terça-feira, 26 de junho de 2007

América Latina: Preparar para a velhice

Daniela Estrada, da IPS
Publicado pela Envolverde em 25/06/07

Os países da América Latina devem desenvolver desde já sistemas universais de seguro social para enfrentar o aumento da população maior de 60 anos, que em 2050 será de 189 milhões de pessoas, afirma um estudo da Organização das Nações Unidas sobre o assunto. “Os países devem começar a se preparar já. Se não forem tomadas medidas a partir de agora, em 2050 o problema (do envelhecimento da população) será difícil de ser manejado”, disse à IPS o colombiano José Antonio Ocampo, secretário-geral-adjunto para Assuntos Econômicos e Sociais da ONU.

Ocampo apresentou na semana passada, em Santiago do Chile, o “Estudo Econômico e Social Mundial 2007. O desenvolvimento de um mundo que envelhece”, preparado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (Desa). “Primeiro, é preciso construir sistemas de pensões viáveis com cobertura universal para esses 190 milhões de pessoas; em segundo lugar, deve-se ir preparando os sistemas de saúde para o cuidado com os idosos e, em terceiro, é preciso desenvolver sistemas que permitam à população idosa estar integrada política e socialmente”, afirmou.

O estudo estima que a maioria dos países em desenvolvimento deve destinar entre 0,5% e 2% de seu produto interno bruto ao financiamento de pensões sociais universais para manter as pessoas em idade avançada longe da pobreza extrema. O custo de sistemas de segurança social mais desenvolvidos, que contem com elementos contributivos, é mais alto, entre 6% e 10% do PIB, ressaltou Ocampo. Projeções do Desa indicam que em 2050 existirão quase dois bilhões de pessoas com 60 anos ou mais no mundo, 80% delas vivendo em países em desenvolvimento.

Como a América Latina e o Caribe ainda estão na segunda transição demográfica (redução da fecundidade e aumento dos adultos em idade de trabalhar), as projeções indicam que passará de 49 milhões o número de adultos em 2005, que equivalem a 8,8% da população total, para 189 milhões em 2050, representando 24,1% do total de habitantes. Já as nações industriais atravessam a terceira transição demográfica, que se caracteriza por um longo período de redução da fertilidade e da mortalidade, gerando aumento da proporção de pessoas mais velhas.

Atualmente, 80% da população mundial não têm uma cobertura de assistência social, e prevê-se que, se não houver uma mudança nas políticas, cerca de 1,2 bilhão de idosos poderão enfrentar insegurança de renda até 2050. “Nossas sociedades (latino-americanas) ainda não estão plenamente preparadas para abordar os desafios que derivam do envelhecimento populacional”, afirmou Dirk Jaspers-Faijer, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho de Demografia da Divisão de População da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

“Os riscos que o envelhecimento provoca na economia, saúde e cultura se devem mais à inexperiência e escassa visão de futuro para abordar a questão como um assunto público que preocupe os Estados do que ao processo de mudança demográfica em si”, ressaltou. O informe destaca que o envelhecimento reflete o progresso humano, já que significa maior longevidade e menor mortalidade, e se deve considerar uma oportunidade para incorporar ativamente os mais velhos à sociedade, o que, por sua vez, implica importantes desafios.

O crescimento da força de trabalho vai desacelerar e inclusive ficar negativa, o que pode afetar a atividade econômica. Além disso, esta tendência demográfica pode prejudicar a sustentabilidade dos sistemas de aposentadorias e de saúde. O estudo afirma que há quatro “respostas cruciais” para este cenário: aumentar a participação feminina na força de trabalho, eliminar incentivos à aposentadoria antecipada, melhorar o ambiente profissional para os trabalhadores de idade avançada e aumentar a produtividade do trabalho.

Um aspecto-chave nos países da região é a criação de sistemas de pensões para a velhice, já que se comprovou que existe uma estreita ligação entre a cobertura da seguridade social e a pobreza em idades avançadas. Alguns dos países que desenvolveram mais cedo sistemas deste tipo são Uruguai, que conta com 78% de cobertura; Brasil, com 77%; Argentina, com 56%, e Chile, com 55% dos idosos. Entre os países com cobertura insuficiente estão Haiti, com 1%; Bolívia, com 11%; Paraguai, com 12%, e México, com 20%. O estudo afirma que não existe uma fórmula universal para a criação dos sistemas de pensões, mas que há princípios reitores: acesso universal, solidariedade, igualdade de gênero, benefícios adequados para evitar a pobreza e sustentabilidade financeira.

Desta forma, os sistemas de segurança de renda devem ter múltiplos pilares, projetados de acordo com as condições e preferências de cada país. Os dois mais importantes são o pilar não-contributivo, que implica a entrega de uma pensão a todos os maiores de 60 anos, e o pilar contributivo, que substitui certo nível de salário. Neste último cabem os sistemas de capitalização do qual o Chile é pioneiro.
Entretanto, Ocampo lembrou que “não há evidência da superioridade do sistema de capitalização” sobre o de divisão. “Qualquer sistema depende do crescimento econômico do país”, explicou.

Em 1981, o então ditador chileno general Augusto Pinochet (1973-1990), substituiu o antigo sistema de divisão por um de capitalização individual, criando as Administradoras de Fundos de Pensões (FAP), sociedades anônimas que arrecadam e investem no Chile e no exterior as contribuições obrigatórias dos trabalhadores chilenos. Porém, seus magros resultados levaram a atual presidente, Michelle Bachelet, a enviar ao Congresso um projeto de lei para reformar o sistema que s encontra em discussão. Esta iniciativa contempla a entrega de uma Pensão Básica Solidária (PSB) para os trabalhadores mais pobres que não possam economizar para sua aposentadoria durante os anos em que está no mercado de trabalho. (IPS/Envolverde)

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Ambiente: Primeira cidade livre de carbono no paraíso do petróleo

Meena Janardhan, da IPS

Publicado pela Envolverde em 25/06/07

Uma cidade sem automóveis, pensada para pedestres, que funciona com fontes de energia renovável e está rodeada por fazendas eólicas e fotovoltaicas, parecerá uma miragem em meio ao deserto rico em petróleo. O plano de US$ 5 bilhões, digno de um filme de ficção científica, será implementado em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, e será o mais próximo de uma cidade sem carbono e sem desperdícios, quando estiver concluída, em 2009. Com os princípios de planejamento típicos de uma cidade amuralhada e da tecnologia existente que favorece o desenvolvimento sustentável, esta extensão de seis quilômetros quadrados abrigará uma comunidade energética, científica e tecnológica.

O ambicioso plano de construir uma cidade verde chamada Iniciativa Masdar (masdar significa fonte em árabe) está a cargo da Companhia de Energia Futura de Abu Dhabi, propriedade da Mubadala Development Company, uma firma de investimentos do governo local. “Sendo a primeira grande nação produtora de petróleo a dar esse passo, Abu Dhabi adotou uma posição de liderança com o lançamento de Masdar”, disse o diretor-geral do projeto, sultão Ahmed al Jaber. “Será uma plataforma cooperativa global de amplo compromisso com a busca de soluções para as questões mais preocupantes da humanidade, como segurança energética, meio ambiente e verdadeiro desenvolvimento humano sustentável”, explicou.

Em Abu Dhabi se encontram mais de 90% dos recursos petrolíferos dos Emirados, e as reservas do país, superiores a 100 bilhões de barris, são a terceira do mundo. Na cidade verde será instalado o Instituto Masdar de Ciência e Tecnologia, criado de forma conjunta com o Instituto Tecnológico de Massachussets, dos Estados Unidos, e contará com laboratórios de primeira linha, área comercial para as empresas do setor e um seleto conjunto de moradores que investirão, desenvolverão e comercializarão técnicas avançadas em matéria de energia.

Ali também ficarão os escritórios da Masdar, haverá alojamento para o pessoal, museu de ciência e instalações de entretenimento educativo. Inicialmente poderá abrigar cerca de 50 mil pessoas e, em seguida, até 100 mil. “Criamos um ambiente de sinergias. Trata-se de um verdadeiro grupo em matéria de energia alternativa com pesquisadores, estudantes, cientistas e pessoas ligadas à área dos investimentos. Combinará talento, experiência e recursos para possibilitar grandes avanços tecnológicos”, explicou al Jaber à IPS. Para que a iniciativa atraia a atenção apesar das duras condições climáticas e das altas temperaturas, que em julho e agosto chegam a 50 graus, estão previstos – pensando nos pedestres – caminhos sombreados e ruas estreitas.

A maior distância para se ter acesso a qualquer instalação provavelmente não superará os 200 metros e será complementada com um sistema de transporte rápido e pessoal. Esta cidade auto-sustentável oferecerá um pacote de incentivos para mais de 1.500 empresas que incluirão um programa de compras integrado de serviços estatais, leis transparentes, total acesso à propriedade por parte de estrangeiros, zona livre de impostos, proteção de patentes e proximidade de manufaturas, fornecedores e mercados.

Mohammed Raouf, do Centro de Pesquisa do Golfo, com sede em Dubai, disse que a iniciativa de Abu Dhabi pode ser copiada e melhorada. “Necessitamos de algo além de idéias e pesquisas, precisamos implementá-las de forma efetiva. Com sorte, a iniciativa atrairá outros nesta região”, afirmou. Porém, o ambientalista se mostrou céptico quanto à meta de “zero de emissão de carbono. Mas sem duvida, o projeto contribuirá para reduzi-las drasticamente”, acrescentou.

De acordo com o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança climática, o acúmulo na atmosfera de gases causadores do efeito estufa provocará no Oriente Médio um aumento de temperatura entre um e dois graus nos próximos 25 anos. A cidade verde fará parte de uma decisão política adotada por Abu Dhabi em abril de 2006 a favor de tecnologias renováveis e sustentáveis. Os Emirados estabeleceram em março o início de um grande programa sobre emissões de dióxido de carbono, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, aos quais a maioria dos cientistas atribui o aquecimento do planeta, e anunciou a criação de uma rede nacional de captura a armazenamento desse gás.

Estima-se que a rede pode reduzir as emissões em quase 40%, aumentar a produção de petróleo em mais de 10% e liberar grandes quantidades de gás natural. Isto seria conseguido isolando o gás de fontes ligadas a atividades industriais e energéticas e o transportando às jazidas para melhorar a recuperação de hidrocarbonos. Ao anunciar o plano, o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, xeque Mohammed bin Zayede al Nahyan, disse: “Somos um dos maiores fornecedores de energia do mundo. Por isso devemos agir, e o fazemos, com responsabilidade, na busca permanente e na incorporação de tecnologia para que o fornecimento seja mais eficiente na proteção do meio ambiente”.

Abu Dhabi também pretende investir US$ 350 milhões em uma usina de energia solar com capacidade para 100 megawatts e aproveitar a tendência mundial de investidores preocupados com o meio ambiente. A central poderá ser ampliada para 500 megawatts com o objetivo de fornecer energia a aproximadamente 500 mil domicílios. “Como ambientalista, estou disposto a pagar para viver em um lugar melhor. Mas os cidadãos comuns, especialmente os de baixa renda, não lhes importa ou não entendem. Por isso, é importante que o custo do desenvolvimento verde se mantenha em níveis acessíveis”, disse Raouf à IPS. “Ao criar a primeira cidade livre de carbono do mundo, Masdar demonstra seu compromisso com a mudança da forma como o mundo entende a utilização de fontes sustentáveis de energia”, acrescentou.

(IPS/Envolverde)

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Comissão aprova incentivos fiscais a atividades sociais

Publicado pela Agência Câmara em 22/06/07

A Comissão de Seguridade Social e Família aprovou, na última quarta-feira (20), o Projeto de Lei 873/03, do deputado Armando Monteiro (PTB-PE), que institui o Programa Nacional de Incentivo a Atividades Educacionais, Sociais e de Combate à Pobreza (Paes). O objetivo do Paes é captar e distribuir recursos fiscais para projetos voltados ao aperfeiçoamento científico e tecnológico; à preservação do meio ambiente; ao combate à pobreza; à atenção aos enfermos carentes; e à difusão de informações estratégicas relacionadas com a saúde pública.

Pela proposta, o custeio do programa será feito por meio de fundo específico que constará do Orçamento da União. Para a composição dos fundos, o texto permite o uso de contribuições de pessoas jurídicas e de pessoas físicas, que poderão ser deduzidas do Imposto de Renda devido.

As pessoas jurídicas, tributadas com base no lucro real, poderão deduzir até 40% das contribuições e 30% dos patrocínios, limitados a 4% do total do imposto devido. Os doadores poderão escolher o estado a ser contemplado com os recursos de suas contribuições declaradas à Receita Federal. O projeto determina que os recursos destinados ao programa não poderão ser contingenciados pelo Executivo, nem poderão ser utilizados para custeio de outras despesas do Governo Federal.

Caráter social
O relator na comissão, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), que apresentou parecer pela aprovação, ressaltou que o projeto tem o mérito de viabilizar recursos para projetos de cunho social. Outro ponto positivo destacado pelo relator é a proposta de parceria do Poder Público com o setor empresarial e as pessoas físicas interessadas. "Essa iniciativa estimula o desenvolvimento de programas de combate à pobreza ou de assistência à saúde para populações carentes", concluiu.

Empresa cidadã
A proposta prevê que as empresas que fizerem contribuições ao Paes receberão o certificado nacional de Empresa Cidadã. O documento terá validade de um ano, sendo revalidado automaticamente a cada contribuição anual para o Paes. Segundo Armando Monteiro, o objetivo é engajar, decisivamente, a iniciativa privada nos programas, projetos e atividades de apoio ao ensino, desenvolvimento científico e tecnológico, saúde, combate à pobreza, programas sociais e preservação do meio ambiente. Ele destaca que "o projeto abre caminho para a manifestação efetiva da solidariedade nacional, com a finalidade de contribuir para a superação das dramáticas desigualdades socioeconômicas". Além disso, o programa permite às empresas promoverem a divulgação do apoio ou patrocínio a projetos sociais.

Tramitação
O projeto será analisado também pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania, em caráter conclusivo.

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Ibama não tem prazo para concluir avaliação de Angra 3

Leonardo Goy
Publicado pelo Portal Exame em 26/06/07

O Ibama informou hoje, por meio de sua assessoria de imprensa, que não há prazo para concluir o processo de licenciamento ambiental da usina nuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro.

O instituto já realizou três audiências públicas nos dias 18, 19 e 20 deste mês em municípios da região onde está sendo construída a usina, para recolher sugestões das comunidades locais. É possível que a diretoria do Ibama decida marcar audiências complementares em outras cidades próximas a Angra ou até no Rio de Janeiro. O Ibama informa que apesar da greve de seus funcionários, o processo de licenciamento da usina nuclear está sendo realizado.

Ontem, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou a retomada da construção de Angra 3. Mas, para efetivamente retomar as obras de construção da usina, é preciso o aval do Ibama.

Agência Estado

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País 'apresenta' cadeia do álcool a europeus


Assis Moreira
Publicado no Valor Online em 26/06/07

Canavial no oeste do
estado de São Paulo
(Foto obtida na Internet)


O governo brasileiro está convidando um grupo de parlamentares europeus a visitar o país em meados de julho, antes da discussão no Parlamento europeu para o estabelecimento de uma rotulagem específica para os biocombustíveis ecologicamente sustentáveis. Brasília procura, assim, reagir às persistentes denúncias de lobistas do setor agrícola e de organizações não governamentais na Europa, que acusam o país de desmatar a floresta amazônica também para a produção de biocombustíveis, inclusive o etanol.

O governo quer explicar ao grupo de parlamentares como funciona a produção brasileira de álcool. Os europeus visitarão São Paulo e Brasília. A Amazônia está fora da agenda, porque o governo argumenta que na região não há produção de biocombustível, ao contrário das denúncias. Se algum parlamentar desejar, poderá estender a visita. A Comissão Européia, braço executivo da UE, abriu consulta pública para definir sua diretiva sobre energia renovável, que inclui etanol. A diretiva será depois submetida aos 27 Estados-membros e ao Parlamento.

Parece claro que o custo aumentará para que os exportadores se enquadrem neste futuro sistema europeu, com três critérios de sustentabilidade ambiental. O primeiro é estimular o etanol, cuja produção poupa a emissão de gás de efeito-estufa. Os dois outros estão relacionados ao uso da terra: evitar o desmatamento da floresta e proteger uma "biodiversidade excepcional", onde não se poderia produzir biocombustíveis.

Só que setores do Parlamento europeu querem incluir critérios de sustentabilidade social, dando maior flexibilidade para no futuro Bruxelas frear a importação de etanol. Recentemente, o ministro brasileiro do Trabalho, Carlos Lupi, deu razão a críticas de ativistas na Europa, confirmando trabalho degradante e péssimas condições na produção de cana para etanol. Na ocasião, Lupy afirmou que muitos trabalhadores se submetem a "condições horríveis, trabalham sem luvas e até perdem os dedos".

Bruxelas quer negociar acordos bilaterais, para fazer cumprir os critérios. Em troca, o país com o rótulo da sustentabilidade poderia se beneficiar de tarifa mais baixa na Europa. Os europeus poderão importar qualquer tipo de etanol. Mas só a importação deste biocombustível com o rótulo é que contará para o cumprimento das metas obrigatórias de mistura no bloco europeu. O Brasil já alertou Bruxelas de que poderá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) se a futura diretiva discriminar o etanol do país.

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O incrível milagre brasileiro do paralelepípedo voador




Abraham Weintraub
Publicado pelo
Valor Online em 26/06/07

As novas gerações não se recordarão, como eu, de cédulas da infância. Meu maior afeto é pela de um cruzeiro, verdinha, com a efígie da República. Minha mãe me dava uma todo dia para o recreio na escola. Depois, veio a do Barão do Rio Branco, de Cr$ 1.000, a mais classuda. Teve a do Mário de Andrade (com duas no bolso você era milionário!). Cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro de novo, cruzado, cruzado novo, cruzeiro novamente, cruzeiro real e, finalmente, o real. Notas mudavam, nem chegavam a envelhecer. Ganhavam carimbos, sumiam zeros, enfim, na memória o que fica são lembranças.

Os mais jovens provavelmente já abandonaram este texto na terceira linha, pensando: "mais um dinossauro com saudades da inflação". Meu intuito era esse mesmo, pois escrevo para você, caro leitor, que já não está mais na garantia de fábrica. A razão de remeter à minha infância é para justificar a dificuldade em aceitar a queda do dólar, ou a subida do real. Há cinco anos, quando a cotação era de R$ 4 por dólar, se me dissessem que o câmbio ficaria abaixo de R$ 2 em 2007, eu perguntaria: quantos zeros serão cortados? Haverá pacote heterodoxo? Congelamento? Jovens não têm tal ranço. Moisés sabia disso e passou 40 anos no deserto para formar uma nação sem os vícios dos hebreus nascidos no cativeiro.

Olhemos para o real com olhos de um jovem de vinte e poucos anos, que é a idade da maioria dos operadores de câmbio, aqui e no exterior. A inflação acabou há 13 anos, existe equilíbrio fiscal, o BC tem liberdade operacional para atuar conforme critérios técnicos internacionais e o câmbio é flutuante. Com isso, o real andará conforme os termos de troca. Quando os produtos brasileiros sobem de preço, o real se valoriza. Graças à China, as commodities devem continuar em alta. O índice CRB de metais subiu 350% nos últimos 5 anos, enquanto o de produtos agrícolas ficou em meros 75%. Isso sem falar no potencial do etanol.

Há também o fato de o dólar estar em um ciclo de baixa perante quase todas as moedas do mundo. Tal movimento pode perdurar por mais um ou dois anos, diminuindo o ganho do real em relação a uma cesta de moedas. Nos últimos cinco anos, o real se valorizou 50% em relação ao dólar. Porém, "apenas" 30% em relação ao euro e 35% em comparação à libra.

Interromper tal dinâmica depende de eventos imponderáveis, como a implosão da economia chinesa, uma recessão nos EUA ou uma guerra no Golfo Pérsico. Algo que reduza drasticamente o crescimento global e o preço das commodities, afetando as exportações brasileiras, além do movimento simultâneo de busca por segurança nos títulos americanos. Prever quando um evento de tal porte ocorrerá é tarefa para quem tem décadas de credibilidade acumulada e pouco tempo para queimá-la. Não é meu caso.

Quanto aos fundamentos locais, com a demanda se expandindo 5,5% ao ano, a produção crescendo 4%, a inflação muito abaixo da meta e, principalmente, um superávit externo em 1,2% do PIB, a moeda pode se apreciar ainda mais.

Agravando o quadro, há os juros. Sim, sempre eles. Hoje, no mundo, os juros brasileiros são uma das poucas barbadas que restam, ao ponto da PIMCO recomendar aos clientes, dentre eles várias vovós americanas, que, entre uma torta de maçã e outra, façam aplicações prefixadas em reais. Exageros à parte, a recomendação feita no Investment Outlook de Maio/Junho foi antológica.

Relativamente, o entusiasmo é justificável, dado os juros nominais dos nossos vizinhos: Venezuela 10%; Argentina 9,5%; Colômbia 7,3%; México 7,2%; etc. Falar em patamares iguais aos de Chávez ou Kirchner não é ultra-agressivo.

Assim, a insistência do BC em reduzir lentamente os juros pode intensificar a enxurrada de dólares. Nosso número para dezembro é de R$ 1,85. Todavia, um deslize da equipe econômica pode gerar o "undershooting", um ataque especulativo às avessas, derrubando temporariamente a cotação para R$ 1,7 ou menos. O trágico será se nossa indústria pagar pelo ajuste. Porém, conforme disse certo ministro, "algumas naturalmente morrerão". Câmbio na indústria dos outros é refresco!

A essa altura, você deve estar pensando: "Aceito os argumentos, mas a sensação é de atirar um paralelepípedo ao ar e, como mágica, surgirem asas e ele alçar vôo". Caro leitor, penso igual a você, mas o fato é que a pedra já está voando alto. Resta saber se o passeio será o de um falcão ou de Ícaro. Creio que, neste ano e no próximo, será o de um falcão. Mas um dia, talvez, a cera que gruda as penas se solte e alguém recomende sair debaixo da pedra. Parece que esse dia ainda está longe.

Abraham Weintraub é economista da Votorantim Finanças e responsável pela Votorantim Corretora.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

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Ar de São Paulo melhorou nos últimos 20 anos

Publicado pelo Valor Online em 26/06/07

O médico Paulo Saldiva, que adotou a bicicleta como meio de transporte Daniela Chiaretti
(Foto: Sergio Zacchi/ Valor)

Os paulistanos nem se dão conta, mas o ar da cidade melhorou muito nos últimos 20 anos. Os controles da Cetesb, a agência ambiental do Estado, já não acendem o sinal vermelho com a freqüência dos anos 80, quando a rotina do inverno era conviver com estados de atenção (e às vezes de alerta) pela péssima qualidade do ar da metrópole. Mas o lado B desta história é que se trata de uma conquista ambiental frágil: ou se planeja algo eficiente agora ou logo o futuro voltará a ser intoxicante.

São Paulo saiu dos primeiros lugares no ranking das cidades de ar mais sujo do mundo. O grande vilão do passado, o monóxido de carbono (CO) emitido pelos carros, parece sob controle mesmo com uma frota que aumenta 500 mil unidades ao ano. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a OMS, existem 45 cidades no mundo com ar mais envenenado que o de São Paulo (a maioria na Ásia e 14 na América Latina), considerando-se a concentração das chamadas partículas inaláveis (MP10), outro poluente que vem dos escapamentos. Nas emissões de dióxido de enxofre (SO²) - gás que agrava doenças respiratórias e cardiovasculares e arruina safras agrícolas ao formar a chuva ácida -, São Paulo está em nono lugar.

Há dez anos, as concentrações de MP10 no ar da região metropolitana ultrapassaram 162 vezes o padrão considerado adequado - isto aconteceu apenas duas vezes em 2006. Para ozônio (O³), a qualidade do ar foi inadequada ou má por 219 vezes em 2002, número que caiu para 90 em 2006; para monóxido de carbono (CO), foram 65 vezes em 1997, apenas uma em 2005 e sete em 2006, o pior ano da década em condições meteorológicas para dispersão de poluentes.

Não que o ar da cidade tenha alcançado padrões dos Alpes suíços, longe disso. Os paulistanos vivem menos do que os europeus também porque respiram ar mais poluído. Duas milhões de pessoas no mundo têm a vida encurtada por conta disso, gente que vive em núcleos urbanos com sistemas de transporte público precários e processos industriais sujos, diz o patologista Paulo Saldiva, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do laboratório de Poluição Atmosférica da USP.

A OMS criou uma métrica econômica, a Disability Adjusted Life Years (Daly), para identificar quanto se perde por uma incapacidade de saúde das pessoas. Por este raciocínio, diz Saldiva, a região metropolitana de SP perde US$ 400 milhões ao ano por mortes provocadas por doenças cardiovasculares, asma, bronquite crônica e câncer de pulmão. A conta não considera gastos com remédios, internações ou outra vertente, mas apenas a perda econômica provocada pelas pessoas que deixaram de produzir porque tiveram a vida abreviada. "É inegável que a poluição de São Paulo melhorou muito", diz ele, "mas nossos padrões estão muito defasados, são dos anos 90."

Outros indicadores apontam para este cenário positivo. A redução nos poluentes que saem dos escapamentos dos carros novos é de 90% desde 1997 - um dado importante, já que 80% da poluição de São Paulo vêm das fontes móveis. "O problema, agora, é que o que se conseguiu com tecnologia está sob risco pelo aumento impressionante da frota de carros e de motos", diz Fernando Rei, presidente da Cetesb, a quinta maior agência ambiental do mundo.

Fatores internos e externos à ação da Cetesb ajudaram a compor este quadro mais respirável. O forte controle que o órgão ambiental impôs às indústrias fez com que investissem em filtros e equipamentos mais eficientes. Outras, diante das restrições, desistiram do Estado e se transferiram para lugares menos saturados.

Nos anos 80, as empresas respondiam por cerca da metade da poluição da cidade, fatia que caiu para 20%. O controle prevê que cada ampliação industrial seja comunicada à Cetesb, que tem uma espécie de DNA ambiental das empresas. Há um ano vigora o decreto 50.753 que limita a ação de novas empresas poluidoras em áreas consideradas saturadas do Estado. Pela lei, uma empresa que queira se instalar e emita, por exemplo, 100 toneladas de óxido de nitrogênio (NOx) terá que retirar 110 toneladas do poluente do ar da região onde está instalada. A Refinaria de Paulínia (Replan), por exemplo, está instalando equipamentos mais eficientes para compensar a ampliação da produção, diz Carlos Komatsu, gerente do departamento de tecnologia do ar da Cetesb.

Se a questão das fontes industriais está melhor equacionada, a emissão veicular é o nó. A frota registrada na região metropolitana é de 7,9 milhões de veículos. A mistura do álcool à gasolina ajudou bem a reduzir os poluentes do ar. O Proconve, um programa federal de controle à poluição dos carros, impôs restrições gradativas às emissões dos automóveis que saíam das fábricas. Os carros novos, desde 1987, passaram a vir com catalisadores. Com tecnologia limpa, em 1992, eles poluíam 50% menos que os fabricados em anos pré-Proconve. "Mesmo assim, nossa defasagem é de oito anos em relação às emissões européias", diz Rei, o presidente da Cetesb.
O monóxido de carbono deixou de ser um problemão, mas surgiram novos desafios - o foco, agora, está nas pequenas partículas inaláveis e no ozônio, um poluente complexo que se forma a partir de outros, em dias de sol. O ozônio é agressivo, ataca de artigos de borracha a vegetais, provoca tosse e chiado, irrita olhos, diminui a capacidade pulmonar. "A boa notícia é que a frota em São Paulo quase triplicou e o ozônio não subiu", diz Gabriel Murgel Branco, que trabalhou 20 anos na Cetesb e foi o engenheiro por trás do Proconve. "A má notícia é que o controle ao poluente foi tímido. Tem que se planejar agora uma redução muito mais intensa", avisa.

O cenário imediato trata de equacionar um fator novo e um polêmico. O aspecto novo, que não preocupava há 20 anos, é o pelotão de motocicletas - na região metropolitana há 900 mil registradas. "Uma moto pode emitir 10 a 12 vezes mais que um carro", diz Homero Carvalho, gerente da divisão de engenharia e fiscalização de veículos da Cetesb. Em 2003, começaram a vigorar limites de emissão para motos novas de acordo com o Promot, programa federal de controle inspirado no êxito do Proconve e em legislação européia. Resta o funil dos veículos a diesel - o aspecto polêmico.
É preciso, agora, reduzir drasticamente o volume das emissões de partículas e óxidos de nitrogênio, a poluição de ônibus e caminhões a diesel. "É urgente este negócio", diz Branco. "O fundamental é baixar a quantidade de enxofre do diesel. Se isso não for feito, em 2009 as metas do Proconve não serão atingidas. Será o primeiro desrespeito ao programa em 23 anos", diz ele.

O diesel vendido no Brasil costuma ter 2 mil partes por milhão (ppm) de enxofre; na região metropolitana, a Petrobras vende diesel com 500 ppm de enxofre. Os engenheiros ambientais dizem que é preciso baixar para 50 ppm. Sem esta redução, a indústria não pode colocar catalisadores nos caminhões e ônibus, porque seriam corroídos. "A Europa está indo para 5 ppm de enxofre no diesel", diz o médico Saldiva, "mas no Brasil, às vezes, dá a impressão que estamos trabalhando com visigodos."

Saldiva fez parte, recentemente, de um grupo de 60 especialistas internacionais chamados pela OMS para elaborarem novos limites para poluentes. "Com ozônio e partículas não existe um gatilho de segurança para a saúde", diz ele. "É como cigarro. Quantos pode fumar por dia? Quanto menos for, melhor. Com estes poluentes é a mesma coisa." O médico lembra que a tendência mundial para as partículas inaláveis é limitar a menos de 2,5 micrômetros - no Brasil, o padrão ainda é 10 micrômetros. "Nós sequer medimos estas partículas", prossegue. "Os órgãos ambientais brasileiros são super rígidos em conceder licenças em regiões remotas, mas muito flexíveis nos centros urbanos. Esquecem que tem gente morando lá. Preocupação ambiental tem que incorporar a vertente da saúde."

Para enfrentar o problema do caldeirão químico de São Paulo, a Cetesb tem que migrar da função de controle e partir para a gestão ambiental, acredita o presidente da agência. O que está em pauta, agora, são "responsabilidades que escapam ao órgão ambiental", diz Rei. O futuro do ar da cidade depende da melhoria do sistema de transporte público, da criação de corredores de ônibus eficientes, de uma qualidade melhor de diesel, de educação ambiental para que os paulistanos deixem de circular sozinhos em seus carros.

Várias instâncias de governo começam a conversar em torno de medidas mais drásticas, como retirar carros velhos das ruas. A Prefeitura estrutura um programa de inspeção das emissões dos veículos em circulação. "Se não enfrentarmos o fato de que os ganhos ambientais dos últimos anos estão sendo penalizados pelo aumento da frota, nosso futuro será a cobrança de pedágio em determinadas áreas, como já ocorre em outras cidades do mundo", avisa Rei.

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Operadoras preparam portabilidade

Talita Moreira
Publicado no Valor Online em 26/06/07

O setor de telecomunicações começa a preparar sua maior transformação estrutural desde a caótica implantação dos códigos de seleção de prestadora para chamadas de longa distância, há oito anos. As teles já arrumam a casa para a adoção da portabilidade numérica, mecanismo que permitirá ao cliente manter o número de telefone quando mudar de operadora e entrará plenamente em vigor em março de 2009.

A tarefa não é simples nem barata - tampouco conta com a simpatia das grandes operadoras. Entre serviços de consultoria e as muitas adaptações necessárias nas redes, as teles deverão gastar, juntas, entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões, segundo estimativa das próprias companhias.

Prevista desde a criação da Lei Geral de Telecomunicações, a portabilidade ficou, durante anos, fora da pauta de prioridades da Anatel. Foi somente no início de 2007 que o órgão regulador publicou um regulamento para implantar o serviço.

O primeiro passo concreto foi dado no fim da semana passada. Após uma série de reuniões de um grupo de trabalho que inclui operadoras e representantes da Anatel, foi escolhida a Associação Brasileira de Recursos em Telecomunicações (ABR Telecom) como a entidade administradora da portabilidade.

Caberá a ela a tarefa de gerenciar a base de dados sobre os números telefônicos e as operadoras em que se encontram. A ABR funcionará como uma "clearing", que também intermediará os custos de transferência do cliente de uma empresa para outra. Para isso, terá de contratar uma empresa que ofereça essa solução técnica. Uma das possíveis candidatas é a ClearTech, companhia que faz gerenciamento de contas para as teles. A ABR tem como principais associadas as maiores prestadoras de telefonia fixa e móvel, e por isso o processo de escolha da entidade foi marcado por intenso debate entre as teles - as pequenas operadoras argumentaram que temem ficar sem representatividade no processo.

A portabilidade será implantada na telefonia fixa e na móvel. Nos dois casos, ela se aplicará nas ocasiões em que o cliente quiser manter seu número quando mudar de operadora dentro da mesma área geográfica. Isso significa que, nos municípios onde não houver mais de uma prestadora de serviços, ele não poderá migrar. De acordo com a Anatel, o recurso estará disponível para 52% da população brasileira. O assinante pagará uma taxa de transferência.

Para as operadoras, trata-se de uma enorme mudança em processos internos, sistemas de tecnologia da informação e infra-estrutura de redes. "O que se quer é que a implementação seja muito segura para se evitar o que houve na época da adoção do código de seleção de prestadora, quando o país ficou sem serviços telefônicos por dois ou três dias", observa o diretor de regulamentação e estratégia da Oi, Alain Riviere. O executivo defende que os testes previstos para ser realizados entre maio e agosto de 2008 -comecem por cidades de porte médio para depois chegar às grandes capitais.

As datas parecem distantes, mas são consideradas exíguas pelas operadoras e pelos demais envolvidos no processo. "Os prazos são insuficientes", afirma o consultor Ricardo Felinto, da Boucinhas & Campos + Soteconti Auditores Independentes.
A portabilidade tem sabor amargo para as grandes operadoras - além dos custos de implantação, elas terão de gastar mais para agradar seus clientes e evitar que eles migrem para a concorrência.

Alguns executivos, especialmente das empresas de celular, têm afirmado que a medida será inócua. O presidente da Vivo, Roberto Lima, disse em mais de uma ocasião que a portabilidade representará um aumento de custos desnecessário, pois os assinantes de telefonia móvel já costumam mudar de operadora, mesmo tendo de abrir mão do número.

Numa nota enviada ontem ao Valor, a Claro faz avaliação semelhante e acrescenta: "A ligação poderá levar mais tempo para ser completada e, além disso, toda a infra-estrutura adequada para tal representará custos adicionais para as empresas".

Mas, para Riviere, da Oi, a adoção da portabilidade vai na linha do que vem sendo feito em diversos países. "É um benefício para o cliente", diz. "O necessário é que se mantenha a competição entre plataformas [telefonia e de cabo, por exemplo]."

Uma sondagem feita pelo Yankee Group para a ClearTech em dezembro, nas cidades de São Paulo, Rio e Belo Horizonte, mostrou que 54% dos entrevistados não trocariam de operadora fixa mesmo podendo carregar o número. A Embratel e a Net seriam a opção de 60% dos que gostariam de migrar. Na telefonia, onde existe mais competição, 79% afirmaram que em nunca deixaram de mudar de operadora por causa do número do celular. Pouco mais da metade (52%) disse que não mudaria de prestadora mesmo se pudesse manter o número.

Segundo Luiz Cuza, presidente da Telcomp (associação das empresas que competem com as concessionárias de telefonia fixa), a portabilidade é bem-vinda, mas deveria ser acompanhada da desagregação de redes. Trata-se do mecanismo que permite que uma operadora use a infra-estrutura das teles locais para chegar à casa do cliente final. Isso não foi regulamentado pela Anatel.

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Países em desenvolvimento racham após fracasso do G-4

Assis Moreira
Publicado pelo
Valor Online em 26/06/07

Jorge Taiana, ministro argentino: apoio formal ao Brasil e pedido de reuniões
(Foto: Nelson Perez/Valor)

Movimentos contra e a favor da posição do Brasil e da Índia na negociação de produtos industriais confirmam o racha entre países em desenvolvimento, no rastro do fiasco de Potsdam. México, Chile e Costa Rica, que têm acordos de livre comércio com os Estados Unidos; Peru e Colômbia, que negociam esses acordos com Washington, além de Hong Kong, Cingapura e Tailândia apresentaram ontem na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma proposta defendendo concessões no corte de alíquotas industriais.

O grupo alega que as perdas com o fiasco ou congelamento da Rodada Doha superam em muito um "acordo menos que perfeito" e que "no contexto específico de Nama (produtos industriais), uma mostra concreta de flexibilidade tem sido rara mesmo nesse estágio da negociação". O grupo sugere um corte que pode variar entre 58% e 64% nas alíquotas de nações em desenvolvimento, com flexibilidade para proteger entre 5% a 10% de linhas tarifárias. Os países ricos deveriam cortar acima de 70% nas suas alíquotas.

A proposta está próxima do que a União Européia (UE) defendeu em Potsdam e foi recusada pelo Brasil, por ter potencial para "desinvestimento e desindustrialização" nos países em desenvolvimento.

Houve reações mistas em Genebra. Alguns negociadores, que só falam sem serem citados, diante do clima de tensão, notam que esses países defendem seus interesses específicos e não se sentem representados pela "posição mais rígida do Brasil". Outros chamam a atenção para a composição curiosa do grupo: os que têm maiores vínculos comerciais com os EUA e os que já têm tarifas baixas e vão cortar pouco na Rodada, mas que pedem para os outros aceitarem amplas reduções tarifárias.

Outras nações participaram do grupo coordenado pelo Chile, mas não se comprometeram formalmente com o texto. Um deles é o Paraguai, membro do Mercosul e portanto com Tarifa Externa Comum (TEC) com o Brasil, Argentina e Uruguai. A missão paraguaia em Genebra, em todo caso, despachou uma funcionária para Assunção com a proposta para ser examinada pelo governo e possivelmente para discussão com os parceiros do bloco do Cone Sul, esta semana.

"Temos posição mais ofensiva, mas estamos atados ao Mercosul e não podemos fazer nada", disse um diplomata paraguaio. O Uruguai foi sondado a participar. Mas o embaixador Guillermo Vallez negou qualquer participação ou apoio. "Somos independentes", afirmou esse membro do G-20. Já a Argentina pediu ontem a convocação de reuniões do G-20 e do Nama-11, duas alianças de países em desenvolvimento (a primeira para agricultura, a segunda para bens industriais), para expressar publicamente seu respaldo à posição de Brasil e Índia. Chile, México e Tailândia, que assinaram a proposta que diverge do Brasil, são do G-20.

Buenos Aires procura corrigir o mal-estar causado pelo seu silêncio constrangedor durante a reunião dos 150 países membros da OMC que se seguiu ao fiasco de Potsdam, ainda mais que a Argentina era menos flexível que o Brasil na área industrial, e Brasília acabou refletindo a posição argentina. Para reparar o erro, o ministro das Relações Exteriores, Jorge Taiana, telefonou na sexta-feira à noite para o ministro Celso Amorim, que já dormia. Deixou o recado de que a Argentina apoiava o Brasil, mas recebeu a resposta de que o melhor seria tornar esse apoio público. Foi o que Taiana fez, em comunicado no qual expressou "reconhecimento e solidariedade" com as posições de Brasil e Índia.

A nota destacou que os dois países "defenderam com dignidade os interesses dos países em desenvolvimento na busca de um acordo equilibrado" para "fortalecer" a OMC e acusou os EUA e a UE de serem os responsáveis pelo fiasco. Com a Rodada em crise, o Mercosul discutirá a lista de produtos sensíveis para Doha, esta semana.

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Conselho aprova construção de Angra 3

Daniel Rittner

Publicado pelo Valor Online em 26/06/07

Simulação da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto com Angra 3 concluída (do site da Eletronuclear)

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou ontem, por oito votos favoráveis e apenas um contra, a retomada das obras da usina nuclear de Angra 3. Paralisada há 21 anos, a nova usina deverá entrar em operação em 2013 e precisa de investimentos adicionais estimados em R$ 7 bilhões, segundo o governo.

Junto com o anúncio de que a usina será concluída, o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, disse que o Brasil passará a enriquecer internamente todo o urânio para abastecer as centrais nucleares. Adiantou que o governo vai preparar nova forma de comercialização da energia proveniente de fonte atômica, parecida com a praticada atualmente pela binacional de Itaipu, com o rateio, por todas as concessionárias de distribuição, das despesas com a compra de eletricidade.

Com o fantasma de um novo apagão assustando o país, o único voto contrário à retomada de Angra 3 partiu do Ministério do Meio Ambiente, que pediu mais tempo para aprofundar as discussões sobre o tema com a sociedade civil. Isolada dentro do governo, a ministra Marina Silva não participou da reunião e enviou seu secretário-executivo, João Paulo Capobianco. Votaram a favor oito ministérios - Minas e Energia, Casa Civil, Ciência e Tecnologia, Fazenda, Planejamento, Agricultura, Integração Nacional e Desenvolvimento.

Para os integrantes do CNPE, segundo Hubner, ficou clara a necessidade de expandir a geração de energia térmica para dar suporte à matriz predominantemente hidrelétrica do país. "A nuclear é a alternativa de menor custo e melhores condições, inclusive ambientais, principalmente no momento em que o mundo inteiro está discutindo a questão das mudanças climáticas, porque ela não tem emissões de gás carbônico."

Hubner explicou o roteiro que será seguido, a partir de agora, para dar continuidade às obras de Angra 3. De imediato, o ministério atualizará as simulações feitas em 2006 para projetar o valor da tarifa da energia proveniente da central nuclear. No ano passado, o valor estimado era de R$ 138,14 por megawatt-hora (MWh) - preço que se tornou competitivo na comparação com outras fontes, como as térmicas movidas a gás natural.

O estudo será retomado e passará por auditoria externa. Ele é importante porque baseará contratos de longo prazo entre a Eletronuclear ou a Eletrobrás e as distribuidoras. Hubner deixou claro que não espera revisão para cima dos valores calculados em 2006. "Por um lado, pode-se ter tido o aumento de preços de alguns equipamentos no exterior. Por outro lado, melhoraram as condições econômicas do país", referindo-se às formas de financiamento do projeto - incluindo BNDES -, às desonerações previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e à exigência de menor taxa de retorno dos investidores.

Também será preciso avançar no licenciamento ambiental da usina, que está em andamento no Ibama. Um ponto polêmico - e, na verdade, essência das contestações explicitadas pelo Meio Ambiente - diz respeito ao tratamento dos rejeitos de longa duração. Sem entrar em detalhes, Hubner informou que serão usados depósitos intermediários em que os resíduos são colocados em cápsulas, dentro de vasilhames, onde ficam armazenados por centenas de anos. "O mundo inteiro discute hoje o reaproveitamento dos resíduos para a própria geração de energia e a transformação em outros elementos que podem ser usados pela indústria", completou Hubner.

Com potência de 1.350 MW, a nova usina terá tecnologia semelhante à de Angra 2 e levará cinco anos e meio para ser concluída. O ministro destacou que o Brasil tem a sexta maior reserva mundial de urânio, suficiente para fornecer combustível às suas usinas por mais de 500 anos. A conclusão de Angra 3 viabilizará o enriquecimento de urânio, em escala industrial, dentro do país, afirmou.

Hoje, apesar de dominar a tecnologia, o Brasil manda urânio para enriquecimento no Canadá e na Europa. "Não temos isso implantado de forma industrial, porque não havia demanda para tanto. Com Angra 3, o Brasil será um dos únicos três países do mundo com reservas, capacidade de produção e domínio de todo o ciclo de enriquecimento", ressaltou Hubner.

A organização Greenpeace condenou a decisão do governo e prometeu continuar lutando contra a retomada da usina. "Com o passar do tempo, fica cada vez mais claro que Angra 3 não é uma questão energética nem econômica. É ligada às origens do programa nuclear, que tem finalidades militares, e não pacíficas", criticou o coordenador da campanha do Greenpeace, Guilherme Leonardi.

O CNPE também autorizou a realização da 9ª rodada de licitação de áreas para exploração de petróleo e gás, mas a decisão foi ofuscada pelo anúncio de Angra.

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