetivo, que fala m redução de dois terços da mortalidade infantil. Isto pode supor um grande desafio para um país que tem uma taxa de 150 mortes por mil, mas não tão grande para outro com índice de 24 por mil, por exemplo. O primeiro deve reduzir sua taxa em cem mortes, enquanto o segundo apenas 16 para atingir o Obetivo.

Além disso, o primeiro Objetivo, que busca reduzir a pobreza extrema m 50%, pode ser muito mais facilmente alcançado por uma nação com menor porcentagem de pobreza. Dois países com a mesma taxa de cresciemento do produto interno bruto no mesmo período de tempo podem acabar com significativamente diferentes porcentagens de reduções, diz o estudo.

O PIB da África cresceu a uma taxa “eminentemente respeitável” de 5,4% em 2006, segundo o estudo. Mantido este ritmo de crescimento por 10 anos, o continente africano conseguiria um dos cinco maiores crescimentos econômicos registrados entre 1965 e 2005. “Estão pedindo à África algo que não tem precedentes históricos. É uma boa maneira de pegar o sucesso e chamá-lo de fracasso”, disse Eastrly. (IPS/Envolverde)

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