sexta-feira, 6 de julho de 2007

Nossos valores em Washington

Chico Mendes e Flávia Carbonari
Publicado pelo
Valor Online em 06/07/2007

Lula com o presidente Bush: "Toda a nossa política de diálogo com o governo americano e com as associações empresariais dos Estados Unidos é feito por intermédio do BIC", diz diretor da Fiesp
(Foto AP)

A prova de que a agenda política e econômica do Brasil desperta cada vez mais interesse nos Estados Unidos pode ser medida pelo toque do telefone. É que num pequeno escritório, no tradicional bairro de Georgetown, em Washington DC, o número de ligações pedindo informação sobre o Brasil aumentou consideravelmente nos últimos dois anos. Quem conta é a brasileira Flavia Sekles, diretora do Brazilian Information Center (BIC), uma associação particular que defende os interesses de companhias brasileiras no governo americano. "É o único órgão brasileiro privado, mantido pelo setor privado nacional, que faz o lobby dos temas do Brasil em Washington", afirma Rubens Barbosa, ex-embaixador nos EUA. Pai da iniciativa, Barbosa faz questão de informar que "o BIC é uma empresa americana, registrada nos EUA e totalmente independente".

Há quase oito anos funcionando, o BIC é um ótimo termômetro das relações entre os dois países. "Antigamente, o Brasil era um país comprado. As empresas americanas é que iam para lá buscar negócios. Hoje essa situação mudou. As grandes empresas brasileiras estão aprendendo a se vender também", afirma Fabio Cunha, funcionário do BIC e especialista em direito internacional. Próximo do oitavo aniversário, a associação conta hoje com cinco funcionários e 20 empresas associadas, que contribuem com valores que vão de US$ 10 mil até US$ 50 mil anuais.

No fim do ano passado, o BIC se registrou no Congresso como empresa de lobby, tornando-se a primeira entidade nos EUA que defende estritamente interesses brasileiros. "Esse registro não é algo que se consegue de fato, é um dever de quem atua no Congresso americano, como nós", diz Sekles. Para o BIC, isso garante maior transparência ao trabalho da empresa. "Lobby aqui nos Estados Unidos pode ser visto simplesmente como informação e nossa missão aqui é informar sobre o nosso país", afirma Cunha. De acordo com a lei, toda instituição registrada para fazer lobby deve apresentar um relatório a cada seis meses com todas as atividades realizadas entre membros do Congresso e uma descrição detalhada de gastos.

O BIC possui uma sofisticada estratégia de divulgação do Brasil em Washington. Sabe de cor e salteado quem são os congressistas, assessores ou técnicos ligados às questões relevantes para o país. "Eles têm um trânsito muito bom entre assessores e congressistas", conta Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e um dos convidados pelo BIC para palestrar no Congresso americano. "São muito valiosas as informações que os associados recebem", completa.

Diariamente, o BIC faz a "clipagem" de todas as notícias publicadas sobre o Brasil na imprensa americana. Também segue de perto as publicações oficiais e as pautas de votação do Congresso. Qualquer projeto de lei que afete os interesses de um setor associado ao BIC é logo identificado. "A vantagem para as empresas é que elas estão sempre à frente, antenadas com o que ocorre em Washington. É como se lá [o BIC] fosse um escritório da companhia nos EUA", analisa. Jank lembra que o funcionamento da máquina pública americana é tarefa difícil. "Só quem está lá há muito tempo sabe informar corretamente o que precisa ser feito", conclui.

Em 2006, por exemplo, o Brasil ficou perto de perder as benesses que o Sistema Geral de Preferências (SGP) oferece para quem exporta para os EUA. Quando foi detectada a ameaça, o BIC entrou em campo. Junto com a Fiesp, a Embaixada do Brasil e a Câmara Americana de Comércio (Amcham), conseguiram renovar o acesso do Brasil ao SGP.

No entanto, a renovação agora vale apenas por dois anos, o que significa que o lobby referente a esse tema continuará na agenda da associação em 2007 e 2008. "A Fiesp queria abrir um escritório próprio em Washington, mas quando tomamos conhecimento do trabalho do BIC resolvemos apoiar a iniciativa", conta Carlos Cavalcanti, diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp. "Toda a nossa política de diálogo com o governo americano e com as associações empresariais dos Estados Unidos é feito por intermédio do BIC."

Recentemente, o Brasil escapou da chamada "lista suja" do governo americano, que indica os países que são coniventes com a pirataria. Também nesse caso a entidade promoveu uma série de encontros entre empresários brasileiros e lideranças no Legislativo e no Executivo americanos. "Fomos ao Congresso mostrar que o Brasil não tem interesse na pirataria, que o combate é de interesse da indústria brasileira", afirma Cavalcanti. Ele ainda observa que todos os estudos apresentados para as autoridades americanas foram produzidos pelo BIC.

Os serviços da associação não são restritos às grandes companhias. Junto com a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), o BIC montou uma parceria para promover a inserção de pequenas e médias empresas no mercado americano. "A Apex muitas vezes direciona para o BIC demandas de empresas que querem exportar para os Estados Unidos", informa Rogério Lott, diretor do Banco do Brasil em Washington e membro do conselho do BIC. "Freqüentemente eles fazem uma investigação competitiva para determinado setor."

O trabalho junto aos políticos é realizado por meio de reuniões e eventos com assessores e parlamentares e, quase sempre, com a presença de especialistas e diplomatas brasileiros. Essas atividades fazem parte do programa que a associação denominou de Brasil on the Hill [Brasil no Capitólio], que tem como objetivo informar o Congresso americano sobre os assuntos importantes para as relações entre Brasil e os Estados Unidos.

Em 2005 e 2006, por exemplo, o BIC realizou palestras sobre relações raciais, eleições, agricultura e a Rodada de Doha. Em fevereiro deste ano, as atenções se voltaram para o papel do Brasil no desenvolvimento de um mercado global de biocombustíveis. "Os debates são sempre muito quentes e costumam lotar", garante Jank.

Segundo um membro do Comitê de Relações Internacionais do Congresso que pediu para não ser identificado, o BIC é extremamente conhecido no Capitólio e seguramente tem mais contatos lá dentro do que a própria embaixada. "Eles ajudam a abrir as portas para que o setor privado brasileiro possa vir e fazer seu lobby por interesses específicos", explica. "O trabalho deles deveria servir de lição para o próprio governo brasileiro, que só agora está começando a entender a importância que o Congresso tem aqui nos Estados Unidos", opina.

Apesar das explicitações da Lei de Transparência do Lobby (Lobbying Disclosure Act), as regras americanas nem sempre funcionam corretamente. Uma série de escândalos de corrupção envolvendo pagamentos de propina a congressistas levou o governo americano a aprovar, no ano passado, uma reforma na lei. Em vigor desde o início de 2007, a nova regra estabelece, por exemplo, que empresas não podem mais patrocinar viagens ou mesmo almoços para congressistas e assessores. Isso levou entidades como o BIC a mudar de estratégia.

Parte substancial do trabalho da associação consistia em acompanhar congressistas americanos ao Brasil, patrocinados por algumas empresas, para facilitar o engajamento deles com diversos setores. No Congressional Research Service (CRS), braço do Legislativo que produz relatórios sobre vários temas para os parlamentares, o BIC já organizou cinco visitas de analistas do CRS ao Brasil, que cobriram temas como finanças, siderurgia, agricultura e biocombustível, entre outros. "Nosso trabalho ficava muito mais claro e fácil quando colocávamos os congressistas e seus assessores diretamente em contato com associações como Icone, Cebri e o Congresso Nacional. Agora, não podemos mais fazer isso", lamenta Sekles.

O intercâmbio é feito, atualmente, por meio de atividades realizadas em Washington, onde a lei teve um menor impacto sobre o trabalho da entidade. "Em vez de marcar reuniões na hora do almoço, como fazíamos antigamente, vamos para a sala dos congressistas no Capitólio", diz Cunha. Para ele, a atitude e a mentalidade dos políticos americanos permitem que esse engajamento continue fácil. "Eles são extremamente abertos a receber qualquer um e conversar e têm uma sede por informação muito grande. O Congresso aqui é de fato a casa do povo. Nesse sentido, a lei não afetou nosso relacionamento com os congressistas", comenta.

Por outro lado, as eleições do ano passado trouxeram um novo desafio. Pela primeira vez o BIC tem de lidar com um Congresso democrata, o que significa reconstruir a rede de relacionamentos, especialmente no Brazil Caucus, a bancada de congressistas que têm interesse no Brasil. "Estamos refazendo todos os contatos", relata Cunha. "Além disso, temos de lidar com a realidade de que o Brasil não está na agenda dos Estados Unidos, nem do Bush, nem do Congresso. Isso torna nosso trabalho mais difícil, mas ao mesmo tempo mais importante."

Flavia Sekles e Fabio Cunha avaliam que as empresas brasileiras avançaram nas relações governamentais, mas ainda engatinham se comparadas às companhias americanas. "A empresa americana entende, estuda mais os mercados e consegue se antecipar aos impactos de mudança de legislação. Isso é muito mais institucionalizado dentro dos Estados Unidos do que no Brasil e lobby é apenas uma palavra popular para essas relações", explicam.


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