quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Os Desafios da Comunicação e da Mobilização de Recursos

O conceito de mobilização de recursos envolve parte das dimensões econômica e política da sustentabilidade. E, embora reconheça a comunicação como um direito humano, vou abordá-la aqui como elemento potencializador das ações das ONGs.

Dentro do guarda-chuva ‘recursos’ estão incluídos, além dos recursos financeiros, os recursos materiais, os recursos técnicos e os recursos políticos que podem provir de pessoas ou de organizações. Para mobilizar recursos localmente, um primeiro passo é despertar as pessoas e organizações para as causas e conseqüências dos problemas sociais, de forma a mudar suas percepções sobre o mundo ao seu redor. O processo do despertar é normalmente seguido por uma sensação de incômodo e insatisfação que, por sua vez, gera a vontade de fazer algo para mudar a realidade desnuda. É nesse momento que temos a oportunidade de mobilizar pessoas e organizações.

Se uma ONG ou um coletivo de ONGs apresentam claramente à sociedade propostas de transformação da realidade e formas de participação em processos de mudança, é bastante provável que pessoas e organizações respondam positivamente, envolvendo-se política e/ou financeiramente com a causa, missão e o trabalho dessa(s) ONG(s). Entendemos que assim se inicia a construção de uma base de apoio social. De forma simplificada, isso significa que precisamos tocar emocionalmente as pessoas para mobilizá-las.

O primeiro e grande desafio é o desconhecimento do grande público sobre as ONGs e seu papel na sociedade. Não apoiamos o que não conhecemos, e muito menos o que não compreendemos. Temos um grande desafio aqui: fazer com que a sociedade saiba o que é uma organização não-governamental e compreenda de forma simples, porém correta, qual é o seu papel na sociedade. E só para reafirmar, compreendemos que o papel das ONGs - através de suas diversas ações - é o catalisador de transformações sociais e não instrumento de implementação de políticas governamentais.

No nível organizacional, o primeiro desafio é o “onguês”! É a língua que só as próprias ONGs entendem. Como então podem estabelecer diálogo com os diferentes, com outros setores, com outros indivíduos? Como construir uma base social de apoiadores locais se a linguagem utilizada pelas ONGs não é acessível? É importante adequar a linguagem ao público com o qual queremos estabelecer diálogo e relações de cooperação. Isso não é novidade alguma, mas ainda se configura como um grande desafio para as ONGs.

Tanto a comunicação quanto a mobilização de recursos são processos contínuos e não projetos. Por esse motivo, iniciar um processo de comunicação e/ou mobilização de recursos locais é antes de tudo uma decisão institucional. Ambos são considerados processos de intervenção na organização, pois provocam mudanças na cultura organizacional, ou seja, nas suas idéias, crenças, práticas e políticas internas.

Outra questão é que tanto os processos de comunicação como os de mobilização de recursos são institucionais, e não pessoais ou departamentais. Por isso, devem ser internalizados e institucionalizados por meio de políticas, procedimentos e práticas. Caso contrário, há o risco da organização tornar-se ‘refém’ de profissionais ou departamentos.

A importância de mobilizar todos os níveis da organização para esses processos é que eles geram mudanças, e mudanças trazem consigo resistências. Vamos ao exemplo da comunicação: dados são a base da informação, e a informação por sua vez é a base da comunicação. Também sabemos que informação é poder. Pois bem, ao iniciar um processo de comunicação, as informações terão de ser disponibilizadas para que a comunicação possa acontecer. Esse processo de democratização das informações gera mudanças não só nas formas de trabalho das pessoas, mas também nas relações internas de poder.

É preciso, portanto, ter perseverança. Não é um processo simples, pois as organizações passam a fazer algo novo, que ainda não dominam. Encontrar as estratégias que dão certo leva tempo. Não existe fórmula. E a adoção de estratégias de comunicação e de mobilização de recursos depende do perfil da organização, do que ela quer alcançar e do público com quem quer estabelecer relações.

É interessante observar que os resultados concretos do processo de comunicação surgem mais rapidamente que os de mobilização de recursos. Na comunicação, os resultados podem ser observados interna e externamente nos primeiros dois anos; já os relacionados à mobilização de recursos são consolidados entre o terceiro e o quinto ano. Há organizações que conseguem atingir resultados mais rapidamente, em especial aquelas mais novas, onde a cultura organizacional está ainda em formação.

Investimentos iniciais são necessários para comunicar e mobilizar recursos. Não só investimentos financeiros, mas investimento de energia, de atenção institucional, de trabalho interno. Não é fácil iniciar um processo de comunicação e mobilização de recursos sem investimentos financeiros iniciais, e são pouquíssimas as agências de cooperação, fundações ou institutos que apóiam essa linha de trabalho. Uma possibilidade de iniciar um trabalho, mesmo com pouco recurso disponível, é a de buscar parcerias técnicas que possam ajudar a construir esses processos, especialmente quando a organização não tem conhecimento suficiente de como iniciá-lo. Um exemplo são as parcerias com agências de comunicação.

Construir novos relacionamentos e obter credibilidade junto a novos públicos é outro grande desafio. Isso nos traz de volta a questão da linguagem que pauta a necessidade de aprender a falar com outros e também de aprender a ouvi-los, de modo a tentar entender e também tentar fazer com que nos entendam. Um exemplo prático disso é a maneira como as ONGs escrevem a sua missão. Dificilmente é uma frase curta, simples e objetiva. Normalmente é um parágrafo extenso, cheio de jargões, de difícil compreensão, e acaba por ser, como conseqüência, de difícil apoio. Se a comunicação é positiva, clara e objetiva, a probabilidade de obter respostas com as mesmas características são maiores.

Para construir credibilidade também surge o desafio da transparência. Prestar contas não só do aspecto financeiro, mas principalmente do impacto do trabalho. Em inglês há um termo para isso, chamado accountability. É um conceito bem amplo que envolve questões como legitimidade, responsabilidade e transparência. Em geral, as organizações que buscam a transparência diante da sociedade e de seus parceiros apresentam nos seus Sites, tanto dados financeiros como as suas realizações em programas e ações, relatórios anuais de impacto, avaliações, auditorias, pesquisas, policy papers, e uma gama de outras informações relativas à atuação institucional.

Essa questão põe outro tema em pauta, que é comunicar o impacto do trabalho gerado a partir dos programas e projetos desenvolvidos pelas ONGs. Não basta ter a intuição de que o trabalho está gerando mudanças, é necessário saber quais mudanças estão sendo geradas para poder comunicá-las. Em verdade é imprescindível, para toda e qualquer organização, saber quais são os reais resultados de sua intervenção no mundo para poder catalizar tranformações em um âmbito mais amplo, como por exemplo através da influência em políticas públicas. Existem metodologias e instrumentos de avaliação de impacto que ajudam as ONGs a coletar dados confiáveis para, a partir daí, gerar informações chaves que, por sua vez, vão ser a base de uma comunicação fidedigna.

Normalmente as ONGs começam a construir uma imagem pública sem ter definido previamente qual imagem pública querem construir. Obviamente, essa construção deve refletir os posicionamentos políticos, as crenças, os valores e os princípios da organização. O problema é que, se não há clareza sobre os elementos que compõem a imagem e sobre qual a imagem que se quer construir, corre-se o risco de fortalecer uma imagem irreal, indesejada. Não é impossível reconstruir uma imagem pública, mas é um processo que exige muito trabalho e tempo. Assim, realizar um bom trabalho interno de comunicação minimiza riscos trazidos pela comunicação externa.

A comunicação externa gera reconhecimento, que por sua vez gera demandas internas e oportunidades. Estar preparado para lidar com os dois é essencial. Então, o desafio é o de prever as demandas e preparar-se internamente para recebê-las e encaminhá-las bem. O surgimento de oportunidades é um indicador de que uma boa comunicação externa está em curso - oportunidades de parcerias, de financiamento, de participação em eventos, etc. A tentação é a de aproveitar todas elas. Aqui o desafio é saber escolher bem as oportunidades. Elas estão alinhadas institucionalmente? Estão de acordo com nossos princípios, valores, crenças, trabalho? Estamos preparados? Temos pessoal qualificado? Estamos nos desviando ou há, realmente, uma oportunidade de desenvolvimento aqui? Tentar se distanciar da ‘tentação’ e analisar a oportunidade de forma pragmática é um bom exercício, especialmente as oportunidades de financiamento.

Algumas organizações possuem definições institucionais claras sobre as iniciativas de comunicação e estratégias de mobilização de recursos, possuem vontade política de implementá-las, acreditam no trabalho, têm garra, equipe formada e estrutura física, mas não conseguem ‘alçar vôo’. A dificuldade se apresenta no ‘como’ fazer acontecer. Aqui surge uma tensão nas ONGs, pois é difícil encontrar um profissional de comunicação ou de mobilização de recursos que tenha ambos os lados desejados pelas ONGs: excelência técnica e militância política. Normalmente se encontra um bom técnico ou um bom militante. E aí a ONG deverá investir politicamente ou tecnicamente para que ele/ela se torne um/a profissional completo/a.

Outro desafio é a criatividade. As ONGs podem e devem exercer mais a criatividade e inovação em suas ações de comunicação e mobilização de recursos. Afinal, não a exercem tão bem em suas ações de campo, em seus projetos e programas? Trazer essa criatividade para ‘dentro’ da organização pode render bons frutos. Como as ONGs normalmente não possuem recursos suficientes, o que pode surgir como alternativa para chamar a atenção das pessoas e organizações é mudar a forma de se comunicar e de mobilizar recursos. Se diferenciar pela forma, não sem qualidade. Uma sugestão é a de ter momentos de criação voltados às ações de mobilização e de comunicação. Esses exercícios mostram as capacidades internas que a ONG dispõe e sobre as quais sequer têm conhecimento. Vale a pena tentar!

Por fim, como disse Nelson Mandela em 1997, referindo-se às organizações da sociedade civil africanas - mas que também serve para reflexão das organizações brasileiras: “Muitas organizações da sociedade civil não podem ser consideradas de fato organizações da sociedade civil. Primeiro porque a sociedade civil não as conhece e segundo porque elas dependem mais dos governos nacionais e internacionais do que do próprio povo para a sua sustentabilidade.”

Esta é uma versão compacta do artigo resultado de uma apresentação realizada no seminário “Comunicaids: Políticas Públicas e Estratégias para o Controle Social”. Publicado em livro do mesmo nome organizado por Alessandra Nilo e realização da Gestos, Gapabr-sp, Gapa-rs e Fórum de Ongs Aids de São Paulo, Brasil, 2005. Artigo revisado e atualizado em Julho de 2008.

Janaína Jatobá
Foi Coordenadora do Programa de Mobilização de Recursos da Oxfam entre 2001 e 2008. Atualmente exerce a Gerencia do Programa de Desenvolvimento Institucional e Comunitário do Instituto C&A no Brasil (www.institutocea.org.br)
Aliança Interage 07/01/09


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