quinta-feira, 31 de julho de 2008

Fundo Amazônia terá potencial para captar mais de US$ 21 bilhões até 2021

O Fundo Amazônia, que captará recursos para ações de combate ao desmatamento e de preservação da floresta, tem potencial para receber mais de US$ 21 bilhões até 2021, segundo estimativa do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O banco será o gestor do fundo, que será criado nesta sexta-feira, por meio de decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para o primeiro ano de operação, o fundo terá um limite de captação de US$ 1 bilhão. "Esses US$ 21 bilhões estão calculados baseados no limite potencial, e não na expectativa de doações que o órgão poderá ter", disse o chefe do departamento de meio ambiente do BNDES, Eduardo Bandeira de Mello.

O primeiro aporte está previsto para setembro, e deverá vir do governo da Noruega. O executivo do BNDES não confirmou o valor, mas fala-se em algo em torno de US$ 100 milhões.

Existe uma limitação de recursos que o fundo poderá agregar, a partir de uma média do desmatamento dos últimos dez anos e as emissões de carbono geradas a partir da devastação. Essa média será atestada pelo CTFA (Comitê Técnico do Fundo Amazônia). À medida em que o desmatamento cair, o fundo poderá ampliar esse teto de captação.

O fundo apoiará projetos voltados para atividades alternativas de combate ao desmatamento, à proteção de unidades de conservação, projetos de desenvolvimento científico e tecnológico para proteção da floresta, e projetos de desenvolvimento institucional ligados à floresta.

A aprovação dos projetos ficará a cargo do BNDES, apoiado na orientação de um comitê formado por membros do governo federal (Ministério do Meio Ambiente e Secretaria de Assuntos Estratégicos), governos estaduais que têm áreas da floresta e órgãos da sociedade civil, como ONGs e confederações.

"O trâmite de aprovação dos projetos obedecerá aos critérios normais do banco. Isso dá segurança a quem coloca os recursos. Eles entrarão na rotina do banco", afirmou Bandeira de Mello. Ele explicou que o o banco disponibilizará os dados sobre o fundo e seus projetos de forma periódica, na internet.

Bandeira de Mello disse que não haverá nenhum tipo de incentivo ou compensação a quem doar para o fundo, seja por meio de abonos fiscais ou pela concessão de crédito de carbono. Poderão fazer doações governos ou empresas de qualquer parte do mundo. Bandeira de Mello garantiu que os doadores não terão qualquer influência sobre as decisões do fundo, que não será contabilizado no orçamento do banco.

Lula assinará o decreto na sede do BNDES, no Rio, onde passará o dia. Antes, terá encontro com intelectuais no mesmo local. À tarde, estará na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), onde vai inaugurar um pólo de virologia e lançara a 17ª semana mundial de amamentação. À noite, Lula participa da posse do poeta Crispiniano Neto como imortal da Associação Brasileira de Literatura de Cordel.


Cirilo Junior
Folha Online, 31/07/08

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SOS Mata Atlântica lança serviço e capta recursos via SMS

A Fundação SOS Mata Atlântica lança na próxima segunda-feira, 4 de agosto, um serviço de notícias via SMS, em parceria com a Atope – empresa de soluções móveis do grupo Ouvi.

Os interessados poderão se cadastrar enviando de seu celular uma mensagem de texto (SMS) com a palavra SOS para o número 49820, passando a pagar R$ 0,31 (mais impostos) por dia para receber uma mensagem com dicas e informações a respeito da Mata Atlântica e sobre sustentabilidade.

Parte do valor será revertida para projetos e ações da entidade. Os usuários de celular também poderão fazer downloads de wallpapers e se informar sobre novidades da fundação no portal wap.sosma.org.br. Além do serviço via SMS, a SOS Mata Atlântica também acaba de colocar no ar o blog www.sosma.org.br/blog e um sistema de mobilização no portal www.sosma.org.br, ambos desenvolvidos pela Dialeto.


Portal da Propaganda, 30/07/08

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Abrale e Abrasta promovem concurso

As ONGs Abrale e Abrasta estão promovendo o concurso cultural "Retratos da coragem", com o intuito de conscientizar a sociedade para as doenças onco-hematológicas por meio da arte.

As inscrições, que vão de 4 de agosto até 9 de setembro, poderão ser feitas pelo www.abrale.org.br, pelo concursodefotografia@abrale.org.br ou pela Caixa Postal nº. 11058, CEP 05422-970.

Fotógrafos profissionais e amadores poderão participar com imagens que representem atos corajosos. As fotos pré-selecionadas e vencedoras farão parte de uma exposição fixa em 2008 e outras itinerantes em 2009, além de ilustrar a agenda e o calendário da Abrale.


Portal da Propaganda, 30/07/08

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Autora de "Harry Potter" doa livro para caridade

Autora inglesa J.K Rowling doou livro de contos para instituição de caridade
Foto Brian Snyder/Reuters


Uma coleção de contos de fadas escritos por J.K. Rowling será publicada em benefício de uma organização para ajuda de crianças. Ela, que completa 43 anos nesta quinta (31), é a criadora da saga do bruxinho Harry Potter.

O livro "Os Contos de Beedle, o Bardo" ("The Tales of Beedle the Bard"), escrito e ilustrado por Rowling, será publicado no dia 4 de dezembro, anunciou a Children's High Level Group (CHLG), a organização criada por Rowling e a parlamentar Emma Nicholson.

A obra original, um manuscrito nunca publicado, foi doado por Rowling para um leilão em benefício dessa organização que ajuda as crianças na Europa. Rowling é a escritora de maior sucesso de todos os tempos, com uma fortuna calculada em mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 1,56 bilhão).

A decisão de publicar o livro é resultado de um acordo exclusivo entre as editoras Bloomsbury e Scholastic, que publicam a saga do bruxinho, e a Amazon. Todo o dinheiro arrecadado pela venda dos contos, que devem alcançar US$ 8 milhões (cerca de R$ 12,53 milhões), será entregue à organização de caridade.

A coleção é composta de cinco histórias que o diretor da Escola de Magia de Hogwarts, Albus Dumbledore, deu à amiga de Harry, Hermione Granger. Um deles aparece no sétimo volume da série de Harry Potter, mas os demais são inéditos.


Folha Online, 31/07/08

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Fraude no sistema de transplantes deve reduzir doações, afirma associação

Prisão do médico Joaquim Ribeiro Filho, acusado de manipular a lista de transplantes de fígado no Rio
Foto Bruno Gonzalez/Agência Estado


O presidente da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos), Valter Garcia, afirma que a suposta fraude no Sistema Nacional de Transplantes deve reduzir o número de doações pela metade.

Na quarta-feira (30), o médico Joaquim Ribeiro Filho, professor da UFRJ e ex-chefe da Rio Transplantes (hoje Central Estadual de Transplantes), foi preso na chamada Operação Fura-Fila da Polícia Federal sob a acusação de manipular a lista de transplantes de fígado no Rio e de desviar órgãos para fazer cirurgias em clínicas particulares, ao custo de até R$ 250 mil cada uma.

Em entrevista concedida nesta quinta ao programa Notícias da Manhã, da Rádio Nacional, o presidente da ABTO disse que a associação tinha dúvidas quanto ao respeito à seqüência da fila do sistema de transplantes, mas que considerava difícil ocorrer fraudes. Garcia afirma que a lista de candidatos a um órgão é feita por meio de software e segue rigorosamente os critérios de classificação.

Segundo ele, o sistema é "muito bom", porque mais de 90% dos transplantes são feitos em pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). "O sistema hoje é baseado na gravidade que se encontra o paciente, não no tempo de espera" diz.

Investigação
De acordo com as investigações da PF e a denúncia do Ministério Público Federal, Ribeiro Filho, que era credenciado ao sistema nacional de transplantes, colocava na frente de pessoas que estavam no topo da lista de doações pacientes que pagavam a ele taxas que variavam entre R$ 200 mil e R$ 250 mil. Ele e outros quatro médicos suspeitos de participar do esquema foram denunciados à Justiça por peculato --apropriação ilegal de recursos.

A advogada de Ribeiro Filho negou o envolvimento do médico no esquema e afirmou que ele é vítima de perseguição por denunciar suposta precariedade do sistema de saúde do Rio. "O doutor Joaquim é um médico muito experiente, um dos mais reputados na área de transplante, mas é muito combativo. Ele vem denunciado a precariedade da saúde no Rio e, com isso, angariando inimigos", afirmou a advogada Simone Kamenetz.

Transplantes
Após a operação, o Ministério da Saúde informou, por meio de nota, que determinou a concentração de todos os transplantes de fígado do Estado do Rio no Hospital Geral de Bonsucesso (zona norte do Rio).

Em 2007, o SUS (Sistema Único de Saúde) realizou 15.857 transplantes de órgãos, sendo deles 971 de fígado.


Folha Online, 31/07/08

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Seminário gratuito aborda e-commerce em pequenas e médias empresas

Ciclo de seminários sobre comércio eletrônico será oferecido gratuitamente para micros, pequenas e médias empresas em agosto e setembro

A 5ª edição do ciclo de seminários “Comércio Eletrônico para micro, pequena e média empresa” promete detalhar o usp do comércio eletrônico em seis capitais brasileiras, nos meses de agosto e setembro.

As apresentações mostrarão como é possível e barato transformar os negócios tradicionais em digitais com a utilização adequada da tecnologia.

Os participantes irão receber um Kit de Inclusão Digital, com uma oferta integrada para a inclusão das micro, pequenas e médias empresas participantes do evento.

O evento acontecerá nas cidades de Salvador (05/08), Vitória (07/08), Londrina (12/08), Florianópolis (21/08), Curitiba (04/09), Campinas (16/09), Porto Alegre (07/10) e Brasília (23/10).

Os interessados podem se inscrever ou obter mais informações no site do evento.


IDG Now!, 30/07/08

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Lucro do petróleo pode espalhar Ceus e Cieps por todo o país

Piscina do Ceu Casa Blanca, na Vila das Belezas. A vizinhança pensava: "É tudo tão bonito, não deve ser para nós"
Foto Ed Viggiani / Valor


Ainda não se sabe quanto de petróleo a Petrobras descobriu sob uma camada de sal a 280 quilômetros da costa brasileira no Atlântico Sul. Também não se sabe se haverá mudanças na legislação para adaptá-la à prodigalidade com que a natureza retribui o esforço de técnicos e pesquisadores da estatal. Muito se vai discutir também sobre se é justo a lei de royalties permitir, entre 5.500 municípios, que apenas nove deles, no Rio de Janeiro, fiquem com 62% da distribuição nacional da regalia. Começa, entretanto, a criar-se um consenso em torno do que deve ser feito com o resultado da exploração dessas ultragenerosas reservas.

O dinheiro irá preferencialmente para a educação pública fundamental, num projeto que associará experiências realizadas em países de culturas e sistemas econômicos distintos, como Noruega, Coréia do Sul, Cuba, com duas iniciativas autenticamente nacionais: os Cieps de Leonel Brizola, no Estado do Rio de Janeiro, e os Ceus de Marta Suplicy, na cidade de São Paulo. Não há uma diretriz definida para a utilização desses recursos, mas os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Cristovam Buarque (PDT-DF) já apresentaram projeto de lei em que propõem a criação de um Fundo Nacional do Petróleo para Formação de Poupança e Desenvolvimento da Educação Básica (Funped). O fundo seria formado com 59,3% do lucro com o aproveitamento das recentes descobertas e, desses recursos, 60% seriam destinados à educação básica. O nome e a sigla do Funped serão obviamente mudados por falta de apelo de marketing e por causa do "n" antes do "p", erro de ortografia inconcebível num projeto educacional, mesmo se tratando de sigla. Mas o projeto está na comissão de infra-estrutura do Senado para o recebimento de emendas e se espera que, em torno dele, se harmonizem todas as tendências da Casa.

Na execução do programa, a inspiração do horário integral, com alunos permanecendo na escola o dia inteiro, virá dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps). Dos Centros Educacionais Unificados (Ceus) virá o conceito de escola como pólo de convivência comunitária em regiões urbanas tão carentes de educação de qualidade quanto de entretenimento e atividades culturais e esportivas.

Confirmadas as previsões de que do fundo do mar jorrará dinheiro para investir no encaminhamento de soluções para as carências nacionais - educação básica em primeiro plano, sem descuidar do ensino médio e superior, com ênfase na inovação e na tecnologia de ponta -, desaparecerão os motivos da principal crítica que Cieps e Ceus atraem até hoje: seu alto custo e a falta de recursos para implementá-los. A educação, como o petróleo, é um ativo que se valoriza à medida que se torna mais necessário e o benefício do seu alto retorno justifica e recompensa o investimento para desenvolvê-lo.

A candidata à prefeitura do Rio, Jandira Feghali (PCdoB), segunda nas pesquisas, diz que o projeto pedagógico dos Cieps "foi perdido no tempo" e promete revivê-lo, abrir as escolas nos fins de semana para integração comunitária, restabelecer a permanente assistência à saúde, dotar a rede municipal de equipamentos de cultura, esporte e inclusão digital. "Nada em educação é tão caro quanto o alto custo de não fazer nada", diz.

Com maior ou menor entusiasmo, outros candidatos a prefeito do Rio elogiam os Cieps. Fernando Gabeira (PV-PSDB), diz que, por enquanto, está "na fase do pré-pré-sal", ou seja, ainda não há dinheiro para grandes vôos, mas pretende ampliar em uma hora os turnos atuais de apenas quatro horas diárias na maioria das escolas municipais e também a duração do ano letivo, de 175 para 200 dias, equiparando-as às escolas particulares (o calendário da secretaria da Educação indica que essa equiparação já existe).

A deputada federal Solange Amaral (DEM) diz que a educação em horário integral "é uma absoluta necessidade" a ser satisfeita até o fim do mandato, se eleita, "em estruturas que não precisam, necessariamente, ser as dos Cieps". O senador Marcelo Crivella (PRB), líder nas pesquisas, diz que o turno único será implantado primeiramente nas áreas mais carentes das zonas Norte e Oeste para, até 2012, chegar a todo o município. É o que pode ser feito no momento com recursos próprios (R$ 1,5 bilhão), royalties (R$ 135 milhões) e os atuais R$ 800 milhões do Fundeb. "Mas todo dinheiro novo será bem-vindo", diz Crivella.

Dos 515 Cieps que Brizola construiu, 316 ainda são administrados pela secretaria estadual de Educação e o restante foi municipalizado - na capital, são 101 os que passaram à prefeitura; o Estado conserva 31. Os candidatos afirmam que não há necessidade de mais Cieps e nenhum deles, em período eleitoral, parece disposto a condená-los. Sincera ou não, essa unanimidade é explorada por outro candidato, o deputado estadual Paulo Ramos (PDT): "Brizola fez tanto pela educação que, 25 anos depois, os brizolões ainda atendem às necessidades do Rio."

O dinheiro da exploração dos novos campos de petróleo só entrará para os cofres do governo federal por volta de 2012. A disputa pela repartição desses ainda incalculáveis recursos, porém, já começou e desde agora se poderá visitar o que resta dos Cieps no Estado do Rio e acompanhar o evolução dos Ceus de São Paulo, para avaliar se a experiência tem realmente potencial para transformar o Brasil no primeiro país de economia emergente a usar a riqueza do petróleo na melhora das condições de vida de sua população.

O Valor visitou Cieps e Ceus e constatou que autoridades da área, professores e outros profissionais da educação, ex-alunos e moradores das comunidades que os hospedam consideram válida a experiência, com plenas condições de servir de modelo à educação básica brasileira no futuro. Existindo dinheiro para sustentá-los, gostariam todos de ver Ceus e Cieps espalhados pelo país - feitas as correções que o passar do tempo e as diferenças regionais impõem. "Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. A um centralismo estéril e odioso se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais", já proclamava o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que Anísio Teixeira assinou em 1932, na companhia de educadores como Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto e Roquette Pinto e de intelectuais como Júlio de Mesquita Filho e Cecília Meirelles.


Paulo Totti, do Rio e São Paulo
Valor Online, 31/07/08

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Ativismo societário ganha o manual de um novo capitalismo

"Os Novos Capitalistas" - Stephen Davis, Jon Lukomnik, David Pitt-Watson. Trad. de Afonso Celso C. Serra. Campus/Elsevier, 303 págs., R$ 79,90

Ah, a revolução. Quantos livros ilegíveis não lemos em nome dela? Quantos anos de nossas vidas esperando por ela, noites em claro em botecos de quinta categoria planejando os próximos passos e... nada. Só a ressaca. Talvez não seja tão drástico como na canção do compositor cearense, talvez não sejamos os mesmos e nem vivamos como os nossos pais, pode ser que até tenhamos conseguido mudar alguma coisa, mas o fato é que a revolução não veio nos resgatar em seu cavalo branco.

Mas há esperança. O grande líder revolucionário está a caminho, não pela via campesina, pés descalços, camisa de tecido grosseiro com mangas arregaçadas. Ele vem por uma moderníssima autopista, dirigindo uma Ferrari (vermelha, como não?), charuto cubano (é a revolução!), terno Armani, Rolex e o livro azul (de lucro, de blue chip): "Os Novos Capitalistas - A influência dos Investidores-cidadãos nas Decisões das Empresas".

Os três autores, arautos da nova era de distribuição de riqueza, são Stephen Davis, Jon Lukomnik e David Pitt-Watson, todos com currículos cheios de feitos notáveis em ativismo pró-governança empresarial e direitos de acionistas. A boa nova que eles trazem não é tão romântica como a redenção das classes trabalhadoras sonhada pelos estudantes nas ruas de Paris naquele ano mítico, não segue nem de longe os preceitos do Manifesto Comunista e não sobe as encostas de Sierra Maestra. Mesmo assim, o trio chega a soar tão grandiloqüente quanto qualquer obra do realismo soviético.

A tese sustenta-se na constatação de que não há mais "donos" de empresas abertas, chamadas "públicas", na acepção anglo-americana - e o livro tenta ser o mais global, mas o foco está, obviamente, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Acontece que essas empresas se tornaram públicas de fato muito recentemente, depois da era dos "barões ladrões" e de um período em que o poder estava nas mãos de uma elite de capitalistas. A revolução é esta: o "capitalismo sem proprietários", ou melhor, com milhões de proprietários, trabalhadores do mundo unidos, por meio de suas poupanças, investidas em fundos de pensão e de investimento, "acionistas majoritários das empresas mais poderosas do mundo". De acordo com uma das muitas citações do livro (são dez páginas delas, o que torna a leitura um tanto truncada), investidores institucionais detinham 69,4% das mil maiores empresas abertas dos Estados Unidos em 2004, comparado a 61,4% em 2000. Na Inglaterra, a participação do "povo" saiu de 25% em 1963 para mais de 70% das ações das empresas atualmente.

Então, o povo chegará ao poder não pelas armas, mas pelas cotas dos fundos. Na verdade, o povo já chegou ao poder nos países desenvolvidos, o que confirmaria a previsão da dupla Marx-Engels sobre a vitória do comunismo em países mais desenvolvidos, no estágio mais avançado do capitalismo. Resta agora o mundo todo seguir o modelo - sem nenhuma alusão a Leon Trotsky. Ou talvez isso até esteja nas entrelinhas.

Os autores são mais claros nas referências furtivas aos autores do Manifesto Comunista e não tiveram pudor em redigir, para que a alusão ficasse completa, um "Manifesto Capitalista" - composto de dez curtos mandamentos, como se para provar que não há limites no quesito emulações pretensiosas. "Seja lucrativo - crie valor" é o primeiro. Os outros também não trazem nada que você não tenha visto num manual de gestão.

Os trabalhadores chegaram ao topo das companhias, agora é a hora de assumir as responsabilidades. Os autores passam, então, a examinar todos os animais do "ecossistema capitalista" e a discorrer sobre os elos fracos da cadeia, os problemas que impedem a ascensão plena dos trabalhadores: os conflitos de interesse na gestão de recursos, os conselhos de administração ausentes, os analistas de investimentos alinhados aos interesses do banco de investimento, os auditores só supostamente independentes, normas contábeis "ultrapassadas", a "timidez" da grande imprensa na cobertura das empresas, entre outros empecilhos.

No levantamento dessas fragilidades, o livro faz um apanhado dos abusos perpetrados contra os acionistas minoritários nas últimas décadas, o que serve para nos lembrar que o escândalo da Enron foi um cataclisma de intensidade similar ou superior ao da quebra de 1929.

Mas isso é história. O livro concentra seus esforços em mapear a expansão do universo da governança depois da grande explosão dos escândalos. E nesse ponto é uma ótima referência sobre o chamado ativismo societário. Para fortalecer o sistema do novo capitalismo, os autores propõem um espelhamento entre a sociedade civil e a "economia civil": eleição de conselheiros, limitação de poderes dos executivos etc. Faz sentido, mas não é garantia de bom funcionamento, mesmo porque as instituições da sociedade civil estão cheias de imperfeições.

O Brasil aparece em quatro citações, duas como referência negativa (ações sem direito a voto e controle concentrado) e duas positivas (Novo Mercado e obrigação dos investidores institucionais de votar e revelar o voto). O fato é que o país ainda é pé de página no assunto, apesar dos avanços recentes. O controle "difuso" é realidade em pouquíssimas empresas, e o ativismo dos proprietários de ação ainda está engatinhando. Ainda assim, não há como os nossos capitalistas continuarem ausentes, porque os fundos globais estão nos portões, soando as trombetas da revolução.


Nelson Niero, de São Paulo
Valor Online, 31/07/08

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quarta-feira, 30 de julho de 2008

As várias utilidades de uma navalha

Qualquer criança sabe o que é kiss, em inglês. Significa beijo. Mas K.I.S.S. também é o nome de um princípio muito curioso, com grandes e amplas aplicações em várias – senão em todas – as áreas do conhecimento e do comportamento. O princípio KISS se resume em: Keep It Simple, Stupid – em português, "Mantenha Isto Simples, Burro”.

Einstein disse, certa vez: "Tudo deve ser feito da forma mais simples possível, mas não mais simples que isso". Antoine de Saint Exupéry, o autor do delicado e profundo romance "O Pequeno Príncipe" também expressou algo maravilhoso em relação a este contexto: "A perfeição não é alcançada quando já não há mais nada para adicionar, mas quando já não há mais nada que se possa retirar".

Um frade franciscano que viveu no século XIV, Guilherme de Ockham foi um grande pensador de seu tempo. Coube a ele a honra de demarcar a virada do pensamento escolástico medieval em direção ao pensamento científico moderno.

Guilherme de Ockham – algumas vezes grafado Occam – nasceu no vilarejo de Ockham, na Inglaterra. Estudou na Universidade de Oxford, onde também lecionou por algum tempo. Foi chamado diante do Papa para prestar contas por suas idéias pouco ortodoxas.

Anos depois foi oficialmente excomungado devido ao seu apoio ao grupo conhecido como "Os Espirituais", a ala extremista da Ordem Franciscana que se opunha à opulência da Igreja. Então, fugiu para a corte do Imperador Ludwig, em Munique, um rival do Papa, onde viveu até sua morte.

Ockham poderia ser classificado como empirista e cético. Empirista por defender a necessidade da experimentação como fonte do conhecimento, em oposição à crença corrente de que o verdadeiro conhecimento só poderia ser obtido pelo uso da razão pura. Cético, na medida em que dizia ser impossível provar a existência de Deus através de qualquer ferramenta racional – embora não fosse por isso um descrente.

Ao pregar a separação entre a religião e a razão, Ockham traçou uma linha divisória entre os assuntos da fé e da razão e permitiu libertar a filosofia, berço comum de todas as ciências, da teologia.

Hoje, o nome de Ockham se encontra imortalizado no famoso argumento de sua autoria conhecido por "Navalha de Ockham", o princípio de que diante de duas teorias que explicam igualmente os fatos observados, a mais simples é a correta. Em outras palavras, se uma explicação simples basta, não há necessidade de buscar outra mais complicada.

E=mc2, entropia, caos, herança genética, etc são princípios científicos mal compreendidos e vulgarizados pela repetição. Assim também Navalha de Ockham se tornou um bordão utilizado indevidamente por leigos e céticos ansiosos demais em descartar explicações incomuns.

Quando se diz que a teoria mais simples é a correta, não se quer dizer que a teoria mais fácil de se entender é a correta. Em primeiro lugar porque simplicidade é um critério pessoal e subjetivo. Além disso, a natureza certamente não tem vocação para a simplicidade; apesar de algumas leis fundamentais da física serem expressas de forma surpreendentemente simples – como as leis de Newton – isto não significa que a explicação mais simples seja sempre a correta, ou que seja correta num número maior de vezes.

Na verdade, à medida que nos aprofundamos nos terrenos da física quântica ou da cosmologia, ocorre justamente o contrário e as explicações tornam-se cada vez mais complexas. Por isso é preciso compreender que a Navalha de Ockham não trata de descartar hipóteses só porque são mais difíceis de entender. Sua proposta é que sejam descartadas as hipóteses que, em igualdade de condições com outras, possuem mais suposições ou mais pressupostos, já que quanto mais suposições, maior a chance de que alguma delas esteja errada.


Abraham Shapiro
Coach e consultor especializado em lideranças, equipes de vendas e relacionamento com o cliente. shapiro@shapiro.com.br
HSM On-line, 29/07/2008

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20ª Bienal do Livro de São Paulo tem captação recorde

Com mais de R$ 3,5 milhões em patrocínio, organizadores do evento esperam receber 800 mil visitantes neste ano

Com abertura marcada para dia 14 de agosto, a 20ª Bienal do Livro de São Paulo tem como tema os 200 anos da vinda da família real portuguesa para o Brasil, homenageia os 100 anos de imigração japonesa no Brasil e, ao longo dos seus 11 dias, pretende confirmar a expectativa de ser a maior já realizada na cidade.

"A palavra chave para definir essa edição é envolvimento", diz a presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Rosely Boschini. "Tanto dos expositores, que serão 350 com 900 selos editoriais, quanto dos patrocinadores que levaram essa edição à captação recorde de R$ 3,5 milhões, passando pelos 46 autores de 30 países que devem comparecer à Bienal", completa a presidente da entidade que promove a Bienal há 40 anos e que estima que o público desta edição deve alcançar 800 mil pessoas.

Volkswagen e Ipiranga apresentam o evento, que tem co-patrocínio do HSBC e do Submarino e apoio da Visa, Anhembi, Prefeitura da Cidade de São Paulo e do Ministério da Cultura. "Sempre buscamos destacar a vocação de São Paulo para as artes e cultura e a posicionar a cidade como o principal centro das economias criativas na América Latina", diz o presidente da Anhembi Turismo, Caio Luiz de Carvalho que calcula que a cidade deverá receber cerca de 160 mil visitantes atraídos pela Bienal.

"Hoje a Bienal de São Paulo é a segunda maior do mundo, só perde para a de Frankfurt", lembra o coordenador da Comissão Organizadora, Oswaldo Siciliano. Segundo dados da CBL relativos a 2006, o faturamento em vendas do setor ficou em torno do R$ 3 bilhões.Criada pela DM9DDB, a campanha deste ano tem como tema "O Livro de Todos", uma iniciativa que começou na internet e que consistia numa proposta de obra coletiva. No final, o Livro de Todos teve mais de uma centena de autores - alguns famosos entre eles - e contabilizou mais de 14 mil visitantes/leitores no site. A veiculação da campanha inclui boa parte da grande mídia impressa, televisiva e digital.


Andréa Ciaffone
Meio & Mensagem, 29/07/08

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Vencedor do Prêmio Inovação em Sustentabilidade levará agricultura familiar sustentável a todo o Brasil

A Agência Mandalla foi criada no ano de 2003, na Paraíba, com o objetivo de difundir um conceito inovador de desenvolvimento por meio da união do saber popular com o saber científico. O Projeto Mandalla tornou-se uma metodologia de desenvolvimento, com a missão de transformar a agricultura familiar em um negócio economicamente rentável, socialmente responsável e ambientalmente sustentável. Baseado no desenho circular de uma mandala, ele permite a um agricultor familiar, com poucos recursos, cultivar vários tipos de frutas, legumes e verduras e ainda criar pequenos animais, sem o uso de agrotóxicos e aproveitando todos os recursos naturais sem desperdício.

Cinco anos e vários prêmios depois - entre eles o Prêmio Inovação em Sustentabilidade, organizado em parceria pelo Instituto Ethos e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) - o conceito e o método da Mandalla já alcançaram municípios em doze Estados brasileiros. Impulsionado pelo Prêmio Inovação, que foi entregue em maio, durante a Conferência Internacional Ethos 2008, o Projeto deve chegar, nos próximos cinco anos, a todos os Estados e a alguns países da América Central e da África, como Moçambique. Nesta entrevista, Willy Pessoa, fundador e presidente do projeto, conta como uma tecnologia de baixo custo pode transformar e melhorar a vida dos brasileiros mais necessitados, não só na zona rural, mas também na periferia das cidades.

Instituto Ethos: Qual o conceito do Projeto Mandalla?
Willy Pessoa: É um processo de desenvolvimento que se dá pelo crescimento de uma mandala, que vai se formando como um corpo. Se você observar tudo o que existe na natureza, nos seres vivos há essa seqüência - células que vão gerar um corpo, um organismo. O indivíduo faz parte do universo da família, que faz parte da comunidade, que faz parte do município, do Estado, do país, até chegar ao planeta Terra, ao sistema solar e finalmente ao universo. O desenho do nosso projeto obedece ao desenho do universo mais próximo do nosso, que é o sistema solar. Contém um centro e nove círculos, que representam o sol e nove planetas. O centro é o sol, responsável pela geração de luz, de energia. No Projeto Mandalla, o centro é o lago, responsável pela geração de energia a partir da água, além da criação de peixes e marrecos. A partir do centro se distribui a energia, em nove círculos alimentados pela água. Em cima do lago há uma pirâmide hexagonal, que chamamos de o berço piramidal, e que sustenta a linha de distribuição da água. Cada Mandalla tem uma área de 50 X 50 metros, ou seja, um quarto de hectare, nos quais estão os quatro elementos: terra, fogo, água e ar.

IE: Quais foram as principais dificuldades na implantação do projeto?
WP: Tivemos muitas dificuldades, no início, porque não tínhamos recursos. Fomos montando o processo, e nesse universo, os prêmios que recebemos são muito importantes. O prêmio do Instituto Ethos nos deixou muito satisfeitos, porque é representativo em termos de empresas e vai de encontro ao nosso ponto, que é auxiliar o campo e educar a cidade.

IE: Como mostrar aos beneficiados a renda que será gerada pela venda da produção da Mandalla? Se a família consome o que produz, não precisa trabalhar fora para comprar comida?
WP: Nós dizemos: primeiro você deve vender a você mesmo - senão vai ter de comprar e gastar dinheiro, e para isso deverá ter um emprego. A alimentação é a base de tudo. Se a família produz o que come, é como se já partisse ganhando 1000 reais, que é o que ela precisa gastar com alimentação. E, depois que se alimentar, vende os excedentes. Nessa venda, cada unidade de produção familiar vai gerar pelo menos seis empregos. Além disso, se está no campo, não precisa pagar aluguel, que seria mais ou menos 300 reais. É como se a família já começasse ganhando 1300 reais.

IE: Qual a influência do Projeto na estrutura social da comunidade?
WP: Hoje, o salário mínimo está muito aquém das necessidades de calorias que precisamos por dia. As pessoas não estão mais produzindo alimentos, estão comendo pouco e por isso estão nas filas dos hospitais - de cada 100 pessoas, 75 não estariam lá se estivessem bem alimentadas e vivendo em boas condições de higiene. Assim, com o Projeto Mandalla, a família passa a produzir sua alimentação e a vender o excedente, criando um enriquecimento na célula familiar. Além disso, com as feiras da produção das Mandallas, o dinheiro fica dentro dos municípios. Isso enriquece o grupo de famílias e os municípios. O PIB vai se criando a partir da família. O PIB não vai subir se as pessoas não entenderem que a célula-base é a família, e depois o município. É preciso transformar o miserável em pobre e o pobre em empreendedor. Os programas sociais são paliativos, clientelistas, pura politicagem. O Brasil é rico em potencial e pobre em conhecimento. E nós trabalhamos a informação para o conhecimento com o potencial que temos. É um processo de empreendedorismo, de aproveitar o capital humano e ambiental para o capital social. Isso nasce a partir da família, da célula produtiva.

IE: Há dificuldades na disseminação do Projeto entre as famílias?
WP: É difícil convencer as comunidades de que é possível produzir e gerar renda com o material disponível, agregando tradições e costumes com avanços tecnológicos. Como explicar que a garrafa PET, que é lixo, pode servir para uma porção de coisas? Na Mandalla a garrafa PET não é lixo, pode ser usada para o plantio de hortaliças. Há uma parceria com escolas para trabalhar esses conceitos com os alunos, para que eles aprendam lições que vão além dos números. São lições para a vida, que também podem levar a uma melhor integração entre as escolas e as famílias. Por exemplo, se o município tem 3000 alunos, e se cada aluno recolher seis garrafas PET, serão 18 mil garrafas. Cada uma apóia dois pés de tomate, então serão 36 mil pés de tomate. Considerando que são 3 quilos de tomate por pé, então serão 100 toneladas de tomate nos quintais! Isso é fazer contas de forma prática. É um processo de coleta de lixo, e que produz 100 toneladas de tomate a cada três ou quatro meses.

IE: Como esse projeto influencia nas cidades?
WP: Educar a cidade para consumir e capacitar o campo para produzir - esta intersecção é a linha mestra do projeto. A Mandalla pode alimentar dez famílias urbanas, portanto é necessário educar a cidade para consumir. No entanto, o importante é chegar ao foco das periferias, porque se tudo for vendido no centro, vai beneficiar as pessoas que têm dinheiro. É possível vender os produtos das Mandallas pela metade do preço do mercado, e com isso ajudar também as famílias urbanas pobres, que não têm muito dinheiro para comprar comida. No limite, diminuem a marginalização, as doenças, e tudo isso se reflete na economia local.

IE: Como você vê o conceito do desenvolvimento local?
WP: Desenvolvimento local não existe porque é um processo egoísta, concentrado. É preciso desenvolver o município vizinho também, deve ser o todo pela parte e a parte pelo todo, fazendo parte do conjunto. Não podemos concentrar a riqueza e a oportunidade em uma célula determinada, pois isso complica o corpo todo. Se não trabalhar o vizinho, ele vem para a periferia, e assim crescem as favelas. Nesse sentido, o município cresce, mas não se desenvolve.

IE: Quais os desafios para o futuro?
WP: Estamos trabalhando a difusão da Mandalla virtual, para dinamizar capacitadores com um processo de informação pela internet. Também há o projeto Mandalla Júnior, pois os jovens são a base. Estamos implantando um processo de gerenciamento a partir dos próprios jovens, que estudam na escola técnica e vão aos finais de semana até o município, recebendo uma bolsa que cobre esses gastos. Quando terminam o curso técnico, fazem um estágio de quatro meses na sede do projeto. Os que ficam aprendem a entender o conjunto, se reúnem a cada semana com o coordenador, planejam o que melhorar. É uma capacitação prática do potencial que trazem da escola, com as tradições, a cultura e o processo de mudança.


Betina Sarue, para o Instituto Ethos
Envolverde, 30/07/08
© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

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Fibra processada de garrafa PET dá origem a edredons

A fabricação de edredons utilizando fios de Polietileno Tereftalato (material das garrafas PET) reciclado como matéria-prima está beneficiando a comunidade do Morro Santana, Região Leste. (fotos) O projeto é resultado de uma parceria entre Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local (SMGL), Comitê de entidades no combate a fome e pela vida (COEP/RS), Banco Regional do Extremo Sul (BRDE), Banco do Vestuário da Fiergs, Transportadora Giulian e Maxitex Indústria Têxtil Ltda. (veja vídeo)

Proporcionando trabalho e renda para pessoas da região, a iniciativa tem a participação de 15 mulheres que executam o trabalho desde quarta-feira, 23 de julho. Os resultados já motivam o grupo a iniciar a produção de outros produtos como almofadas, travesseiros e bolsas. "São fabricados objetos úteis e que serão vendidos por um preço bastante acessível, contribuindo, assim, para a geração de renda à comunidade, que é o objetivo principal da iniciativa", explica Robson Rosa Lhul, agente de governança da Região Leste da Capital.

Reciclagem
Beneficiado por uma iniciativa ímpar no país, que é a fabricação de fios têxteis (fios ecológicos) a partir das garrafas de refrigerante, o grupo de mães do Morro Santana agrega mais um diferencial ao trabalho por elas realizado: a reciclagem. A técnica começa com a lavagem das garrafas e, após serem processadas, as fibras são extraídas.

Com uma maciez e um poder de aquecimento tão grande quanto a lã natural, o resultado final do ciclo de reaproveitamento do plástico das garrafas de refrigerante, que mal descartadas poderiam entupir bueiros ou poluir os riachos da cidade, é dar oportunidade de trabalho para pessoas de baixa renda. "Através de um trabalho conjunto, onde a comunidade é a grande beneficiada, com o apoio de lideranças locais, somado à consciência ecológica de suas parceiras, pode-se vislumbrar um futuro mais limpo e cidadão para a grande vilã do meio-ambiente: a garrafa PET", comemora Lhul.


Site da Prefeitua de Porto Alegre, 20/07/08

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terça-feira, 29 de julho de 2008

Em 10 anos, telefonia dobra participação no PIB

Em dez anos, o celular passou de artigo de luxo para o meio de comunicação mais popular no País. Quando o Sistema Telebrás foi privatizado, em 29 de julho de 1998, não existia acesso à internet em alta velocidade (banda larga) e havia fila para conseguir o telefone fixo. De lá para cá, muita coisa mudou. O número de telefones fixos em operação no País passou de 20 milhões, em 1998, para 39,4 milhões. Os assinantes de celulares eram 7,4 milhões naquele ano e chegaram a 133,2 milhões no ano passado. O total de acessos de banda larga alcançou 8,3 milhões.

Dobrou a participação das telecomunicações no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, passando de 3,2% em 1998 para 6,2% no ano passado. De 1998 a 2007, as empresas do setor investiram R$ 140,9 bilhões, sem contar o pagamento de licenças e o que foi gasto na privatização. Uma média de R$ 14 bilhões por ano. No período de 1994 a 1997, o investimento médio anual do setor tinha sido de R$ 5,6 bilhões.

O setor acaba de começar um novo ciclo de investimentos. As empresas estão construindo redes celulares de terceira geração (3G) e redes abertas, baseadas na tecnologia da internet, para distribuir conteúdo mais facilmente."A convergência entre telecomunicações e mídia é uma realidade", afirma Manzar Feres, principal executiva de Telecomunicações da IBM para América Latina.

O mercado se desenvolveu muito desde a privatização, mas existem problemas importantes que ainda precisam ser atacados. A competição na telefonia fixa não ocorreu. O modelo criado há dez anos não tinha uma solução para a telefonia rural. Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), somente 43,1% dos municípios têm serviço de banda larga. O atendimento das operadoras de telecomunicações é ruim, fazendo com que as empresas do setor liderem as listas de reclamações nas entidades de defesa do consumidor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


Portal Exame, 29/07/08

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Ano da França no Brasil prorroga prazo de inscrição de propostas

Programação oficial do evento já conta com mais de 250 projetos inscritos

O prazo para a inscrição de projetos que irão compor a programação do Ano da França no Brasil foi prorrogado até 30 de setembro. A decisão foi acordada pelos membros dos Comissariados Brasileiro e Francês, durante o Encontro Nordeste de Coordenadores para o Ano da França no Brasil, realizado no último dia 18, em Salvador.

A data final de inscrições é válida tanto para os proponentes que estão buscando o apoio das Leis Federais de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual) para o desenvolvimento dos projetos, quanto para aqueles que já têm os recursos garantidos. Os critérios e orientações, conforme o edital de seleção pública divulgado pelo Ministério da Cultura, estão disponíveis na página eletrônica do França.Br (www.cultura.gov.br/franca_br2009), no link Apresentação de Projetos.

A programação do Ano da França no Brasil será composta principalmente por projetos propostos e gerenciados, em parceria, por franceses e brasileiros. Os trabalhos apresentados serão submetidos à aprovação dos Comissariados dos dois países, sendo cada um examinado em seu próprio país.

Segundo o presidente do Comissariado Brasileiro, Danilo Miranda, existem mais de 200 projetos chancelados, abrangendo teatro, artes visuais, dança, música, festival de cinema, moda, design, artes circenses, patrimônio, documentários, projetos acadêmicos, dentre outros segmentos.

A terceira Reunião do Comitê Misto - Comissariados Brasileiro e Francês - para avaliar as propostas inscritas será realizada no mês de setembro e o último encontro para selecionar projetos para a concessão da chancela oficial deverá ocorrer em outubro.

O França.Br será promovido de 21 de abril a 15 de novembro de 2009 e sua programação será desenvolvida em várias cidades brasileiras. A iniciativa é fruto de um acordo firmado entre os presidentes Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, em reciprocidade ao Ano do Brasil na França, que ocorreu em 2005.

Narla Aguiar
Site do Ministério da Cultura, 29/07/08

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Dilma: agricultura familiar é estratégica para biodiesel

A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse hoje que a inauguração da unidade de biodiesel da Petrobras em Candeias, na Bahia, encerra uma primeira etapa de implantação do programa no Brasil, que durou quatro anos e meio. "Em 2003 houve a determinação, reunida com vontade política, de inserção do biodiesel na matriz energética. De lá para cá fizemos mais do que a Alemanha fez em 20 anos nesta área", disse, lembrando que hoje o Brasil já ocupa a terceira posição em produção de biodiesel, atrás apenas dos Estados Unidos e da Alemanha.

Ela ressaltou o fato de que a determinação relacionada ao biodiesel não foi somente a sua inserção na matriz energética, mas sim sua função social, "em que a força do programa tem que estar na agricultura familiar". "A agricultura familiar é estratégica porque tem capacidade de produção descolada do mercado internacional, e pode produzir alimento e energia, gerando recursos e renda para milhões de brasileiros", afirmou.

Segundo a ministra, com o encerramento desta etapa, inaugura-se uma nova fase, que é mais ambiciosa, de tornar o País líder na tecnologia de produção de biocombustíveis a partir de resíduos, e não somente com base na matéria-prima como é hoje. "Temos que generalizar a produção de energia com base na agricultura familiar, buscando 60% até 70% da produção com base neste tipo de atividade agrícola, para termos a certeza de que essa produção não vai ser infectada pelos preços internacionais de oleaginosas. E garantir que o Brasil tenha condições de melhorar a renda desses trabalhadores", disse.

Ela ainda lembrou que o Brasil busca a produção do biodiesel não porque está faltando petróleo. Pelo contrário, "produzimos biodiesel ao mesmo tempo em que nos tornamos donos de uma das maiores reservas mundiais (de petróleo)", disse a ministra, citando a camada pré-sal. "Estamos produzindo biodiesel porque temos a convicção de que o combustível renovável pode servir para que as populações do mundo - especialmente a África e a Ásia - possam ter alimento e energia conjuntamente. Estes dois pontos são fundamentais neste século: segurança alimentar e energética. E o Brasil prova que nós não só trataremos da emissão de poluentes e segurança climática, mas oferecemos eficaz instrumento de combate à fome e à falta de energia".


Kelly LimaPortal Exame, 29/07/08

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Os mitos e realidades do filantropo-capitalismo

Michael Edwards, Diretor de Governança e Sociedade Civil da Fundação Ford

Nos últimos 12 meses, a caixa de entrada de meu computador, como a do seu, vem sendo inundada com notícias de conferências, palestras, artigos e relatórios que prometem "salvar o mundo" revolucionando a filantropia, fazendo com que as organizações sem fins lucrativos operem como negócios, e criando novos mercados para produtos e serviços que beneficiam a sociedade.

Os defensores desta abordagem, apelidados de "filantropo-capitalismo", para abreviar, acreditam que os princípios dos negócios podem ser combinados com sucesso com a busca da transformação social. Não há dúvidas de que se trata de um fenômeno importante. Grandes somas estão sendo geradas para a filantropia, especialmente na indústria financeira e na indústria de informática.

Apesar do seu grande potencial, esse movimento é falho tanto nos meios que propõe quanto nos fins prometidos. Ele vê os métodos dos negócios como resposta aos problemas sociais, mas oferece poucas evidências ou análises rigorosas para embasar essa alegação e ignora as fortes evidências que indicam o contrário. Os negócios continuarão a ser uma parte essencial da solução dos problemas globais e alguns métodos dos negócios certamente têm muito a contribuir.

Mas os negócios também serão causa de problemas sociais. Como Jim Collins, autor de “Good to Great”, concluí em um livro recente "devemos rejeitar a idéia, bem-intencionada, mas totalmente errônea, de que o caminho principal para a grandeza dos setores sociais é se tornarem mais como o setor de negócios".[1]

A outra promessa do filantropo-capitalismo é alcançar transformações de grande escopo resolvendo problemas sociais arraigados, ainda assim, sua falta de compreensão de como ocorrem as mudanças mostra que essa promessa provavelmente não será cumprida. Existe um grande abismo entre o modismo que cerca essa nova filantropia e seu impacto potencial. Alguns dos mais novos filantropos já perceberam isso e mostraram tanto humildade quanto vontade de aprender sobre as complexidades da mudança social, mas muitos outros permanecem vítimas do modismo.

O filantropo-capitalismo tem uma peça importante do quebra-cabeças de como alinhar democracia e mercado, mas corre o risco de se colocar como a solução total, minimizando a importâncias dos custos e das perdas de se estender os princípios do mercado à transformação social. Meu argumento é que:

• O modismo que cerca o filatropo-capitalismo é muito maior do que sua capacidade de conseguir resultados reais. É hora de mais humildade.
• A concentração cada vez maior de riqueza e poder entre os filantro-capitalistas é prejudicial à saúde da democracia. É hora de mais responsabilização.
• O uso da lógica dos negócios e do mercado pode prejudicar a sociedade civil, que é crucial para a transformação política e social democrática da sociedade. É hora de diferenciar as duas e reafirmar a independências da ação cívica mundial.
• O filantropo-capitalismo é sinônimo de um mundo desordenado e profundamente desigual. Ele ainda não demonstrou que pode fornecer a cura.

É justificável a empolgação com as possibilidades de avanço na saúde, agricultura e acesso a microcrédito para os pobres do mundo, estimulados pelos enormes investimentos da Fundação Gates, Clinton Global Initiative e outras. Novos empréstimos, sementes e vacinas certamente são importantes, mas não existe vacina contra o racismo que nega terra aos dalits (os assim chamados intocáveis) na Índia, nenhuma tecnologia pode propiciar a infra-estrutura de saúde para combater o HIV e nenhum mercado pode organizar as relações disfuncionais entre as diferentes religiões e outros grupos sociais que reforçam a crescente violência e insegurança.

Atacando os sintomas e não a causa
O filantropo-capitalismo pode alegar que ataca as "grandes desigualdades" da sociedade, mas elas são causadas pela natureza de nosso sistema econômico e a incapacidade da política [de]alterá-la. As disparidades de riqueza e educação são sintomas desses problemas e reaparecerão em todos os lugares em que as causas não forem resolvidas. O conceito não reconhece essa lição básica da história e corre o risco de mascarar a verdadeira natureza das tarefas que enfrentamos.

Apenas os mais visionários filantropo-capitalistas têm incentivo suficiente para transformar um sistema dos quais eles se beneficiaram enormemente.

Será que o filantropo-capitalismo teria ajudado a financiar o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos? Espero que sim, mas esse movimento não era "dirigido pelos dados", não operava através da concorrência, não gerava muita receita e não media seu impacto em termos de números de pessoas beneficiadas a cada dia. Mas ainda assim ele mudou o mundo para sempre.

O filantropo-capitalismo é importante? Certamente que sim, mas poderá se mostrar mais efêmero do que os seus proponentes alegam. Os objetivos que eles mesmos definiram serão alcançados? Provavelmente não, embora algum bem, sem dúvida, será feito ao longo do caminho. Ele vai avançar os esforços de outros para alavancar mudanças profundas na sociedade? Não, a menos que decida mudar de rumo e aprender a aceitar que existem custos e contradições na mistura de negócios com objetivos sociais.

Hora de um novo tipo de debate
Se as bases deste movimento são tão fracas, por que não deixar que ele se queime como tantos outros modismos antes dele? Não se trataria de "apenas mais um imperador que está nu", esperando que alguém corajoso ou tolo reconheça sua nudez em público? Acredito que este seria um grave erro porque não podemos ignorar o que eu chamo de "pergunta de 55 trilhões de dólares" - a quantidade estimada de recursos filantrópicos a serem gerados apenas nos Estados Unidos nos próximos 40 anos.

Vamos usar esses imensos recursos na busca de transformações sociais ou apenas desperdiçá-los gastando-os nos sintomas? Se ignorarem essa pergunta, os filantropos podem acabar sendo vítimas da mesma reação adversa que receberam as concentrações anteriores de riqueza e poder.

Então, o que fazer? Acho que chegou a hora para um tipo diferente de conversa, menos dominada pelos modismos e mais aberta a vozes diferentes e dissidentes. O resultado será, sem dúvida nenhuma, confuso e descômodo para alguns, mas será mais democrático e muito mais eficaz em nutrir novas estratégias ousadas da mudança social e econômica. A sociedade civil deve participar deste debate como um parceiro igual e independente, orgulhoso de suas realizações e suas conquistas, e sem medo de rejeitar ou criticar modelos de negócios que sejam inadequados aos seus propósitos. O resultado seria, sem dúvida, um mundo transformado.

[1] Jim Collins (2006), “Good to Great and the Social Sectors”, Century.

Para pedir ou baixar
O novo folheto de Michael Edwards, Just Another Emperor? The myths and realities of philanthrocapitalism está disponível no Amazon ou para download gratuito nos seguintes sites: www.demos.org, www.youngfoundation.org e www.futurepositive.org.


Michael Edwards
Autor de vários livros e artigos sobre o papel da sociedade civil mundial. Na publicação deste artigo, ele é Diretor de Governança e Sociedade Civil da Fundação Ford, mas escreve inteiramente na capacidade de indivíduo e quer agradecer à Fundação Ford por permitir que ele estivesse de licença quando escreveu este artigo. Os pontos de vista expressos neste artigo não devem ser tomados como representando as opiniões nem as políticas da Fundação Ford.

redeGIFE Online, 28/07/08

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Agressores se juntam para não agredir mais

Projeto em Diadema coloca em uma mesma roda homens acusados de violência contra mulher, para que discutam e mudem atitudes

Reunir maridos agressores em uma mesma roda para discutir suas idéias e atitudes pode ser o caminho de saída de um problema que afeta muitas famílias em Diadema, na Grande São Paulo. É nisso que aposta a Casa Beth Lobo, projeto social que está implantando no município um tipo de "terapia coletiva" que coloca, em uma mesma sala, homens com histórico de violência doméstica para debater o assunto.

O objetivo é, por meio das conversas direcionadas, eles se dêem conta de que bater nas mulheres (ou mesmo nos filhos) é um comportamento socialmente reprovado. "Fazemos uma roda e discutimos assuntos corriqueiros, como foi a semana deles, por exemplo", conta o psicólogo e sociólogo Flávio Urra, responsável por conduzir as conversas no chamado Projeto Masculinidade, lançado no final de 2006. "Aos poucos, vamos dirigindo a discussão para as questões de direitos humanos e de rompimento da violência."

Esse é uma dos três trabalhos (leia notícias ao lado) que colocaram a Casa Beth Lobo — Centro de Referência da Mulher em Situação de Violência Doméstica entre os 20 projetos vencedores do Prêmio ODM Brasil 2007, uma iniciativa do governo federal e do PNUD que destacou práticas de prefeituras e organizações sociais que ajudam o país a avançar nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Os encontros são semanais — atualmente, ocorrem nas tardes de quarta-feira. Os participantes chegam ao projeto por meio de indicação de mulheres que freqüentam a casa, de pessoas da comunidade ou recomendação de órgãos públicos, como tribunais ou unidades básicas de saúde. A iniciativa enfrenta, contudo, uma grande resistência de seu público alvo — os grupos não tiveram mais de sete participantes e muitos homens acabam abandonando-a no meio do percurso.

"Geralmente, quem freqüenta pensa que vai ter algum ganho no grupo — dificilmente é uma coisa espontânea", afirma Urra. "Na cabeça dele, ele tem o privilégio de bater na companheira, o poder de sair com outras mulheres, chegar à hora que quer em casa. Ele tem uma série de poderes que nós questionamos. Falamos de distribuição de tarefas em casa, cuidar de filho. Não é fácil convencê-los", acrescenta.

Apesar das dificuldades, Urra, que já participou de experiência semelhante em outra cidade do ABC, Santo André, avalia que há efeitos positivos no longo prazo. "Com o tempo, esse tipo de trabalho tem resultado. Em um ano, um ano e meio, os efeitos começam a aparecer", afirma. "Após quatro meses em que o homem freqüenta o grupo, começa uma mudança no discurso. O homem tem aquela coisa: ele quer ser aceito, respeitado no grupo, que a posição dele seja ouvida. No começo o sujeito tinha uma posição radical em questões como pena de morte, por exemplo. Depois de um tempo, ele começa a tocar em questões que envolvem religião, falar sobre Bíblia e ir por caminhos mais humanos."

Urra defende que projetos como este de Diadema virem política pública. Ele cita a Lei Maria da Penha, que estabelece penas mais pesadas para casos de violência doméstica e prevê, em seu artigo 35, "centros de educação e de reabilitação para os agressores". "O que nós fazem aqui é uma parceria, um trabalho voluntário. O ideal seria que se criasse uma política pública voltada ao trabalho com os agressores", completa.

Casa Beth Lobo
A Casa Beth Lobo existe desde 1991 e hoje integra uma série de projetos, que incluem, além do grupo de discussão de maridos agressores, oficina de teatro, cursos de artesanato e aulas de ioga. Além das atividades ocupacionais, a casa oferece apoio jurídico, psicológico e social para mulheres vítimas de violência doméstica. Em média, a casa recebe 40 novos casos todos os meses.


Osmar Soares de Campos, da PrimaPagina
Boletim PNUD, nº 502, 29/07/08

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Brasil usa IDH para distribuir verba cultural

Ministério da Cultura adota índice como critério para financiamento de viagens do setor; regiões com menor IDH-M serão privilegiadas

O Ministério da Cultura resolveu adotar o IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, uma adaptação do IDH, indicador elaborado pelo PNUD, aos padrões regionais brasileiros) como um dos critérios de seleção dos beneficiados do Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural.

O programa é responsável pelo financiamento de viagens de artistas, técnicos e estudiosos do setor cultural que tenham sido convidados a participar de eventos fora do local onde residem, no Brasil ou no exterior. São atendidos pedidos relacionados às áreas de artes cênicas, artes visuais, música, patrimônio cultural e humanidades, com exceção do setor audiovisual, que já possui um programa próprio. O edital contempla viagens a serem realizadas entre julho de 2008 e março de 2009.

Para poder receber os recursos, essas viagens devem estar relacionadas às seguintes atividades: apresentação de trabalho próprio, residência artística ou cursos de capacitação de profissionais da cultura. Os beneficiários devem apresentar, no seu retorno, fotos, vídeos ou documentos legais que comprovem a viagem, a realização do evento e a sua participação.

A aprovação do financiamento depende de uma pontuação que segue seis critérios: relevância do evento e da instituição que o promove para a área cultural, experiência do candidato para a atividade, relevância do trabalho a ser apresentado para a respectiva área cultural, caráter inovador ou experimental, contribuição para a divulgação da cultura brasileira e troca de conhecimento. Uma comissão de avaliação compostas por profissionais do Ministério da Cultura vai atribuir nota de 0 a 5 para cada um desses quesitos. Para se classificar, o candidato deve somar, no mínimo, 16 pontos.

A novidade é a inclusão de uma pontuação extra (de 1 a 5 pontos) baseada no IDH-M. Pedidos de estados como Maranhão, Alagoas e Piauí representam aumento de 5 pontos; Rio de Janeiro, 2; São Paulo, Distrito Federal, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, 1.

“A proposta é tentar induzir uma melhor distribuição de recursos, minorando as diferenças regionais. Nós observamos que existia uma maior demanda no Sul e no Sudeste e que a proporcionalidade de demandas estava centralizando os recursos nessas regiões”, afirma Teresa Cristina Oliveira, secretária da SEFIC (Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura “Não queremos perder a qualidade, mas valorizar iniciativas que estão em lugares onde a demanda e o financiamento são menores”.

Outra responsabilidade da comissão de avaliação é determinar o valor do apoio financeiro a cada beneficiado. Os recursos destinados ao programa totalizam R$ 2 milhões, provenientes do FNC (Fundo Nacional da Cultura). As inscrições estão abertas para pessoas físicas, grupos ou entidades culturais privadas sem fins lucrativos. De acordo com o edital, 5% dos recursos serão destinados para participantes com deficiência.

Saiba mais:
Leia o edital do Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural


Juliana Sayão, especial para Prima Pagina
Boletim PNUD, nº 502, 29/07/08

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Setor informal "é principal via para escapar da pobreza no Brasil"

O setor informal retira mais trabalhadores da pobreza do que o formal, segundo um artigo divulgado em uma publicação do CIP (Centro Internacional da Pobreza), órgão ligado ao Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP).

"Empregos para trabalhadores pobres são escassos no setor formal. Para melhorar a sua renda, os pobres apelam para empregos informais e sem registro que são altamente vulneráveis", dizem a pesquisadora Ana Flávia Machado, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e Rafael Perez Ribas, do CIP, no artigo Onde Estão os Empregos que Tiram as Pessoas da Pobreza no Brasil?

Utilizando dados da Pesquisa Mensal de Emprego de 2004 para avaliar a relação entre mobilidade entre estados de pobreza e inserção no mercado de trabalho, os autores classificaram trabalhadores entre 18 e 60 anos em três grupos: trabalhadores do setor formal, do setor informal e desempregados.

Os autores constataram que 6% dos desempregados, 3% dos trabalhadores pobres do setor informal e 1% dos trabalhadores pobres do setor formal saem da pobreza de um mês para o outro. Segundo eles, isso mostra que "trabalhadores pobres do setor formal têm menos chances de sair da pobreza."

Além disso, cerca de 85% de trabalhadores informais que saem da pobreza continuam no setor informal, e apenas 11% passam a ter um emprego no setor formal.

No setor formal, entre os que saem da pobreza, 91% continuam no setor formal, enquanto 9% se deslocam para a informalidade.

Já entre os desempregados que conseguem sair da pobreza, 37% encontram emprego no setor informal, enquanto que 14% o fazem no setor formal.

"Isso sugere que o setor formal não tem ajudado as pessoas a saírem da pobreza tanto quanto o setor informal", dizem os autores.

Vulnerabilidade
Por outro lado, o artigo diz que os trabalhadores do setor informal têm mais chances de cair na pobreza do que os do setor formal, porque "podem não ter proteção social durante tempos de crise econômica".

Os dados compilados pelos autores mostram que 4% dos trabalhadores informais, 3% dos desempregados e 2% dos trabalhadores do setor formal passam a ser pobres de um mês para o outro.

Os autores também concluíram que a porcentagem de trabalhadores que entram na pobreza por causa do desemprego é maior no setor informal (16%) do que no formal (12%).

"O setor formal oferece as melhores condições para os trabalhadores, mas no Brasil os pobres têm acesso limitado a esse setor. A informalidade tem sido um meio alternativo de promover mobilidade sob condições de baixa renda, apesar de sua maior vulnerabilidade", concluem os pesquisadores.


BBC Brasil, 28/07/08

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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Grupo usa a internet para doar e receber objetos

Rosângela Braga, 36, posa com a filha recém-nascida, Marina, com 17 dias
Foto Beatriz Toledo/Folha Imagem


Marina Braga Gentile nasceu há 17 dias no Hospital Metropolitano, na Pompéia. Para enfrentar o inverno paulistano, a menina, de 50 cm e 4 kg, saiu da maternidade vestida com casaquinho e sapatinhos de lã. O modelito, novinho em folha, foi presente de desconhecido, via internet. E, atenção, não foi caridade!

A mãe de Marina, a psicóloga Rosângela Braga, 36, participa da Freecycle (www.freecycle.org), rede que reúne internautas doadores e receptores de tudo o que se imagina. Pode ser livro, gato, equipamento odontológico e até piano.

"Arrumei todas as roupinhas e vi que faltavam peças de lã. Não pensei duas vezes. Postei o pedido no site e umas dez pessoas se propuseram", conta a psicóloga, que, pela primeira vez, é receptora.

Desde que soube da iniciativa, há cerca de um ano, Rosângela já doou computador, disquetes, sapatos e livros. "Vi que um americano doou até a casa. Quis participar também e comecei pelo que estava sobrando no meu apartamento. Agora, chegou a minha vez de pedir. Recebi mais do que esperava e muito rapidamente", relata.

No mundo todo, a Freecycle reúne cinco milhões de pessoas em mais de 80 países. Mas a idéia do que se chama "economia da doação" surgiu despretensiosa, em 2003, no Arizona, EUA. Deron Beal, o fundador, trabalhava para um grupo ambientalista que buscava manter bens utilizáveis fora de aterros sanitários. Um dia, a instituição quis doar materiais de escritório de que não precisava mais, e Beal teve dificuldade em encontrar, com rapidez, alguém que precisasse.

Foi quando percebeu que, se pudesse postar a oferta em uma lista de e-mail, economizaria tempo. Nascia a organização que, hoje, recebe 30 mil novos membros a cada semana. O esquema de funcionamento é simples: o usuário entra no site e se cadastra no grupo da cidade em que mora, para facilitar a troca de informações e a entrega dos objetos. Depois, é só postar os pedidos e doações.

No Brasil, a rede ainda é pequena. Além do grupo de São Paulo, o maior, com 650 membros e pouco mais de dois anos de existência, há apenas outros sete no país. O antropólogo Guilherme Falleiros, 31, é um dos moderadores da lista paulistana. Assim que descobriu o grupo americano, entrou em contato com os organizadores e recebeu permissão para abrir uma "filial" na capital paulista, a primeira do Brasil.

"Me interessei porque a Freecycle possibilita uma solidariedade que não se baseia na caridade, que pressupõe uma desigualdade. Aqui não: doadores e recebedores se confundem, se alternam. E sem que haja troca", diz.

Há um mês, Guilherme saiu de sua casa em Santo André e foi buscar um gatinho que estava sendo doado na Vila Prudente, na zona leste. Foi sua primeira participação. A atividade do moderador se resume a aprovar ou não as mensagens que são enviadas para a lista. Só são censuradas ofertas que citam valores ou que propõem troca. Fora isso, não há registro formal dos itens que são doados ou aceitos e nenhuma barreira à participação de qualquer pessoa.

Sem explicações
Foi exatamente essa "falta de questionamento" que motivou Rosângela. Ela diz que, assim que pediu as roupinhas para o seu bebê, as únicas perguntas que recebeu, também por e-mail, foram quanto ao sexo da criança e a época do nascimento, além dos votos de "boa sorte no parto". "Ninguém me perguntou por que eu queria os casaquinhos, como é minha vida ou com o que trabalho", conta.

Quem participa diz que as indagações são mesmo dispensáveis, já que a idéia não é fazer caridade. "O que faço é por ideologia, pela proposta do não-desperdício. Isso é o que importa", diz o advogado André Graça, 30, membro há seis meses. Há três semanas, ele doou uma lavadora de alta pressão. Assim que postou a oferta, oito pessoas se manifestaram.

O receptor foi um morador de Osasco, que André nem chegou a conhecer. "Agendamos a data, e ele veio buscar. Eu não estava. Foi a diarista que entregou." É o segundo objeto que o advogado doa. O primeiro foi um armário.

O designer Maurício de Sousa, 32, também participa pela segunda vez. Mas ele ainda não doou nada. Só recebeu. Assim que se cadastrou, há um mês, ele viu que alguém oferecia um hub (equipamento de informática). Respondeu rapidamente o e-mail, saiu de sua casa em São Bernardo do Campo e foi até Pinheiros buscar a peça.

Na última semana, o site possibilitou que Maurício realizasse o antigo sonho de montar um curso de fotografia. Ele pediu equipamentos fotográficos antigos ou com defeitos, coisa que, com a era digital, muita gente deixou de usar. Duas pessoas responderam à solicitação, e o designer já conseguiu angariar quatro câmeras e um tripé.


Ocimara Balmant,da Revista da Folha
Folha Online, 28/07/08

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domingo, 27 de julho de 2008

Estrangeiro ganha espaço no ensino superior brasileiro

Enquanto projetos que prevêem restrições ao capital internacional na educação andam a passos lentos no Congresso, os estrangeiros ganham cada vez mais espaço no mercado de ensino superior brasileiro. São pelo menos seis as instituições nessa situação, sem contar as faculdades e escolas menores que elas compraram com o aporte de recursos.

O ritmo dos negócios contrasta com a demora dos congressistas para apreciar o tema. Enviado em 2006, o projeto de reforma universitária do Ministério da Educação limita a participação de estrangeiros a 30% do capital votante das instituições, mas está parado na Câmara.

"Creio que não seja só essa matéria que esteja atrasada, mas isso não implica nenhuma falta de ação do MEC, é o tempo do Congresso", diz Ronaldo Mota, secretário de Educação Superior da pasta.

Não aos estrangeiros
Outra proposta, do deputado e candidato à Prefeitura de São Paulo Ivan Valente (PSOL-SP), proíbe qualquer capital internacional em instituições de ensino superior. "A idéia de que esse capital aprimora a melhora do ensino superior no Brasil é uma balela", diz. "Não está vindo Harvard, mas grupos que têm como único fim o lucro."

Para Elizabeth Guedes, vice-reitora da Anhembi Morumbi, trata-se de "puro preconceito". A universidade foi uma das primeiras a receber recursos estrangeiros --em 2005, o grupo norte-americano Laureate comprou 51% da participação.

Outra modalidade de participação estrangeira tem acontecido por meio da compra de ações na bolsa de valores. É o caso da Anhanguera, da Fanor (Faculdades Nordeste), e da Kroton, que detém as faculdades Pitágoras. A CM Consultoria aponta também a Estácio de Sá, segunda maior do país, e o SEB (Sistema Educacional Brasileiro) --a Folha não conseguiu confirmar a informação com as instituições.

A próxima pode ser a Unip (Universidade Paulista), que, com 136 mil alunos, é a maior instituição do país de acordo com dados do MEC de 2006. Segundo o jornal "Valor Econômico", a instituição recebeu uma oferta de R$ 2,5 bilhões do grupo americano Apollo. A Unip não confirma nem nega.

O interesse dos grupos estrangeiros está relacionado ao baixo percentual de jovens no ensino superior no Brasil (12,1%) o que pode indicar demanda reprimida. Por outro lado, há cerca de um milhão de vagas ociosas na iniciativa privada, o que leva a um temor do governo de que, fragilizadas, as instituições sejam completamente desnacionalizadas.

Angela Pinho
Folha Online, 27/07/08

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Ele está vencendo o crime

O prefeito da cidade com mais brasileiros nos Estados Unidos dá prêmio em dinheiro a quem entregar bandidos e diz que vale copiar experiências boas de qualquer lugar
"Viramos a cidade que mais reduz os crimes violentos em todo o país"

Foto Gilberto Tadday

Cory Booker, 39 anos, é prefeito da capital brasileira nos Estados Unidos: Newark, em Nova Jersey. Os cerca de 30 000 brasileiros que moram no local compraram 60% de todas as residências vendidas na cidade nos últimos anos. Ele governa mais brasileiros do que 4 000 de nossos prefeitos. É uma estrela em ascensão na política americana. Em 2002, sua campanha para a prefeitura de Newark, uma das cidades mais pobres e violentas dos EUA, acabou em derrota, mas virou um documentário indicado ao Oscar. Em 2006, Booker ganhou, com mais de 70% dos votos. Está no meio do mandato e já tem um sucesso vistoso: reduziu drasticamente a taxa de crimes violentos.

Booker faz parte da primeira geração de políticos negros que era jovem demais – ou nem nascida – para ter participado da luta contra o racismo nos anos 60. Colega de Barack Obama, ele sempre aparece na lista dos cotados para ministro no caso de vitória do democrata. "Ninguém me tira daqui", diz. Formado em direito por Yale e filho de pais bem-sucedidos, ambos executivos da IBM, Booker é solteiro, não bebe, não fuma e é vegetariano desde 1992. Numa cidade ainda violenta, Booker anda com segurança 24 horas por dia.

Os comentaristas políticos dizem que, se Barack Obama for eleito presidente, o senhor trocará o título de prefeito pelo de ministro. Ministro?
Talvez eu pudesse ser o mordomo. Eu poderia abrir a porta e saudar as pessoas: "Bem-vindas à Casa Branca". Não, não. Ninguém me tira daqui. Estou há dois anos no comando da prefeitura, tenho mais dois anos pela frente e serei candidato à reeleição.

O senhor tem conversado com Obama?
Nos últimos tempos, não. Obama está muito ocupado. Não quero nem vou incomodá-lo. Antes da campanha, vínhamos conversando de vez em quando. Não somos amigos que se ligam para ir ao cinema no fim de semana. Ele nunca me convidou para tomar uma cerveja, mesmo porque não bebo. Mas Obama é um colega, um companheiro. Tenho grande afeição por ele. Quando li a sua autobiografia, A Origem dos Meus Sonhos, vi partes da minha própria história.

Nos anos 80, Obama mudou-se para Chicago para fazer trabalho comunitário. Nos anos 90, o senhor fez o mesmo, em Newark. Inspirou-se no trabalho dele? Nem sabíamos da existência um do outro. Só fomos ouvir falar um do outro quando entramos para a política e a imprensa começou a escrever sobre as nossas semelhanças.

O que muda no fato de ser um político negro e não ter lutado pelos direitos civis nos anos 60?
Sou tudo o que sou por causa do sacrifício daquela geração, o que me permitiu freqüentar escolas de primeira linha e desfrutar uma série de privilégios. Nossa geração se beneficiou daquela luta e, hoje, sentimos a obrigação de retribuir algo do que recebemos por meio da ação política. É o meu caso, é o caso de Obama e de outros, como Harold Ford Jr. (ex-deputado do Tennessee), Artur Davis (deputado do Alabama), Adrian Fenty (prefeito de Washington).

Vocês são todos jovens, nascidos entre os anos 60 e 70, negros e democratas. Formam um grupo, costumam se reunir, discutir política?
Não somos um grupo no sentido formal, mas, informalmente, sim. Na primeira vez em que o encontrei, Obama já veio logo brincando comigo e dizendo que eu ficasse fora das reportagens que a imprensa publica sobre ele. Naquela altura, porque éramos associados pela imprensa, já estávamos familiarizados uns com os outros. De lá para cá, nossos laços se estreitaram.

Quando se mudou para Newark, em 1995, por que o senhor escolheu um dos lugares mais pobres da cidade para viver?
Para fazer diferença numa comunidade, é preciso conhecê-la. Meu sonho era participar da transformação de uma vizinhança pobre e degradada. Quando me mudei, não foi um sacrifício no sentido óbvio. Na verdade, encontrei uma ligação com aquela comunidade, estabeleci um laço, descobri um sentimento de pertencimento.

Ninguém o acusou de demagogo por ir morar com os pobres?
Só depois que entrei para a política. Quando eu vivia lá como um jovem advogado, tentando organizar a comunidade, ninguém me acusava de nada.

Quando o senhor assumiu a prefeitura, Newark era a cidade mais violenta do país. Como reverteu esse quadro?
O primeiro desafio é despertar a comunidade para seu potencial. Por muito tempo, os moradores de Newark toleraram crimes demais, toleraram um governo que não lhes prestava serviço. Os habitantes da cidade não exigiam do governo, nem de si mesmos ou de seus vizinhos. O primeiro desafio, então, é despertar as pessoas para o sucesso possível, sepultar o cinismo, o ceticismo. Viver numa comunidade não é como assistir a um jogo de futebol, em que nos sentamos e esperamos as coisas acontecerem no campo.

A comunidade despertou estimulada apenas por sua retórica?
Vivemos grandes momentos no meu primeiro ano na prefeitura, mas houve um ponto de virada. Foi o homicídio de três jovens universitários em agosto de 2007 (sob a mira dos assassinos, os jovens foram levados até um muro de concreto, ali se ajoelharam e foram executados, de costas, com tiros na cabeça). Foi um choque, e deu-se então a virada. Diante daquela brutalidade, a cidade podia entregar-se ao desespero, à raiva, à frustração, ou pegar uma estrada diferente. E pegou. As pessoas arregaçaram as mangas, ofereceram-se para realizar trabalho voluntário, doar dinheiro, fazer parceria com a cidade. A mudança foi extraordinária. Hoje, somos a cidade que mais reduz a taxa de crimes violentos nos EUA. No ano passado, ela caiu 5% ou 6%. Neste ano, a queda já está em torno de 37%, 38%. Os outros prefeitos agora nos perguntam o que fizemos para reduzir tanto a criminalidade.

O que o senhor responde?
Não há resposta simples ou fácil. Além de despertar a comunidade, é preciso conjugar uma gama ampla de estratégias. Nós contratamos mais policiais, engrossamos o turno da noite, que é quando acontecem os crimes, e mudamos os lugares de plantão para onde os crimes de fato ocorrem. Criamos uma equipe que acompanha o pessoal em liberdade condicional, para evitar que cometam novos crimes e voltem para a prisão. Criamos a divisão de combate ao narcotráfico, porque percebemos que o tráfico de drogas está por trás dos crimes violentos. Investimos em tecnologia para ter uma ampla base de dados. Acabamos de instalar uma centena de câmeras pela cidade.

O senhor tem algum exemplo de participação direta da comunidade que esteja fazendo diferença?
Hoje mesmo tivemos um belo exemplo. Há um ano, começamos a dizer que era preciso transformar os espaços verdes de Newark para valorizar nossas crianças. A cidade estava cinza, feia, as quadras de esportes estavam quebradas. Mas a prefeitura não tinha dinheiro. Então, reunimos empresários, vizinhos, filantropos, e conseguimos criar um fundo de 40 milhões de dólares. Hoje, lançamos a campanha de renovação dos parques. Até o fim do ano, alguns já estarão reformados. Isso é animador.

Além de violenta, Newark tem um quarto da população abaixo da linha de pobreza. Como um prefeito pode combatê-la?
Discordo da idéia de que a pobreza compete ao governo federal. Essa idéia é disseminada, mas, no Brasil mesmo, as coisas não são assim. Quando eu ainda pensava em ser prefeito, conheci Jaime Lerner, então prefeito de Curitiba, na Universidade de Virgínia. Fiquei tão impressionado com o trabalho dele que dois anos depois visitei a cidade. Lerner reduziu a pobreza em Curitiba, atacou o problema ambiental, porque o assumiu como responsabilidade sua. Em Curitiba, aprendi como um líder pode fazer diferença no nível local. Nos Estados Unidos, prefeitos podem fazer mais do que senadores e deputados. Em Newark, temos problemas nacionais, globais, mas é preciso ser criativo.

Dê um exemplo de criatividade.
Vou contar o que considero um dos meus maiores sucessos. Criamos quase 4 000 empregos para moradores de Newark, sem abrir nova vaga no serviço público nem atrair nova empresa para a cidade. O que fizemos? Chamamos os empresários instalados aqui e perguntamos a eles por que contratavam milhares de pessoas, mas não contratavam gente de Newark. Era um problema de qualificação de mão-de-obra. Então, o dinheiro que gastávamos em treinamento de trabalhadores estava indo pelo ralo. Destinávamos muito dinheiro a empresas que davam cursos de qualificação, mas, no fim, os trabalhadores iam para casa com um papel na mão e sem emprego. Só 5% dos treinados conseguiam uma vaga. Pegamos o dinheiro e começamos a treinar as pessoas para trabalhar nas empresas instaladas em Newark. Na Continental Airlines, só 7% dos empregados eram daqui. Agora, são quase 30%. Eu bati à porta deles. Fui à sede da Continental em Houston, no Texas. Fiz isso com várias empresas para entender o problema. A Cablevision, empresa de TV a cabo, não encontrava gente qualificada para trabalhar no seu call center. Junto com a empresa, montamos um treinamento específico. Centenas de moradores de Newark já ganharam emprego no call center da Cablevision.

Qual é o melhor prefeito dos Estados Unidos?
Michael Bloomberg, de Nova York.

O senhor é democrata e acha que o melhor prefeito do país é um republicano que agora se declara sem partido?
Sim. Ele não é um modelo para mim porque suas circunstâncias são diferentes. Uma cidade com 8,3 milhões de habitantes é um país. Newark tem 300 000. Mas nós copiamos coisas que Bloomberg fez, como o estímulo à denúncia contra o crime. Agora, em Newark, um morador pode ligar sem se identificar, fazer a denúncia, e lhe damos quatro números. Se a polícia pega o denunciado, o morador telefona de novo e recebe mais quatro números. A seqüên-cia de oito números é uma senha com a qual ele saca 1 000 dólares de recompensa num terminal bancário, sem se identificar. Em Nova York, eles dão 500 dólares; nós damos 1 000. Copiamos coisas de outras cidades também. Numa delas, havia um programa que treinava pais ex-detentos a cuidar dos filhos. Era relevante, porque esses pais voltam para casa e não sabem como lidar com os filhos, que acabam nas ruas reproduzindo uma herança de crimes. Sou do tipo que, antes de reinventar a roda, olha em torno. Não importa que a novidade venha de Curitiba, no Brasil, ou de São Francisco, na Califórnia. Se for boa, copio, adapto. Quero transformar Newark no Vale do Silício da inovação urbana.

Newark tem mais brasileiros do que muita cidade brasileira. O que os eles têm de melhor?
A comunidade brasileira apoiou minha candidatura à prefeitura, pelo que sou muito grato. Agora, o melhor dos brasileiros são eles mesmos, as pessoas em si. Os brasileiros têm energia, têm um espírito vibrante que me inspira, me alegra.

E o que têm de pior?
O mais frustrante para mim é o clima de hostilidade em relação aos imigrantes que se criou no país, sobretudo depois do 11 de Setembro. Isso afeta a comunidade brasileira, porque parte dela não está legalizada. É frustrante, porque somos um país de imigrantes, cujas portas foram abertas para a energia, as idéias, os recursos de fora. Newark também é uma cidade de imigrantes. Temos irlandeses, italianos, judeus, latinos, portugueses, brasileiros, afro-americanos que migraram do sul do país para cá. Nós mesmos cometemos um erro. Um policial pediu a um brasileiro na rua para mostrar seu green card (visto permanente de imigração). Isso é inadmissível. Um policial não pode fazer com que uma pessoa, esteja ela legal ou ilegalmente no país, se sinta insegura para cooperar com a polícia. O incidente passou uma mensagem muito equivocada à comunidade brasileira. Peço desculpas.

O senhor fala português?
Não falo português (ele responde em português). Hablo español. No hablo perfecto y tengo que practicar. Os brasileiros entendem o pessoal que fala espanhol, mas o pessoal que fala espanhol não entende os brasileiros. Não é interessante?

André Petry, de Newark
Veja, Edição 2071, 30/07/08

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Jovem brasileiro sonha com emprego e casa própria

Foto João Wainer/Folha Imagem

O Datafolha traçou um perfil inédito do jovem brasileiro. Em um caderno especial da Folha, que está nas bancas neste domingo (íntegra disponível para assinantes do jornal e do UOL), sonhos, medos vontades, hábitos de consumo, dúvidas e certezas do jovem brasileiro são abordados por meio de 120 perguntas feitas para 1.541 jovens de todo o Brasil.

Os jovens entre 16 e 25 anos são hoje 35 milhões e representam 19% da população brasileira. Para 33% deles, o trabalho é o maior sonho da vida. Entre os de 16 e 17 anos, a porcentagem é ainda maior: 42%. O jovem rebelde e niilista de gerações passadas deu lugar àquele que busca acima de tudo a realização profissional e a independência financeira.

Para atingir esse objetivo, eles consideram o estudo importante. Ambiguamente, mais da metade deles (54%) já repetiu o ano. O índice é alto mesmo nas classes A e B (44%). E 32% deles não leu um livro sequer nos últimos seis meses.

Junto à ambição profissional, os tradicionais casar e constituir família mantêm-se em alta. No entanto, muitos jovens já são pais/mães (21%). Destes, em média, os garotos foram pais aos 19,3 anos, enquanto as meninas, aos 18 anos. A questão do aborto também é mencionada: apenas 4% das garotas admitiram ter feito aborto, e 33% "conhecem" alguma amiga que fez o procedimento.
A questão da vaidade também foi abordada. Perguntados como se sentiam em relação à própria aparência, 59% se declararam muito satisfeitos. Onze anos atrás, em pesquisa do mesmo Datafolha, o número era de 89%. O mesmo ocorreu em relação ao peso: 50% estão muito satisfeitos com seu peso contra 61% onze anos atrás. Em busca de atingir o inatingível padrão de beleza atual, 42% das jovens brasileiras querem fazer plástica. Entre os meninos, o valor é de 16%.

Inédita no Brasil, a pesquisa do Datafolha pode ser conferida no caderno especial [publicado na íntegra abaixo], que teve grande parte das reportagens elaborada por trainees da Folha, sob a orientação de Ivan Finotti e da editora de Treinamento, Ana Estela de Sousa Pinto.

Folha Online, 26/07/08


Sumário

Perfil é inédito no Brasil
Garoto da capa receia futuro e diz ser parte da maioria

Realidade: A economia soterrou o sonho
Três irmãos arrumam trampo no mesmo dia
Artigo: A adolescência acabou?

Inquietações: Maiores medos são a morte e violência
Artigo:É preciso ser generoso

Família: Mãe é a mais amada
Nana e Naiara "contam tudo", menos detalhes

Má educação: Repetência deixa de ser exceção
Celular é usado na classe até para colar em provas

Gravidez: Aborto - só as amigas fazem...

Sociedade: Jovem se organiza na igreja

Valores: Mini adultos
Jovem era careta nos loucos anos 60

Pátria: 42% sairiam do país

Aparência: Cada vez mais feios e gordos
Artigo: Angústia grátis
Elas só pensam em plástica

Sexo: Virgem depois dos 20 anos
Laís, 15, olhou para os pêlos loiros de Lucas, 14. Então...

Consumo: Ah, como gastam

Conexão: Internet persegue TV
Rodolfo - "Acessar na LAN house é mais zoeira"
Artigo: Armas adultas

Vícios: 43% dos pais sabem do uso de drogas
Da cerveja à produção de crack
20% já dirigiram depois de beber
Sulistas se drogam mais que os outros

Música: O Brasil do forró!
Artigo: Nota errada


Apresentação
Perfil é inédito no Brasil
Foram feitas 120 perguntas para 1.541 jovens em 168 cidades do país. O resultado é a mais completa pesquisa do século

Bayeux, Careiro e Riachão das Neves. Goianésia do Pará, Breves e Parauapebas. Zé Doca, Crateús e São Domingos do Azeitão. Os nomes podem soar estranhos, mas são apenas algumas das 168 cidades visitadas pelo Datafolha para realizar o mais completo perfil do jovem brasileiro neste século 21.

"Não há outro estudo com essa abrangência, cobertura e diversidade de temas", afirma Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha. A abrangência se refere à pesquisa em todas as classes sociais. A cobertura é nacional, incluindo capitais e cidades do interior de todos os Estados.

Já a diversidade de temas pode ser conferida em cada uma das páginas deste caderno especial, que traz desde participação política até a sexualidade do jovem, passando por valores, sonhos, medos e hábitos de consumo. A primeira constatação da pesquisa é simples: cai por terra o clássico imaginário do jovem contestador, rebelde, engajado, participativo etc. O jovem brasileiro quer emprego.

Seus maiores sonhos são materiais: realização profissional, comprar imóvel e veículo e ficar rico. Seus principais valores são família, saúde, trabalho e estudo. E nem em temas polêmicos como descriminalização da maconha ou liberação do aborto eles se descolam do resto da população brasileira.

"É um jovem que ainda não conseguiu superar as barreiras das necessidades básicas. Só a partir daí ele abrirá a agenda para outras demandas. Revelar esse universo é extremamente importante", resume Janoni.

Há outros dados surpreendentes: o papel da igreja, o número de jovens que admitiram o uso de drogas, a taxa de meninas que disseram não serem mais virgens e a porcentagem declarada de abortos também chamaram a atenção do diretor de pesquisas do Datafolha.

"A principal razão para que esses números sejam mais altos do que os que aparecem em pesquisas semelhantes é que o Datafolha elaborou dois questionários", explica Janoni.
O primeiro, com 90 perguntas, era aplicado normalmente pelo pesquisador. O segundo, com 30 questões sobre sexo e drogas, era preenchido sozinho pelo próprio entrevistado, que não precisava se identificar. Além de não se constranger com perguntas íntimas, o jovem colocava o questionário numa bolsa lacrada, que só era aberta no instituto Datafolha, em São Paulo.
Foram entrevistados 1.541 brasileiros entre 16 e 25 anos. A margem de erro é de três pontos percentuais, para mais ou para menos.

Jovens trainees
A maioria das reportagens do caderno "Jovem Século 21" foi feita pelos integrantes da 45ª turma do programa de treinamento da Folha. O curso durou 14 semanas e tem como objetivo selecionar jovens talentosos e ensiná-los, na prática, a trabalhar em jornal diário (leia mais em www.folha.com.br/treinamento). Nesta edição, eles foram orientados pelo editor do Folhateen, Ivan Finotti, e pela editora de Treinamento, Ana Estela de Sousa Pinto, e tiveram o trabalho coordenado por repórteres experientes, como Laura Capriglione e Antônio Gois. A 45ª turma foi patrocinada pela Philip Morris Brasil e pela Odebrecht.

Ivan Finotti, editor do Folhateen


Garoto da capa receia futuro e diz ser parte da maioria
Ricardo estuda e trabalha

"O jovem brasileiro é um sonhador", diz Ricardo dos Reis Ferreira, 20, o rosto que estampa a capa deste caderno. Talvez por acreditar nisso, tenha trocado a cidade de Conceição da Barra, litoral norte do Espírito Santo, pelo centro econômico do país. Ele veio para São Paulo em março de 2006 para "trampar" no mundo da moda.

Tendo estudado em escola pública e em busca da realização profissional, Ricardo foi abordado pela Folha em um restaurante paulistano e convidado a ser o retrato da juventude brasileira no século 21. "Faço parte da grande maioria", analisa.

Ele personifica o jovem médio cujo perfil é traçado nas próximas páginas pelos resultados da pesquisa do Datafolha.

Ricardo não pôde realizar a sua vontade inicial, mas resolveu continuar em São Paulo, ajustando seus objetivos à realidade que encontrou. No momento, trabalha e estuda relações internacionais. "O objetivo agora é terminar a faculdade."

Na posição de quem saiu do interior em direção a uma grande capital, Ricardo ainda destaca a já conhecida situação de violência "absurda" com que o jovem se depara.

A obstinação demonstrada em relação ao futuro revela a necessidade de reagir a um outro sentimento que, segundo ele, aflige a juventude no Brasil: a insegurança, resultado de uma condição econômica que torna a juventude o grupo social mais vulnerável ao desemprego. Dá "um pouco de medo em relação ao futuro", diz.

Amaro Grassi, colaboração para a Folha


A economia soterrou o sonho
Jovens buscam atender necessidades básicas, como emprego, estudo e casa própria

Com o que sonha um jovem brasileiro? As respostas que moças e rapazes deram ao Datafolha dão a impressão de que a palavra "sonho" suscita neles mais o desejo de tratar de inquietações cotidianas, imediatas e previsíveis para cada faixa de idade. Ou de que talvez ainda seja mesmo um sonho, um devaneio esperançoso, tornar-se um profissional formado num país em que é muito minoritário o número de pessoas que se formam em faculdades.

O "maior sonho" dos jovens ouvidos pelo Datafolha é "trabalhar/formar-se" numa profissão (18%). Ter uma casa, terminar os estudos e fazer família são as outras aspirações maiores.
"Sucesso profissional/na carreira" ou apenas ter um bom emprego (fixo, com carteira, numa boa empresa, com bom salário) ocupam o segundo lugar dos maiores sonhos dos brasileiros entre 16 e 25 anos, com 15% das respostas. Para 7%, o sonho maior é fazer faculdade.

Em suma, pois, para 40% dos jovens, o sonho maior é resolver uma ansiedade compreensível e convencional para a idade -e, provavelmente, não só para essa idade: cuidar da vida, encontrar um lugar ao sol, ter um emprego decente e definir sua identidade por meio do trabalho de que gosta.

Os mais jovens, de 16 e 17, previsivelmente, sonham em se formar em determinada profissão: é o "maior sonho" para 34% deles. Para os mais adultos, de 22 a 25 anos, a resposta deriva mais para a realização profissional, "sonho maior" para 17% dos entrevistados.

Porém, para a faixa de 22 a 25 anos, a resposta mais freqüente é "ter casa/uma boa casa" (22%). No caso das moças de 22 a 25, esse é o sonho maior para 28% (16% no caso dos rapazes); para quem tem filhos, é o sonho maior de 30%. Constituir uma família e cuidar bem dela é o maior sonho para 10% dos entrevistados.

As moças mais jovens se preocupam muito mais com a educação de si próprias que os rapazes. "Fazer faculdade/terminar os estudos" é o maior sonho de 20% das meninas de 16, 17 anos e para 9% dos meninos.

A diferença de prioridades parece refletida em outra parte da pesquisa, na qual se registra a impressionante e deprimente estatística sobre o desempenho escolar: 54% dos jovens já repetiram o ano (dos que ainda estão no ensino fundamental, 76% já foram reprovados). E os números são ainda piores para os rapazes -63% deles repetiram o ano ao menos uma vez, contra 46% das mulheres.

Como contraponto, "ficar rico/ter dinheiro/comprar coisas" é o sonho maior para 13% dos rapazes, mas para apenas 5% das moças.

Os sonhos variam pouco entre as classes de renda, educação ou região onde moram os entrevistados. Os mais pobres sonham um pouco mais em ter casa; os mais instruídos sonham um pouco mais com realização profissional.

Vinicius Torres Freire, colunista da Folha


Três irmãos arrumam trampo no mesmo dia
Os gêmeos Cleuton e Cleiton Souza, de 19 anos, lutam para ser diferentes -dos colegas que viram cair na droga e no crime

Estudantes do segundo ano do ensino médio, eles vinham buscando emprego há meses. Depois de rodarem São Paulo e se acostumarem a enfrentar filas, sua busca chegou ao fim: foram chamados para trabalhar em uma obra em frente à casa em que moram, na favela Morro Doce, a 32 km do centro. No mesmo dia, o irmão mais velho, Elton, 21, foi chamado para trabalhar em uma metalúrgica.

Agora, os gêmeos são ajudantes de pedreiro na construção de uma escola pública que vai ter o que a deles nunca ofereceu: aulas de computação. A falta de conhecimentos de informática foi o que barrou a contratação em mais de uma entrevista de emprego que fizeram.

Para juntar os R$ 4,60 do ônibus para procurar emprego, eles ajudavam o pai em uma quitanda. As viagens terminavam quase sempre em uma porta. "O segurança mandava deixar lá mesmo o currículo", diz Cleiton. "Um deles rasgou o papel assim que eu me virei", conta o irmão.

Apesar das barreiras, Cleiton havia sido chamado para oito processos de seleção neste ano. Só tinha conseguido um trabalho: empacotador em um supermercado por quatro meses.
Cada um deles ganhará R$ 754 mensais, que planejam poupar. Eles querem terminar o ensino médio e, após algum tempo de trabalho, fazer outros cursos.

Iago Bolívar, colaboração para a Folha


Artigo: A adolescência acabou?
A pesquisa de hoje mostra a mesma coisa que, aparentemente, descobrimos a cada vez que sondamos os adolescentes: eles são tão caretas quanto a gente, se não mais.
Eles se preocupam sobretudo com família, saúde, trabalho e estudo. Seu maior sonho é a realização profissional -não empreendimentos fantasiosos, mas o devaneio de qualquer mãe de classe média: ser médico, advogado ou encontrar um bom emprego que lhes garanta casa própria e carro.

Em matéria de política, a maioria se posiciona à direita ou ao centro e não tem interesse em participar de movimentos sociais. Eles têm opiniões parecidas com as da média nacional: são contra a legalização do aborto, contra a descriminalização da maconha e a favor da diminuição da maioridade penal. Sobre a pena de morte, estão divididos meio a meio.

Não são aventurosos: têm pouca vontade de viajar e estão preocupados com a violência. Na hora do sexo, têm muito medo da Aids.

Quanto às drogas, espantalho dos pais, eles preferem a que os adultos se permitem, o álcool.
Cúmulo para quem imagina que os adolescentes sejam contestatórios: em sua maioria, eles acham que o que aprendem na escola é de grande utilidade para o futuro.

Em suma, a surpresa da pesquisa de hoje não está nos resultados, mas no nosso susto ao lê-los: ainda acreditávamos numa visão cinematográfico literária da adolescência. Ou seja, supúnhamos que os adolescentes fossem insubordinados e visionários. Será que já foram e desistiram? Ou será que nunca foram, como sugere a comparação com a pesquisa Datafolha de 1998 e com outra, da revista "Realidade", de 1967?

A adolescência como época separada e específica da vida foi inventada nos anos 1950 e 1960. É nessa época que o cinema e a literatura (narrativas inventadas pelos adultos) criaram a figura do adolescente revoltado, ao qual foi confiada a tarefa de encenar as rebeldias inconfessáveis e frustradas dos adultos.

Uma explicação materialista para esse fenômeno diz que, no quase pleno emprego do pós-guerra europeu e americano, era bom que os jovens levassem mais tempo antes de chegar ao mercado de trabalho; ou, então, que um tempo maior de preparação e estudo era exigido por um mercado de trabalho cada vez mais especializado.

Outra explicação, menos materialista, diz que os adultos, na pequena prosperidade do pós-guerra, achavam sua vida um pouco chata (e era, de fato, mais do que nunca, massificada). Os adultos, portanto, sonhavam com aventuras às quais pareciam ter renunciado em troca de uma casa, um liquidificador, dois carros e uma TV. E eles inventaram a adolescência como encarnação de sua vontade de uma vida menos enlatada.

A invenção cultural da adolescência nem sequer transformou a maioria dos adolescentes em rebeldes. Mas produziu um clima suficiente para que, aos 20 anos, alguns membros da geração nascida logo após a guerra chutassem o balde que os adultos queriam, mas não sabiam chutar: contracultura, aspirações sociais, revolução sexual etc. O mundo ficou melhor para todos.
Mas foi um momento especial, em que a insatisfação reprimida dos adultos do pós-guerra delegou aos jovens uma missão quase revolucionária. Desde então, é como se a adolescência tivesse perdido sua razão de ser.

Resta, aos adultos, a expectativa de que os adolescentes corram os riscos que a gente não quer mais correr ou nunca quis, de que eles sejam nossa face audaciosa, sedenta de experiências e de terras incógnitas, generosamente preocupada com um mundo melhor. Mas é uma expectativa vaga, que se confunde com nossa vontade periódica de tirar férias.

Hoje, quais são nossas aspirações extraordinárias e escondidas? Quais os sonhos que os adolescentes defenderiam e encenariam para nós? São apenas visões de nós mesmos, um pouco mais bem-sucedidos.

O tempo da adolescência acabou. O que sobrou dele? Talvez apenas uma trilha sonora.

Contardo Calligaris, 59
Psicanalista, colunista da Folha e autor de livros como "O Conto do Amor" (Companhia das Letras) e "A Adolescência" (Publifolha)


Inquietações
Maiores medos são a morte e violência

60% dos jovens temem sair de casa; 30% do total e 49% dos mais ricos já foram vítimas de assalto

"Atenção para o refrão/É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a morte", cantava a desgrenhada e hippie Gal Costa, 23, pouco antes da decretação do Ato Institucional número 5, o decreto liberticida da ditadura militar baixado no interminável ano de 1968. Era o refrão de "Divino Maravilhoso", canção com a qual Gal e Caetano Veloso disputavam o Festival da Record daquele ano, auge do tropicalismo e da rebelião de uma minoria dos jovens.

Quarenta anos depois, o Instituto Datafolha perguntou aos brasileiros de 16 a 25 anos sobre seus medos, sonhos, gostos, pessoas que admiram e opiniões sobre questões sociais controversas como pena de morte, aborto e drogas. Em mais uma ironia da história das ilusões sobre os jovens, de 1968 ou de 2008, moças e rapazes disseram que seu maior medo é mesmo o da morte.

Morte
Em geral, as respostas da pesquisa nem sugerem muita fantasia nem idéias divergentes. Os jovens ouvidos têm a mesma opinião do que o total da população sobre a proibição do aborto, fumar maconha e também sobre a pena de morte.
Somado ao medo da perda final de parentes e outras pessoas próximas, o medo da morte representou 40% das respostas ao Datafolha.

"Atenção para o sangue sobre o chão/Atenção/Tudo é perigoso/Tudo é divino maravilhoso", cantavam Gal e Veloso, tratando, no entanto, de perigos e maravilhas na visão existencialista pop avacalhada do tropicalismo. Os perigos e o sangue muito concretos da realidade de 2008, porém, não parecem afetar tanto os jovens ouvidos pelo Datafolha.

"Violência" é o terceiro maior medo, mas foi citado por apenas 13%.

Assalto
O número impressiona mais porque quase um de cada três jovens diz já ter sido assaltado. Diz ter sido vítima do mesmo crime a metade dos jovens das famílias com renda superior a R$ 4.150 por mês -dez salários mínimos.

Quando o Datafolha indaga sobre o medo de sair de casa, o quadro muda um pouco: 26% dos jovens dizem ter "muito medo" de sair de casa (18% no caso dos rapazes, 33% no caso das moças).

Mesmo assim, e obviamente, 74% dizem não ter "muito medo": 40% "não têm medo" e 34% têm "algum medo", o que dá a impressão de razoável tranqüilidade, dados os riscos de fato e a experiência real de violência dos jovens.

"Muito medo" de sair de casa é mais freqüente entre os casados (34%) e com filhos (33%) do que entre os solteiros (23%) e sem fi lhos (24%). De mais intrigante, os jovens nordestinos são muito mais temerosos (33% de "muito medo") que os do Sudeste (18%).

"Desemprego" é apontado como o maior temor de apenas 7% dos jovens; o medo de não encontrar trabalho é maior entre os que têm curso superior, o que parece compreensível, dadas as ansiedades dos recém-formados.

Vinicius Torres Freire, colunista da Folha


Artigo: É preciso ser generoso
Ao longo de minhas décadas, formei um conceito sobre a juventude. Fiz-me otimista. A base do meu olhar sobre esse extraordinário segmento da aventura humana é colhida da convivência com jovens nas salas de aula e no consultório. A amostragem é pequena, pouco heterogênea, portanto não faz ciência, até porque são complexos os vetores de uma produção cultural. Mesmo assim, eu me fio nela e não me filio ao partido dos apocalípticos.

Juventude é o tempo da mais extraordinária revolução por que passa o ser humano. No corpo, na consciência, no campo sociofamiliar. "Não pode confiar em ninguém com mais de 30 anos." Metáfora, obviamente, que dá o que pensar.

É o segmento da vida humana de que se fala com uma acentuação quase sempre desaprovadora e pejorativa. "Avançando para trás", ouço os rótulos que marcaram as épocas por que passei, "juventude transviada, rebelde e opositiva, psicodélica, maconheira, festiva, riponga, revoltada, subversiva, drogada, alienada, geração perdida, careta" etc. Nunca se usaram jargões análogos para crianças e adultos.

Cedo aprendi a buscar uma compreensão desse momento glorioso e sofrido da alma juvenil. Dão sempre o seu recado, não sendo as gerações piores, iguais ou melhores que as outras, e sim diferentes. O que me interessa é a reviravolta que "as ondas da vez" trazem para a comunidade humana, sobretudo a partir das novas formas de linguagem e comportamento. Costumam deixar o "mundo de pernas para o ar". Há mais ganhos do que perdas.

O que há de novo na economia interna da juventude de hoje?

Pragmática, não pensa em aposentadoria, na estabilidade do emprego. Graduar-se é bom, mas não para a garantia certa da felicidade certa. Conjuga os verbos no tempo presente. Aspira a ser rica, mas não vai consumir todas as energias nisso. A fruição não pode ser adiada. A droga é normalmente usada ou para o relaxamento (maconha) ou para aumentar as energias (ecstasy). Os acontecimentos são "acontecências", ou seja, no instante mesmo em que aparecem se desvanecem.

Vinculativa, acredita em aliança amorosa que só se parte com a morte do amor ou que seja "eterna enquanto dure". Internauta, vive on-line com o mundo, por meio da inteligência que acontece na ponta dos dedos e na logística dos games. Caseira, onde mais mora do que vive com a família, sem autoritarismos.

Comprometida, cuida do corpo por razões de estética, sem preconceitos, e de saúde; sensibiliza- se com a natureza e é partidária da ecologia. Política não lhe faz a cabeça. A idéia de ruptura, criança versus adulto, dependência versus independência, submissão versus liberdade, continua como sempre existiu, mas faz-se de forma singular, não é violenta nem ideológica.

Inventiva, na linguagem, na música, na vida profissional. Cresce o número de "jovens empresários". No mercado financeiro, são imbatíveis. Inquieta, a inquietação é geral, sem um foco determinado, "o sonho acabou", "a promessa é vazia", "o mundo não está nada potável", portanto "eu que cuide de mim".

Inteligente, vai surgindo uma nova forma de coleta da informação, visitando a internet mais que as bibliotecas, lendo sínteses mais do que compêndios. Ser culto é um conceito vago. Avaliar essa inteligência, impossível fazê-lo agora. Ver-se-á depois.

Generosa, o outro existe, se comparecer. Sem culpa, nem sempre acata limites, o que deságua perigosamente no "tudo posso". Revolucionária, como toda juventude, dá o passo seguinte do próximo pedaço da história. Algumas reviravoltas extraordinárias, conquistadas por movimentos jovens anteriores, encampadas pela geração atual, como a questão da mulher, do negro, da religião, dos costumes, da sexualidade, do casamento, habitam o universo juvenil.

Enfim, com todos os cabíveis reparos, a juventude, com "som e fúria", com dor e amor, com medo e paixão, vai dando o seu recado. Um olhar generoso é capaz de perceber que, com todos os cacoetes, o recado é bom.

Ganhamos todos...

João Batista Ferreira, 70
Psicanalista


Família
Mãe é a mais amada
Pai fica atrás de avós e irmãos nos quesitos amor e confiança

Não tem pra ninguém. Nada contra pais, avós ou irmãos, mas, quando o assunto é confiança ou amor, é mesmo a mãe a figura mais lembrada.

Ao pedir que jovens tentassem traduzir, numa escala de zero a dez, o amor que sentem por cada um dos familiares, o Datafolha verificou que as mães receberam média 9,7.
No quesito confiança, a média é 9,4. As médias para pais, irmãos e avós também foram altas, mas sempre abaixo da das mães.

Para Maria Aparecida Vilhena, da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, é natural que a mãe apareça como figura de referência do jovem quando ele é questionado sobre o amor que sente. "Sobretudo nos primeiros anos de vida, a figura que a criança elege como de apego central tende a ser a mãe", diz.

A psicóloga clínica especializada em relações familiares Ana Cláudia Oliveira afirma que tanto afeto quanto confiança estão relacionados à presença: "Nossa constituição familiar é muito mais matriarcal. A mulher é quem organiza a casa, leva ao médico, ajuda na lição da escola".
Adriana Wagner, professora de psicologia da PUC-RS, lembra que essa situação independe de a mulher estar no mercado de trabalho -pesquisas comprovam que isso não diminui o trabalho feminino em casa.

Esse novo posicionamento da mulher, apesar de ainda não se traduzir numa divisão mais justa das tarefas domésticas, coloca em xeque o modelo tradicional paterno. Vilhena identifica três modelos de pais: um tradicional, outro ausente e um terceiro que, mesmo presente, tem dificuldade para achar seu lugar.

Para Oliveira, é preciso lembrar que o estudo foi feito com jovens de 16 a 25 anos. "Temos que olhar para 20 anos atrás." Se a pesquisa voltar a ser feita daqui a 15 anos, ela prevê outro resultado. "A confiança paterna deve aumentar."

Antônio Gois, da Sucursal do Rio, e Patrícia Gomes, Colaboração para a Folha


Nana e Naiara "contam tudo", menos detalhes
Quando Nana Terra, 22, reatou com o namorado, a mãe foi a primeira a saber. Na casa dos Terra é assim: tanto Nana quanto sua irmã, Naiara, 20, recorrem a Kátia, 40, quando têm alguma novidade, dúvida ou problema.

As irmãs são um exemplo dos 37% de jovens que disseram concordar totalmente com a afirmação "minha mãe é minha melhor amiga e eu conto tudo para ela" na pesquisa.
Mas será que contam tudo mesmo? Nana diz que o que ela chama de "contar tudo" é ter a liberdade para falar de qualquer assunto, mas também respeito ao abordar temas delicados, como detalhes sobre um namoro.

Fátima Padin, coordenadora do ambulatório de adolescentes da Uniad/Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que a preocupação em não contar tudo é saudável: "A filha tem que ter os seus segredinhos".

Para a professora da PUC-RS Adriana Wagner, ter diálogo não significa falar sobre qualquer assunto: "Quando chega uma cliente dizendo que é a melhor amiga da filha, eu pergunto: "Então quem é a mãe?'".

E essa é uma via de mão dupla, diz: "Nem os filhos devem dar detalhes de sua sexualidade nem os pais devem dividir questões conjugais íntimas".

Carla Nastari, 17, é um exemplo disso. "Minha mãe me orienta, eu converso com ela, mas ela não sabe de todos detalhes da minha vida." Elizabeth Nastari, 53, mãe de Carla e de Camila, 22, e Carolina, 25, é uma referência de confiança, e as filhas são unânimes ao falarem sobre o amor que sentem pela mãe. Carla, por exemplo, deu 11 para a pergunta "de zero a dez, quanto você ama sua mãe?" -1,3 ponto a mais do que a média apresentada pelo Datafolha.

PG


Má educação
Repetência deixa de ser exceção
Mais da metade dos jovens brasileiros já repetiu o ano; índice de reprovação é alto mesmo nas classes A e B

Um país que ostenta uma das maiores taxas de reprovação do mundo não poderia produzir outro resultado que não o revelado pelo Datafolha: mais da metade (54%) dos jovens brasileiros já repetiu o ano na escola.

Esse percentual é maior entre homens, nordestinos e mais pobres.

O problema, porém, não é restrito a esses grupos. Quase metade (44%) dos jovens das classes A ou B, por exemplo, já repetiu.

Índices tão altos talvez tivessem justificativa caso isso melhorasse a qualidade da educação brasileira. Não é o que acontece, como lembra Ruben Klein, da Fundação Cesgranrio. "Se repetência funcionasse, o Brasil teria indicadores maravilhosos na educação. A escola tem que funcionar para que todos aprendam e não sejam reprovados."

Para a professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Sílvia Colello, os altos índices de repetência resultam da falta de diálogo entre o jovem e a escola. "De um lado, há um jovem que não valoriza o saber. Do outro, escolas que dialogam pouco com a realidade do aluno. O saber tem de ter sabor. Um desafio dos professores é recriar esse sabor."

Giovanna Cappellano de Carvalho, 16, que repetiu o primeiro ano do ensino médio em um colégio privado de São Paulo em 2006, diz que a relação com os professores influencia muito no seu desempenho. "Se o professor dá uma aula que me envolve, presto atenção e faço o que ele pede."
Ela conta que brigava muito com a professora da disciplina em que reprovou. Mas assume sua responsabilidade. "Vi que estava perdendo tempo e amadureci."

O pai de Giovanna, Marcelo de Carvalho, 41, diz que, após a reprovação, decidiu mudar a filha de escola e matriculá-la em cursos técnicos. "Ela desenha bem, gosta de arte, de moda."

Para ele, a reprovação também teve efeitos positivos. "Você joga uma grana fora e expõe falhas no relacionamento com os filhos. Mas foi uma ruptura. Ela percebeu que a própria irresponsabilidade causou coisas ruins."

Apesar de concordarem que a reprovação deve ser combatida, diretores de escolas particulares de São Paulo afirmam que, em alguns casos, reter um estudante pode ser positivo.

"Uma reprovação não cai de pára-quedas", diz Fátima Trindade, diretora-geral do Colégio Pio XII. Ela considera que muitas vezes a reprovação faz o aluno rever decisões e escolhas.

Para o diretor-geral pedagógico do Colégio Dante Alighieri, Lauro Spaggiari, o aluno pode ganhar segurança e passar a render mais. "Quando a família e a escola apóiam, ele se sente mais forte e percebe que era necessário."

Coisa de menino
Os números do Datafolha mostram que os meninos repetem mais do que as meninas: enquanto 63% deles já reprovaram, entre elas o índice cai para 46%. "Temos uma cultura de escola primária que é mais feminina, que valoriza o asseio, o comportamento, enquanto o menino é mais beligerante, mais ativo", diz o coordenador do programa de pós-graduação em educação da USP, Romualdo Portela.

Sílvia Colello também vê influência cultural. "A mulher é mais incentivada a ser dócil e a lidar com as regras do jogo. Mas isso não signifi ca que aprenda mais", afirma a professora.

Antônio Gois, da Sucursal do Rio, e Gustavo Hennemann, Colaboração para a Folha


Celular é usado na classe até para colar em provas
O celular já chegou à maioria (73%) dos jovens brasileiros e, com eles, às salas de aula -17% afirmam utilizá-lo nesse ambiente e 9%, para colar nas provas. O uso em sala é mais comum nas classes A e B (23% dos que possuem o aparelho) do que nas classes D e E (13%).

Escolas tiveram que criar regras para impedir que os aparelhos atrapalhassem as aulas. O Colégio Bandeirantes, de São Paulo, por exemplo, permite o uso no pátio e nos intervalos, mas o restringe em dias de prova. "Se o aluno estiver com o aparelho no bolso, já pode ter a prova anulada", diz o coordenador pedagógico, Onofre Rosa.

Ele conta que os professores tiveram de aprender a lidar com problemas envolvendo aparelhos eletrônicos.

Já o Colégio Piaget chegou a proibir o uso em qualquer local. "Eles recebiam ligações na sala e corriam ao banheiro para atender", diz a diretora pedagógica, Silvana Rodrigues. Hoje, porém, a escola permite que o aluno utilize o celular no pátio.

Segundo Regina Fleuss, do Colégio Notre Dame, do Rio, foi preciso adotar uma "tolerância zero". Ela diz que alunos e pais já entenderam que, caso precisem entrar em contato, devem usar o telefone da escola.

Querido mestre
Os jovens brasileiros fazem uma boa avaliação de seus professores e dão a eles, de zero a dez, uma nota média 8,1. Para a maioria (71%), o que se aprende na escola tem muita utilidade em suas vidas.

O percentual é ainda mais alto entre jovens das classes D e E. Eliane Ribeiro, professora da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz que a população pobre valoriza muito a escola porque sua rede de oportunidades é mais restrita. "Um garoto de classe média tem uma rede de amigos e familiares que o ajudará a encontrar um emprego. Para um jovem mais pobre, isso é mais difícil."

AG E GH


Gravidez
Aborto - só as amigas fazem...
Um terço das mulheres conhece alguém que abortou, mas apenas 4% admitem ter feito o procedimento


Trinta e três em cada cem jovens brasileiras conhecem alguém que fez aborto, mas só 4% admitem ter recorrido ao procedimento.

Essa diferença mostra, para Rebeca Silva, professora da Unifesp, que pode haver subnotificação nos dados: "É difícil falar sobre aborto, as pessoas omitem".

No Brasil, o aborto só é permitido em caso de estupro e de risco de vida para a mãe, mas, mesmo em países onde o procedimento não é crime, a subnotificação chega a 50%.

Pelas contas de Silva, se 30% das jovens disseram ter uma amiga que fez aborto, esse valor deveria corresponder também às que abortaram -já que, numa amostra grande, a superposição de dados (pessoas que conhecem a mesma jovem que abortou) não faz diferença.

Segundo a pesquisa, o percentual de mulheres que admitem ter abortado pula para 7% na faixa etária dos 22 aos 25 anos. Para a professora Greice Menezes, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), uma explicação é que é geralmente nessa idade que a mulher tem uma atividade sexual mais intensa e, portanto, está mais suscetível a engravidar. Outra explicação seria o fato de pessoas mais novas terem mais dificuldade em admitir o aborto.

Também chama a atenção o percentual maior de abortos entre mulheres com renda familiar superior a dez salários mínimos: 9%. Segundo Menezes, apesar de essas moças engravidarem menos, elas recorrem mais ao aborto em caso de gravidez não planejada.

Silva diz que os dados confirmam o perfil da mulher que opta pelo aborto: "São jovens, que estão no meio de um projeto de vida, como a faculdade ou o início da carreira".

Patrícia Gomes, Colaboração para a Folha


Sociedade
Jovem se organiza na igreja
Participação em organizações religiosas bate de longe a reunião em grupos políticos

O som ensurdecedor dos acordes da guitarra era acompanhado pelas cabeças que balançavam ao mesmo ritmo das batidas do baterista e de uma letra que não se entendia muito bem. A cada intervalo da música, uma mensagem de amor a Jesus Cristo. A noite se estenderia madrugada adentro, com poucas variações entre os shows do Crash Social Concert, organizado por membros da Crash Church.

Talita Floriano, 18, não estava lá por causa da música -ela prefere hard rock dos anos 1980-, mas porque se sente bem no meio daquela galera. Ela faz parte dos 39% de jovens que declararam se organizarem em igrejas, segundo a pesquisa Datafolha.

Na "Crash", Talita pode se vestir como gosta. Filha de fundadores de uma igreja batista, ela está cada vez mais próxima do ministério underground e tem o sonho de ter uma loja na Galeria do Rock. Uma loja evangélica.

Diferentemente dos membros da Crash Church, que acreditam que Jesus era underground e se vestem, em sua maioria, com roupas pretas e soturnas, na Bola de Neve Church os meninos aparecem de bermuda florida, as meninas com vestidinhos e o pastor de topete. No templo, fotografias de surfistas num tubo não fazem parte de um conceito religioso: é apenas questão estética.

A adesão é tanta que a fila na porta da sede da "Bola", em Perdizes, São Paulo, chega à rua no intervalo entre cultos aos domingos. Ao entrar no templo, vê-se um auditório para cerca de 2.000 pessoas e uma prancha de surfe no lugar do altar -uma alusão ao início dessa congregação religiosa, que começou dentro de uma loja de "surfwear".

Depois de uma oração fervorosa, com rostos apertados, olhos de sofrimento e uma salva de palmas -para Jesus-, luzes são diminuídas e um set de cinco músicas, com direito a performance de dança, inicia o culto. As músicas têm melodia fácil e as letras de louvor a Cristo aparecem no telão para que até quem está lá pela primeira vez possa cantar junto.

A Bola de Neve Church, segundo o pastor do culto do domingo, começou como uma igreja 100% jovem e hoje é "só 70%". Muitos jovens acabaram levando os pais.

Talita Floriano, meio batista renovada, meio underground, vê a diversidade de cultos com bons olhos. "É necessário que haja essa diversificação para que cada um se sinta bem." Manuel Rodrigues de Souza Jr., professor de crisma na paróquia de São Judas, percebe que os jovens vão à igreja com mais vontade.

Segundo o professor, na época em que começou a formar crismandos, a procura era maior. Mas quase todos iam para cumprir uma obrigação. Hoje, ele diz notar menos jovens que estão ali por determinação dos pais.

Em um retiro dominical na chácara da própria paróquia, a maioria estava lá por determinação familiar, mas todos pareciam bem à vontade com os amigos que encontraram ali, com as paqueras que começavam e os temas discutidos.
É o caso de Guilherme Fiorentini, 16. Por sugestão dos pais, ele entrou junto com sua irmã, Mariana, 13, para as aulas que os preparariam para a crisma. Falante e combativo, Guilherme sempre coloca seu ponto de vista nas conversas.

Seu maior sonho é ter uma ONG que ajude as pessoas que não têm educação. Fã de Raul Seixas, tem medo de que o mundo se transforme em um grande parque de concreto, sem áreas naturais. Nada de muito diferente da maioria dos jovens -por mais que ele não acredite nisso.

O padre Darcy Augusto, que foi ao festival de música eletrônica Skol Beats em 2006 a convite da Folha e declarou que Deus estava lá, afi rma que a Igreja Católica já consegue manter os jovens fiéis. O desafio, acredita ele, é fazer com que eles venham até ela. Falta inventar a igreja do eletrônico?

Juliana Lugão, Colaboração para a Folha


Valores
Mini adultos
Jovens têm as mesmas opiniões que o resto da população em relação a temas polêmicos

O jovem brasileiro de hoje dá mais valor a religião, estudo, trabalho e família do que há dez anos e pensa de forma muito parecida com o restante da população sobre a descriminalização da maconha, a redução da maioridade penal, a pena de morte e a lei do aborto.

Para especialistas, ele tem poucos conflitos com a geração anterior, gosta de se divertir e se preocupa com a inserção social pelo trabalho. Ana Paula Oliveira, 22, diz que a família é a coisa mais importante de sua vida; depois, o trabalho, que paga sua faculdade. É madrugada em uma rave em Guapimirim (RJ) e ela dança segurando uma bandeira do Brasil. Como 72% da juventude brasileira, ela acha que a maconha não deveria ser descriminalizada.

A poucos metros dela, Jennifer, 21, mãe de um bebê de um ano, diz-se a favor da manutenção da lei do aborto. Ela acha, porém, que sua amiga Suelen Crisostomo, 20, não deveria ser presa caso recorra ao método. Para Suelen, a lei deveria ser revista: "É decisão de cada um".

Danielle, 24, diz já ter usado várias drogas e, por "saber o mal que fazem", é contra a descriminalização de todas, com exceção da maconha, que parou de fumar por ter ficado "viciada".

Universitários, Guilherme Souza, 22, e Bruno dos Santos, 25, discordam quanto à redução da maioridade penal. Guilherme é "totalmente a favor", embora não saiba qual seria a idade ideal. Bruno acha "um absurdo", pois "não resolve".

Longe da rave, em São Paulo, Fernanda Lima, 18, é contra a descriminalização do aborto e a pena de morte e a favor da redução da maioridade penal. Ela faz curso de produção cultural na Cufa (Central Única das Favelas). "Esse mundo já está muito perdido, muita liberação vai acabar estragando", acredita.

Politizados
Apesar de ter opinião semelhante ao restante da população sobre temas polêmicos, a juventude brasileira é mais escolarizada e politizada. Quase metade (47%) dela diz acompanhar o noticiário político e 37% se diz de direita, contra 28% de esquerda.

O jovem Marcus Vinícius Santos, 20, afirma que é de direita e que ser de esquerda é ser "do contra". Ele se diz politicamente ativo e considera Lula um ídolo.

Segundo Gustavo Ventura, cientista político da USP (Universidade de São Paulo), a população brasileira é "tradicionalmente conservadora" e com pouco histórico de associativismo. Ele afirma que a "juventude está buscando novas formas de organização" e que os movimentos culturais são uma opção.

André Lobato, colaboração para a Folha


Jovem era careta nos loucos anos 60
Quase se estava entrando no ano mítico de 1968 -era setembro de 1967- e a também mítica revista "Realidade", hoje extinta, publicou um perfi l inédito da juventude brasileira. Foi uma ótima oportunidade para mostrar que aqueles tempos fabulosos, de heróis revolucionários com suas mocinhas emancipadas, eram isso mesmo: tempos fabulosos. A pesquisa, feita com mil brasileiros entre 15 e 24 anos, mostrou que a juventude real estava a anos-luz daquela que queria tomar o poder.

Foi pedido que os entrevistados completassem a frase "você considera a virgindade de sua futura esposa ou marido...."; 44% disseram ser "essencial". Outros 21%, desejável. Só 13% a consideraram "desnecessária". Mas os defensores do amor livre estavam lá: para 4%, a virgindade era "prejudicial".

O Brasil vivia sob uma ditadura. Mesmo assim, 44% dos entrevistados se consideravam "a favor" do governo. E, se você acha que todo "brotinho" era "moderno", saiba que 3 em cada 4 entrevistados achavam que a mulher não deveria trabalhar.

Em 1968, durante um festival, Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram a música "É Proibido Proibir". Vaiado, Caetano reagiu perguntando: "Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?" Não era, como mostrou a pesquisa da "Realidade".

Laura Capriglione, da reportagem local


Pátria
42% sairiam do país
Mesmo com a ameaça do subemprego, jovens brasileiros têm esperança de vencer em países do primeiro mundo

As longas esperas, muitas vezes em vão, para conseguir um visto para os EUA e a nova lei contra a imigração ilegal aprovada pelo Parlamento europeu comprovam: sair do Brasil e morar no exterior parece cada vez mais difícil.

Segundo o texto da nova lei européia, um imigrante ilegal pode ser detido por até 18 meses e proibido de voltar a qualquer país do bloco por até cinco anos.

Mas nada disso parece assustar os 42% de jovens brasileiros que, segundo o Datafolha, querem sair do país -e ficar para sempre fora das fronteiras tupiniquins.

Para Bruna Nunes, 27, que faz mestrado em Bilbao, na Espanha, muitos dos brasileiros que querem deixar o país têm a ilusão de que a vida no exterior será fácil. A jovem, que já lavou pratos e foi camareira em Barcelona, diz que as condições sociais não são tão igualitárias quanto se imagina no Brasil, mesmo para quem está em situação legal.

Além do problema da inclusão social, há as questões financeiras e a dificuldade de encontrar um trabalho fora do subemprego para quem não tem cidadania européia.

A brasileira Marcela Canavarro, 25, que mora em Nova York, compartilha da opinião de Bruna. Segundo a jornalista, os nova-iorquinos falam do Brasil como o "país pobre que deu certo", e ela própria se surpreendeu ao ouvi-los dizer que deve ser o melhor país do mundo para morar. Marcela afirma ter mudado sua perspectiva sobre o Brasil.

Subemprego
Quando, em 2001, Isabella Bolfarini, 29, formou-se em direito, resolveu se especializar em direitos humanos, área ainda incipiente no Brasil, e acabou fazendo mestrado na Bélgica e doutorado em Paris. Para se sustentar, fazia faxina. A flexibilidade do subemprego era, para a jovem, a melhor forma de poder estudar.

Nina Serebrenick, 23, também saiu do país em busca de um tipo de educação diferente da brasileira. Ela, que considera "a educação de arte no Brasil muito tradicional", foi em 2006 estudar em Londres numa academia de arte. "É para você ser um artista, e não um especialista em arte." Hoje em Amsterdam, Nina já trabalhou numa padaria e começou há pouco tempo numa loja de relógios.

Diferentemente dos jovens ouvidos pela pesquisa Datafolha, Nina e Isabella saíram do país com o objetivo de voltar. "Se eu tivesse certeza de que no Brasil existe uma escola de arte tão boa quanto as daqui, nem teria saído", diz Nina.

Juliana Lugão, Colaboração para a Folha


Aparência
Cada vez mais feios e gordos
Em comparação com a última década, insatisfação com aparência e peso aumentou consideravelmente

Poderia ser uma boa notícia o fato de que 6 em cada 10 jovens brasileiros estão muito satisfeitos com a própria aparência. Mas não é.

Há 11 anos, o Datafolha perguntou aos jovens brasileiros se eles se sentiam felizes com a aparência e registrou que 82% estavam muito satisfeitos com o que viam diante do espelho. A mesma pergunta foi feita agora e o grupo dos que se consideram muito satisfeitos caiu 23 pontos percentuais.

O descontentamento é maior entre as garotas -44% se dizem pouco satisfeitas e 6%, nada satisfeitas com a aparência. As meninas de 16 e 17 anos representam o auge do dissabor: 7% delas estão totalmente insatisfeitas.

Como não é provável que a feiúra tenha se tornado uma epidemia ao longo dos anos, por que os jovens estão se sentindo mais infelizes com a própria aparência? Segundo especialistas, trata-se de uma questão social.

Padrão de beleza Para a psicóloga Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC Rio, o padrão de beleza atual impõe que o jovem seja magro, "sarado" e bronzeado. "Tantas exigências geram uma relação infeliz com o próprio corpo", diz ela, que é autora do livro "O Intolerável Peso da Feiúra".

Segundo a psicóloga, a infelicidade se agrava devido à diferença de tratamento que a sociedade impõe ao "feio" e ao "bonito". Enquanto a beleza é um meio de ascensão social no Brasil, quem é considerado feio se torna vítima de um preconceito socialmente aceito, pois é permitido que se recrimine a aparência do outro.

Já a antropóloga Mirian Goldenberg -autora de "O Corpo Como Capital" e professora do departamento de antropologia social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)- não acredita que o jovem esteja se sentindo mais feio, mas, sim, inadequado em relação ao padrão de corpo valorizado pela sociedade.

Contudo, segundo Goldenberg, a juventude atual é a primeira geração que cresceu sabendo que há meios para se adequar ao padrão: vestir-se de acordo com a moda, investir em tratamentos estéticos, recorrer a cirurgias plásticas etc.

E mais gordo também Colocar os pés em uma balança pode ser um sacrifício para metade dos jovens brasileiros. Foi esse o percentual de entrevistados que disseram ao Datafolha que não estão satisfeitos com o próprio peso.

Comparando os resultados com 11 anos atrás, o número de jovens muito satisfeitos com o peso caiu de 61% para 50%. . Outra vez, a maior insatisfação se verifica entre as garotas, com o ápice do descontentamento entre as que têm de 22 a 25 anos: 26% estão insatisfeitas com o peso.

Para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, a insatisfação com o peso reflete uma realidade preocupante. A entidade mapeou a obesidade no Brasil em 2007 e concluiu que, entre os jovens de 18 a 25 anos pesquisados, dois terços estão acima do peso e 5% são obesos.
Porém, outro fenômeno preocupa os especialistas: o descontentamento com a balança ultrapassa o universo dos jovens que realmente têm problema de sobrepeso.

Essa foi uma das conclusões de uma pesquisa recém-realizada por alunos de pós-graduação em psicologia hospitalar do Hospital das Clínicas de São Paulo com 757 universitários da área de saúde com idades entre 17 e 26 anos.

Dos entrevistados, 44% afirmaram já terem utilizado algum método para emagrecer, 20,5% já tomaram alguma fórmula para emagrecimento e 14% usaram laxantes ou diuréticos para perder peso. Além disso, 8% disseram já ter provocado vômitos após as refeições com o intuito de emagrecer.

Para o psicólogo Niraldo de Oliveira Santos, coordenador do estudo, os números surpreendem porque 8 em cada 10 estudantes consultados eram magros ou tinham peso normal em relação à altura e à idade.

Surpreendem ainda mais porque, em teoria, os estudantes da área de saúde deveriam ser bem informados sobre cuidados com o corpo. "O que se teme é que, se considerado um universo maior de jovens, o panorama possa ser ainda mais preocupante", diz Santos.

Carolina Araújo, colaboração para a Folha


Artigo
Uma garota precisa ser incrivelmente magra para caber naquele vestido da nova coleção da Triton. Precisa ser incrivelmente magra para estar aos pés das celebridades bem-sucedidas do momento. Mesmo que sejam celebridades famosas justamente por não fazerem nada.
Celebridades que representam a imagem da mulher e do homem glamourosos do século 21.

Aqueles que estão por dentro das tendências que mudam de forma e de cor segundo as estações.
O boom da tecnologia no fi nal dos anos 1990 não fez somente com que a informação pertencesse a todos, mas também com que houvesse informações demais, rápido demais. As pessoas se acostumaram com as soluções instantâneas e se tornaram mais imediatistas e incapazes de lidar com as frustrações.

Passaram a se sentir mais insatisfeitas. Seja com os relacionamentos amorosos, seja com a auto-estima, seja com as peças no armário. Isso certamente as tornou mais receptivas ao sistema ditatorial imposto pelas indústrias de moda e de estética.

Sistema que promove suprimentos de angústia que não realizam suas promessas. Para as insatisfações físicas, há sempre a cirurgia plástica.

Para ter os seios da Scarlett Johansson, a barriga da Gisele Bündchen ou o nariz e a boca da Angelina Jolie. Mesmo possuindo belos corpos, muitos se submetem à faca para se igualarem a padrões estabelecidos em revistas ou na TV. Preferem reclamar ou se mutilar a se exercitar, pois sabem que o resultado virá com mais rapidez. Não há como lidar com o longo prazo.

Dia após dia, convivemos com a idéia de que certas compras são verdadeiros investimentos e, ao realizá-las, tornaremo-nos seres humanos mais completos. Deixamos nos enganar pelas abordagens inteligentes que mexem com nossas inseguranças. Caímos de boca no anzol e nos sentimos cada vez menos felizes.

Por não termos aquela quantidade de dinheiro, aquele corpo invejável, aquela fama toda. Não que isso seja necessário para o ser humano. É somente imposto pela sociedade moderna.

Segundo o filósofo alemão Schopenhauer, o prazer nada mais é do que o momento fugaz de ausência de dor. Não há satisfação durável. É desse princípio pessimista que se alimenta a indústria do consumo. O que importa não é encher uma casa de bens, mas jogá-los fora quando deixarem de trazer emoções novinhas em folha.

A mesma idéia pode ser ilustrada com um shopping center, criado para proporcionar sensações excitantes que existem somente durante a estadia do comprador no estabelecimento.

Mesmo quando o consumidor adquire um celular que servirá para conectá-lo em movimento, está fazendo uma compra datada. O aparelho logo sairá de linha e será trocado por outro com a mesma utilidade e algumas funcionalidades banais a mais. Só o visual será diferente.

É a obsolescência planejada, ou, em outras palavras, tática de marketing. É preciso fazer com que os renegados da sociedade de consumo sintam-se como fracassados. Só assim permanecerão sensíveis o suficiente para acreditar em tantas falsas promessas.

Mayra Dias Gomes, 20
Autora do romance "Fugalaça" (Record)


Elas só pensam em plástica
42% das mulheres e 16% dos homens querem aumentar um pouquinho aqui ou diminuir um tantinho ali

Elas têm muitas coisas em comum. Além da idade -20-, de estudarem direito juntas e de terem nomes que rimam, as amigas Veridiana e Mariana dividem uma outra coisa: o cirurgião plástico.
Em julho de 2006, Mariana Martines colocou uma prótese de 260 ml de silicone nos seios.

"Nunca fui paranóica, mas já tinha 18 anos e meu peito não crescia", lembra. Um ano depois, acompanhou a amiga ao mesmo médico.

Veridiana Machado, então com 19, submeteu-se a uma lipoaspiração na barriga, no culote, nas costas e nas pernas, apesar de amigos e familiares acharem que ela não precisava.

E, em breve, elas vão ter ainda mais coisas em comum: Mariana quer fazer uma lipo, inspirada no resultado da cirurgia da amiga. Já Veridiana, adivinhe? Quer colocar prótese de silicone nos seios, como Mariana, e fazer outra lipo. "Mas não sei se o médico vai concordar", desconfia.

Satisfeitas com o resultado, as garotas não se incomodam em contar que fizeram plástica. "Quase não existe beleza natural hoje. Para que esconder?", pergunta Veridiana. "Acho ridículo quem esconde que fez. É uma coisa comum, todo mundo faz", diz Mariana.

Não é bem assim. Apesar de 42% das jovens brasileiras quererem fazer plástica, só 2% delas já entraram na faca. Entre os meninos, o número de operados é igual, mas bem menos gostariam de se operar: 16%.

O segmento que mais quer fazer a cirurgia é o das mulheres entre 22 e 25 anos: 48%. Os resultados da pesquisa são notados nos consultórios. A insatisfação com o próprio corpo e a preocupação em se aproximar do padrão de beleza ideal têm levado um número significativo de jovens a recorrer ao bisturi.

Segundo a SBPC (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), 13% das mais de 616 mil plásticas realizadas no Brasil em 2004 foram feitas em adolescentes de 14 a 18 anos. A entidade repetirá a pesquisa em 2008 e acredita que esse percentual terá aumentado.

Para o presidente da SBCP, José Yoshikazu Tariki, o número crescente de plásticas é resultado da maior divulgação sobre a cirurgia e da vaidade típica da juventude.

Já o cirurgião plástico Dov Goldenberg acredita que o desejo pela plástica é resultado da hiperindicação e de uma simplificação de seus riscos. O problema, para a cirurgiã plástica Alessandra Grassi Salles, é que grande parte dos jovens não tem maturidade emocional para encarar mudanças no próprio corpo.

"A cirurgia plástica parece ser um caminho fácil, mas é uma solução imediatista", diz. Para ela, o que os pais e os médicos devem procurar saber é por que o jovem está insatisfeito com seu corpo.

Carolina Araújo, colaboração para a Folha


Sexo
Virgem depois dos 20 anos
22% das mulheres entre 16 e 25 dizem nunca ter transado; é o caso de Camile, 20, que abastece as amigas com e-mails contando sua "saga"

"A mulherada está atacada hoje em dia! Acho que é falta do que fazer", gargalha Camile Liguori, santista de 20 anos e última virgem da turma. "Comecei a 'ficar' aos 13. Nunca fui santa nem quero casar virgem, mas sempre exigi que, na primeira vez, fosse fazer amor, e não sexo", diz a estudante de jornalismo.

Camile faz parte dos 22% de meninas brasileiras que nunca transaram. Mas por pouco tempo, espera ela. Há quatro meses, numa micareta da Universidade Mackenzie, encontrou o mítico "cara certo". Espera ele.

"Durmo na casa dele quatro dias por semana e ele sabe que, quando eu estiver preparada, vai ser ele. Agora é uma questão de tempo." Camile narra para as amigas sua preparação por e-mails, sempre intitulados, de forma bem-humorada, "A Saga de uma Virgem".

"O que vim contar hoje é: comecei a tomar pílula! Essa notícia é muito importante, já que eu só daria inicio à coisa toda quando estivesse prevenida. Um passo, de gigante, foi dado. No próximo e-mail conto como foi minha ida ao ginecologista", diz uma das mensagens.

Conforme o Datafolha, 11% dos rapazes são virgens -a metade da porcentagem entre moças. Se, aos 16 e 17 anos, eles são 32%, o número cai para 1% quando passam dos 22 anos. Ederson Vertuan, 24, ou Poeta, como é conhecido o mestrando em letras da Universidade Estadual de Londrina, está entre essa minoria. E não é que falte oportunidade.

"Duas meninas começaram a freqüentar minha casa para me persuadir a um contato mais íntimo. Deixei claro que não estava a fi m", diz o rapaz, que é guitarrista da banda de death-doom metal Feretro.

Acostumado aos gritos da platéia, o cabeludo evita olhar diretamente para as fãs. "Não quero mostrar fraqueza, que preciso [de sexo]. Por trás disso, há um medo meu de amar." Três meses de aquecimento Seja como for, o tempo entre começar o namoro e transar está diminuindo, na opinião de Albertina Duarte, coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

"Se, nos anos 90, as jovens perdiam a virgindade depois de um ano de namoro, em 2000 esse tempo caiu para menos de quatro meses e, em 2007, para menos de três", diz. Um terço dos virgens afirma guardar-se para o casamento. Essa é a intenção de 20% dos meninos e de 40% das moças virgens -assim como a de metade dos evangélicos e de um quarto dos católicos.
Poeta está entre os católicos. "Quero achar alguém com planos de construir uma vida juntos. Nessa parte, assumo minha fé católica", afirma o singular roqueiro.

Ele diz não sentir falta do sexo. "É algo que não conheço. Mais falta sinto de uma companhia. A pessoa só terá a chave do meu corpo se abrir o meu emocional. Senão, como diz Machado de Assis, o orgasmo será apenas uma dor bastarda", conclui o Poeta. Poeticamente.

Maurício Horta, Colaboração para a Folha


Laís, 15, olhou para os pêlos loiros de Lucas, 14. Então...
Lucas (nomes fictícios), na época com 14 anos, começou a ver com outros olhos sua vizinha Laís, 15, desde que ela comentara, depois da natação, sobre os pêlos loiros que cresciam abaixo do umbigo dele.

Era verão e a tensão sexual entre os dois adolescentes crescia até um dia em que foram ver o filme "Mudança de Hábito" na casa dela. "Imagina ser uma freira! Não podem fazer sexo!", disse Laís. "Mas sentiria falta? Você nunca fez!", retrucou o garoto. "Nem você. Mas, no dia em que fizer, acho que vou gostar", respondeu a amiga.

Em seguida, estavam deitados na cama dela -"filme chato", concordaram. Entre ursinhos de pelúcia e com o coração disparado, Lucas deu-lhe um beijo. Desajeitado, sem usar camisinha nem chegar ao orgasmo -ela sentia muita dor-, o garoto entrou para as estatísticas brasileiras.

Segundo o Datafolha, meninos perdem a virgindade aos 14,7 anos; já as jovens, aos 16,3. "Eu não tinha a menor técnica. Achei até um pouco nojento", diz Lucas. Ele está longe dos 67% dos homens e dos 51% das mulheres que consideram a primeira vez boa ou ótima.

Para o ginecologista Alexandre Pupo, do Hospital Sírio-Libanês, mulheres tendem a ter a primeira relação com um namorado por buscarem estabilidade e se apegarem emocionalmente. "Às vezes, ela acha que está namorando, ainda que tenha sido um relacionamento de uma semana. Já o menino vai dizer aos colegas que 'pegou essa aí'."

A corretora de café Milena, 23, que hoje já transou com mais de 200 homens, estreou com um "fi cante", aos 14. "Imaginava que a primeira vez fosse mágica, que as roupas deslizassem sozinhas. Mas não foi. Detestei."

Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, acredita que o "ficar" passa por uma mudança. Antes, embora esse hábito aumentasse a quantidade de relacionamentos, chegava- se menos à consumação sexual. Porém, hoje esse limite foi derrubado.

Para a psiquiatra, o comportamento sexual do jovem é resultado da inserção profissional das mulheres. "Com o casamento retardado, não há mais como aguardar a iniciação sexual. As meninas tiveram uma queda de até cinco anos, contra um ano entre meninos. Agora, os dois começam quase juntos."

MH


Consumo
Ah, como gastam
69% dos jovens admitem ser consumistas; moda é importante para 70% deles

Os pais já perceberam e reclamam. Os especialistas em comportamento listam vários motivos para o fenômeno -desde falta de autoestima até gosto por novidades. Mas agora é a vez de os próprios jovens admitirem: "Somos consumistas mesmo!".

Para economizar sem abdicar das compras, a estudante carioca Camila Florez, 18, chegou a trabalhar, por alguns meses, em uma loja de um shopping no Rio de Janeiro, onde podia comprar modelos com desconto.

O guarda-roupa cheio motivou Camila e a amiga Roberta Moulin, 18, a criarem o blog "Reciclando Moda", onde vendem peças que compraram e nunca foram usadas. "Já vendemos muita coisa", comemora Camila, que gasta parte do dinheiro recebido em... roupas.

Para Guilherme Lemes, 19, as compras se tornaram um problema. Ele gastava todo o dinheiro dado pela mãe em compras. Tinha até camisetas iguais compradas em ocasiões diferentes.
"Sinto prazer em comprar, mas, quando percebi, tinha 40 calças jeans e só usava quatro", conta. Hoje, ele faz terapia para tratar o que diz ser consumismo compulsivo. Algumas calças jeans inativas já foram herdadas pelos primos ou vendidas.

Segundo a publicitária Rita Almeida, especialista na área, existem dois padrões de consumo dos jovens. O consumo entre os teens é impulsionado pela necessidade de adequação ao modelo de comportamento imposto pela turma de amigos. Mas a faculdade e a entrada no mercado de trabalho tornam o jovem mais preocupado em se tornar adulto.

Não há uma ruptura entre os dois momentos, diz Rita, mas a mudança nos interesses e no padrão de consumo é visível. "A idade os torna mais conscientes em relação ao consumo. A entrada na faculdade é um marco fundamental, pois os conflitos internos mudam completamente", afirma.

Carolina Araújo, colaboração para a Folha



Conexão
Internet persegue TV
Meninos mais novos já preferem a rede à televisão

A TV ainda é a principal fonte de informação para o jovem brasileiro, mas ele se tornou multimídia.

Essa é a opinião de Maria Regina Mota, doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP, após analisar dados do Datafolha.

A pesquisa revela que 98% dos jovens assistem à TV 3,4 horas por dia, embora esse veículo venha caindo na preferência dos jovens e a internet esteja subindo. "Esse número não me impressiona, pois não significa que o jovem passe todo esse tempo na frente da televisão sem fazer outra coisa. Ele pode deixar a TV ligada enquanto navega na internet. O que acontece é que, com a disponibilidade dos meios, o jovem se tornou multimídia", diz Mota.

A comparação com dados do Datafolha colhidos em São Paulo em 2000 mostra que, enquanto na época 45% dos jovens disseram ter a TV como veículo de comunicação preferido para se informarem, hoje 33% afirmaram o mesmo. Já com a internet nota-se um processo inverso.
O número dos que disseram ter a rede mundial como principal veículo subiu de 11% para 26%. A média de tempo gasto na web diariamente é de 2,5 horas.

Mas já há faixas e classes sociais em que a internet lidera. Os meninos com idade entre 16 e 17, assim como os de 18 a 21, disseram preferir a internet. No primeiro grupo, a rede ganhou por 33% a 30%. No segundo, por 35% a 31%.

Para os jovens das classes A e B, a internet é o meio de comunicação mais importante, com larga vantagem em relação à TV (43% a 26%).

Na classe C, a realidade é outra: a TV tem 33% da preferência contra 21%. Nas classes D e E, são 42% para a TV e só 10% para a rede.

Juliano Marques, 18, classe A, é um dos que ratificam os números acima. Ele diz acessar a web todos os dias em busca de informação. Para Juliano, a TV é sinônimo de entretenimento. "A diferença é que, na internet, eu posso pesquisar na hora em que eu quiser. Na TV, não dá para mudar o horário da programação", diz.

Cristiano Nabuco de Abreu, doutor em psicologia, argumenta que, além de permitir que o jovem vasculhe várias coisas ao mesmo tempo, a internet seduz pela perspectiva do controle. "Os que passam a ver a programação da TV no computador têm a sensação de manipular o que lhes interessa e de não serem reféns da mídia."

Jornais lideram no meio impresso
Entre os veículos impressos, os jornais deram um banho nas revistas: foram citados como meio preferido de informação por 19% dos jovens brasileiros, enquanto as revistas tiveram apenas 3% das respostas. O rádio é o principal meio informativo para 16% e a TV paga, para 2%.

Giulliana Bianconi, Colaboração para a Folha


Rodolfo - "Acessar na LAN house é mais zoeira"
Quando voltou da escola e soube que o microônibus no qual trabalha como cobrador estava quebrado, Rodolfo Rocha, 16, almoçou e correu para a LAN house que costuma freqüentar no Capão Redondo, bairro de periferia da zona sul de São Paulo.

O ambiente "descolado", com porta grafitada, paredes laranja e computadores pretos, já estava cheio. Todos os dez clientes eram jovens e estavam conectados à internet. Pela hora navegada, pagavam R$ 1,50.

Na pesquisa Datafolha, esses jovens fazem parte dos 57% que disseram acessar a internet fora de casa. Dos meninos de 16 e 17 anos, como Rodolfo, 76% afirmaram o mesmo. Em casa, Rodolfo possui computador, mas sem internet.

Afirma, porém, que, mesmo que tivesse, não deixaria de freqüentar a LAN house. "É bem melhor aqui, que é a maior zoeira. Em casa, eu ia ficar sozinho. Não teria graça." Pseudo-socialização A alguns metros dali, em outra LAN house, o atendente João Cairo, 20, diz que conhece jovens que vão ao local mesmo tendo acesso domiciliar à internet.

Apesar da afirmativa de Cairo, ainda são minoria, nas classes D e E, os que se conectam à internet em casa (2%). Entre os jovens da classe A, o índice é de 67%.

Isso não quer dizer, porém, que os jovens ricos não freqüentem LAN houses, mas que têm mais possibilidade de escolha, pois 56% deles afirmaram que se conectam fora de casa (o número não inclui ambiente de trabalho).

Para a psicóloga Dora Sampaio, do Ambulatório de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP), a presença constante em LAN houses favorece uma pseudosocialização. "A pessoa busca um outro espaço de convivência, mas continua imersa no mundo virtual."

Sampaio, que integra um projeto voltado a pessoas viciadas em internet, nota que o tema LAN house vem se tornando mais freqüente entre os jovens que chegam buscando ajuda.

GB


Artigo: Armas adultas
O jovem brasileiro quer saúde. Quer estudar e ganhar dinheiro. Quer ser feliz no trabalho e no amor e quer ir para o céu quando morrer. Parece bom e parece pouco. Nosso acomodamento adulto exige um jovem todo idealismo e rebelião, que roube dos deuses as chamas da utopia e incendeie tudo que há de velho e podre. Contanto que não seja nosso fi lho, claro.

Nesses valores pragmáticos se igualam classes de A a E, brancos e mulatos, manos e minas. A pesquisa Datafolha dá voz a uma geração pé-no-chão. Mas mais sofisticada do que parece à primeira vista.

Fácil dispensar esse conjunto de valores como mera lavagem cerebral da sociedade do hiperconsumo. Mas a cartilha emplacou por duas razões. Primeiro porque a garotada, já miserável, tem justificado pavor de mais miséria. É pobre de dar dó: 73% têm renda familiar abaixo de cinco salários mínimos. Esse valor inclui o salário do próprio jovem -60% trabalham, dos quais 77% ganham até dois salários mínimos. O que sobra (?!) vai para roupa, sapato, sanduba, xampu, a conta do celular e uma cerveja no sábado.

Esses são os felizes. Porque um em cada cinco está desempregado. Em 2005, quase metade dos desempregados do Brasil tinha entre 15 e 24 anos. A quantidade de jovens desempregados subiu 107% entre 1995 e 2005. A segunda razão por que o jovem acredita que se dar bem só depende de você é que ele é muito bem informado. E não só porque 74% acessam a internet. Esta geração absorveu organicamente o que o mundo nos ensina todo dia.

Para sobreviver, é preciso jogar o jogo. Complemento fundamental: as regras que valem para os outros não necessariamente valem para mim.

Por exemplo: 81% acham a religião importante, mas eles só seguem os mandamentos do Senhor quando querem. São 28% a favor do aborto e 50% a favor da pena de morte; 35% admitem a tortura. E 80% acham importante o sexo, arquiinimigo de padres e pastores.

Esse padrão se repete com freqüência: 78% são sexualmente ativos, 87% têm medo da Aids e 72% temem uma gravidez indesejada. Mas só 45% usam camisinha sempre.

Outro caso: a maioria dos jovens diz que o que se aprende na escola é muito útil. Mas só 51% estudam, 54% já repetiram o ano e 32% não lêem livros. Na prática, estão dizendo que o estudo só é importante como passaporte para um salário menos ruim. Acertaram na mosca.

Nosso jovem é surpreendentemente sofisticado em sua ambigüidade. Não tem ideais nem heróis. É realista nos seus objetivos -fantasias de ser modelo ou craque de futebol é coisa de uma minoria. Pretende atingir suas metas gastando o mínimo de energia.

Respeita leis do homem e de Deus só até que elas se transformem em obstáculos. A referência das meninas são mulheres-corporação como Ivete Sangalo, Xuxa e Gisele Bundchen -belas coxas conquistando belas contas bancárias. As boas pontuações de Lula nos quesitos "honestidade" e "inteligência" são reveladoras. Ele só atingiu a meta de sua vida quando finalmente jogou para ganhar, custe o que custar -como seus opositores sempre fizeram.

É uma geração que bate ponto na moralidade convencional, mas, na prática, atua segundo seus interesses. A plebe moleque enfim luta com as armas da elite adulta. Melhor assim.

André Forastieri, 42
Diretor editorial da Tambor, foi o primeiro editor do Folhateen


Vícios
43% dos pais sabem do uso de drogas
22% dos meninos e 11% das meninas admitem já terem se drogado

Cena 1: Toca o telefone na casa de Lúcio, 57, em Alphaville, reduto de classe média alta na Grande São Paulo. É o pai de um dos amigos do fi lho de Lúcio, André, 14. "Seu fi lho está fumando maconha." Passados três anos, Lúcio já desembolsou cerca de R$ 25 mil em testes antidrogas para controlar os hábitos de André. A checagem é semanal. Sessões de psiquiatria entraram no pacote. Sem muita regularidade, André, hoje com 17, continua usando maconha.
Cena 2: Luciano, 19, encontra com o irmão, de 22, um pacote de baseado na pasta do pai, um empresário de Belo Horizonte. Durante dois anos, fumavam três vezes por semana. Ora o pai comprava, ora os filhos. Reuniam-se na varanda, especialmente antes de irem a jogos do Atlético Mineiro. A mãe nada sabia.

Os nomes são fictícios, mas as situações, reais. São exemplos de um dos dados apontados pelo Datafolha que mais surpreenderam especialistas ouvidos pela reportagem. Segundo os fi lhos, quase metade (43%) dos pais sabe que eles usam ou já usaram drogas.
Embora as duas cenas ilustrem o conhecimento dos pais sobre os hábitos dos filhos, elas mostram duas formas diferentes de reagir ao problema, ambas reprovadas pelos estudiosos. O comportamento mais liberal é visto, de forma geral, como herança geracional da época em que o proibido era proibir.

"Os pais desses adolescentes estão parados na década de 1960, achando que seus filhos usam droga e tudo bem. É um horror", diz a pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Ana Cecília Marques.

Na outra ponta, o uso de testes de drogas aponta para uma relação de ausência de diálogo e confiança entre pai e filho, segundo o psicanalista Luciano Chati, que faz trabalhos de prevenção ao uso de drogas em escolas e faculdades de São Paulo.

Segundo o laboratório Sapiens Vita, que atua na área de testes de drogas, 89% das compras de testes no último mês foram feitas por famílias.

"Um controle muito rígido gera um distanciamento total da relação pai e fi lho e, eventualmente, pode acarretar outras complicações", afirma Chati. De acordo com a pesquisadora Sandra Scivoletto, coordenadora do Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas), o comportamento dos pais é majoritariamente liberal, especialmente em relação à maconha. A perspectiva para as próximas gerações, diz, não é das melhores.

"A juventude de hoje está assim por ser reflexo da postura dos adultos. A formação dela já está comprometida."

O uso de drogas no período de formação dos jovens é corroborado por um dos dados revelados pela pesquisa Datafolha. Um em cada três jovens com menos de 18 anos diz que já presenciou o uso de drogas na escola.

Breno Costa, Colaboração para a Folha


Da cerveja à produção de crack
O primeiro bar onde Júlio César (nome fictício) se sentou para beber cerveja foi em Vinhedo, interior de São Paulo. Ele tinha 12 anos. Desde então, nove anos se passaram. Os últimos 50 dias foram o período mais longo que Júlio, hoje com 21, conseguiu ficar longe de um copo. Ele não tinha alternativa: estava internado em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos em Mairiporã (SP).

O cigarro que tragava quando a reportagem o visitou era, além de "um alívio", o que restou da coleção de vícios que incluiu maconha, cocaína, solventes, ecstasy, LSD e crack, além do álcool. O início da relação com as drogas, na esteira da bebida, foi aos 14. Diz ter provado de tudo. "Eu me sentia bem, ficava mais solto com as gatinhas", afirma. O salto na relação com as meninas foi acompanhado pela derrocada na escola. Júlio colecionou oito expulsões de colégios. Repetiu o ano três vezes.

Foi morar na Bahia e lá chegou ao ápice dos vícios. Um amigo dependente vendeu para um traficante um terreno avaliado em R$ 60 mil. O pagamento foi digno de uma cena de "Scarface": seis quilos de pó branco. "Eu mesmo fazia o crack, com cocaína, amoníaco e bicarbonato."

A rotina era sem imprevistos. Júlio dormia às 6h, acordava às 15h e jogava bola, "para dar uma limpada no corpo". Em seguida, a droga o chamava. Sempre com uma companhia, cheirava cocaína, produzia o crack e bebia. Ia nesse ritmo até as 6h, para depois recomeçar. O tratamento na clínica deve terminar em dois meses. O custo do spa antidrogas chega a R$ 5.000 mensais.

BC


20% já dirigiram depois de beber
A relação entre jovens, bebida e trânsito é trágica: 1 em cada 5 já dirigiu após beber. Entre os jovens com renda familiar mensal maior do que dez salários mínimos -com mais chance de ter carro-, a relação sobe para 2 em cada 5.

Outro dado preocupante é que até jovens com 16 e 17 anos, impedidos pela lei de dirigir, admitiram ter pegado no volante após beber. A prática foi admitida por 7% deles. Segundo dados do Denatran de 2007, diariamente 12 motoristas menores de idade se envolvem em acidentes com vítimas no Brasil.

A maioria dos jovens costuma beber: são 59%, sendo que 1 em cada 3 deu os primeiros goles antes dos 15 anos.

É o caso da estudante de medicina Viviane Nunes, 23, que está sem beber há um ano e meio. Ela começou aos 13 e chegou a ter queda de cabelo e inchaço no corpo em decorrência da bebida. "Percebi que tinha algo anormal porque meus amigos tinham controle. Para mim, só tinha sentido beber para me embriagar", diz.

BC


Sulistas se drogam mais que os outros
Os jovens sulistas bebem, fumam e se drogam mais do que o restante dos brasileiros. A diferença, que já havia sido notada em outras pesquisas, volta a aparecer na consulta do Datafolha.

Não há estudos explicando o fenômeno. A explicação mais recorrente entre os especialistas é o poder aquisitivo: os sulistas têm mais dinheiro e, assim, consomem mais. Outra envolve a influência das colonizações alemã e italiana no hábito de beber álcool.

Segundo o pesquisador Flávio Pechansky, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, "existe, sim, um oferecimento grande de drogas aos jovens da região", motivado, em parte, pela "instalação de rotas de narcotráfico e laboratórios clandestinos de refino de drogas no local".

BC


Música
O Brasil do forró!
Gênero é o preferido de um quarto dos jovens

Imagens de sumidades do forró, como Dominguinhos e Luiz Gonzaga, preenchem a parede sem reboco. No teto, bandeirinhas de São João. São 23h40 e a noite numa tradicional casa de forró no largo da Batata, em Pinheiros apenas começa. Morna, mas vai esquentar.

Só 15 casais dançam o chamado forró pé-de-serra na pista principal. Alguns jovens bebem a xiboquinha -aperitivo tradicional, com gengibre, pinga, limão e especiarias.

Ana Cláudia Serrano, 20, é uma das forrozeiras à espera de um par. Ela está vestida a caráter: sandálias rasteirinhas, vestido leve, cabelo meio preso. Além de fazer aulas de dança, vai aos bailes duas vezes por semana. A "turma do forró" não gera ciúmes no namorado roqueiro, que prefere não ir.

A espera de Ana dura menos de cinco minutos: ela é tirada para dançar num ritual sem complicações. Geralmente, é só na pista que descobrem o nome um do outro -quando descobrem. Se um dos dois não dança bem, é abandonado sem muita cerimônia: beijo na bochecha, obrigado, tchau.

À 0h15, é anunciada a primeira banda. A pista não demora a encher: mesmo em noite de dois jogos importantes de futebol, cerca de 250 vestidos, saiões e calças se esbarram, dançando.
É um consenso entre os forrozeiros que o maior objetivo ali é a dança. Mas e as paqueras? Contidas: só à 0h30 deu para fl agrar um beijo na pista. À 1h20, a atração da noite: o pernambucano Trio Virgulino toca xote, xaxado, baião e outras variáveis do forró.

Às 3h, quando a festa acabou, a noite era fria lá fora. Mas, na casa do forró, todos os sete ventiladores continuavam ligados.

Cristina Moreno de Castro, Colaboração para a Folha


Artigo: Nota errada
Passei dois dias analisando os dados sobre os gêneros musicais prediletos dos jovens. Queria encontrar um que fosse positivo.

Que me fizesse parar com essa minha mania de reclamar do Brasil. Perdi tempo.

O primeiro dado negativo está no líder da pesquisa: o forró. No Nordeste, a adesão é ainda maior. As chances de o Nordeste evoluir cessam nesse dado. Pois, por mais preconceituoso que isso possa parecer, o Nordeste só evoluirá quando abandonar suas arcaicas raízes culturais.
O pagode aparece em segundo lugar, com 23% de masoquistas, mesmo índice de quem ainda não desistiu do rock.

É difícil entender essa relação de amor entre os brasileiros e o batuque. O samba, variante do pagode com letras mais chateadas, foi lembrado por 11% dos jovens. O axé, patrocinado por cantoras que só sabem gritar "sai do chão", tem a atenção de 15%.

A MPB ficou em sexto lugar: 40% dos ouvintes estão no mais alto nível de escolaridade. O gênero cresce no público que, em tese, deveria reparar na inaptidão musical de nossos artistas.
E é aqui que constatamos uma nuance do Brasil: independentemente do nível de escolaridade, sempre a música mais tosca, mais atolada de frases de duplo sentido, será a predileta.

Com o tempo, a educação passou a elitizar nossas asneiras. O efeito disso é que os jovens e o Brasil vão regredir ano após ano. O lado bom é que podemos escolher o batuque que será a trilha da derrota tupiniquim.

Leandro Sarubo, 20
Estudante de jornalismo em Sorocaba/SP


Folha de São Paulo, 21/07/08

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