sexta-feira, 23 de maio de 2008

Os colarinhos-verdes

Operário de fábrica com certificação ambiental nos EUA: Bush liberou US$ 125 milhões para o treinamento de trabalhadores que queiram se especializar na área
Foto H. Scott Hoffmann / News-Record


Eles aparecem em todos os programas dos candidatos à Casa Branca e são considerados estratégicos pelos democratas. São os trabalhadores de colarinho-verde - variante do colarinho-branco dos empresários e do colarinho-azul dos operários -, encontrados nas indústrias de energia renovável, combustíveis alternativos e na construção de prédios ecologicamente corretos. Em dezembro, George W. Bush sancionou o Green Jobs Act, autorizando investimento de US$ 125 milhões para treinamento de trabalhadores interessados em se especializar na área. O alvo dos candidatos é a massa de operários-eleitores que perderam emprego por causa da mão-de-obra mais barata na China e na Índia. Mas a tentativa de ligar o movimento verde à solução de um dos maiores entraves socioeconômicos dos EUA também está mexendo de forma intensa com a inteligência progressista da zona norte do mundo.

Coordenador-geral da Oakland Apollo Alliance, coalizão de ambientalistas, trabalhadores e ativistas políticos voltada para a criação de empregos verdes na área de Oakland (subúrbio operário da Califórnia), Ian Kim participou do lobby que levou Washington a reconhecer a necessidade de investir em especialização para uma área que cresce a olhos vistos, em trabalhos como a instalação de painéis solares, a jardinagem orgânica e a construção verde. "Foi um investimento modesto. Nosso setor precisa de bilhões de recursos para começarmos a combater a pobreza por meio da ampliação do universo do colarinho-verde. Hoje gastamos US$ 1,4 bilhão/ano no Iraque. Parte desse dinheiro poderia estar sendo investida na reorganização de nossa economia", diz Kim, professor de estudos urbanos da Universidade de São Francisco.

Ele sublinha que a importância simbólica do Green Jobs Act, no entanto, é inegável. De acordo com estimativas da Sociedade de Energia Solar Americana (Ases), a atual força de trabalho de 8,5 milhões de colarinhos-verdes deve chegar a 40 milhões em 2030. Um estudo da Cleantech Network, especializada em investimento verde, mostra que para cada US$ 100 milhões investidos, criam-se hoje 250 mil novos postos de trabalho nos EUA. Em 2007, apenas na Califórnia, corporações privadas investiram US$ 654 milhões na criação de 33 painéis solares (ante US$ 253 milhões em 2006). Não por acaso, uma nova função aparece no mercado: a dos headhunters especializados em empregos de colarinho-verde, como a Green Careers. O Instituto de Tecnologia do Oregon (OIT), por sua vez, acaba de formar o primeiro grupo de 50 estudantes superiores especializados em energias renováveis. Outros cursos semelhantes pipocam país afora, para entusiasmo dos candidatos à Casa Branca, que não querem ver esses postos de trabalho rumarem para a Ásia.

Liderada pelo advogado Van Jones, a Oakland Apollo Alliance foi criada por ativistas sociais e ambientalistas de uma das áreas mais afetadas pela crise da pós-industrialização. Enquanto o Vale do Silício multiplicava fortunas, Oakland amargava índices recordes de desemprego e crime. O mote de Jones é marxista: "Ofereça o trabalho de que mais precisamos para as pessoas que mais precisam de trabalho." Parece simples, mas a união de ecologistas com operários em torno da idéia de que os EUA deveriam acelerar o passo na direção de uma economia limpa, com a criação de milhares de empregos no meio do caminho, levou a discussão da ética verde para além da eco-elite e encontrou surpreendente abrigo nas centrais sindicais mais poderosas do país. "Nosso maior orgulho foi estabelecer essa ligação com os trabalhadores. Se o movimento verde ficar preso aos aspectos comportamentais, estaremos fadados à desimportância", diz Kim.

Ao lado do Sustainable South Bronx, de Nova York, a Apollo Alliance criou a campanha Verde para Todos, que defende o investimento imediato de US$ 1 bilhão do governo federal para deslanchar uma revolução verde-e-vermelha no país, com a capacitação de pelo menos 250 mil trabalhadores no que já é conhecido como o Plano Marshall do século XXI.

A mobilização já começou. Oakland é a primeira cidade dos EUA a contar com um Green Jobs Corps (GJC), voltado para a capacitação de profissionais nas áreas de manufaturas de biocombustíveis e instalação de painéis solares. A prefeitura decidiu investir US$ 250 mil para dar o gatilho no GJC. Na cidade, 13% dos menores de idade vivem abaixo da linha de pobreza. Ao mesmo tempo, o governo local anunciou incentivos fiscais para atrair empresas como a Grid Alternatives, que, desde 2004, já habilitou 1.700 profissionais na prática de instalação de painéis solares. De acordo com a Apollo Alliance, em 2006 foram investidos US$ 2,9 bi no setor, aumento de 80% em relação ao ano anterior.

Uma das figuras políticas mais importantes do país, a democrata Nancy Pelosi, é uma entusiasta da criação de um Green Job Corps nacional. Durante anos a fio compreendido nos EUA como uma subcultura fechada em si mesma, o pensamento ecológico tem conquistado novos espaços desde a exposição dos perigos do aquecimento global e da transformação do ex-vice-presidente Al Gore em apóstolo do crescimento sustentável.

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Estimativa mostra que atual força de trabalho de 8,5 milhões de trabalhadores dessa área deve chegar a 40 milhões em 2030
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Agora, verdes ligados a movimentos sociais, como Jones e Kim, começam a dizer sem medo que os trabalhadores precisam ver o verde, também, no bolso. E recebem mais interesse da opinião pública dos verdes mais tradicionais, como o eterno candidato à Presidência pelo Partido Verde, Ralph Nader.

No Brasil, Beto Mesquita, diretor do Instituto BioAtlântica, pensa que a excitação por causa dos empregos de colarinho-verde nos EUA tem tudo para ser repetida no país. "Um dos maiores desafios para a recuperação da Mata Atlântica, por exemplo, é a conciliação da necessidade de ações de restauração florestal com a geração de novas oportunidades de trabalho e renda. A cadeia produtiva da restauração florestal - que inclui atividades como coleta de sementes de espécies nativas, produção de mudas, plantio e manutenção de áreas - apresenta um tremendo potencial de expansão e de profissionalização."

Mesquita lembra que regiões economicamente deprimidas no Brasil, com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), distantes dos grandes parques industriais e com reduzida cobertura florestal nativa, podem se beneficiar de oportunidades relacionadas à recuperação e à preservação dos serviços ambientais das florestas nativas. Ele cita como exemplos a produção e o armazenamento de água, o seqüestro de carbono da atmosfera e a proteção de paisagens naturais, fundamentais para o ecoturismo, segmento da indústria de viagens que mais cresceu no mundo na última década.

Mas nem tudo é consenso. Nos EUA, ambientalistas têm criticado a ligação entre criação de postos de trabalho na área do meio ambiente e diminuição da pobreza e da desigualdade. Acabar com a poluição e com a pobreza da maior economia do globo parece tarefa complexa demais para ser abordada de forma simplista. Gente como Rich Sweeney, da organização Ressources for the Future, pondera que a relação de causa e efeito, quando estabelecida, enfraquece o discurso verde e desvia o foco de um problema completamente diverso das mazelas sociais enfrentadas em países com sociedades desiguais, como os Estados Unidos, ou, em um caso extremo, o Brasil.

Qual seria, afinal, a relação possível entre a adoção de uma política ambiental responsável e o combate à pobreza? "Quem mais sofre com a degradação ambiental são as camadas mais pobres. Também é possível perceber uma tendência de certos setores em relacionar preservação ambiental com pobreza a partir da idéia de que os impactos ambientais graves - e muitos deles perfeitamente evitáveis, com a adoção de tecnologias limpas e sustentáveis - seriam apenas um aspecto inevitável do crescimento econômico", comenta Mesquita.

O diretor do BioAtlântica lembra o estudo feito pelo professor José Augusto Pádua, da Universidade Rural do Rio de Janeiro, apresentando correlação entre altas taxas de desemprego e desmatamento das florestas nativas. "Não é justo atribuir à criação de um parque nacional ou de uma reserva extrativista a função de, além de proteger a natureza, gerar renda e combater a pobreza. Essa combinação de fatores só será possível em situações muito peculiares. Seria a mesma coisa que exigir, como contrapartida e de maneira genérica, que o Bolsa Família fosse também um programa de preservação ambiental."

Ian Kim diz que a experiência vitoriosa de Oakland tem tudo para se repetir em outras cidades economicamente deprimidas, como Detroit. Em todo o Estado de Michigan, um dos berços da hoje enfraquecida indústria automobilística americana, os investimentos têm se concentrado na energia eólica e na construção de turbinas utilizando a mão-de-obra especializada oriunda dos muitos desempregados do parque industrial tradicional, cada vez mais diminuto. Beto Mesquita concorda. E lembra que no Brasil, também, a nova fronteira dos serviços ambientais, especialmente a proteção e a recuperação dos mananciais hídricos e as ações de redução da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, aponta claramente para esse novo paradigma. Uma parceria verde-e-vermelha que parece ter chegado para ficar.


Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York

Valor Online, 23/05/08

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