sábado, 16 de junho de 2007

A nova regra do INSS e os riscos ocupacionais

Marcelo Ricardo Grünwald
Publicado pelo Valor Online em 15/06/07

Sabe aquela assistente que diz sofrer de insônia, alegando que as atividades que realiza são penosas e que as condições de trabalho são desfavoráveis? O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entende que a doença dela tem origem profissional. As conseqüências disso são o direito à estabilidade de um ano, caso ela permaneça afastada do trabalho por mais de 15 dias, com base no artigo 118 da Lei nº 8.213, de 1991, e a obrigatoriedade de a empresa depositar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) durante o período de afastamento. Fora o risco de uma ação indenizatória contra a empresa por eventuais danos decorrentes da moléstia ou mesmo uma ação regressiva do INSS para reaver os benefícios que foram pagos durante o período de afastamento. E não é só isso. De acordo com a sinistralidade - índice estatístico que mede o número de afastamentos previdenciários por ramo de atividade empresarial -, a empresa poderá ter um incremento de até 100% na alíquota do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), penduricalho pago juntamente às demais contribuições mensais à Previdência.

O cenário acima decorre do fato de que o INSS passou a adotar um novo método para caracterizar o nexo causal entre as doenças e as atividades laborativas. Se antes o empregado era submetido a uma perícia realizada por um médico serventuário da própria instituição, desde o dia 1º de abril de 2007 não há mais avaliação clínica para a concessão do benefício como acidentário. O enquadramento passou a ser um jogo de ligar pontos mais ou menos assim: cada ramo de atividade explorado pelas empresas possui um código identificador - a Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) - assim como cada doença possui um outro código - a Classificação Internacional de Doenças (CID).

A Previdência realizou um "pseudo-levantamento estatístico" de uma série de doenças que podem, eventualmente, acometer empregados que trabalhem em empresas que explorem determinadas atividades econômicas e passou a impor, automaticamente, uma presunção probatória de que tenham origem na atividade laborativa. Por exemplo, o CNAE de número 4.921, pertinente às empresas que exploram as atividades de transporte rodoviário coletivo, tem arrolado como potencial doença de seus empregados, dentre tantas outras, a dorsalgia - identificada pelo CID M 54. Assim, seguindo o novo critério, sempre que o empregado de uma organização enquadrada neste CNAE postular pelo afastamento previdenciário, se queixando de dor nas costas, não importará se a doença tem natureza pré-existente, degenerativa, se foi originada de campeonatos de jiu-jitsu dos quais ele eventualmente tenha participado ou se ele foi admitido há menos de um mês. O INSS, neste caso hipotético, prontamente aplicará o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), presumindo a origem ocupacional da moléstia, o que implicará nas potenciais conseqüências relatadas no início deste artigo.

É verdade que o Decreto nº 6.042, de 2007, que regulamentou a Lei nº 11.430, de 2006, permite, nos incisos 6º a 13º do artigo 337, a possibilidade de a empresa requerer a não-aplicação do nexo técnico epidemiológico, desde que, no prazo de 15 dias, contados a partir da entrega da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP), apresente a exposição de motivos que refutem a presunção de existência do nexo causal entre a moléstia e a atividade laborativa, fazendo juntar as "provas que possuir" e as "evidências técnicas circunstanciadas e tempestivas à exposição do segurado, podendo ser produzidas no âmbito de programas de gestão de risco, a cargo da empresa, que possuam responsável técnico legalmente habilitado". Vale advertir que a empresa não receberá mais qualquer correspondência do INSS que a cientifique da imposição do NTEP aos seus empregados, o que, antigamente, se realizava por meio da Carta de Infortunística. Agora, em uma versão kafkaniana, a empresa deverá, por sua própria conta e risco, periodicamente, consultar na página do INSS na internet os afastamentos de seus empregados, atentando aos que tenham sido enquadrados como B 91 (auxílio-doença acidentário) e B 92 (aposentadoria por invalidez acidentária) para, a partir de então, adotar as medidas para viabilizar as impugnações que julgar pertinentes.

Sem entrar no mérito acerca da constitucionalidade das alterações legislativas ou mesmo das razões inconfessáveis do legislador, é certo que as empresas devem passar a adotar medidas preventivas muito mais rigorosas, tais como a reavaliação de seus programas de controle de riscos ocupacionais, assim como a manutenção de complexos prontuários do histórico médico-ocupacional de seus empregados, para possibilitar o enriquecimento de eventuais impugnações futuras da presunção do NTEP.

Voltando à assistente mencionada no início deste artigo, ela sofre de "transtorno do ciclo vigília- sono devido a fatores não-orgânicos", doença classificada como CID F51.2 que, segundo o Decreto nº 6.042, tem relação com "problemas relacionados com o emprego e com o desemprego", "má-adaptação à organização do horário de trabalho (trabalhos em turnos ou trabalho noturno)" ou "circunstância relativa às condições de trabalho" - este último, deixo para os leitores decifrarem o misterioso significado.

Marcelo Ricardo Grünwald é advogado especializado em direito do trabalho e direito processual civil, sócio do escritório Grünwald e Giraudeau Advogados Associados e mestre em direito das relações sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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Boa educação ensina a esperar sem estresse

Mara Luquet, para o Valor
Publicado pelo Valor Online em 15/06/07

"Você sabe de onde vem o dinheiro?" A pergunta foi feita a uma menina de 12 anos. Impecavelmente vestida, carregando uma bolsa e celular último tipo, a jovem a princípio estranhou a pergunta. "Não sei, não. Hum... " Mas logo emendou: "Acho que vem do trabalho".
"Você gosta de gastar dinheiro, não?", foi a pergunta seguinte.


"Gastar? A-do-ro gastar!". Desta vez a resposta veio rápida, sem hesitação.

Por que a menina gostaria de gastar dinheiro? Teria tantas as demandas de consumo que representariam, talvez, estímulos virtualmente compulsivos para a renovação constante do prazer de gastar? A explicação é diferente: "É que assim me sinto rica", esclareceu a garota.

No passado, as crianças falavam das profissões que gostariam de ter quando chegassem à idade adulta. Hoje, querem ser ricas. E famosas. Talvez por isso, muitas meninas alimentem o sonho de ser modelos ou atrizes e os meninos queiram ser jogadores de futebol - atividades que, imaginam, são o caminho mais curto para alcançar aqueles dois objetivos numa única tacada.

Ser rico é o desejo de 75% das crianças americanas, segundo levantamento apresentado pela professora Juliete Schor no livro "Born to Buy" (Nascidos para comprar), ainda sem edição em português. A julgar pelo diálogo acima, reproduzido no livro, no Brasil as coisas não são muito diferentes no universo de aspirações de crianças e adolescentes.

Especialistas dizem que essa exposição excessiva a bens materiais está arruinando o bem-estar das crianças, e impedem que cresçam preparadas emocionalmente para viver num mundo em franca transformação. As crianças de hoje desenvolvem freqüentemente a tendência de se tornarem mais depressivas e mais ansiosas, além de sofrerem inclinação precoce para a obesidade. Mas essas são questões que podem ganhar contornos ainda mais graves se levado em conta o novo paradigma de expectativa de vida que essas gerações terão que enfrentar. O benefício da vida mais longa poderá virar um problema para essas crianças, se não mudarem seus hábitos - porque, no futuro, precisarão de mais dinheiro e mais saúde do que seus pais.

Marco Gazel, sócio da M2 Investimentos, empresa de consultoria financeira que atende famílias para planejamento financeiro pessoal, diz que a enorme maioria dos pais ainda crê firmemente que o melhor é comprar um carro e um apartamento para o filho. Pensam no curtíssimo prazo o futuro de filhos que poderão facilmente viver mais de 100 anos.

Esse descompasso, segundo estudiosos do tema, pode provocar uma explosão da pobreza na terceira idade e várias outras implicações. Isso, porque os pais também terão vida longa e talvez precisem de parte do patrimônio que pretendem deixar para os filhos para custear as próprias despesas.


Os especialistas são unânimes: os pais precisam ensinar os filhos a cuidar das próprias finanças, a alimentar-se corretamente e a ter hábitos que respeitem o meio ambiente. A longevidade passa a dar a esses três fatores uma dimensão maior para a geração hoje em desenvolvimento do que qualquer fortuna herdada.

É uma geração que vai viver muito, num mundo que está literalmente indo por água abaixo, por conta do aquecimento global. Portanto, quem quiser continuar vivendo neste planeta, terá que aprender a conviver com recursos escassos.

Os 100 anos de vida ou mais também vão exigir um fôlego financeiro maior, tanto para financiar o orçamento, como para custear as despesas com saúde.

A equação correta é educação + sustentabilidade + um pouco de dinheiro. Por mais estranho que pareça, se houver um planejamento correto, a parcela de aportes não precisa ser grande, porque o tempo e as taxas de retorno do investimento fazem a parte mais difícil do trabalho na acumulação.

Gazel diz a seus clientes que o melhor é começar desde cedo a comprar mensalmente ações para os filhos. Não importa quanto, o importante é todo mês comprar um determinado montante de ações e, de preferência, dando à operação um sentido educativo adicional, ao escolher ações de empresas sustentáveis, que não perderão competitividade no longo prazo.

Para Gazel, o melhor, no caso dos investimentos para crianças, é fazer uma carteira própria de ações e não comprar via fundos. "Fica mais barato", diz. " No longo prazo, faz diferença."
Empresas de gestão de recursos já estão olhando para essa clientela com mais cuidado e começam a lançar produtos específicos para crianças que unam responsabilidade social, ambiental, educação financeira e construção de patrimônio.

A corretora Geração Futuro lançou um fundo específico para atrair pais com essas preocupações. O fundo compra ações de empresas sustentáveis e recusa, por exemplo, ações de fabricantes de armas e de bebidas alcoólicas. O produto foi lançado este ano, a aplicação mínima é de R$ 100 e já tem mais de R$ 1 milhão. "É um fundo que atrai muitos pais, embora não seja restrito a crianças, por causa de suas características", diz Priscila Vargas, executiva da Geração Futuro. A idéia é fazer uma assembléia anual com os cotistas, para que eles levem seus filhos e o gestor apresente as empresas que fazem parte da carteira.

A geração dos "babyboomers", os americanos que nasceram no pós-guerra (e que começaram a se aposentar no ano passado), já encontrou um cenário muito diferente do conhecido por seus pais e avós. Muitos deles precisaram adiar o momento da aposentadoria ou estão voltando a trabalhar.

As próximas gerações talvez tenham que trabalhar até o último dia de suas vidas. A construção de um patrimônio será um desafio e não adianta esperar benesses do governo. Estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, depois que tiveram início as reformas nos sistemas de previdência em 17 países, o benefício esperado na aposentadoria caiu 22%, em média. Além disso, a idade mínima exigida para a aposentadoria tem aumentado e em alguns países já chega perto dos 70 anos.

A maioria dos analistas de investimento acredita que o grande desafio, hoje, é fazer com que as crianças pensem no futuro e aprendam a "esperar". Crianças impacientes, consumistas compulsivas, dizem pesquisadores, são fortes candidatas a ter problemas com drogas e dificuldades nos estudos e nas relações familiares.

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