quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O poder da ONG dos empresários

De onde vem a influência do Lide, que em apenas cinco anos reuniu os presidentes de 500 grandes empresas em torno dos seus eventos e se tornou uma espécie de Fiesp dos novos tempos

PPPRRRIIIIII!!! Quando trila o apito, centenas de homens e mulheres acostumados a mandar simplesmente silenciam. E obedecem. Normalmente, eles são os chefões. Quando se reúnem no Grupo de Líderes Empresariais, o Lide, se transformam. "É sempre um momento impressionante", afirma Roberto Cortes, presidente da Volkswagen Caminhões, que já presenciou a cena dezenas de vezes nos últimos anos e, ainda assim, não deixa de se surpreender. "Aquele conjunto de executivos que vivem de dar ordens de repente se torna um disciplinado exército". Por trás do apito de ouro - um presente do industrial Pedro Eberhardt, dono da Arteb -- e da façanha está o empresário João Doria Jr., criador da entidade e comandante do improvável pelotão de elite do mundo corporativo. Seu feito mais impressionante não é, no entanto, o de atuar como o rígido mestre-de-cerimônias (um papel sempre lembrado grupo) nos mais de 100 eventos organizados pelo Lide a cada ano. A grande obra é o próprio Lide. Com apenas cinco anos de idade, a entidade é hoje uma das mais influentes vozes do capitalismo nacional, reunindo os presidentes de mais de 500 grandes corporações que, somadas, têm o peso econômico correspondente a 44% do PIB privado brasileiro. Com uma atuação que muitas vezes lembra um grande clube exclusivo para presidentes de empresas e que rapidamente se transforma em um sério plenário para discussões dos grandes temas nacionais, é hoje uma espécie de alternativa às tradicionais instituições do empresariado, como as federações de indústrias e do comércio.


Será o Lide a Fiesp do futuro? "Não temos a intenção de nos sobrepor a entidades históricas, que realizam com muito valor o seu trabalho de defender os interesses dos setores que representam", diz Doria, diplomático. O fato, porém, é que os encontros promovidos pelo Lide têm, nos últimos anos, oferecido aos grandes executivos uma fórmula mais atraente e produtiva de convívio que as vetustas instituições classistas. Com uma rara, complexa e bem-sucedida combinação lazer e reflexão, família e trabalho, descontração e formalidade, a ONG dos empresários conquistou adesões e uma fidelidade incomum a quem luta para conseguir algum espaço livre na agenda. Não importa a hora, não importa o local, não importa o traje. Pode ser um convescote, de bermuda, à beira da piscina em Comandatuba, ou um almoço engravatado com o presidente da República em São Paulo, evento do Lide é sinônimo de casa cheia. E sempre com o primeiro escalão das empresas. Qual o segredo de tamanha assiduidade? Responder a essa pergunta é quase como decifrar o enigma do ovo e da galinha: os empresários vão ao Lide por causa do poder crescente da instituição ou a influência do Lide aumenta a cada dia por que a nata do setor privado está sempre lá, chova ou faça sol?

Qualquer resposta que se dê, nesse caso, estará correta. Pragmático e direto, o próprio Doria resume as razões de seus associados a um balanço, como o das empresas que cada um deles dirige: "Todos investem tempo e dinheiro para estar no Lide. Não se trata de um passeio bem organizado. Eles vão aos eventos em busca de resultado". Em outras palavras, pode-se dizer que o Lide é um clube com fins lucrativos. Ali, ninguém se envergonha em admitir que as relações "interesseiras" são o combustível básico da convivência com os outros associados. "A primeira coisa que enxergamos ao ingressar no Lide foi a oportunidade de fazer relacionamentos que levassem, no futuro, à concretização de novos negócios", conta José Jacobson Neto, vice-presidente do grupo GP Guarda Patrimonial, um dos maiores do País no setor de segurança privada. "Na nossa área, as relações de confiança são fundamentais e isso só se obtém no contato direto, olho no olho, como temos no Lide. Participando do grupo, passamos a ser conhecidos nas maiores empresas do País". Jacobson tem na ponta do lápis o "efeito Lide" na empresa: há quatro anos, quando se juntou à ONG, 4,5% do faturamento da empresa provinha de contratos com outras empresas associadas; hoje, elas respondem por 23% da receita.

A criação de um ambiente fértil à troca de experiências e à geração de negócios entre executivos está na gênese do grupo. O Lide é, na verdade, fruto de uma idéia que Doria teve há 14 anos para estreitar seus laços com os patrocinadores do programa de tevê ShowBusiness, que apresenta até hoje. Ele convidou os presidentes de oito empresas e suas esposas para um fim de semana no Club Méd, em Angra dos Reis. "A experiência foi tão rica que repetimos no ano seguinte, mas já com 16 casais", lembra. Depois disso, a palavra de ordem foi multiplicação. Primeiro, na quantidade de participantes - os principais eventos do Lide chegam a reunir mais de 700 pessoas. Depois, na de formatos. A reunião de casais passou a ser realizada no Exterior e virou Meeting Internacional, em seguida foi criado o Fórum de Comandatuba, que deu origem ao Lide, que diversificou suas atividades e hoje organiza desde seminários e almoços mensais com autoridades a eventos gastronômicos e esportivos. E, finalmente, na profusão de temas. Aos encontros de relacionamento foram se somando causas, como a defesa da ética, a disseminação de boas práticas de gestão e a melhoria da educação pública. Assim, a marca Lide virou âncora para uma série de novas empreitadas - Lide Gastronomia, Lide Esportes, Lide Sustentabilidade, Lidem (braço feminino do grupo), JLide (que reúne os jovens líderes), Lide EDH (Empresários para o Desenvolvimento Humano, com foco na execução de programas sociais) -, ganhou versões regionais - Lide Rio e Lide Sul - e ambiente propício para experiências vencedoras como o Family Workshop, evento anual que reúne, durante um fim de semana, os executivos, suas mulheres e seus filhos. "Em todos esses anos e eventos o mote foi o mesmo, fortalecer o relacionamento entre dirigentes de empresas", afirma Doria. "Além disso, a presença permanente das esposas e das famílias ajuda a criar um ambiente ainda menos formal e ajuda a criar vínculos entre os empresários", afirma Afonso Celso de Barros Santos, presidente da locadora Avis. "É sempre melhor fechar negócio com alguém em quem confiamos".

Os relacionamentos são o ponto inicial de uma produtiva ciranda. Barros, da Avis, e Jacobson, do GP, por exemplo, tornaram-se parceiros - a empresa de segurança usa carros da locadora, que contrata serviços da primeira. Mais que isso, hoje são amigos. "O CEO normalmente é um sujeito solitário", analisa Cortes, da Volks. "No ambiente do Lide, encontra gente semelhante, com quem pode trocar experiências e afinidades". Concentração tão grande de pesos pesados do mundo corporativo despertou a atenção do poder político, também interessado em girar nessa ciranda. Com isso, o Lide se transformou numa eficiente plataforma para interlocução entre o público e o privado, uma parada quase obrigatória para as autoridades que procuram diálogo com os empresários. Lula, por exemplo, já se deslocou a São Paulo especialmente para debater com o grupo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também esteve lá. Ministros, governadores, prefeitos e parlamentares são presença constante nos eventos do grupo. Sabem que encontrarão gente com posições firmes e disposta a cobrar ações efetivas, principalmente em questões como a tributária e a da educação. "Diferentemente do que ocorre em outras associações, quando as autoridades vêm ao Lide, falam menos e ouvem mais", constata Barros. Mas têm também consciência de que podem sair ganhando. No contato direto com os empresários, podem conquistar investimentos para suas cidades ou Estados, abrir portas importantíssimas no meio privado. "Hoje há fila de governadores querendo se aproximar do grupo e levar para o seu Estado a experiência e as verbas do EDH", conta a empresária Chieko Aoki, presidente do Lidem e do grupo hoteleiro Blue Tree. O caso do EDH é emblemático. Numa parceira com o Instituto Ayrton Senna, a entidade iniciou pelo Estado de Pernambuco um projeto de investimento na qualificação da gestão nas escolas públicas. Em quatro anos, o grupo já investiu R$ 20 milhões, todos colhidos em leilões beneficentes em eventos do Lide. No último Fórum de Comandatuba, em maio passado, não levou mais que dez minutos para que a empresária Viviane Senna levantasse R$ 6 milhões para a causa. "Somos muito rápidos. É um grupo que quer fazer, não fica só na reflexão", define Doria.

O leilão de Viviane é um dos mais completos exemplos de como funciona o clima de ganha-ganha que leva empresários, autoridades e até artistas ao Lide. Em 2007, José Talarico, vice-presidente da Pepsico, aproveitou a presença no Fórum de Comandatuba para uma conversa reservada com o governador da Bahia, Jaques Wagner. Falou dos planos de expansão da companhia, que incluíam a construção de uma nova fábrica de alimentos, investimento estimado em US$ 25 milhões. Wagner não perdeu tempo. Ali mesmo prometeu benefícios para que a unidade fosse instalada na cidade de Feira de Santana. Em 2008 os dois se reencontraram no evento, já para discutir a data de lançamento da fábrica. Talarico, então, vislumbrou outra oportunidade. No leilão, preencheu um cheque de R$ 250 mil para arrematar um show da cantora Ivete Sangalo, que será a estrela da festa em Feira de Santana. O dinheiro do cachê foi para o caixa do Instituto Ayrton Senna. "É a triangulação perfeita entre o interesse público, o privado e a área social", comemora Talarico. "Não há outro ambiente no País em que essa relação com o poder seja possível de forma tão direta."

A contabilidade da participação no Lide tem, para a imensa maioria dos membros de grupo, saldo positivo. Ouve-se aqui e ali queixas, nada contundentes, sobre o pendão de Doria de transformar em evento até mesmo confraternizações propiciadas pela integração do grupo. Há anos, por exemplo, o próprio Doria era o anfitrião, em sua casa, de uma pelada semanal, da qual participavam associados do Lide. Como tudo que ele organiza, dos vestiários ao estado do gramado, tudo era impecável, mas informal. O interesse da turma cresceu tanto, porém, que o líder do Lide vislumbrou uma oportunidade. A pelada virou um torneio corporativo e foi parar no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. E aí, tome-se cota de patrocínio - em cada evento do Lide, não há atividade que não seja bancada por verbas das empresas. "Daqui a pouco estaremos maiores que o Campeonato Brasileiro", ironiza um dos participantes. O custo da brincadeira sobe, pode haver chiadeira, mas a sensação de que um gol pode sair a qualquer momento no campo dos negócios mantém a bola em jogo. É esse sentimento que faz o apito de ouro de Doria soar mais alto. E os craques do empresariado silenciarem quando ele trila.


Luiz Fernando Sá
ISTOÉ Dinheiro, 05/09/08

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Como fazer o capitalismo se interessar pelos pobres? Bill Gates acha que sabe, mas está errado

Celebridades, às vezes (traindo certa culpa) dizem coisas assim: “o capitalismo melhorou sim, as vidas de muitas pessoas,mas também deixou de fora bilhões delas”. Como remediar? Bill Gates propõe: “Precisamos de um capitalismo mais criativo. As grandes corporações podem ser o instrumento para incluir mais gente no sistema; são elas que têm as competências para fazer inovações tecnológicas que funcionem para os pobres”.

Algum ogro ousaria discordar de proposta tão generosa? Obrigado por perguntar.

Se a história ensina algo, as grandes corporações não serão o caminho. Veja por que.

O capitalismo é construído sobre o direito das pessoas “terem coisas” (“titularidade da propriedade privada”,como dizem pomposamente). Existem grandes diferenças entre os cerca de 200 países que o praticam, como ensina em livro recente o scholar William Baumol. Há pelo menos quatro tipos de capitalismo - de qual deles Bill Gates estará falando?

Em certos bolsões da America Latina, Oriente Médio árabe e África, há o que chamam de capitalismo oligárquico. Nele, riqueza e poder são altamente concentrados, e as regras existentes reforçam essa situação. Naturalmente ,Bill Gates não está se referindo a isso.

Noutro tipo, o capitalismo é guiado pelo estado - governos incentivam os setores da economia que identificam como tendo mais chance de serem vencedores. As economias do sudeste asiático tiveram sucesso assim,mas nas regiões miseráveis a que se refere Gates, não há nada parecido com uma base industrial da qual se possa selecionar “vencedores”. Esqueça.

Um terceiro tipo seria o capitalismo de grandes corporações - o defendido por Gates como veículo de inclusão para os pobres. Grandes empresas dominam a produção e o emprego,produzindo em massa inovações criadas por empreendedores. Europa Ocidental e Japão são exemplos.

Será que filiais de grandes corporações desempenhariam esse papel em lugares pobres? Difícil. Falemos claro: grandes empresas tendem a só inovar para ganhar dinheiro da maneira pela qual estão estruturadas para ganhar dinheiro. Não lhes falta talento ou recursos, o que elas não têm é apetite para arriscar - têm medo de gerar a percepção de que podem tornar seus acionistas mais pobres com inovações de margem ($) mais baixa. Esse tipo de inovação é o único que pode dar certo em “mercados de pobre”. Bill Gates está exortando as grandes corporações a irem contra seu próprio DNA. O instinto delas é: inovação sim, mas só do tipo “mais da mesma margem”.

A IBM perdeu a liderança em PCs porque não deu para conciliar seus processos para comercializar main frames [caros e com margens de mais de 60%],com processos para PCs [baratos e margens de 20-30%]. Canon e Ricoh com pequenas copiadoras de mesa de margem baixa, fizeram a poderosa Xerox sangrar. As motos Honda idem com as Harley Davidson. Rádios e TVs transistorizados Sony acabaram com os modelos de mesa da RCA (e acabaram, de quebra, com a própria RCA) .

Inovações ”para pobre” geralmente entram no mercado “por baixo” - têm performances inferiores, são mais baratas e só têm apelo ao público que não usa o produto-padrão.

Quase ninguém usava fornos de micro ondas na China antes da Galanz. Com um modelo de negócio de altos volumes a preços muito baixos, a chinesa Galanz (não a Samsung, não a GE, não a Siemens) criou um mercado: em 1993 ela tinha 2% de market-share, em 2000 tinha 76%. Clientes menos exigentes (pobres) ficam felicíssimos em adotar produtos assim, pois a outra opção é não ter produto nenhum.

As grandonas, quando agem, o fazem quase sempre para reagir à ameaça de “tubaínas” locais. Veja a Unilever. Sua subsidiária na Índia - a Hindustan Lever - sempre focara o topo do mercado, até que apareceu a Nirma oferecendo detergente “para pobre”, muito mais barato, produzido segundo um modelo de baixo custo. Formulação, embalagem, produção, distribuição - tudo diferente. A Unilever teve de se mexer. Reformulou totalmente seu modelo para evitar que a “tubaína” da Nirma, vinda de baixo, continuasse a bicar o topo do mercado como já começara a fazer. A Unilever é das poucas que reconhece ativamente o mercado “para pobre”, tendo incorporado sua experiência hindu às suas práticas globais,mas ela é exceção. A GM fala há anos em produzir um carro abaixo de 3000 dólares, mas quem já lançou um foi a indiana Tata Motors. É assim desde sempre: a poderosa Western Union dona das comunicações no século XIX (telégrafo), rejeitou o telefone de Graham Bell porque seu sinal só alcançava três milhas. A Bell Telephone começou então com um modelo de baixo alcance e “subiu”, melhorando pouco a pouco a tecnologia até matar a Western Union.

O quarto tipo de capitalismo de que fala William Baumol - o capitalismo de empreendedores - é o que oferece melhores perspectivas. Nele, o dinamismo se origina em empresas pequenas, iniciativas de indivíduos empreendedores (modelo americano). Um montão de inovações que criaram setores econômicos inteiros surgiu assim. Quem quer incluir os pobres no capitalismo deveria estimular o empreendedorismo local entre os pobres, não tentar mudar a cabeça das grandes corporações. Elas dizem que farão mas não farão na escala necessária. Seu DNA não deixa.

Empreendedores locais sempre existem independentemente da população ser pobre ou rica. Sua ação se dá por meio do processo “schumpeteriano” de sempre: eles introduzem o novo “destruindo criativamente” o que havia antes.

Só uma coisinha: nos locais hoje excluídos, não há nada a ser destruído porque não há nada criado. O estímulo “de fora” deve ser para o surgimento da fase “pré-destruição”, ou seja, da fase da “criação criativa” mesmo. A partir daí, o empreendedor local resolve.



Clemente Nóbrega
Artigo publicado na Revista Época Negócios – Nº 20– Outubro 2008 – Coluna INOVAÇÃO.

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Funarte amplia vários prazos de inscrição

Atenção para as novas datas de inscrição de projetos na Funarte:


Seleção de Projetos
Programa Nacional de Bolsas
Prêmio Interações Estéticas
Projeto Pixinguinha
Rede Nacional de Artes Visuais
Prêmio Marcantonio Vilaça
Prêmio de Dança Klauss Vianna
Prêmio de Teatro Myriam Muniz


As datas foram atualizadas também na agenda "Eventos e Editais" no fim da página do blog.

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BrazilFoundation seleciona projetos

A BrazilFoundation, fundação que apóia projetos sociais de organizações da sociedade civil em todo o país, abriu inscrições para o seu processo de seleção 2008. A fundação recebe projetos nas áreas de Educação, Saúde, Direitos Humanos, Cidadania e Cultura, remetidos pelo correio até 5 de dezembro, que concorrerão ao apoio financeiro de até R$ 30 mil, para cada projeto.

Os projetos selecionados serão monitorados durante seu desenvolvimento e receberão apoio técnico em gestão e comunicação.

O Edital 2008/2009 está disponível no site www.brazilfoundation.org, contendo os critérios de seleção, o formulário de inscrição e o modelo de planilha de custos do projeto. O carimbo do correio servirá como comprovante de postagem dentro do prazo. Para todos os detalhes e requisitos, leia atentamente o edital.


Fonte: Rede Gife

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Os jornalistas Andrea Vialli e Marcio Pessôa discutem a cobertura da responsabilidade social na grande imprensa

O Instituto Ethos está publicando entrevistas com todos os vencedores do Prêmio Ethos de Jornalismo 2008. Nesta semana, os entrevistados são Andrea Vialli, vencedora da categoria Jornal, e Marcio Pessôa, da categoria Rádio.

Entrevista com Andrea Vialli

Instituto Ethos: As reportagens que você tem publicado no jornal O Estado de S.Paulo geralmente abordam aspectos econômicos de iniciativas de responsabilidade social. Por que você optou por esse enfoque?
Andrea Vialli: O enfoque econômico dado às matérias se explica pelo fato de a editoria que hospeda o espaço ser a de "Economia & Negócios". Desde que o jornal abraçou a idéia de cobrir o tema, o enfoque seria mostrar a relação entre as políticas de responsabilidade corporativa das empresas e suas estratégias de negócios. Com o passar do tempo, vimos que em muitos casos essas questões estavam se transformando em negócios (energias renováveis, comércio justo, empreendedorismo) e nosso foco ficou ainda mais econômico. Desde o princípio a preocupação não era simplesmente cobrir projetos sociais de empresas, uma vez que isso poderia parecer um jornalismo marqueteiro, e sim mostrar o avanço desse movimento no Brasil.

IE: Ainda é difícil encontrar espaço na grande imprensa para publicar matérias que envolvam responsabilidade social e desenvolvimento sustentável? Essas matérias dependem de iniciativa pessoal do jornalista ou as redações já estão mais abertas a esses temas?
AV: Hoje o espaço para matérias sobre desenvolvimento sustentável está razoavelmente garantido na imprensa. Nos últimos anos, esse espaço aumentou significativamente. O atual desafio é tirar essa cobertura dos nichos - ou seja, de uma página específica, num dia específico - e trazer para a cobertura diária, o enfrentamento das questões da sociedade sob a ótica da sustentabilidade. Nisso, precisamos avançar muito ainda.

IE: O Prêmio Ethos de Jornalismo tem contribuído para que os jornalistas procurem fazer matérias sob a ótica da sustentabilidade?
AV: Sem dúvida, o prêmio contribui, e por dois motivos. A perspectiva de ganhar uma premiação é motivadora para o jornalista. Se ele tiver afeição pelo tema, com certeza se sentirá estimulado. Outro motivo é a perspectiva de ganhar uma bolsa de estudos e poder se aperfeiçoar no assunto, uma vez que hoje são raros os veículos de comunicação que investem na formação de seus jornalistas.


Entrevista com Márcio Pessoa

Instituto Ethos: Entre suas reportagens premiadas, uma aborda o desastre ambiental no Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, e outra mostra o drama de quem não consegue pagar os empréstimos que contraiu com empresas financeiras. Isso mostra que a responsabilidade social e a sustentabilidade não são seções nem editorias específicas, mas uma base do trabalho jornalístico.Você concorda com isso?
Marcio Pessôa: A base da ética jornalística é a contribuição social. A busca da ética na sociedade deve ser o alvo do jornalista. Isso significa ter responsabilidade com o ser humano e com a sociedade. Na minha opinião, essas duas matérias registram o quanto é possível uma empresa, objetivando sua sobrevivência dentro do mercado, colocar de lado as questões da sociedade, do ser humano e da ética. No caso das empresas financeiras, a gente via a situação de pessoas que queriam dar cabo da vida, estavam em depressão profunda, em razão de terem contraído um empréstimo com uma empresa que não conseguiam pagar. Mesmo assim, assumiam uma nova dívida com outra empresa, e muitas iriam aceitá-la como cliente. O desastre ambiental no Vale dos Sinos foi um misto de irresponsabilidade não só das empresas, mas também do setor público. Acho que não é uma questão de editoria. A gente tem sempre de tentar criar espaço nas redações para abordar temas relativos à responsabilidade social.

IE: Suas reportagens foram veiculadas na Rádio Cultura FM, de Porto Alegre, que é uma emissora estatal da Fundação Cultural Piratini. Haveria mais espaço nas emissoras não-comerciais para abordar esses temas?
MP: Em alguns momentos você sugere matérias que vão colocar em risco um patrocinador ou um anunciante num veículo. Acho válido que pelo menos a empresa comece a discutir se deve colocar em risco um patrocínio. O que não pode é, por causa desse anunciante, interromper totalmente a iniciativa de um repórter que está fazendo seu trabalho. Acredito que, no setor privado, falar de empresas privadas é difícil. No setor público, falar de empresas públicas também pode ser difícil. Na Cultura FM, nunca tive problema para falar de nenhum dos lados, para comentar ações sociais ou de responsabilidade social de nenhum dos lados. No caso de uma empresa privada, isso já aconteceu. Era o cotidiano da nossa redação, e isso marcou muito minha carreira.

IE: Os jornalistas que se interessam por essas questões e têm esse tipo de olhar são minoria e muitas vezes agem motivados por um engajamento pessoal. Você acha que abordar tais questões vai continuar a ser uma luta solitária desses jornalistas ou as próprias redações e as empresas de comunicação vão começar a se abrir mais para esse tipo de pauta?
MP: Isso é muito complexo. Em cada uma dessas esferas - a dos jornalistas e a dos veículos de comunicação - existem questões a ser trabalhadas. Acho que tem de aproximar o jornalista da empresa de comunicação, e ela tem de se aliar à formação do jornalista. Temos de criar um ambiente em que os jornalistas tenham mais força dentro das redações. Ao mesmo tempo, as empresas de comunicação têm de tentar inserir-se num contexto mais moderno. Isso mexeria com o mercado. Atualmente não vejo esse movimento. O que vejo é empresas de comunicação fazendo endomarketing. Mas a estrutura da redação, que se comunica com o ouvinte, com o telespectador ou com o leitor, permanece a mesma, continua antiga. Isso tem de mudar. Nas empresas de comunicação, existem várias ações sociais, como dar cestas de Natal para os funcionários. Agora, e o produto informação? Vincular seu produto às necessidades da sociedade é um casamento que se dá na responsabilidade social, que é um ponto frágil nas empresas de comunicação.

IE: Você já recebeu vários prêmios por reportagens veiculadas na rádio Cultura FM de Porto Alegre. O que significa ganhar o Prêmio Ethos de Jornalismo nessa edição especial, que reconhece o conjunto da obra?
MP: Considero cada prêmio jornalístico um selo de qualidade ao trabalho. Tentamos prestigiar nosso trabalho com coisas em que acreditamos. Se você observar todos os prêmios que ganhamos ou nos quais fomos finalistas, vai ver que a temática é sempre a mesma. Porque, para nós, é isso que pauta nosso trabalho - temas vinculados à questão da responsabilidade social, como direitos humanos ou cidadania. Para mim, o Prêmio Ethos sela um esforço de carreira. Esse esforço cotidiano de tentar discutir a questão da responsabilidade social em todos os níveis, discutir os valores humanos e cobrar um comportamento ético. Esse tipo de reconhecimento é um indício de que estamos no caminho certo. Para mim, o Prêmio Ethos é um indício de que estamos no caminho certo e fazendo um trabalho criterioso.


Fátima Cardoso, para o Instituto Ethos
Envolverde, 15/10/08
© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

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Em meio à crise, Veja SP lança edição de luxo

Em novembro, revista especial trará reportagens e guias de compras para os consumidores de alto padrão; Veja Rio também terá encarte especial sobre o tema

Enquanto o mercado financeiro mundial vivencia a incerteza e os receios dos efeitos da crise econômica, a editora Abril vê no consumo de luxo um propício - e, a principio, firme - terreno para estruturar a nova edição especial da revista Veja.

No próximo dia 19 de novembro, irá circular, junto a Veja São Paulo, a revista especial Veja São Paulo - Especial Luxo. A publicação reunirá reportagens, curiosidades e guias de compras e serviços de tudo o que é referente ao consumo de alto-padrão na capital paulista. Temas como gastronomia, jóias, moda, turismo de luxo e comportamento estarão inseridas na revista, que terá a tiragem de 130 mil exemplares, distribuídos gratuitamente aos assinantes da Veja e comercializados em bancas e pontos de venda de locais nobres da cidade, pelo preço de R$ 15.

O glamour e os supérfluos do mercado do Rio de Janeiro também serão abordados dentro da edição da Veja Rio, que circulará no dia 26 de novembro. Diferente de São Paulo, o assunto não ganhará uma publicação à parte, mas será abordado no formato de encarte especial, inserido na Veja Rio.

De acordo com o superintendente de Veja, Claudio Ferreira, o interesse pelo segmento de luxo condiz com o perfil dos leitores de veja - 73% deles são pertencentes às classes A e B. Ele também pontua que o mercado anunciante dos produtos e serviços de alto padrão possuem um grande espaço a ser explorado em diferentes fatias do público devido ao apelo aspiracional que algumas marcas cativam entre os consumidores.

Junto com o anúncio oficial das edições especiais de luxo de Veja São Paulo e Rio, realizada na manhã desta quarta-feira, em São Paulo, a editora Abril também apresentou os dados da pesquisa Como Falar com o Consumidor de Luxo, realizada pelo consultor Carlos Ferreirinha. Segundo as conclusões do estudo, a individualização, o apelo emocional e a idéia de exclusividade são os fatores que mais impactam os consumidores das mais privilegiadas camadas sociais.


Bárbara Sacchitiello
Meio & Mensagem Online, 15/10/08

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