segunda-feira, 11 de junho de 2007

As normas internacionais de contabilidade

Luís Carlos Gruenfeld*
Publicado pelo
Valor Online em 11/06/2007

A contabilidade, embora se utilize de métodos quantitativos (matemática e estatística), é uma ciência social aplicada que, por sua própria definição, sofre larga influência do ambiente em que atua. Aspectos culturais, políticos, históricos, econômicos e sociais influenciam fortemente as práticas contábeis adotadas em cada país. Estas circunstâncias proporcionam a coexistência de diversos critérios de reconhecimento e mensuração de um mesmo fato, com implicações diversas sobre as demonstrações contábeis. A disparidade é de tal ordem que o lucro poderia ser diferente, por exemplo, se apurado em países com práticas contábeis distintas.

Apesar destas diferenças, a contabilidade é largamente utilizada no mundo inteiro, principalmente por acionistas, credores e investidores. As demonstrações contábeis têm como objetivo atender às necessidades de seus usuários, contribuindo para a tomada de decisões. Entre os usuários da contabilidade destacam-se os investidores que buscam oportunidades de ganhos em diferentes mercados. A diversidade entre as várias economias representa uma dificuldade adicional para esses investidores, dada a necessidade de entender as práticas contábeis de cada país e convertê-las para um mesmo padrão. A convergência das normas internacionais deverá facilitar análises, auxiliar na tomada de decisões e colaborar para a redução do custo de capital e do custo de elaboração de relatórios financeiros.

O principal agente preocupado com a convergência das normas internacionais é o International Accounting Standards Board (IASB) - ou Junta de Normas Internacionais de Contabilidade -, um organismo privado e sem fins lucrativos que conta com a participação de mais de 100 países. Em seu "framework" (estrutura conceitual básica), ao tratar da questão das diferenças entre normas contábeis de diferentes países, afirma estar "comprometido em reduzir tais diferenças buscando harmonizar as regulamentações, normas contábeis e procedimentos relacionados com a preparação e apresentação de demonstrações contábeis".

O IASB emite as Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (IFRS), anteriormente denominadas de Normas Internacionais de Contabilidade (IAS). Os Estados Unidos, por sua vez, adotam seu próprio padrão contábil - o USGAAP. O IFRS e o USGAAP são os dois padrões contábeis mais aceitos no mundo. Na direção de harmonização de padrões contábeis, três fatos se destacam: as empresas européias listadas em bolsas de valores estão obrigadas a apresentar suas demonstrações contábeis de acordo com as normas internacionais de contabilidade desde 2005; o IASB já aprovou um cronograma estabelecendo 2010 como prazo limite para a harmonização entre o IFRS e o USGAAP; e a Securities Exchange Comission (SEC) - o órgão americano equivalente à brasileira Comissão de Valores Mobiliários (CVM) - estuda aceitar o IFRS como padrão para empresas estrangeiras e americanas listadas em bolsas de valores do país.

No Brasil há a necessidade de resolver conflitos internos gerados pelas diversas normas contábeis

Aproximadamente 100 países no mundo já adotam as normas internacionais para as empresas listadas em bolsa de valores - entre eles Alemanha, Austrália, França, Portugal, Espanha, Itália e Reino Unido. Existem países em que as normas são obrigatórias somente para alguns dos segmentos de empresas com ações em bolsas, e outros que permitem - mas não exigem - sua aplicação. E, por fim, há aqueles que não permitem sua aplicação.

No Brasil, uma das iniciativas em torno da convergência de nossas normas com as internacionais veio do Banco Central (Bacen), obrigando todas as empresas sob sua regulação a preparar as demonstrações contábeis com plena aplicação das IFRS a partir de 31 de dezembro de 2010. A CVM acaba de divulgar uma minuta de instrução que exige que as companhias abertas adotem o padrão contábil internacional para as demonstrações contábeis anuais consolidadas a partir de 2010, facultando sua adoção antecipada. De acordo com a referida minuta de instrução, as demonstrações contábeis individuais e trimestrais continuariam sendo feitas de acordo com as práticas brasileiras. Desta forma, as empresas fariam uma nota explicativa conciliando o padrão internacional e o brasileiro.

No caso brasileiro, é preciso considerar que nos defrontamos não só com a questão da convergência ao padrão de normas internacionais, mas também com a necessidade de resolver conflitos internos ocasionados pela geração de normas contábeis por diversas leis, instituições e agências reguladoras. Nesse sentido, merecem destaque os esforços representados pela recente criação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e o Projeto de Lei nº 3.741, de 2000.

O CPC foi criado pela Resolução nº 1.055, de 2005, do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e representa a união de esforços e objetivos das seguintes entidades: Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), CFC, Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon). A idéia é que o CPC passe a centralizar a emissão de normas contábeis no Brasil, por meio de pronunciamentos técnicos, orientações e interpretações. Os referidos documentos seriam aceitos, também, pelo Bacen, CVM, Secretaria da Receita Federal e Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgãos que são sempre convidados a participar das atividades do CPC. A CVM, em sua Deliberação nº 520, de 15 de maio de 2007, dispõe sobre a possibilidade de colocar em audiência pública conjunta com o CPC as minutas de pronunciamentos técnicos por ele emitidas e abre a possibilidade de aceitação dos pronunciamentos técnicos emitidos pelo CPC, no todo ou em parte.

Por sua vez, o Projeto de Lei nº 3.741, de 2000, foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Se aprovado também na Comissão de Constituição e Justiça, seguirá para o Senado Federal. A aprovação final poderá representar mudanças importantes no sentido de convergência com as normas internacionais como, por exemplo, a substituição da demonstração das origens e aplicação de recursos pela demonstração do fluxo de caixa e a obrigatoriedade de apresentação da demonstração do valor adicionado. Outro ponto importante é o fato de que as empresas passariam a elaborar, primeiramente, demonstrações contábeis para atendimento à legislação tributária, para depois elaborá-las para fins societários, sendo estas últimas as demonstrações oficiais, por exemplo, para cálculo de dividendos, aprovação pelos acionistas e publicação.

*Luís Carlos Gruenfeld é diretor da Boucinhas & Campos + Soteconti Auditores Independentes

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


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Ensino baseado no trabalho, uma alternativa viável

Carmen Maia
Publicado pelo Valor Online em 11/06/07


Recentemente, o primeiro ministro britânico, Tony Blair disse que grandes empresas como Tesco, Asda, Sainsbury, entre outras, poderiam conceder certificação acadêmica com seus cursos "in house". Essa decisão causou um verdadeiro rebuliço na área de ensino superior do Reino Unido, onde as tradicionais universidades se mostraram totalmente "decepcionadas", para não dizer outra coisa, com a posição ministerial.
A justificativa para essa decisão não deixa dúvidas: "Existe uma necessidade de personalização e customização nos cursos de formação profissional, em várias áreas, que as universidades tradicionais não conseguem suprir. Nada mais natural que as empresas invistam nessa qualificação e sejam reconhecidas e acreditadas por esse valoroso trabalho", disse o primeiro-ministro.

O CEO do QCA (Qualifications and Curriculum Authority) do Reino Unido, Ken Boston reforçou a decisão dizendo que "era preciso encontrar novas formas de reconhecer e acreditar os cursos de treinamento oferecidos pelas grandes empresas, pois eles são de grande valia para seus funcionários e podem servir para a qualificação em áreas vocacionais ou técnicas".

O que eles, Tony Blair e Ken Boston, não sabiam, até então, era que os cursos que estão sendo oferecidos por essas empresas a seus funcionários já passaram pelo selo de qualidade do City & Guilds, líder no desenvolvimento de cursos vocacionais no Reino Unido. Há muito tempo os cursos oferecidos por grandes empresas britânicas como British Airways, Tesco, HSBC, London Underground já são desenhados com o auxílio desse órgão e certificados por ele.

A certificação do governo nada mais é do que o reconhecimento do ótimo trabalho que já vem sendo feito nessa área. É uma forma de acabar com o preconceito e a hipocrisia de que é preciso ter uma formação acadêmica para se obter uma qualificação. A vida tem mostrado que isso não é verdade.

O Reino Unido foi um dos primeiros países a implementar há pelo menos 20 anos o conceito de "work-based learning" (aprendizado baseado no trabalho). Uma alternativa de aprendizagem para estudantes "maduros", que já estão no mercado de trabalho, mas ainda não possuem curso superior. Sabemos que a experiência e o dia-a-dia no trabalho são tão importantes no aprendizado quanto a teoria oferecida em sala de aula. Paulo Freire já dizia que é preciso trabalhar a realidade cotidiana do estudante para se obter uma efetiva aprendizagem. A fundamentação teórica é complementar à prática.

Diversos cursos na Inglaterra são desenvolvidos no ambiente de trabalho com a supervisão das universidades. Os mentores são os próprios colegas de empresa, que complementam a aprendizagem. O dia-a-dia do trabalho serve como base curricular. Os programas são desenhados em conjunto com o aluno/trabalhador em função do que ele faz: "work is the curriculum" (trabalho é o currículo). Essa é a palavra-chave, e o mais interessante nesse processo, é que a universidade não é excluída. Ela é participante ativa e interessada nesse desenvolvimento.

Os cursos, apesar de quase personalizados, são oferecidos pelas universidades que colocam seus professores para acompanhar o trabalho desenvolvido pelo aluno. É o aprender fazendo e pensando a respeito do que está sendo feito. Tudo o que todas as teorias da aprendizagem preconizavam há mais de 50 anos e as universidades teimavam em ignorar. A demanda por esse tipo de curso tem sido crescente. Não apenas por parte dos alunos, mas das universidades que estão oferecendo essa metodologia.
Há três anos, apenas 10 instituições de ensino em todo o Reino Unido ofereciam "work-based learning", como a Middlesex University, University of Derby, University of Chester, University of Bristol, University of Westminster, entre outras. Hoje, a maioria das universidades já inclui em seu catálogo essa modalidade.

Nesse modelo, todos ganham: estudantes, professores, universidade e empresa, além é claro, do próprio país que pode se orgulhar em ter mais da metade de sua população adulta trabalhadora com curso superior atuando na sua respectiva área de trabalho.

Primeiro mundo é assim. Educação vem sempre em primeiro lugar e não faltam oportunidades e alternativas para quem quer e precisa aprender. Um bom modelo se pensar em oferecer e implementar nas instituições de ensino brasileiras.

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