terça-feira, 19 de agosto de 2008

Regras para a gestão de fortunas

Eles ajudam a cuidar do patrimônio dos investidores, tentando montar estratégias que protejam a riqueza adquirida e, ao mesmo tempo, criem condições de aumentá-la. Alguns vão além, e tomam conta de toda a vida financeira dos clientes, pagando contas, tirando estratos, organizando viagens e até ajudando a escolher o novo apartamento ou a cor do carro novo - "Senhora, branco ou vermelho não, por favor, porque são mais difíceis para depois vender". São os gestores de patrimônio, uma atividade que está em plena expansão no Brasil, em meio ao crescimento da economia e da riqueza do país e da necessidade de orientação do investidor diante do aumento das opções de aplicação.

Estima-se que existam mais de cem empresas, dos mais variados tamanhos e configurações, prestando esse serviço no país, incluindo desde os "family offices", que cuidam da fortuna de uma ou mais famílias, sem contar os consultores individuais. Em comum, eles têm a independência em relação aos bancos e a experiência no aconselhamento sobre o que fazer com o dinheiro.

A expectativa é que agora a atividade passe a ter uma regulamentação mínima, uma cartilha, para definir linhas básicas de atuação, como o relacionamento com os clientes, formas de cobrança pelo serviço e relacionamento com outros participantes do mercado. Em março, a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) criou uma comissão de gestores de patrimônio financeiro, dentro da comissão de private bank, que tem a missão de definir um código de auto-regulação para o segmento.

Comandada por José Hugo Cintra Laloni, da LLA Investimentos, a comissão deve ter um rascunho com os principais pontos sobre a atividade no fim do ano. Vai ainda tentar também traçar um perfil do setor, mapeando as empresas e levantando o patrimônio sob gestão do segmento. No total, 12 gestoras de patrimônio participam da comissão, incluindo grandes casas como Reliance, GPS, Arsenal, Pragma, Tag e Bawm.

O grupo chegou a pensar em criar uma associação independente no ano passado, mas resolveu aceitar o convite da Anbid de participar da entidade. "O trabalho ainda está em seus passos iniciais", afirma Marcelo Giufrida, vice-presidente da Anbid. A proposta é criar uma auto-regulação que permita diferentes tipos de empresas, com estruturas jurídicas próprias. "Temos empresas que são distribuidoras de valores, outras que são gestoras também e um dos objetivos é respeitar isso", diz Giufrida.

Nessa primeira fase, a Anbid contratou o escritório do ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Marcelo Trindade para fazer uma análise do que pode ou não ser considerado gestor de patrimônio e as figuras da atividade, incluindo gestores, administradores, agentes autônomos e custodiantes. "Será um estudo do papel do consultor no mercado", explica Giufrida, que acredita que a CVM também deverá estar em breve trabalhando em uma regulação para a atividade.

A proposta de criar uma comissão de gestores de patrimônio é dar mais transparência e responsabilidade ao segmento, explica Laloni, ele mesmo um pioneiro do setor. A LLA foi criada em 1991, em um período em que pouco se falava em consultoria patrimonial. A queda dos juros - interrompida temporariamente este ano para combater a inflação, acredita Laloni - e a busca por diversificação ajudam a aumentar a procura pelo serviço, que teve seu auge no ano passado, com as aberturas de capital de várias empresas jogando montanhas de dinheiro nas mãos de empresários. "Surgiram os 'sem empresa', que queriam ajuda para lidar com o dinheiro", diz.

O código deve trazer pontos sobre como as empresas devem se comunicar com os clientes e com o mercado. Há também a proposta de montar um ranking do setor. E um código de ética para os profissionais. No caso da remuneração dos gestores, a idéia não é criar uma regra única, mas garantir transparência. Hoje, o gestor pode ganhar cobrando diretamente uma taxa sobre o patrimônio administrado do cliente, uma taxa fixa ou receber uma parte da taxa de administração do fundo indicado por ele, o chamado "rebate". "Mas o importante é que o cliente saiba disso, até para evitar possíveis conflitos de interesse, de o gestor indicar um fundo onde receba mais rebate", explica Laloni.

Outra trabalho será definir padrões para o perfil dos clientes, o chamado "suitability". Os private banks já contam com um padrão de perfil. "Isso é fundamental para o trabalho de alocação dos recursos do investidor", diz Laloni.

O perfil do gestor de patrimônio é de um profissional que trabalhou muitos anos no mercado financeiro, normalmente em private bank, e que acaba ganhando a confiança de um grupo de clientes. Passa, então, a prestar serviços de maneira independente, ajudando os investidores na tomada de decisão. Muitos fazem cursos de especialização, como o Certified Financial Planner (CFP), para conhecer também as áreas de previdência, seguros e tributação. "São áreas que ficam cada vez mais sofisticadas e complicadas, e isso exige a ajuda de especialistas", lembra Laloni.

Em geral, o gestor de patrimônio não pega o dinheiro do cliente, apenas orienta onde ele deve investir. Mas alguns possuem estruturas financeiras maiores, como corretoras ou gestoras, e podem oferecer carteiras administradas ou fundos exclusivos. Mas, normalmente, a maioria tem estruturas enxutas, com no máximo 50 funcionários e cerca de 70 clientes, até para conseguir dar atenção a todos. O patrimônio mínimo para se pensar em contratar um desses consultores fica em torno de R$ 800 mil, estima Laloni. São executivos que recebem seus bônus, famílias que venderam suas empresas ou herdeiros que nunca lidaram com dinheiro.

Para trabalhar com um consultor, o cliente em geral tem de aceitar os conselhos, que nem sempre agradam o investidor, explica Laloni. "Tive o caso de um velhinho que vendeu a fazenda e chegou dizendo que queria que eu aplicasse todo o dinheiro dele em ações, o que, claro, não aceitei", conta. Isso é normal, segundo o gestor, uma vez que há muitos empresários que construíram sua fortuna correndo riscos e pensam em fazer o mesmo no mercado. "As fortunas no Brasil são recentes, por isso há uma preocupação maior com o crescimento do que com a preservação do patrimônio", compara Laloni.


Angelo Pavini, de São Paulo
Valor Online, 18/08/08

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Isolada, Guaribas acomoda-se à pobreza

O vereador petista Veloso Trindade, candidato a prefeito: disputa acirrada com acusações de compra de voto e de ausência de portas de saída para a pobreza
Foto Ruy Baron / Valor


Guaribas (PI) é parecida com várias cidades do interior do país, com casas humildes, gente simples e ruas estreitas, que alternam barro e paralelepípedos. Mas Guaribas virou vitrine quando foi escolhida, em 2003, para ser o município símbolo do Fome Zero. Quase seis anos depois, o que poderia representar melhoria virou estagnação e acomodação. Distante 800 quilômetros da capital Teresina, Guaribas não cresceu economicamente e os moradores vivem, quase que exclusivamente, das verbas repassadas pelo governo federal.

A produção agrícola local é insignificante. O comércio também. É fácil ver lojas de auto-peças, de artesanato e salões de beleza fechados durante todo o dia, enquanto os moradores desfilam de moto pelas ruas, conversam nas portas das casas ou na praça atrás da Prefeitura. Essa situação angustia a Irmã Augusta Mendes Bispo, uma das duas missionárias - ao lado da Irmã Eleutéria Souza da Costa - designadas pela Igreja para dar aulas nas escolas da cidade. "Essa cidade é muito esquisita", definiu.

Nos seus 30 anos de missão ligadas à Ordem de São José da Concórdia, ela já foi educadora de cidades carentes no Maranhão, Pará e no próprio Piauí. Mas nada se compara à pequena cidade de pouco mais de 4,2 mil habitantes, localizada no sul do Estado. "O pessoal aqui é muito acomodado, tem medo de melhorar e perder o benefício", indicou Irmã Augusta. "Se você olhar o tanto de programa e curso que já entrou aqui e morreu, veria que essa cidade poderia ter mudado muito", acrescentou Irmã Eleutéria.

De Teresina para Guaribas são 11 horas de carro. As duas estradas que comunicam a cidade aos municípios vizinhos são de areia, barro e buracos em profusão. Emoldurada por uma pedreira da Serra das Confusões e com a origem do nome atrelada a um macaco que vivia pendurado nas costas de um antigo agricultor local - muito antes de ser tornar município, que elegeu seu primeiro prefeito em 1996 - Guaribas tem alguns ficus espalhados, mas apenas uma grande árvore, plantada perto da prefeitura.

Foi embaixo dela que o Fome Zero foi lançado em 2003, com discursos de José Graziano (secretário da Segurança Alimentar e Combate à Fome), Benedita da Silva (secretária de Assistência e Promoção Social) e Ciro Gomes (ministro da Integração Nacional), assegurando que a vida da cidade mudaria. Em 2004, também esteve lá o atual ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias. "Eu lembro de uma senhora que me disse: 'Graças a Deus alguém lembrou que a gente existia. Parecia que éramos uma cidade de doentes' ", disse Irmã Augusta.

Cinco anos e meio depois, os avanços são imperceptíveis. O próprio prefeito Ercílio Matias de Andrade (PRB) reconhece que a produção de feijão, a única representativa - as demais são milho e mandioca-, caiu. A ausência da produção de frutas faz a festa de Maria das Mercês Ribeiro Dias, que vem de Caracol, distante 52 quilômetros, nas datas em que são pagos os salários da prefeitura e o Bolsa Família, vender bananas prata e maçãs aos moradores locais. Fica lá 15 dias. Nos outros 15, não aparece, porque o frete é muito caro.

Em Guaribas, 700 famílias em 900 domicílios estão cadastrados para receber o Bolsa Família - em 2003, esse número era de 366 famílias. Até hoje, voluntariamente, ninguém nunca devolveu um cartão. Pior. Quatro dos nove vereadores recebiam o benefício, incluindo o atual presidente da Assembléia Municipal. Só desistiram após pressão do prefeito. Ele inveja relatos de quem abre mão do Bolsa Família após melhorar de vida. "Quando o pessoal vai ter honestidade de fazer isso por aqui"?, questionou o prefeito.

Até os petistas da cidade estão incomodados e não vêem um sinal de mudança de mentalidade a curto prazo. "Para que eles vão trabalhar na roça, ganhando R$ 10,00 R$ 15,00 de diária, se podem receber mais de R$ 100,00 por mês sem fazer nada"? questionou o advogado Jônatas Barroso Neto, assessor jurídico do candidato do PT à prefeitura, Veloso Silva da Trindade. A inércia estende-se a qualquer projeto de melhoria econômica. "O Pronaf emprestou dinheiro para a criação de caprinos. As pessoas esqueceram que era empréstimo, não produziram nada e hoje estão todas inadimplentes", diz o candidato do PT a vereador, Raimundo Ribeiro.

Pela cidade já passaram, no embalo do Fome Zero, diversos projetos de aperfeiçoamento e capacitação profissional: cursos de cerâmica, cooperativismo, bordado, apicultura. Maria do Carmo Alves conhece bem boa parte deles. Começou pelo menos três, não concluiu nenhum. A voluntária da Pastoral da Criança, Idelmara Alves, ainda tentou ajudar a amiga. "E o curso de costura?", indagou. "A máquina era muito cara", respondeu. Além dos R$ 64 do Bolsa Família pagos ao marido, Maria é beneficiada com uma aposentadoria rural no valor de R$ 415. Mas acha que a vida de agricultor não é fácil. "Quando chove muito, a gente ganha mixaria, nem dá para comer. Quando chove fraco, perde tudo", resumiu.

Para se fazer justiça, não foi apenas acomodação que o Bolsa Família estimulou em Guaribas. Trouxe também algumas melhorias. A única ambulância que atende a cidade foi doada pela Volkswagen em 2003. O marketing do programa também ajudou na escavação de dois poços artesianos que passaram a abastecer de água a cidade. Hoje, as mulheres não precisam mais passar a noite nas nascentes enchendo baldes e galões. Têm mais tempo para cuidar das crianças, o que diminuiu a desnutrição e a mortalidade infantil. Em 2007, das 68 crianças nascidas vivas, apenas uma morreu. Em 2006, 96 crianças nasceram na cidade e três morreram.
Messias Alves da Rocha tem três filhos - um de seis anos, um de três e o caçula de um ano. Recebe R$ 122 do Bolsa Família desde 2003. Na roça, quando as coisas andam bem, consegue tirar R$ 500. Mas o período de plantio e colheita não garante renda o ano todo. "O Bolsa Família ajudou muito. Agora nós temos dinheiro todo dia certo para comprar leite, arroz, carne e remédio". A reportagem do Valor já se preparava para deixar a cidade quando foi abordada por uma senhora, acostumada à ajuda federal para tudo. "Moço, pede pro Lula mandar a Record para cá porque a gente não tem dinheiro para a parabólica e só consegue assistir a Globo".


Petistas tentam retomar prefeitura

Naquela disputa, o petista Veloso Silva da Trindade foi o vereador mais votado, com 240 votos. Agora, esse professor de 28 anos, que dá aulas no ensino fundamental e concluiu o curso superior de Biologia na Universidade Estadual do Piauí, em Anísio de Abreu - cidade próxima de Guaribas-, quer ser prefeito e vai disputar contra o atual ocupante do cargo, Ercílio, que foi eleito pelo PMDB e hoje está no PRB.

Em Guaribas, como na maioria dos pequenos municípios brasileiros, não há pesquisa de opinião pública de intenção de voto. A percepção de quem ganhará a disputa em outubro baseia-se nas conversas pelas ruas. "Eu acho que eu tenho maioria, pelo menos todos dizem que eu vou ganhar", afirma Veloso. "Claro que ele vai ganhar, o atual prefeito só construiu dois muros de cemitério para os mortos não fugirem, dois quilômetros quadrados de calçamento e uma cisterna de água. Isso depois de quatro anos", reclama Carlos Ferreira Salvador, que monitora a ações do Fome Zero na cidade.

O prefeito nega o discurso da oposição. Como Veloso, Ercílio também é filho de Guaribas, mas tem 51 anos. As condições econômicas são diferentes. O prefeito é um importante produtor rural do município, enquanto Veloso ainda mora com a mãe. O atual prefeito diz que são suas as obras que garantem o abastecimento de água da cidade. Conta que utilizou uma verba de R$ 600 mil da Caixa Econômica Federal para construir um aterro no Brejão (zona rural de Guaribas). E ainda utilizou R$ 557 mil em emendas parlamentares para terminar o calçamento em diversas ruas da cidade, nas quais a poeira fina incomoda os moradores. "Temos também vários projetos sociais, como o horta escolar, o Galinha Caipira e uma parceria com o Banco do Nordeste (BNB) para estimular a criação de ovinos e caprinos", concluiu o prefeito.

Veloso e Ercílio se enfrentam diretamente em relação à Casa de Farinha, um projeto do petista como vereador e que tem como intuito ajudar no processamento do farelo da mandioca, um dos poucos produtos agrícolas produzidos em Guaribas (os outros dois representativos são milho e feijão). Veloso diz que criou a Casa em 2001, com base em sua experiência na Associação de Pequenos Produtores Rurais do povoado de Cajueiro (zona rural de Guaribas). "Há mais de um ano ninguém mais trabalha na Casa de Farinha. Todo mundo parou por causa do Bolsa Família", rebate Ercílio.

O clima eleitoral anima a cidade. Veloso acusa o prefeito de pagar 400 pessoas para votarem nele na disputa de outubro, no que ele batizou de "salário-lagarta", pois consome boa parte da folha salarial da prefeitura. "Se você for agora para a porta da Prefeitura, vai ver um monte de gente xingando, porque o dinheiro tinha sido prometido ontem e ainda não foi pago", acusou o petista. Quando a reportagem do Valor dirigia-se à sede da prefeitura para conversar com Ercílio, foi abordado por um motoqueiro. "Como está muito tumultuada a prefeitura por causa do pagamento, o prefeito vai dar entrevista para vocês na Câmara Municipal", disse o desconhecido, pedindo para ser seguido.

Durante a entrevista, Ercílio negou que as pessoas na frente da Prefeitura estivessem recebendo dinheiro para votar nele em outubro. "São fornecedores da prefeitura", despista. Para completar, em seguida: "Cabe à oposição provar as coisas que fala, não é assim?", disse ele. (PTL)

Paulo de Tarso Lyra, de Guaribas (PI)
Valor Online, 18/08/08

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