quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Os jornalistas Andrea Vialli e Marcio Pessôa discutem a cobertura da responsabilidade social na grande imprensa

O Instituto Ethos está publicando entrevistas com todos os vencedores do Prêmio Ethos de Jornalismo 2008. Nesta semana, os entrevistados são Andrea Vialli, vencedora da categoria Jornal, e Marcio Pessôa, da categoria Rádio.

Entrevista com Andrea Vialli

Instituto Ethos: As reportagens que você tem publicado no jornal O Estado de S.Paulo geralmente abordam aspectos econômicos de iniciativas de responsabilidade social. Por que você optou por esse enfoque?
Andrea Vialli: O enfoque econômico dado às matérias se explica pelo fato de a editoria que hospeda o espaço ser a de "Economia & Negócios". Desde que o jornal abraçou a idéia de cobrir o tema, o enfoque seria mostrar a relação entre as políticas de responsabilidade corporativa das empresas e suas estratégias de negócios. Com o passar do tempo, vimos que em muitos casos essas questões estavam se transformando em negócios (energias renováveis, comércio justo, empreendedorismo) e nosso foco ficou ainda mais econômico. Desde o princípio a preocupação não era simplesmente cobrir projetos sociais de empresas, uma vez que isso poderia parecer um jornalismo marqueteiro, e sim mostrar o avanço desse movimento no Brasil.

IE: Ainda é difícil encontrar espaço na grande imprensa para publicar matérias que envolvam responsabilidade social e desenvolvimento sustentável? Essas matérias dependem de iniciativa pessoal do jornalista ou as redações já estão mais abertas a esses temas?
AV: Hoje o espaço para matérias sobre desenvolvimento sustentável está razoavelmente garantido na imprensa. Nos últimos anos, esse espaço aumentou significativamente. O atual desafio é tirar essa cobertura dos nichos - ou seja, de uma página específica, num dia específico - e trazer para a cobertura diária, o enfrentamento das questões da sociedade sob a ótica da sustentabilidade. Nisso, precisamos avançar muito ainda.

IE: O Prêmio Ethos de Jornalismo tem contribuído para que os jornalistas procurem fazer matérias sob a ótica da sustentabilidade?
AV: Sem dúvida, o prêmio contribui, e por dois motivos. A perspectiva de ganhar uma premiação é motivadora para o jornalista. Se ele tiver afeição pelo tema, com certeza se sentirá estimulado. Outro motivo é a perspectiva de ganhar uma bolsa de estudos e poder se aperfeiçoar no assunto, uma vez que hoje são raros os veículos de comunicação que investem na formação de seus jornalistas.


Entrevista com Márcio Pessoa

Instituto Ethos: Entre suas reportagens premiadas, uma aborda o desastre ambiental no Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, e outra mostra o drama de quem não consegue pagar os empréstimos que contraiu com empresas financeiras. Isso mostra que a responsabilidade social e a sustentabilidade não são seções nem editorias específicas, mas uma base do trabalho jornalístico.Você concorda com isso?
Marcio Pessôa: A base da ética jornalística é a contribuição social. A busca da ética na sociedade deve ser o alvo do jornalista. Isso significa ter responsabilidade com o ser humano e com a sociedade. Na minha opinião, essas duas matérias registram o quanto é possível uma empresa, objetivando sua sobrevivência dentro do mercado, colocar de lado as questões da sociedade, do ser humano e da ética. No caso das empresas financeiras, a gente via a situação de pessoas que queriam dar cabo da vida, estavam em depressão profunda, em razão de terem contraído um empréstimo com uma empresa que não conseguiam pagar. Mesmo assim, assumiam uma nova dívida com outra empresa, e muitas iriam aceitá-la como cliente. O desastre ambiental no Vale dos Sinos foi um misto de irresponsabilidade não só das empresas, mas também do setor público. Acho que não é uma questão de editoria. A gente tem sempre de tentar criar espaço nas redações para abordar temas relativos à responsabilidade social.

IE: Suas reportagens foram veiculadas na Rádio Cultura FM, de Porto Alegre, que é uma emissora estatal da Fundação Cultural Piratini. Haveria mais espaço nas emissoras não-comerciais para abordar esses temas?
MP: Em alguns momentos você sugere matérias que vão colocar em risco um patrocinador ou um anunciante num veículo. Acho válido que pelo menos a empresa comece a discutir se deve colocar em risco um patrocínio. O que não pode é, por causa desse anunciante, interromper totalmente a iniciativa de um repórter que está fazendo seu trabalho. Acredito que, no setor privado, falar de empresas privadas é difícil. No setor público, falar de empresas públicas também pode ser difícil. Na Cultura FM, nunca tive problema para falar de nenhum dos lados, para comentar ações sociais ou de responsabilidade social de nenhum dos lados. No caso de uma empresa privada, isso já aconteceu. Era o cotidiano da nossa redação, e isso marcou muito minha carreira.

IE: Os jornalistas que se interessam por essas questões e têm esse tipo de olhar são minoria e muitas vezes agem motivados por um engajamento pessoal. Você acha que abordar tais questões vai continuar a ser uma luta solitária desses jornalistas ou as próprias redações e as empresas de comunicação vão começar a se abrir mais para esse tipo de pauta?
MP: Isso é muito complexo. Em cada uma dessas esferas - a dos jornalistas e a dos veículos de comunicação - existem questões a ser trabalhadas. Acho que tem de aproximar o jornalista da empresa de comunicação, e ela tem de se aliar à formação do jornalista. Temos de criar um ambiente em que os jornalistas tenham mais força dentro das redações. Ao mesmo tempo, as empresas de comunicação têm de tentar inserir-se num contexto mais moderno. Isso mexeria com o mercado. Atualmente não vejo esse movimento. O que vejo é empresas de comunicação fazendo endomarketing. Mas a estrutura da redação, que se comunica com o ouvinte, com o telespectador ou com o leitor, permanece a mesma, continua antiga. Isso tem de mudar. Nas empresas de comunicação, existem várias ações sociais, como dar cestas de Natal para os funcionários. Agora, e o produto informação? Vincular seu produto às necessidades da sociedade é um casamento que se dá na responsabilidade social, que é um ponto frágil nas empresas de comunicação.

IE: Você já recebeu vários prêmios por reportagens veiculadas na rádio Cultura FM de Porto Alegre. O que significa ganhar o Prêmio Ethos de Jornalismo nessa edição especial, que reconhece o conjunto da obra?
MP: Considero cada prêmio jornalístico um selo de qualidade ao trabalho. Tentamos prestigiar nosso trabalho com coisas em que acreditamos. Se você observar todos os prêmios que ganhamos ou nos quais fomos finalistas, vai ver que a temática é sempre a mesma. Porque, para nós, é isso que pauta nosso trabalho - temas vinculados à questão da responsabilidade social, como direitos humanos ou cidadania. Para mim, o Prêmio Ethos sela um esforço de carreira. Esse esforço cotidiano de tentar discutir a questão da responsabilidade social em todos os níveis, discutir os valores humanos e cobrar um comportamento ético. Esse tipo de reconhecimento é um indício de que estamos no caminho certo. Para mim, o Prêmio Ethos é um indício de que estamos no caminho certo e fazendo um trabalho criterioso.


Fátima Cardoso, para o Instituto Ethos
Envolverde, 15/10/08
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