sexta-feira, 6 de julho de 2007

Juízes protestam contra foro especial

Juliano Basile

Publicado pelo Valor Online em 06/07/2007

Collaço: "É impossível para o ministro deixar de lado milhares de casos com o objetivo de ouvir testemunhas ou praticar atos de instrução"
(Foto Valter Campanato/Abr)

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não estão preparados para julgar processos envolvendo autoridades protegidas por foro privilegiado e deveriam repassar aos desembargadores a instrução destes processos. Os tribunais superiores deveriam se focar em outras demandas da sociedade, pois estão atolados de processos para julgar e o foro traz a sensação de impunidade à população. Essa foi a posição defendida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em ato realizado ontem contra o foro privilegiado e a corrupção.

Segundo estudo da AMB, o Supremo julgou, desde 1988, apenas seis dos 130 processos envolvendo autoridades e todos foram absolvidos. No STJ, foram 483 processos, 16 julgamentos e apenas cinco condenações.

"Vivemos uma situação de impunidade real", afirmou o presidente da AMB, Rodrigo Collaço. "Tanto o STF, quanto o STJ não tem julgado os processos envolvendo foro privilegiado", completou.

A AMB está defendendo a aprovação de projetos de lei no Congresso para retirar processos envolvendo ministros de estado e parlamentares dos tribunais superiores. A entidade quer que os desembargadores instruam estes processos, cabendo aos tribunais superiores apenas a decisão final. Atualmente, o STF julga ministros de estado, o presidente da República, senadores e deputados federais. E o STJ julga governadores de estados e desembargadores dos tribunais de Justiça.

A AMB defende a criação de "salas de instrução" nos tribunais superiores para julgar políticos. A instrução seria delegada a desembargadores. Nos estados, a entidade defende a criação de câmaras especializadas para julgar crimes envolvendo corrupção.

Em outro projeto de lei, a AMB quer que os processos de crimes contra o patrimônio tenham tratamento prioritário. "Se o dinheiro público estiver em jogo, o processo tem que ir para o começo da fila", afirmou o senador Pedro Simon (PMDB-RS), autor da proposta no Congresso.

Simon disse que o Supremo não tem mais condições de julgar todos os processos contra políticos. "Onze ministros não podem julgar milhares de casos. Alguma coisa deve ser feita, pois eles não têm condições de instruir estes processos", afirmou o peemedebista.

A senadora Ideli Salvati (PT-SC) lembrou que o foro privilegiado foi criado para tirar o processo do estado de atuação do político. Mas, agora, essa questão deve, segundo ela, ser reestudada, pois os processos contra políticos simplesmente não estão sendo mais julgados.

De acordo com o estudo da AMB, o Supremo recebeu 818 mil processos entre 2000 e maio deste ano. No STJ, a situação é pior: chegaram 1,5 milhão de novos processos no período.

"Tanto o STF quanto o STJ não são preparados para julgar esses processos", disse Collaço. "Por essa razão, mais do que o foro privilegiado, nós temos um foro de impunidade porque quase não há julgamentos efetivos por parte desses tribunais", completou o presidente da AMB.

O presidente da AMB ressaltou que o excesso de processos e a falta de estrutura dos tribunais superiores para julgá-los com rapidez acaba beneficiando quem tem foro privilegiado e criando a sensação de impunidade na população. "É impossível para o ministro deixar de lado os milhares de casos que tem para julgar com o objetivo de ouvir testemunhas ou praticar atos de instrução que são típicos de instâncias inferiores", disse Collaço. "O juiz não pode condenar alguém porque é mal visto pela opinião pública, nem inocentar porque é bem visto. Mas, o Judiciário deve atender uma demanda da sociedade por Justiça."

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Ideia de semirreforma afeta os que leem

Ediane Tiago, para o Valor
Publicado pelo
Valor Online em 06/07/2007

(Imagem Beto Nejme)

Pasquale Cipro Neto deve se preparar para dobrar sua carga de trabalho a partir de 2009. Referência absoluta para os que desejam reduzir a agressão à "última flor do Lácio", nosso mestre da língua terá de resolver as muitas dúvidas que surgirão com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, previsto para entrar em vigor nesse ano.

Com sua adoção, as diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal serão resolvidas em 98%. A unificação da ortografia da língua portuguesa - único idioma do Ocidente a ter duas grafias oficiais: a do Brasil e a de Portugal - acarretará alterações na forma de escrita em 1,6% do vocabulário usado em Portugal e de 0,5% no Brasil. Além deles, seis países africanos (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Lester) compõem a comunidade de mais de 200 milhões de pessoas que têm o português como língua oficial.

A unificação da ortografia é importante para o futuro do idioma no mundo, pois o português é a terceira língua ocidental mais falada, atrás apenas do inglês e do espanhol, avalia o Ministério da Educação do Brasil. Uma publicação portuguesa tem de passar por uma revisão para ser lançada no Brasil, enquanto um livro de um autor latino-americano pode ser publicado ao mesmo tempo, com a mesma edição, na Espanha e na América de língua espanhola.

"Mesmo pequenas, as mudanças representam uma enorme diferença na circulação de livros, materiais educativos, intercâmbio de alunos e acordos de cooperação. Trata-se da criação de um mercado global para a língua portuguesa", afirma Carlos Alberto Xavier, assessor especial do ministro da Educação, Fernando Haddad.

Com a reforma ortográfica, o alfabeto brasileiro, que possui 23 letras, ganhará mais três: k, y e w, o que não deve implicar muita alteração. Mas o trema será totalmente eliminado das palavras portuguesas ou aportuguesadas, sendo usado só em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros, como mülleriano, de Müller. A regra para uso de hífen também será simplificada e a acentuação gráfica, alterada: não serão assinalados com acento gráfico os ditongos ei e oi de palavras paroxítonas, como assembléia, idéia e jibóia.

Pasquale certamente terá menos trabalho ao explicar que não se usará mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler, ver e seus derivados: a grafia correta será creem, deem, leem e veem. O acento circunflexo usado em palavras terminadas em hiato, como enjôo, também cairá. O acento deixará ainda de ser usado para diferenciar pára (verbo) de para (preposição). Por outro lado, as novas regras ortográficas obrigarão os portugueses a grafarem algumas palavras como no Brasil. O verbete acção passará a ser ação. Os portugueses também terão de retirar o h inicial de algumas palavras, como em herva e húmido, que passarão a ser grafadas como no Brasil: erva e úmido.

"A unificação propicia a criação de um idioma de trabalho, que é fundamental para os acordos diplomáticos", comenta Mário Mendão, técnico da assessoria jurídica da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Entre as vantagens, ele também destaca o fato de a reforma facilitar o intercâmbio de estudantes entre os países de língua portuguesa. "Do jeito que está, temos dois idiomas."

Para as palavras que admitem diferentes pronúncias, manteve-se a possibilidade de duas grafias. Os brasileiros escreverão fato, e os portugueses, facto. As duas formas de grafar esse substantivo serão consideradas corretas nos países signatários do acordo. "A unificação da ortografia elimina a necessidade de traduzir obras para o padrão português ou brasileiro. Facilita também a troca de conteúdo entre os países", exemplifica Mendão.

O fato de existirem duas ortografias, argumenta o Itamaraty, dificulta campanhas de divulgação do idioma e a sua adoção em fóruns internacionais. Com isso, a entrada em vigor do acordo será essencial para a definição de uma política de promoção e difusão da língua portuguesa. Para Antônio Houaiss (1915-1999), negociador brasileiro do acordo ortográfico e elaborador da "Nova Ortografia da Língua Portuguesa" (1991), a unificação da ortografia não implica uniformização. "Portugal, Brasil e os países africanos de língua portuguesa reconhecem que a inexistência de uma única ortografia oficial traz não apenas dificuldades de natureza lingüística, mas também de natureza política. Daí o esforço desses países em efetivar o novo acordo", escreveu.

No Brasil, o acordo ortográfico foi discutido no Congresso Nacional por mais de dez anos, aprovado em 2001 e logo em seguida sancionado pelo presidente da República. Em dezembro de 2006, o acordo foi sancionado pelo governo de São Tomé e Príncipe. Com isso, a CPLP poderá definir a data para início da vigência do acordo. O requisito estabelecido no protocolo de mudança já foi atendido.

Para os lingüistas e livreiros, entretanto, o acordo não traz contribuições à língua escrita no Brasil e criará problemas. Bruno Dallari, professor de lingüística da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), alerta que não há possibilidade de unificação da grafia e a entrada em vigor das regras propostas devem apenas confundir estudantes e professores. Ele explica que o próprio acordo prevê a manutenção de sinais diferentes para palavras iguais. Dessa forma, os brasileiros continuarão escrevendo Antônio, enquanto em Portugal se escreverá António. A manutenção de grafias diferentes também atinge palavras como úmido e húmido, que têm o mesmo sentido. "Agora será preciso explicar para os alunos que é possível escrever de dois jeitos."

Os alunos também sofrerão com as regras facultativas. Pelo acordo, Portugal precisa extinguir a letra c muda em palavras como ação e exato (grafada exacto pelos portugueses). Mas o uso da letra c muda continua facultativo em palavras como setor (sector). "Mais do que sonora, a letra c diferencia algumas palavras. Fato significa terno para os portugueses. Por isso, eles manterão a grafia facto quando se referirem a algo que aconteceu", explica Dallari.

Apesar das divergências lingüísticas, as vantagens diplomáticas são defendidas pelo governo brasileiro e pela Academia Brasileira de Letras (ABL), que vêem com bons olhos a implementação das reformas em 2009. Basta saber se a equipe de Luiz Inácio da Silva conseguirá preparar o país para a nova versão da língua portuguesa, que foi deixada na gaveta dos Ministérios da Educação de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Segundo Alice Saboia, lingüista especialista em ortografia portuguesa e professora de pós-graduação em lingüística da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a demora para a adoção deve-se ao atraso na homologação do acordo por parte dos países africanos. "Esses países têm problemas muito sérios para resolver e o acordo não ganha importância nesse ambiente", justifica. Além disso, ainda falta definição em alguns países sobre a manutenção da língua portuguesa como idioma oficial. "Moçambique dá sinais claros de que adotará a língua inglesa e utiliza até mesmo livros didáticos nesse idioma em suas escolas", comenta.

Atualmente, o mercado comum português é estimado pela CPLP em 220 ou 230 milhões de pessoas, somando as populações dos países que integram a comunidade. Mas o número de falantes de língua portuguesa é divergente entre os especialistas. Dallari, da PUC, esclarece que apenas as populações do Brasil (186,7 milhões) e de Portugal (10,7 milhões) podem ser consideradas na totalidade. "Nos demais países, podemos adotar uma média de 10% de falantes de língua portuguesa, o que resultaria em um mercado externo de cerca de 3,5 milhões de pessoas", calcula.

Por causa da concentração e da relação entre os países lusófonos, Xavier admite que no Brasil e, até mesmo, em Portugal muitas pessoas não vêem o acordo com simpatia. É o caso de Armando Antongini, diretor-executivo da Câmara Brasileira do Livro (CBL), que critica a reforma e alega que a homologação do acordo pelo Brasil não passou de um arroubo diplomático. Não houve, na opinião dele, nenhuma discussão sobre o impacto no mercado editorial.

"Gostaria de entender: por que o Brasil, que é o maior país de língua portuguesa, tem de aproximar sua ortografia de Portugal?", questiona, lembrando que as mudanças abrirão um enorme mercado para os livreiros portugueses. "O contrário não é verdadeiro, uma vez que os livros impressos no Brasil não são bem-aceitos no mercado português", alfineta.

Já o professor Evanildo Bechara, membro da ABL, acusa os livreiros portugueses de praticarem lobby para retardar a reforma. De acordo com ele, há grande preocupação em relação aos estoques atuais, que seriam rejeitados pelos consumidores por não estar na nova ortografia: "Os livreiros acabaram de publicar grandes versões, uma reforma agora seria um desastre para os negócios." Para ele, a influência dos livreiros prejudica a unificação da ortografia, porque ela está intimamente ligada à língua escrita. "Essa é uma visão limitada. É preciso analisar a questão do ponto de vista da oportunidade. O que significa a abertura desse mercado?", pergunta. Além disso, Bechara destaca que as diferentes ortografias aumentam os custos das edições por exigir traduções na mesma língua.

Do ponto de vista da Câmara Brasileira do Livro, é preciso proteger o mercado nacional, já que não há uma boa relação comercial entre Brasil e Portugal no mercado editorial. De acordo com a CBL, o Brasil produziu, em 2005, 41,5 mil títulos e vendeu mais de 270,3 milhões de exemplares, totalizando um faturamento de R$ 2,6 bilhões. Uma pesquisa realizada pela entidade aponta que, em 2000, 53,3 milhões de brasileiros leram ou consultaram algum livro. No mesmo ano, apenas 20% dos entrevistados declararam ter comprado em média 5,92 livros não didáticos. "O potencial é muito grande."

Focado no mercado interno, o setor livreiro nem sequer mapeou a receita que pode ser gerada pela entrada dos países africanos no acordo ortográfico. "Não acreditamos em bons negócios nessa região no momento", destaca Antongini. Na ponta do livro didático, também é o mercado brasileiro que garante o faturamento. "Ainda não realizamos nenhum tipo de estudo sobre o mercado externo para livros didáticos brasileiros", confirma Roberta Martins, editora de livros de línguas da Scipione.

Nesse segmento, as atenções estão voltadas para o número de brasileiros em idade escolar, um mercado cativo de fácil mapeamento. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2007 o grupo formado por brasileiros em idade escolar (de 5 a 14 anos) será de 33,9 milhões. Por isso, as editoras de livros didáticos não questionam ou criticam o acordo, apenas esperam as decisões governamentais para iniciar as alterações necessárias. "As maiores adaptações ocorrerão nas gramáticas e nos dicionários. O trabalho será hercúleo e teremos dois anos para atender a todas as modificações", explica Roberta.

Mesmo com a diversidade de opiniões, Walmírio Eronides de Macedo, membro da Academia Brasileira de Filologia, acredita que o acordo entrará em vigor em breve. Segundo ele, as regras estão em fase final de aprovação e os brasileiros reagirão bem a elas, como foi o caso de outras reformas ortográficas, ocorridas em 1943 e em 1971. "O acordo respeita a pronúncia e as características culturais de cada país. Por isso, deve ser assimilado em pouco tempo", declara, lembrando que os filólogos ainda não fizeram nenhuma medição exata no impacto das mudanças nos dicionários. "São necessárias a homologação e a contribuição de todos os países para a realização desse trabalho."

Xavier observa que, para realizar as alterações necessárias, os editores contam com recursos eletrônicos que ajudarão muito na revisão das obras. "Além disso, há um período de transição. O livro é um bem de consumo durável e conviveremos com as duas grafias. O importante é registrar e ensinar as diferenças."

Essa reciclagem é exatamente o que preocupa Alice, da UFMT. Para ela, o impacto da reforma só poderá ser medido daqui a uma ou duas décadas e a forma como os professores serão treinados é que garantirá o sucesso. "Quando cheguei a Mato Grosso para dar aulas em 1982, fiquei surpresa com o fato de os alunos do primeiro ano do curso de Letras não acentuarem palavras como você. Quando questionei sobre isso, eles afirmaram que todos os acentos haviam caído com uma reforma", lembra. Essa referência é da reforma ortográfica de 1971, que retirou o acento circunflexo, utilizado como diferencial de pronúncia, de palavras como doce (que se grafava dôce) e gelo (gêlo).

Para testar as normas do novo acordo, Alice realizou em 1992 uma pesquisa com alunos de primeiro e segundo graus. "Verifiquei que os falantes de língua portuguesa têm dificuldades com a definição de vocábulos desconhecidos. Nesse ponto, a perda do acento dificulta muito a pronúncia", comenta. Como exemplo ela cita a extinção de acento em palavras como idéia e geléia. "Os alunos tiveram dificuldades em ler palavras sem a distinção gráfica do acento", conta.

Enquanto os falantes de língua portuguesa se ressentem das mudanças ocorridas de tempos em tempos, Alice alerta que os acordos ortográficos precisam ser respeitados em todos os países que o homologam. Como exemplo, ela cita a falta de concordância entre Brasil e Portugal em acordos anteriores. "Em 1943, os dois países definiram uma reforma. O Brasil implementou, mas Portugal adotou outras regras em 1945. Temos de tomar cuidado para que o acordo assinado em 1990 não caia na sina de ser mais um documento assinado para não ser cumprido."

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Nossos valores em Washington

Chico Mendes e Flávia Carbonari
Publicado pelo
Valor Online em 06/07/2007

Lula com o presidente Bush: "Toda a nossa política de diálogo com o governo americano e com as associações empresariais dos Estados Unidos é feito por intermédio do BIC", diz diretor da Fiesp
(Foto AP)

A prova de que a agenda política e econômica do Brasil desperta cada vez mais interesse nos Estados Unidos pode ser medida pelo toque do telefone. É que num pequeno escritório, no tradicional bairro de Georgetown, em Washington DC, o número de ligações pedindo informação sobre o Brasil aumentou consideravelmente nos últimos dois anos. Quem conta é a brasileira Flavia Sekles, diretora do Brazilian Information Center (BIC), uma associação particular que defende os interesses de companhias brasileiras no governo americano. "É o único órgão brasileiro privado, mantido pelo setor privado nacional, que faz o lobby dos temas do Brasil em Washington", afirma Rubens Barbosa, ex-embaixador nos EUA. Pai da iniciativa, Barbosa faz questão de informar que "o BIC é uma empresa americana, registrada nos EUA e totalmente independente".

Há quase oito anos funcionando, o BIC é um ótimo termômetro das relações entre os dois países. "Antigamente, o Brasil era um país comprado. As empresas americanas é que iam para lá buscar negócios. Hoje essa situação mudou. As grandes empresas brasileiras estão aprendendo a se vender também", afirma Fabio Cunha, funcionário do BIC e especialista em direito internacional. Próximo do oitavo aniversário, a associação conta hoje com cinco funcionários e 20 empresas associadas, que contribuem com valores que vão de US$ 10 mil até US$ 50 mil anuais.

No fim do ano passado, o BIC se registrou no Congresso como empresa de lobby, tornando-se a primeira entidade nos EUA que defende estritamente interesses brasileiros. "Esse registro não é algo que se consegue de fato, é um dever de quem atua no Congresso americano, como nós", diz Sekles. Para o BIC, isso garante maior transparência ao trabalho da empresa. "Lobby aqui nos Estados Unidos pode ser visto simplesmente como informação e nossa missão aqui é informar sobre o nosso país", afirma Cunha. De acordo com a lei, toda instituição registrada para fazer lobby deve apresentar um relatório a cada seis meses com todas as atividades realizadas entre membros do Congresso e uma descrição detalhada de gastos.

O BIC possui uma sofisticada estratégia de divulgação do Brasil em Washington. Sabe de cor e salteado quem são os congressistas, assessores ou técnicos ligados às questões relevantes para o país. "Eles têm um trânsito muito bom entre assessores e congressistas", conta Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e um dos convidados pelo BIC para palestrar no Congresso americano. "São muito valiosas as informações que os associados recebem", completa.

Diariamente, o BIC faz a "clipagem" de todas as notícias publicadas sobre o Brasil na imprensa americana. Também segue de perto as publicações oficiais e as pautas de votação do Congresso. Qualquer projeto de lei que afete os interesses de um setor associado ao BIC é logo identificado. "A vantagem para as empresas é que elas estão sempre à frente, antenadas com o que ocorre em Washington. É como se lá [o BIC] fosse um escritório da companhia nos EUA", analisa. Jank lembra que o funcionamento da máquina pública americana é tarefa difícil. "Só quem está lá há muito tempo sabe informar corretamente o que precisa ser feito", conclui.

Em 2006, por exemplo, o Brasil ficou perto de perder as benesses que o Sistema Geral de Preferências (SGP) oferece para quem exporta para os EUA. Quando foi detectada a ameaça, o BIC entrou em campo. Junto com a Fiesp, a Embaixada do Brasil e a Câmara Americana de Comércio (Amcham), conseguiram renovar o acesso do Brasil ao SGP.

No entanto, a renovação agora vale apenas por dois anos, o que significa que o lobby referente a esse tema continuará na agenda da associação em 2007 e 2008. "A Fiesp queria abrir um escritório próprio em Washington, mas quando tomamos conhecimento do trabalho do BIC resolvemos apoiar a iniciativa", conta Carlos Cavalcanti, diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp. "Toda a nossa política de diálogo com o governo americano e com as associações empresariais dos Estados Unidos é feito por intermédio do BIC."

Recentemente, o Brasil escapou da chamada "lista suja" do governo americano, que indica os países que são coniventes com a pirataria. Também nesse caso a entidade promoveu uma série de encontros entre empresários brasileiros e lideranças no Legislativo e no Executivo americanos. "Fomos ao Congresso mostrar que o Brasil não tem interesse na pirataria, que o combate é de interesse da indústria brasileira", afirma Cavalcanti. Ele ainda observa que todos os estudos apresentados para as autoridades americanas foram produzidos pelo BIC.

Os serviços da associação não são restritos às grandes companhias. Junto com a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), o BIC montou uma parceria para promover a inserção de pequenas e médias empresas no mercado americano. "A Apex muitas vezes direciona para o BIC demandas de empresas que querem exportar para os Estados Unidos", informa Rogério Lott, diretor do Banco do Brasil em Washington e membro do conselho do BIC. "Freqüentemente eles fazem uma investigação competitiva para determinado setor."

O trabalho junto aos políticos é realizado por meio de reuniões e eventos com assessores e parlamentares e, quase sempre, com a presença de especialistas e diplomatas brasileiros. Essas atividades fazem parte do programa que a associação denominou de Brasil on the Hill [Brasil no Capitólio], que tem como objetivo informar o Congresso americano sobre os assuntos importantes para as relações entre Brasil e os Estados Unidos.

Em 2005 e 2006, por exemplo, o BIC realizou palestras sobre relações raciais, eleições, agricultura e a Rodada de Doha. Em fevereiro deste ano, as atenções se voltaram para o papel do Brasil no desenvolvimento de um mercado global de biocombustíveis. "Os debates são sempre muito quentes e costumam lotar", garante Jank.

Segundo um membro do Comitê de Relações Internacionais do Congresso que pediu para não ser identificado, o BIC é extremamente conhecido no Capitólio e seguramente tem mais contatos lá dentro do que a própria embaixada. "Eles ajudam a abrir as portas para que o setor privado brasileiro possa vir e fazer seu lobby por interesses específicos", explica. "O trabalho deles deveria servir de lição para o próprio governo brasileiro, que só agora está começando a entender a importância que o Congresso tem aqui nos Estados Unidos", opina.

Apesar das explicitações da Lei de Transparência do Lobby (Lobbying Disclosure Act), as regras americanas nem sempre funcionam corretamente. Uma série de escândalos de corrupção envolvendo pagamentos de propina a congressistas levou o governo americano a aprovar, no ano passado, uma reforma na lei. Em vigor desde o início de 2007, a nova regra estabelece, por exemplo, que empresas não podem mais patrocinar viagens ou mesmo almoços para congressistas e assessores. Isso levou entidades como o BIC a mudar de estratégia.

Parte substancial do trabalho da associação consistia em acompanhar congressistas americanos ao Brasil, patrocinados por algumas empresas, para facilitar o engajamento deles com diversos setores. No Congressional Research Service (CRS), braço do Legislativo que produz relatórios sobre vários temas para os parlamentares, o BIC já organizou cinco visitas de analistas do CRS ao Brasil, que cobriram temas como finanças, siderurgia, agricultura e biocombustível, entre outros. "Nosso trabalho ficava muito mais claro e fácil quando colocávamos os congressistas e seus assessores diretamente em contato com associações como Icone, Cebri e o Congresso Nacional. Agora, não podemos mais fazer isso", lamenta Sekles.

O intercâmbio é feito, atualmente, por meio de atividades realizadas em Washington, onde a lei teve um menor impacto sobre o trabalho da entidade. "Em vez de marcar reuniões na hora do almoço, como fazíamos antigamente, vamos para a sala dos congressistas no Capitólio", diz Cunha. Para ele, a atitude e a mentalidade dos políticos americanos permitem que esse engajamento continue fácil. "Eles são extremamente abertos a receber qualquer um e conversar e têm uma sede por informação muito grande. O Congresso aqui é de fato a casa do povo. Nesse sentido, a lei não afetou nosso relacionamento com os congressistas", comenta.

Por outro lado, as eleições do ano passado trouxeram um novo desafio. Pela primeira vez o BIC tem de lidar com um Congresso democrata, o que significa reconstruir a rede de relacionamentos, especialmente no Brazil Caucus, a bancada de congressistas que têm interesse no Brasil. "Estamos refazendo todos os contatos", relata Cunha. "Além disso, temos de lidar com a realidade de que o Brasil não está na agenda dos Estados Unidos, nem do Bush, nem do Congresso. Isso torna nosso trabalho mais difícil, mas ao mesmo tempo mais importante."

Flavia Sekles e Fabio Cunha avaliam que as empresas brasileiras avançaram nas relações governamentais, mas ainda engatinham se comparadas às companhias americanas. "A empresa americana entende, estuda mais os mercados e consegue se antecipar aos impactos de mudança de legislação. Isso é muito mais institucionalizado dentro dos Estados Unidos do que no Brasil e lobby é apenas uma palavra popular para essas relações", explicam.

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Denúncia muito grave: "Site da Presidência da República distorce história do Brasil"


Publicado na Toca da Cathy em 06/07/07

Antonio Carlos Olivieri*
Especial para o
UOL

De uma seção didática, voltada para o público infantil, no site de uma instituição como a Presidência da República, deve-se esperar, no mínimo, duas coisas: primeiro, que ela seja educativa e, segundo, republicana. Não é o que acontece no site da Presidência da República Federativa do Brasil.

Em artigo publicado em "O Estado de S.Paulo", o historiador Marco Antonio Villa fez uma breve relação dos erros e distorções ideológicas que compõem a "Versão para Crianças" do site da chefia de Estado e de Governo. No âmbito educacional, trata-se de um problema grave. Em vez de propiciar uma formação para a cidadania, o site tem um caráter desinformativo.

É melhor começar comentando os erros, pois eles são tão crassos que não há como discuti-los. O site diz que a primeira Constituição do Brasil data de 1822, o ano da Independência. Na verdade, ela foi outorgada por dom Pedro 1º à nação dois anos depois, em 1824.

Do mesmo modo, afirma-se que o Duque de Caxias participou do afastamento de dom Pedro 2º. Quando a República foi proclamada, em 1889, Caxias já estava morto havia oito anos.

Os erros não se restringem à história. A julgar pelo que ali se vê, os responsáveis pelo site também sabem pouco a respeito do funcionamento da vida política brasileira, tal qual ela está consignada nas leis em vigor. No que se refere aos outros dois poderes, por exemplo, segundo ensina a "Versão para Crianças" da Presidência da República, os mandatos dos representantes do povo variam de quatro a seis anos. Ora, os senadores são eleitos por um período de oito anos.

Distorções ideológicasAo chegar à história recente do país, os erros fatuais abrem caminho para a eclosão das distorções ideológicas, que não são poucas. Por exemplo, afirma-se que "em maio de 1978, ocorreu a primeira greve de operários metalúrgicos desde 1964". As greves dos trabalhadores de Osasco e Contagem, dez anos antes, parecem não vir ao caso.

Aliás, nada parece vir ao caso nos últimos 30 anos, se não se relacionar com Lula. Como bem notou Villa, o site transforma o atual presidente num "personagem onipresente na história do Brasil", nessas últimas três décadas. Tanto que Luiz Inácio da Silva é proclamado o líder "da mobilização nacional contra a corrupção que acabou no impeachment do presidente Fernando Collor".

Trata-se de um exagero. Lula contribuiu, sim, para o afastamento de Collor, que hoje faz parte da base do presidente. No entanto, a liderança do movimento incluía muitos políticos de outros partidos e instituições da sociedade civil, como a OAB - Ordem dos Advogados do Brasil.

Não bastassem omissões e exageros no trato da história, o site também peca na extensão da biografia de Lula, que é maior que a de todos os outros presidentes da República, como ainda inclui uma biografia de dona Marisa - a única primeira-dama brasileira que tem a vida relatada aos jovens internautas.

O nome que se dá a isso há algum tempo é o de "culto à personalidade" e a pedagogia que dela deriva pode produzir efeitos desastrosos. E aí é que se chega ao X do problema: transformar o site da instituição Presidência da República em peça de propaganda político-pessoal é misturar a coisa privada, particular, partidária, com a coisa pública. Em poucas palavras, é ser anti-republicano.

Vale encerrar lembrando que a idéia de República, nos tempos modernos, sempre caminhou ao lado do conceito de uma educação sem doutrinação, em especial nas repúblicas verdadeiramente democráticas.

* Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.

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