sábado, 4 de agosto de 2007

Colhedoras de fruto amazônico diante do dilema do biodiesel

Mario Osava
Publicado pela
Terramérica

Mulheres em plena tarefa de abrir os frutos da palmeira.
Foto Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu

O babaçu, palmeira nativa abundante na Amazônia oriental e no norte e nordeste do Brasil, tem grande potencial para produzir biodiesel e biomassa energética, mas as mulheres que vivem de sua coleta temem perder sua tradicional fonte de renda. “A experiência nos faz prever novas dificuldades de acesso ao babaçu (Orbignya phalerata martins)”, explica ao Terramérica Eunice da Conceição Costa, uma das coordenadoras do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu, em Imperatriz, município do sudoeste do Maranhão.

Essas dificuldades têm suas raízes no processo agrário que o Estado viveu desde 1969, quando foi aprovada a Lei de Terras que impulsionou a formação de propriedades e a apropriação privada de extensas áreas públicas. As cercas se multiplicaram, proibindo a atividade extrativista, e as florestas foram substituídas por pastagens e plantações. O Movimento luta por uma lei nacional, já existente em alguns municípios, para garantir o livre acesso das colhedoras ao babaçu e para deter a destruição deste recurso natural indispensável para a economia popular.

Calcula-se que 400 mil pessoas, quase todas mulheres, sobrevivem extraindo óleo do fruto e outros produtos aproveitáveis do babaçu para alimentação, construção e artesanato. Entretanto, chegou à região a febre dos combustíveis agrícolas, menos poluentes do que os derivados do petróleo. O biodiesel exige uma escala industrial e produção mecanizada e pode atropelar a atividade tradicional. “É um risco para nós, querem nos tirar o babaçu”, disse Maria Adelina Chagas, coordenadora geral do Movimento, organizado nos Estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins.

É possível produzir esse combustível a partir do babaçu sem tirar a fonte de renda das quebradeiras de coco, ampliando-a, disse ao Terramérica Fernando Carvalho Silva, coordenador do Núcleo de Biodiesel da Universidade Federal do Maranhão. É necessário um sistema mais eficiente de coleta do coco e extração de suas amêndoas ou sementes, que contêm o óleo. O conteúdo oleaginoso do fruto é de apenas 7%, mas é indispensável aproveitar toda a matéria-prima. A dura casca do coco tem alto poder calorífico e pode ser usada como carvão na indústria ou na geração de energia elétrica. A parte carnosa é rica em amido e empregada na produção de alimentos humanos e para o gado.

Assim, a produção do biodiesel depende de uma cadeia de produção que associe indústrias de alimentos, fertilizantes, energia, insumos para cosméticos e outras, destaca Silva. Além de estudar as possibilidades do babaçu, o grupo universitário desenvolve uma usina-piloto de combustível, de tecnologia simples e barata, acessível para as comunidades rurais. Poderá produzir entre 250 e 280 litros de biodiesel em cada operação, que durará dois dias porque vai purificar o combustível por decantação, evitando centrífugas caras, explicou o pesquisador.

O objetivo é tornar a iniciativa viável economicamente, beneficiando as quebradeiras de coco, que tomarão a decisão final sobre o projeto, que modificaria totalmente a economia do babaçu, acrescenta Silva. A abundância da palmeira é suficiente para fornecer biodiesel a vários Estados. Calcula-se que as florestas nativas de babaçu ocupam 18 milhões de hectares, principalmente no Maranhão. Seu coco é o principal produto florestal brasileiro depois da madeira, e representou 19,4% da produção extrativista não madeireira em 2005, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Contudo, sua extração, muito rudimentar, não se enquadra com a produção energética. Além da colheita manual do coco, as mulheres extraem cada amêndoa em uma operação arriscada. Seguram o fruto entre os dedos de uma das mãos, sobre o fio de um machado apoiado no solo, e o golpeiam com um pedaço de pão. “Nenhuma máquina substitui as quebradeiras de coco”, porque não consegue o corte longitudinal que preserva as quatro ou cinco sementes contidas em cada coco, afirmou Costa, destacando essa habilidade transmitida de mãe para filha que, entretanto, não consegue evitar acidentes.

Cada mulher extrai por dia uma média de oito quilos de sementes e ganha cerca de R$ 7,00, disse Chagas ao Terramérica. É pouco dinheiro, mas muito mais do que o biodiesel proporciona, o que constitui outro obstáculo para que as quebradeiras se somem à produção desse biocombustível, acrescentou. Além disso, o programa governamental de incentivo ao biodiesel nas regiões pobres do Norte e Nordeste do país não incluiu o babaçu, lembraram Chagas e Silva. Não é assim, refuta Edna Carmelio, assessora do Ministério de Desenvolvimento Agrário. O Selo Combustível Social, concedido ao biodiesel feito com matérias-primas procedentes da agricultura familiar, oferece uma redução de tributos que torna o produto mais barato em mais de 10%. Isto o tornaria muito competitivo no mercado de combustíveis, afirma a funcionária. O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel menciona apenas o rícino e o óleo de palma para o “estímulo máximo” de isenção de dois tributos, porque são produções com tecnologias já dominadas. Mas também o babaçu e outras matérias-primas podem se beneficiar desse fomento se ficar comprovada sua viabilidade na agricultura familiar, acrescenta Carmelio.

O selo social é “uma defesa para as quebradeiras de coco”, que afasta o risco de as florestas de babaçu serem tomadas pelo grande negócio agroenergético, assegura a funcionária. A Petrobras, por exemplo, só compra biodiesel certificado por esse selo. Além disso, a agricultura familiar, que inclui as extrativistas, tem acesso a créditos subsidiados que ampliam suas vantagens, conclui a especialista em biodiesel.

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Esfria projeto de supergasoduto na América do Sul

Humberto Márquez
Publicado pela
IPS em 01/08/07

Os presidentes de Brasil, Venezuela e Argentina assinaram um acordo trilateral para iniciar estudos de viabilidade para a criação de um gasoduto que vai unir os três países.
(Foto publicada pela BBC Brasil)

O projetado Gasoduto do Sul, planejado para levar esse combustível do Caribe até o Rio da Prata e abastecer boa parte do Brasil, “esfriou por causa de ataques dentro da própria América do Sul”, justificou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

O monumental projeto foi lançado em abril de 2006 no Rio de Janeiro pelo próprio Chávez e seus colegas Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, da Argentina, com custo calculado em US$ 25 bilhões para estender oito mil quilômetros de tubulações que alcançariam os três países envolvidos no anúncio, mais Paraguai, Uruguai, Peru e Equador.

O entusiasmo inicial pelo gasoduto, que segundo o estabelecido no Rio de Janeiro deveria ser apresentado aos demais governos sul-americanos a partir de setembro, deu lugar a um adiamento de prazos para estudos e reuniões, além do silêncio dos governos. “Não podemos obrigar ninguém”, lamentou Chávez, acrescentando que a sugestão foi feita em termos de cooperação bolivariana, pois “se estivéssemos pensando apenas em dinheiro, venderíamos o gás para a América do Norte.

O gasoduto, que cruzaria a Amazônia ou então a contornaria por todo o leste brasileiro, deveria ter capacidade para levar diariamente 150 milhões de metros cúbicos de gás, quase a metade do atual consumo da região, desde o nordeste venezuelano até os principais centros urbanos e industriais de seus países vizinhos no sul. “A Venezuela tem, felizmente para a América Latina, uma das maiores reservas de gás do mundo. Aqui existe gás para um século”, disse Chávez na semana passada, em um ato com simpatizantes a oeste de Caracas. As reservas venezuelanas de gás estão calculadas em 150 bilhões de pés cúbicos, o que coloca esse país no nono lugar no mundo na matéria, mas em sua maior parte associada a petróleo, que seria necessário produzir paralelamente. A Bolívia, segunda fonte de gás sul-americana, tem 52 bilhões de pés cúbicos de gás livre.

Ainda sem reações conhecidas em Brasília e Buenos Aires, a organização ecologista Amigransa (Amigos da Grande Sabana, um gigantesco parque nacional no sudeste venezuelano) disse estar alegre porque “felizmente, tudo o que se afirmou sobre a inviabilidade desse projeto gigante encontrou eco nos técnicos sul-americanos que o avaliaram”. Entretanto, Alicia García, da Amigransa, disse à IPS que, “se pensarmos com otimismo, talvez o presidente Chávez maneje informação sobre a inviabilidade do gasoduto; se o fizermos com pessimismo, talvez sua declaração seja uma pressão sobre os possíveis sócios para que apóiem definitivamente o projeto”.

Chávez prevê visitar Buenos Aires e se reunir com Kirchner na próxima segunda-feira. Mas sua declaração sobre o “esfriamento” do gasoduto aconteceu depois que seu ministro de Energia, Rafael Ramírez, se reuniu com o presidente argentino. Segundo informações dos governos sul-americanos interessados no projeto, sete grupos de especialistas, que totalizavam 50 pessoas, estudavam sua a viabilidade econômica e técnica, a engenharia, o traçado, o financiamento e suas questões ambientais e sociais. A desanimadora declaração de Chávez traduziu a paralisação das reuniões e dos trabalhos para dar forma ao projeto e parece dar razão aos críticos do gasoduto.

“Sem contar problemas ambientais ou econômicos por sua rentabilidade, o projeto é impossível porque a Venezuela não tem agora o gás necessário para alimentá-lo”, disse à IPS Luis Giusti, ex-presidente da estatal Petróleos de Venezuela, horas antes de Chávez expor as dificuldades. O projeto era alvo de duras críticas há um ano, inclusive por parte dos chamados a serem seus beneficiários. “Não tem coerência econômica, cruza muitos rios e florestas tornando impossível calcular seus custos, e encareceria muito o gás venezuelano entregue à Argentina”, disse, por exemplo, o secretário de Energia do Rio de Janeiro, Wagner Victer.

Apesar da aliança política tecida entre La Paz e Caracas, já em abril de 2006 o vice-ministro de Hidrocarbonos da Bolívia, Julio Gómez, afirmava que o gasoduto “é um projeto viciado, uma loucura”. Além disso, no parlamento boliviano foi rotulado de “competição desleal” da Venezuela com a demanda boliviana de melhor preço para seu gás. Mas a frente mais dura foi a dos ambientalistas, que inclusive coletaram assinaturas em quatro continentes para pedir aos governos que deixassem o projeto de lado. Cartas enviadas aos presidentes e assinadas pela Amigransa foram divulgadas durante a Cúpula Energética Sul-americana realizada em abril na Venezuela.

“A integração de nossos povos requer uma mudança de modelo que se afaste do desenvolvimento dependente dos hidrocarbonos imposto à nossa civilização”, dizia a carta da Amigransa, considerando que o projeto “aumentará a dívida ecológica e social, e por fim, a pobreza”. O gasoduto, mais as vias e instalações necessárias para sua manutenção, “seria o passo definitivo para a destruição da Amazônia, da Guiana venezuelana e de diversos ecossistemas da costa caribenha e atlântica, pondo em risco iminente a região com devastadoras conseqüências para o planeta”, segundo o texto.

A queixa de Chávez sobre o gasoduto, “que “no dialeto presidencial equivale a um RIP (requiescat in pace – descanse em paz) para este projeto-bandeira da revolução continental”, segundo o critico venezuelano Gustavo Coronel, pode gerar um novo atrito, na divisão de culpas, entre Brasil e Venezuela. “Nada nem ninguém conseguirá nos distanciar”, repetiu Chávez sobre sua aliança política com o Presidente Lula, embora neste ano Caracas e Brasília tenham enfrentado visíveis diferenças. A primeira, precisamente em matéria energética, pela aliança entre Brasil e Estados Unidos para desenvolvimento da produção e do mercado global do etanol como combustível alternativo à gasolina, uma opção criticada por Chávez e pelo presidente de Cuba, Fidel Castro, como sendo lesiva aos interesses de uma humanidade faminta por plantar alimentos.

Os dois presidentes também tiveram posições diferentes no processo de entrada da Venezuela com membro pleno do Mercosul, formado desde sua origem por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Presidente Lula censurou Chávez por ter qualificado de “papagaio do império” (os Estados Unidos) o parlamento brasileiro, que ainda não ratificou esse ingresso da Venezuela, depois que alguns legisladores criticaram o fato de Caracas não renovar a licença de funcionamento de uma emissora privada de televisão.

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