sábado, 30 de junho de 2007

TV digital: quem, afinal, irá às compras?

Diogo Moyses *
Publicado pelo Observatório do Direito à Comunicação em 28/6/2007

O decreto assinado pelo presidente Lula em junho de 2006 (que institui o SBTVD-T) estabelece que o tempo de transição da TV analógica para a digital será de 10 anos. Ou seja, em 2016 todas as transmissões analógicas seriam desligadas e só os sinais digitais poderiam ser captados pelos televisores. O desligamento dos sinais analógicos é chamado de switch-off, momento em que, em tese, os canais analógicos seriam “devolvidos” à União. Em São Paulo, cidade escolhida para dar inicio à migração, as transmissões começam em dezembro deste ano. Em tese, é claro, pois já tem gente admitindo que o prazo não será cumprido.

Para que a transição siga adiante, duas coisas precisam acontecer:

Primeiro, as emissoras precisam trocar seu parque de transmissão analógico por um novo, digital. Isso não é trivial, especialmente em cidades médias e pequenas, onde o faturamento das emissoras é pequeno e o financiamento do BNDES esbarrará na já tradicional necessidade excessiva de garantias ou no alto valor mínimo para a concessão de empréstimos. Como a TV brasileira não é o Jardim Botânico, dá para imaginar a dificuldade que será fazer isso no interior do Brasil.

Segundo, a população precisa comprar conversores (também chamados de set top boxes) ou novos televisores que já venham com os receptores digitais. Sem isso, as emissoras podem até irradiar o sinal digital, mas ninguém irá assisti-lo.

Ou seja, para que a TV digital se torne uma realidade, a população precisará ir às compras. E para que o cidadão compre um conversor (já que o Brasil não é o Japão e aqui ninguém troca de televisores a cada cinco anos), é preciso que algo o mova a fazê-lo. Sem motivação razoável, ninguém o fará. E é aí que reside o problema: a população não terá motivos para comprar o conversor. Ao contrário, terá motivos para não fazê-lo.

Vejamos:

1. A TV digital, com a edição do decreto 4.901 de 2003, passou a ter como objetivo se consolidar como um instrumento de inclusão social a partir do oferecimento de serviços interativos, tanto aqueles de interesse público (e-gov, e-banking, email, educação à distância, etc) quanto os de interesse de mercado (vendas on-line, etc). Além disso, estes serviços interativos serviriam como porta de entrada de muitos brasileiros à Internet, tendo em vista que, segundo o próprio IBGE, mais da metade da população brasileira jamais acessou a rede mundial de computadores. Dessa forma, a interatividade constituir-se-ia em um diferencial relevante em relação à TV analógica e poderia mover a população a comprar os conversores.

Acontece que a TV digital brasileira não será interativa. Recentemente, o governo anunciou que (1) o middlleware Ginga (desenvolvido para processar a interatividade), não será embarcado nos conversores porque “não está pronto”, (2) os conversores mais simples, mesmo após a conclusão dos testes com o Ginga, não obrigatoriamente terão embarcados o middlleware e, portanto, não terão capacidade de processar a interatividade. Em português simples significa dizer que, neste ponto, a TV digital será exatamente igual à analógica: sem interatividade. Até porque os que comprarem conversores mais avançados - capazes de processar a interatividade - serão os mesmos que hoje possuem acesso à Internet.

Ou seja, a ausência da interatividade é uma razão a menos para ir às compras.

2. Durante os debates que antecederam a escolha do padrão japonês (ISDB), uma das potencialidades anunciadas era justamente a multiprogramação, ou seja, a possibilidade de, em um mesmo canal, serem transmitidas mais de uma programação (até oito, já que o Brasil adotará o padrão de compressão H.264). Não à toa, reside na multiprogramação a grande possibilidade de democratizar o principal meio de comunicação do país e dar voz às tantas diversidades hoje ausentes da televisão.

No entanto o Decreto 5.820/2006, além de sacramentar o padrão japonês, destinou aos radiodifusores a mesma fatia de espectro (6 MHz) hoje necessária à transmissão analógica, para as transmissões digitais. Com este espaço, de duas, uma: ou cada um dos radiodifusores transmitirá mais de uma programação, ou desperdiçará parte substancial do espectro de freqüências. Como para as emissoras comerciais a primeira opção é ilegal - pois contraria a Lei 4.117/62 – o espectro será desperdiçado. Simples assim.

Ou seja, como o governo não fracionou o canal de 6 MHz e também não instituiu a figura do operador de rede para que mais programadores pudessem ofertar o serviço, os mesmos que oferecem conteúdo atualmente continuarão a fazê-lo, sem que novas programações sejam ofertadas. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, mantido o plano de canalização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), nenhum outro programador poderá ocupar o espectro. Nem mesmo as emissoras do campo público, inclusa aí a futura rede pública de televisão. Sem novos conteúdos, outra razão a menos para ir às compras.

3. Uma terceira razão para migrar para a TV digital é qualidade de som e imagem. Afinal, quem não quer uma imagem com qualidade de DVD? Entretanto, a maioria absoluta da população não comprará um televisor de alta definição (capaz de mostrar a melhoria substancial na qualidade de imagem), pelo simples fato de que ele (o televisor de alta definição) é caro demais e que ainda levará alguns bons anos para que fique acessível aos quase 50% da população que ganha menos de dois salários mínimos, ou mesmo aos outros 30% que ganham menos de cinco salários mínimos. Ou seja, mesmo que a população compre um conversor, não poderá assistir à alta definição, pelo menos nos próximos anos.

Se a população não vai usufruir de imediato da melhoria da imagem e do som, está aí uma outra razão para não ir às compras.

4. Hélio Costa afirmou durante meses (convicto, diga-se) que os conversores custariam R$ 100, um preço razoável e acessível à maioria da população, especialmente se os juros (do parcelamento) não fossem abusivos. Entretanto, à época, muitos já atentavam para o fato de que, sem escalada de produção internacional, seria impossível chegar a este valor. Entretanto, eis que, na última semana, alguns fabricantes assumem que os conversores mais simples não sairão por menos de R$ 800*. Ou seja, se já não há motivos para comprar um conversor, passa-se a ter uma boa razão para não comprá-lo. Afinal, por que desembolsar R$ 800 para ver a mesma televisão que vemos hoje?

5. A redução dos preços, em tese, aconteceria após as classes A e B começarem a comprar os conversores. Faz sentido, mas aí reside um detalhe: os mais abastados não comprarão os conversores, pois já têm TV a cabo (que está sendo digitalizada - em São Paulo, por exemplo, a transição acaba em dezembro) ou por satélite (que já é digital). Ou seja, aqueles que poderiam promover o “efeito escala” não o farão, pois já têm a sua TV digital por assinatura.

Tivesse o governo atentado para a necessidade de uma política integrada com a TV por assinatura (não foi falta de aviso, inclusive de empresários), o impacto da produção em escala poderia de fato contribuir para a redução de preços em curto período de tempo. Não custa lembrar que, tanto no cabo quanto no satélite, o Brasil utiliza o padrão DVB (europeu).

6. Se o ponto anterior não é necessariamente um motivo para não comprar o conversor, segue aí mais um: o fato de o governo estar disposto a voltar atrás e permitir a instalação de mecanismos anti-cópia na televisão digital (bastou que o governo fosse pressionado pela indústria de Hollywood e pela Globo para recuar em sua intenção original). Isso significa dizer que o que se faz hoje - copiar conteúdos para consumo pessoal, com fins educativos e não-lucrativos - não poderá mais ser feito, assim como não poderá fazê-lo um professor que queira gravar um conteúdo para discussão em sala de aula. Isso, é claro, a despeito do que diz a Constituição Federal.

Se hoje é possível copiar os conteúdos para os fins que a lei permite e se não poderei fazer isso na TV digital, por que comprar um conversor? Pessimismo? Talvez, mas voltemos a falar disso em 2009, um ano após o início das transmissões em São Paulo. Pode ser em 2010, se preferirem. Mas uma coisa é fato: mantida a rota da carruagem, em 2016 não estaremos nem perto de concluir a transição e desligar os canais analógicos, permanecendo o Brasil com as transmissões simultâneas analógicas e digitais por mais tempo do que o necessário e impedindo o oferecimento de novas e mais programações.

Para os que se interessam pelo assunto: o preço do set top box é fundamentalmente ditado pela velocidade do fluxo de bits, assim como pelo tipo de compressão. A alta definição, por exemplo, gera alto fluxo de bits, o que exige processadores mais potentes e mais caros.

* Diogo Moyses é membro do Intervozes e editor do Observatório do Direito à Comunicação

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Petição Global para os Membros da Diretoria da ICANN: “A Estrutura da Rede deve ser neutra”

O que deve e o que não deve constar na eleição de palavras, idéias e expressões que podem ser registrados como nomes de domínio? Uma expressão proibida em certa cultura pode não ter o mesmo significado em outra. E quem determina o que e o que não pode ser registrado como nome de domínio?

Especialmente quando estamos falando de nomes de domínio internacionais, que não estão ligados à infra-estrutura tecnológica e cultural de um certo país, essa escolha pode ser de crucial importância. Para alertar a comunidade em geral sobre os riscos trazidos por decisões arbitrárias na escolha das palavras e expressões que não podem ser registrados como nomes de domínio, foi lançada a coalizão "Keep the Core Neutral".

A coalizão, iniciada pela organização norte-americana IP Justice, e apoiada pelo CTS - Centro de Tecnologia e Sociedade, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas/RJ, preparou uma petição sobre o assunto.

Veja abaixo o texto da petição em português.

Todos têm o direito de pesquisar, receber e transmitir informações e idéias sem interferência por qualquer meio, inclusive no ciberespaço.

Com o surgimento dos novos domínios genéricos de primeiro nível e escolhas sobre como idéias podem ser expressas através dos mesmos são tomadas, nós requeremos à ICANN que mantenha a estrutura da rede neutra, livre das disputas não técnicas, e que sejam adotadas políticas que respeitem a liberdade de expressão e permitam a inovação no processo de criação de novos nomes de domínio.

Encorajar a livre circulação da informação é um princípio basilar nas decisões de política pública relacionadas à informação e à tecnologia da comunicação. O direito à liberdade de expressão, fundamental numa Sociedade da Informação, estimula a participação democrática, amplia as possibilidades individuais e proporciona o desenvolvimento econômico.

O ciberespaço é um ambiente único e especial que concilia antigas divisões, no qual diversas comunidades interagem, e todas as visões são bem-vindas. Mas esse cenário apenas permanecerá se esses atributos forem levados em conta por quem determina as políticas públicas sobre a Governança da Internet e os incorpore nas políticas sobre como idéias podem ser expressas através de nomes de domínio.

Nós requeremos que a ICANN atenha-se ao seu mandato técnico e se abstenha de embutir determinados padrões nacionais, regionais, morais ou religiosos nas regras globais sobre o uso de linguagens em nomes de domínio. Seria uma missão perigosa para a ICANN decidir entre políticas conflituosas e determinar padrões globais de expressão que são reforçadas através da sua atuação técnica. Por favor não deixem que a ICANN se torne uma ferramenta conveniente para a obtenção de um controle global por aqueles que almejam censurar expressões controversas ou não populares na Internet.

A estrutura técnica da Internet deve ser neutra e livre de quaisquer conflitos nacionais ou ideológicos, possibilitando que a liberdade e a inovação floresçam no ciberespaço.

Assinado,


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NUPEF realiza seminário sobre governança da Internet

Publicado na Rets em 26/06/07

O NUPEF - Núcleo de Pesquisa, Estudos e Formação da Rits realiza este ano dois seminários preparatórios ao Internet Governance Forum (IGF), com a colaboração da Direito GV - Escola de Direito da FGV de São Paulo, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, da Diplo Foundation e do CGI br - Comitê Gestor da Internet no Brasil.

O primeiro seminário será nos dias 3 e 4 de julho, em São Paulo. O segundo será em setembro, mas a data ainda será definida. No primeiro evento serão discutidos os temas “modelos possíveis de governança”, “padrões abertos”, “acesso ao conhecimento” e “gênero”. Para o segundo seminário espera-se debater “direitos e liberdade na Internet”, “infra-estrutura física, neutralidade de redes e custos de interconexão”, “infra-estrutura lógica” (nomes de domínio e números IP) e “privacidade”.

No primeiro dia de cada seminário haverá mesas de debates com a presença, inclusive, de convidados internacionais. No segundo dia serão realizados grupos de discussão para cada tema.

A organização do evento espera que os grupos possam construir coletivamente propostas ao IGF - Internet Governance Forum.

O IGF foi criado pelo secretário-geral da ONU a partir de deliberação dos países presentes à CMSI - Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. Participam do IGF governos, a iniciativa privada, o mundo acadêmico e a sociedade civil e pretende-se que este seja um espaço para o debate e a construção de políticas que respondam aos desafios da governança da Internet e também do cenário de convergência de mídias.

Mais informações sobre o evento com Graciela Selaimen. A programação do seminário de julho está no site do NUPEF.

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A mídia e a Presidência na era FHC

Mauro Porto
Publicado pelo site
Mídia e Política

O campo dos estudos brasileiros sobre comunicação política tem se consolidado nos últimos anos. O país já conta com grupos de trabalho e associações profissionais dedicados à área, bem como com uma vasta bibliografia sobre mídia e política. Todavia, entre os temas importantes que ainda não foram tratados com a atenção devida está a comunicação presidencial. Algumas questões surgem neste contexto. Quais estratégias os Presidentes da República adotam para se comunicar com o público? Quais estruturas de assessoria e de relacionamento com a imprensa são montadas no Palácio do Planalto? Quais canais os Presidentes utilizam para influenciar a cobertura jornalística? Em que medida o Presidente tem sucesso no controle da agenda pública? Existem vários estudos sobre mídia e política que abordam alguns destes temas, mas ainda não contamos com esforços de teorização ou com estudos empíricos sistemáticos que apresentem respostas a estas questões.

Neste artigo, apresento algumas observações preliminares sobre a estratégia de comunicação estabelecida nos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A discussão faz parte da pesquisa que estou desenvolvendo sobre o papel da televisão na política brasileira desde a redemocratização e que deverá resultar em um livro. A discussão que apresento a seguir está baseada em entrevistas que realizei em 2006 com jornalistas e políticos, includindo o Presidente Fernando Henrique Cardoso.[1]

Estratégias de comunicação presidencial
Ao assumir o poder, os chefes do Poder Executivo podem adotar diferentes modelos de comunicação. Para controlar a agenda da mídia e influenciar a agenda pública, os Presidentes e suas equipes podem adotar diferentes estratégias. O Presidente[2] deve decidir quais atores do campo jornalístico são importantes e quem da sua equipe ficará encarregado da relação com estes atores. A grosso modo, é importante distinguir pelo menos três tipos de atores no campo do jornalismo: proprietários, editores e repórteres. O Presidente pode buscar se relacionar diretamente com cada um destes atores. No mundo da política real, todavia, o tempo dos detentores do poder é escasso. Estas tarefas são freqüentemente delegadas a membros da equipe, especialmente ao assessor de imprensa e/ou porta-voz.

A estratégia de comunicação presidencial depende de vários fatores contextuais. Em países que contam com instituições jornalísticas mais profissionalizadas, em que as salas de redação têm maior autonomia em relação a outsiders, incluindo proprietários, a relação do Presidente com os jornalistas e editores é particularmente importante. Já em países ou períodos em que os níveis de profissionalização e autonomia jornalísticos são baixos, ou nos casos de proprietários com tradição de manipulação de suas empresas, contatos com os donos da mídia são particularmente importantes.

Na breve discussão que apresento a seguir aplico estas distinções à era FHC, enfatizando em particular a relação entre o Palácio do Planalto e a Rede Globo. O objetivo é elaborar algumas observações que possam apresentar subsídios para pesquisas futuras sobre a comunicação presidencial.

FHC e os jornalistas
Não é necessário aqui lembrar o papel absolutamente central do Plano Real na eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994. Também creio ser desnecessário enfatizar que os meios de comunicação estiveram entre os atores que apoiaram o plano de forma ativa. A posse de FHC ocorre em meio a um consenso generalizado na mídia e na sociedade em torno do novo plano econômico. Cardoso inicia o seu primeiro mandato desfrutando de níveis elevados de aprovação.

Neste pequeno ensaio trato de uma questão mais específica. Qual foi a estratégia de comunicação montada pelo Presidente Fernando Henrique? Mais especificamente, que tipo de relacionamento FHC e sua equipe de comunicação estabeleceram com a mídia em geral e com a TV Globo em particular? Quais dos três tipos de atores no campo do jornalismo (proprietários, editores e repórteres) foram privilegiados?

Comecemos com a relação entre o Palácio do Planalto e os repórteres. Apesar do clima de consenso que predominou no início do primeiro mandato, o Presidente e sua equipe partiram do pressuposto de que a esquerda em geral, e o PT em particular, exerciam uma influência significativa nas redações e de que a relação com repórteres não seria necessariamente fácil. Um dos aspectos mais importantes da comunicação presidencial na era FHC foi a decisão de indicar a jornalista Ana Tavares para ocupar a Assessoria de Imprensa da Presidência da República. Em seus oito anos no cargo, a jornalista montou o que muitos repórteres e editores definiram em suas entrevistas como a assessoria de imprensa mais profissional e eficaz já montada no Palácio do Planalto. Ana Tavares conhecia os jornalistas que cobriam o governo e era por eles conhecida, criando um importante clima de confiança pessoal. Muitos jornalistas descreveram em suas entrevistas que era “fácil” cobrir a Presidência, pois a assessora passava as informações necessárias e freqüentemente conseguia agendar entrevistas com o Presidente.

Portanto, a comunicação presidencial na era FHC foi caracterizada não só pela decisão de delegar a relação com jornalistas para a Assessora de Imprensa, como também pela criação das condições necessárias para o seu funcionamento. Em outras palavras, Ana Tavares teve um relativo êxito na coleta de informações solicitadas pela imprensa e no agendamento de entrevistas com o Presidente, o que facilitou o trabalho com repórteres e eliminou algumas resistências.

FHC e os editores
Todavia, de nada adianta ao Presidente cultivar boas relações com jornalistas se os editores vetarem ou alterarem as matérias que são produzidas por eles. Portanto, além de repórteres, a relação com editores e chefes de redação é vital para o êxito das estratégias de comunicação presidencial.

No caso específico da Rede Globo, o governo Fernando Henrique enfrentou uma transição importante na direção do departamento de jornalismo da emissora. Quando Fernando Henrique toma posse em 1995, a Central Globo de Jornalismo (CGJ) era comandada por Alberico de Sousa Cruz. Responsabilizado pela famosa edição do debate entre Lula e Collor no segundo turno da eleição de 1989, Alberico ocupou o cargo de Diretor Geral da CGJ entre 1990 e 1995. Neste período, Alberico estabeleceu relações pessoais e íntimas com políticos e Presidentes, incluindo Fernando Collor de Mello. Um dos aspectos que facilitou inicialmente a estratégia de comunicação de Fernando Henrique foi o fato de que ele também tinha boas relações pessoais com Alberico e que esta relação facilitou a influência do governo no jornalismo da Globo. Nas minhas entrevistas, tanto políticos como jornalistas afirmaram que a parcialidade e a amizade pessoal de Alberico com FHC foi uma das razões principais da sua demissão poucos meses depois. Alberico é substituído por Evandro Carlos de Andrade no posto de Diretor Geral da Central Globo de Jornalismo em julho de 1995. Em trabalhos anteriores, já analisei em detalhe a importância e as conseqüências desta mudança.[3] Para os objetivos deste texto, cabe ressaltar que a contratação de Evandro Carlos de Andrade teve por objetivo recuperar a credibilidade do jornalismo da Rede Globo através de uma maior profissionalização e de menos intervenções explícitas e parciais no campo da política. Neste sentido, a relação de Cardoso com os editores da Rede Globo ficou mais difícil, quando comparada com o fácil acesso do Presidente na gestão de Alberico.

Estas mudanças no corpo de editores da Rede Globo tiveram repercussões importantes para a comunicação presidencial. Em sua entrevista, Fernando Henrique afirmou que um dos filhos de Roberto Marinho comunicou a ele que a empresa ia mudar a direção do jornalismo. Segundo o Presidente, os proprietários da Globo afirmaram na ocasião que uma das conseqüêcias da mudança seria uma maior independência da emissora em relação ao governo.

Ao ressaltar estas mudanças, não estou pretendendo afirmar que Fernando Henrique teve dificuldades no seu relacionamento com os novos editores da Central Globo de Jornalismo ou que a emissora exerceu um jornalismo imparcial em relação ao governo. Em livro que será lançado em breve, demonstro que o jornalismo da Rede Globo continuou a privilegiar os enquadramentos do governo federal durante o segundo mandato de Fernando Henrique.[4] O meu objetivo aqui é apenas ressaltar um tema até agora negligenciado pelos estudos de comunicação política: o fato de que mudanças na linha editorial da principal empresa de comunicação do país afetam as estratégias de comunicação presidencial. Em particular, a maior profissionalização do jornalismo da Globo fez com que o favorecimento das perspectivas do governo se estabelecesse de forma mais sutil e indireta, quando comparado às manipulações mais explícitas do passado.

FHC e os donos da mídia
Finalmente, cabe ressaltar o terceiro ator do campo jornalístico que é essencial para as estratégias de comunicação dos Presidentes: os proprietários dos meios de comunicação. Sabendo da importância dos proprietários na formação da linha editorial de suas empresas, Fernando Henrique buscou cultivar uma relação direta e pessoal com eles. Em momentos de crise, o Presidente chegou a intensificar contatos com os donos da mídia com o objetivo de alterar a cobertura noticiosa. Por exemplo, no primeiro semestre de 1998 a reeleição de Fernando Henrique parecia ameaçada pelo caráter essencialmente negativo da agenda da mídia e pelo crescimento de Lula nas pesquisas. O Presidente entrou então em contato com vários proprietários de meios de comunicação alertando para o fato de que a continuidade deste tipo de cobertura poderia levar à eleição de Lula.[5]

Um dos fatos marcantes da era FHC foi o gradual afastamento de Roberto Marinho do comando da Rede Globo por motivos de saúde. Quando Fernando Henrique tomou posse em 1995, os três filhos de Marinho já haviam assumido o controle da empresa. As conseqüências desta mudança geracional não podem ser ignoradas. Marinho exercia um controle claro e às vezes direto da linha editorial da principal empresa de comunicação do país. Já os seus três filhos optaram por uma maior profissionalização da Central Globo de Jornalismo, dando mais autonomia para editores e jornalistas. Portanto, a importância do cultivo de relações diretas com os proprietários da Globo diminuiu na era FHC.

Não pretendo com isso afirmar que FHC teve dificuldades no relacionamento com os proprietários da Globo ou que os filhos de Roberto Marinho não exerceram influêcia no seu governo. Em sua entrevista, o Presidente relatou, por exemplo, ter consultado os novos proprietários das Organizações Globo quando se negociava nomes para a composição da equipe do Ministério das Comunicações. O meu objetivo é ressaltar um aspecto ainda não explorado pelos estudos brasileiros de comunicação política: o impacto do afastamento de Roberto Marinho para as estratégias de comunicação da Presidência da República.

Espero que este texto de naturera introdutória contribua para gerar novas questões e novas pesquisas sobre a relação entre o campo jornalístico e as estratégias de comunicação presidencial.

Notas
[1] A entrevista com Fernando Henrique Cardoso foi conduzida pelo autor em São Paulo no dia 18 de julho de 2006.

[2] Utilizo o substantive masculino, já que a Presidência tem sido historicamente monopolizada por homens no Brasil.

[3] Mauro Porto, “Novos apresentadores ou novo jornalismo? O Jornal Nacional antes e depois da saída de Cid Moreira”. Comunicação e Espaço Público, Vol. 4, n. 1-2, 2002, pp. 9-31; e Mauro Porto, “TV news and political change in Brazil: The impact of democratization on TV Globo's journalism.” Journalism, Vol. 8, n. 4, 2007, pp. 381-402.

[4] Mauro Porto, Televisão e Política no Brasil: A Rede Globo e as Interpretações da Audiência. Rio de Janeiro: E-Papers (no prelo).

[5] Em sua entrevista, Cardoso ressaltou que agenda da mídia no primeiro semestre de 1998 era realmente negativa e culpou a influência do PT nas redações por este tom da cobertura. Todavia, o Presidente negou que tenha estabelecido contatos freqüentes e diretos com proprietários dos meios de comunicação para alterar a cobertura noticiosa. O Presidente admitiu apenas ter conversado a respeito com Octavio Frias, proprietário da Folha de S. Paulo. Apesar do Presidente negar o fato, alguns jornalistas relataram em suas entrevistas que proprietários de empresas de comunicação foram procurados na época pelo Presidente.

* Mauro Porto é membro do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB e professor na Universidade de Tulane, Nova Orleans

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A escola no YouTube

Gabriel Perissé
Publicado pelo
Observatório da Imprensa em 26/6/2007

A presença irreversível do telefone celular na vida cotidiana causa transtornos nas escolas do mundo inteiro. O ministério da Educação italiano chegou a proibir recentemente que os alunos levassem suas infernais maquininhas para a aula, não só por causa das interrupções, mas também porque os usuários se divertem filmando tudo com as câmeras acopladas aos aparelhos.

No Brasil, estamos diante do mesmo fenômeno. Um exemplo entre muitos: a cena abaixo, de uma briga entre dois estudantes no pátio do colégio. A gravação durou 30 segundos, com direito a torcida: "Bate, japonês!". Está no ar há nove meses, e já foi exibida mais de 95 mil vezes. Recebeu dezenas de comentários, como essa preciosidade: "huahasuhsal.... o cara bate com os braço aberto... mto newbie ashuahsa."

Proibir é infrutífero. Quanto mais proibição mais desobediência. Os alunos tornaram-se cineastas com um celular na mão e algumas idéias na cabeça, prontos a registrar momentos engraçados, inofensivos ou constrangedores do ambiente escolar.

O flagrante acima é o de um aluno (vê-se pelo uniforme que freqüenta uma escola particular confessional) pulando nove degraus de uma só vez. São quase 3 minutos de correrias, empurrões, brincadeiras adolescentes no intervalo das aulas.

A diversão consiste em gravar situações curiosas ou bobas, e no mesmo dia inserir no YouTube, comunicando aos amigos que já está no ar a mais nova produção. Alguns simulam ser entrevistadores, outros imitam cantores, e há quem se especialize em colecionar momentos da atuação docente.

O professor está tentando explicar o que é o anarquismo, e se aborrece porque falta ordem dentro da sala: "É a última vez que eu falo! Pô! Caramba!" Mal sabe ele que um anarquista pós-moderno, dentro de algumas horas, levará as imagens da bronca para o maravilhoso mundo do acesso livre.

A solução é integrar o telefone celular e seus recursos à dinâmica do aprendizado. É inútil coibir, e contraproducente reclamar. Se, como educadores, não tirarmos a câmera do celular da clandestinidade, os alunos continuarão experimentando sozinhos as suas mil e uma possibilidades, paralelamente às atividades da escola.

Assim como as histórias em quadrinhos e a TV foram, ainda que lentamente, incorporadas à didática, também a internet, e o que ela possui de interativo, provocador, deverá fazer parte do trabalho escolar. O celular, como objeto e instrumento de estudo, entrando pela porta da frente da escola.

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Rádios comunitárias - O coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)

Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes
Publicado pelo
Observatório da Imprensa em 26/6/2007

As rádios comunitárias existem entre nós desde a década de 1980, muito antes de serem regularizadas em 1998. Mais recentemente elas têm ocupado com freqüência as páginas e o espaço da grande mídia. Delas se tem notícia por supostas interferências no nosso caótico tráfego aéreo ou quando a Polícia Federal e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) executam as constantes ordens de apreensão de equipamentos transmissores e a prisão de operadores de rádios não-legalizadas.

As rádios comunitárias legalmente autorizadas, exploradas por associações e fundações, deveriam ser um dos mais importantes instrumentos para a efetiva democratização da comunicação no Brasil. Nelas deveria ser exercido o direito à comunicação por aqueles que, em geral, não o têm – até porque, muitas vezes, o desconhecem. Infelizmente, não é o que acontece.

Primeiro, porque a lei que regularizou as rádios comunitárias é excludente. Ela mais dificulta do que facilita o exercício do direito à comunicação. E, segundo, porque o processo de outorga para funcionamento de uma rádio comunitária é um interminável e tortuoso caminho que poucos conseguem percorrer. Existem milhares de pedidos de outorga aguardando autorização para funcionamento no Ministério das Comunicações.

Prática corriqueira
A hipótese de que as rádios comunitárias se transformaram em instrumento de barganha política, configurando uma prática a que chamamos de "coronelismo eletrônico de novo tipo", foi a orientação básica para o desenvolvimento da presente pesquisa – uma realização do Instituto Para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), com apoio da Fundação Ford.

Clique aqui para ter o relatório final da pesquisa "Rádios comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)" [arquivo PDF; 1,72 MB]

Durante mais de 18 meses trabalhamos na construção de um banco de dados com informações sobre 2.205 rádios autorizadas a funcionar pelo Ministério das Comunicações (isto representa 80,44% das rádios que já haviam sido autorizadas até janeiro de 2007).

Em seguida, conseguimos realizar uma série de levantamentos com dados aos quais não se tem acesso público, dentre eles: estatísticas referentes ao número de processos autorizados pelo Ministério das Comunicações e aos processos encaminhados pela Presidência da República – Casa Civil/Secretaria de Relações Institucionais (SRI) ao Congresso Nacional; quadro estatístico com o número de outorgas concedidas individualmente pelos ministros que ocuparam o Ministério das Comunicações durante o período estudado; cálculo do tempo médio de tramitação dos processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI; cruzamento dos dados referentes aos tempos de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI com os dados do banco de dados "Pleitos" (programa de cadastro e apreciação dos pedidos de “acompanhamento de processo” encaminhados por políticos ao Ministério das Comunicações); e cruzamento dos nomes dos representantes legais e membros das diretorias das rádios comunitárias analisadas com as seguintes listagens:
(a) candidatos eleitos e derrotados nas eleições municipais de 2000 e 2004;
(b) candidatos eleitos e derrotados nas eleições estaduais e federais de 1998, 2002 e 2006;
(c) doadores de campanha nas eleições de 2000, 2002, 2004 e 2006;
(d) membros de partidos políticos;
(e) arquivos de publicações editadas nos municípios na qual operam as rádios comunitárias; e
(f) lista de cotistas, sócios, diretores e membros de diretorias de entidades de radiodifusão comercial, educativa e comunitária.

Os principais resultados obtidos confirmam a existência de um quadro alarmante no setor: a maioria das rádios comunitárias funciona no país de forma "irregular" porque não logrou ser devidamente autorizada; e, entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal.

Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos políticos em 1.106 – ou 50,2% delas. Embora exista uma variação considerável nesses vínculos entre os estados, o mesmo não acontece quando se comparam as regiões. Os cinco estados nos quais encontramos maior índice de vínculo político (Tocantins, Amazonas, Santa Catarina, Espírito Santo e Alagoas) representam o Norte, o Sul, o Sudeste e o Nordeste, quatro das cinco regiões brasileiras. Trata-se, portanto, de uma prática política nacional.

Descaminhos burocráticos
Identificamos, também, um número considerável de rádios comunitárias com vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total. O domínio desses vínculos é da religião católica, com 83 emissoras, ou 69,2%; 33 emissoras, ou 27,5%, eram ligadas a igrejas protestantes; 2 emissoras, ou 1,66%, a ambas as religiões; 1 à doutrina espírita e 1 ao umbandismo.

Ainda que significativo, o resultado obtido certamente subestima a verdadeira prevalência de vínculos religiosos. As únicas fontes possíveis de informação eram noticiários, páginas oficiais das igrejas, informações contidas nos próprios estatutos das entidades ou as denominações "pastor" e "padre" nos nomes utilizados nas urnas pelos candidatos nas eleições pesquisadas.

Finalmente, comprovamos a existência de duplicidade de outorga em 26 emissoras – ou 1,2% das associações ou fundações comunitárias. Duplicidade significa a existência de ao menos um integrante da diretoria da rádio comunitária pertencente à diretoria de uma outra concessionária de radiodifusão educativa, comercial ou comunitária – algo proibido por lei. Em termos proporcionais, destacaram-se os estados de Mato Grosso, com 4,6% de duplicidades; Minas Gerais, com 2,1%; Rio de Janeiro, com 1,9%; Goiás, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, com 1,8%.

O conjunto de resultados confirma a hipótese central da existência de um "coronelismo eletrônico de novo tipo" envolvendo as outorgas de rádios comunitárias.

Já no início do processo de obtenção da outorga no Ministério das Comunicações fica claro que a existência de um "padrinho político" é determinante não só para a aprovação do pedido como para a velocidade de sua tramitação.

Na etapa seguinte – o Palácio do Planalto – alguns processos foram acelerados enquanto outros foram retidos sem qualquer razão de ordem técnica que justificasse tal procedimento. Na prática, o resultado é a outorga de rádios comunitárias para algumas entidades e a não-concessão para outras.

Conseqüências perversas
Finalmente, os dados revelam que existe uma intensa utilização política das outorgas em dois níveis: no municipal, em que elas têm um valor no "varejo" da política, com uma importância bastante localizada; e no estadual-federal, no qual se atua no "atacado", por meio da construção de um ambiente formado por diversas rádios comunitárias controladas por forças políticas locais que devem o "favor" de sua legalização a um padrinho político.

Dos 1.106 casos detectados em que havia vínculo político, exatos 1.095 (99%) eram relativos a um ou mais políticos que atuam em nível municipal. Além disso, todos os outros 11 casos restantes são referentes a vínculos com algum político que atua em nível estadual ou candidatos derrotados a cargos de nível federal. Não houve nenhum caso detectado de vínculo direto entre emissoras comunitárias e ocupantes de cargos eletivos em nível federal.

Confirmou-se, portanto, que o histórico vínculo entre concessões de radiodifusão e políticos profissionais [ver "Representação do Projor à Procuradoria Geral da República"] continua existindo na radiodifusão comunitária. Mas, agora, de forma inédita: é a municipalização do vínculo entre emissoras de radiodifusão e políticos profissionais por intermédio do "coronelismo eletrônico de novo tipo".

Quando se discute a digitalização do rádio e que se torna mais clara a necessidade de modificações no atual marco regulatório da comunicação eletrônica de massa, os resultados desta pesquisa, além de confirmar a prática política de um "coronelismo eletrônico de novo tipo", fazem emergir um panorama sombrio com conseqüências perversas para a consolidação da democracia brasileira. Conhecer este cenário é condição indispensável para transformá-lo.

Clique para baixar a pesquisa: Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004) – As autorizações de emissoras como moeda de barganha política [arquivo PDF; 1,72 MB]

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Conseqüências não intencionais da filantropia internacional


Perry Gottesfeld*
Publicado pelo
RedeGife Online

Projetos internacionais de desenvolvimento financiados com recursos de fundações e do setor público têm, nos últimos anos, estado cada vez mais sujeitos a métricas e ferramentas de avaliação empíricas. Um novo rigor foi inserido nesse campo e tanto os grandes quanto os pequenos financiadores têm notado isso. No entanto, é notável a falta de um esforço sistemático de avaliar os impactos indiretos e não intencionais sobre a saúde humana e o meio ambiente, seja antes do início dos projetos, seja após a sua conclusão. Uma avaliação formal durante os estágios de planejamento de projetos de desenvolvimento pode identificar e ajudar a evitar esses resultados indesejáveis.

Talvez o exemplo mais conhecido de ajuda internacional que produziu conseqüências danosas não intencionais seja o esforço da Unicef na década de 70 para fornecer água limpa em Bangladesh perfurando poços profundos. Na época, nenhum esforço foi feito para testar se os aqüíferos continham contaminantes, como metais pesados. Foi apenas no início da década de 90 que um homem visitando sua família em Bangladesh se preocupou com a crescente freqüência de lesões na pele e outros problemas de saúde em sua cidade natal. Ele mandou testar a existência de metais pesados na água e descobriu altos níveis de arsênico.

As autoridades de Bangladesh e das áreas vizinhas da Índia estão se esforçando para desenvolver sistemas adequados de filtragem da água para remover arsênico de milhares de poços, mas milhões de pessoas continuam bebendo água com níveis inseguros. Mesmo hoje, algumas das mais respeitadas instituições ignoram os pontos negativos potenciais dos seus programas. A Gates Foundation, a Organização Mundial de Saúde e Unicef, por exemplo, estão fornecendo bilhões de vacinas anualmente em países em desenvolvimento. No entanto, o projeto depende de seringas descartáveis de plástico que são queimadas em pequenas fornalhas, liberando uma mistura de gases carcinogênicos e outros gases tóxicos. Apenas recentemente esses programas começaram a explorar alternativas para a coleta e o descarte desses produtos.

Sem cuidados apropriados, mesmo tecnologias aparentemente benéficas, como a energia solar, podem vir com um alto custo para a saúde e o meio ambiente. O Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), em parceria com a Fundação ONU e o Banco Mundial, vem implantando projetos de energia solar fotovoltaica de pequeno porte em vilas na Ásia e na África. Com o objetivo de reduzir a emissão global de carbono e fornecer energia sustentável a um custo razoável, o programa facilita empréstimo a juros baixos para compras de equipamentos de subsidiárias da Shell, BP e outras empresas. O problema? Todos esses sistemas dependem de baterias de chumbo para armazenamento.

Dependendo de tecnologia de baterias do século XIX, esses programas estão contribuindo para uma epidemia de envenenamento global por chumbo, porque estão deixando de planejar a coleta das baterias usadas de vilas remotas e seu transporte para usinas de reciclagem seguras para o ambiente. Como resultado, essa autoproclamada tecnologia sustentável contribuirá ainda mais para uma crise de saúde pública que já afeta três vezes mais pessoas do que o HIV/AIDS.

Prevenção através de projeto
As avaliações de impacto ambiental são feitas rotineiramente pelos governos para programas domésticos e por financiadores internacionais para grandes projetos de infra-estrutura, para identificar e eliminar danos ambientais antes que os projetos sejam iniciados, mas poucos programas públicos ou privados de ajuda avaliam as propostas dessa maneira. Por exemplo, instituições de microcrédito que fornecem pequenos empréstimos para microempreendedores não têm ferramentas para avaliar impactos ambientais e sociais (que podem ser significativos em atividades como agricultura com uso intensivo de defensivos, consertos de automóveis e mineração em pequena escala).

Além disso, esforços atuais para levar computadores e a Internet para países em desenvolvimento dependem de energia de baterias de automóveis feitas de chumbo, sem levar em conta como elas são produzidas ou recicladas. Muitos desses resultados danosos poderiam ser previstos e a maioria pode ser removida ou evitada. Entre as ferramentas potenciais para isso estão:
• avaliações de impacto ambiental;
• avaliações de impacto para a saúde;
• avaliações de impacto integrado;
• avaliações de ciclo de vida.

Enquanto as avaliações de impacto ambiental e para a saúde se concentram em resultados específicos, os modelos integrados consideram todos os fatores sociais, econômicos, ambientais, de saúde e outros fatores de qualidade de vida. A avaliação de ciclo de vida tem um objetivo mais estreito, examinando as matérias primas, o consumo de energia, a reutilização e o descarte de um dado produto. Esse exercício pode facilitar a seleção de computadores, carros, equipamentos de saúde e outros produtos mais vantajosos para o meio ambiente. Todos esses enfoques dependem do escrutínio multidisciplinar que requer que opiniões de especialistas sejam integradas ao envolvimento das partes interessadas e da comunidade.

Certamente, o Banco Mundial e outras instituições têm usado avaliações de impacto ambiental no estágio de definição de projetos de infra-estrutura, levando em conta os aspectos de ar, água, terra, saúde humana, segurança e até mesmo sociais. No entanto, o Banco delega a responsabilidade de preparar as avaliações de impacto ambiental aos emprestadores governamentais, em vez de a uma entidade neutra, e fornece supervisão e revisão apenas depois da conclusão do relatório de impacto ambiental. Geralmente, os candidatos do banco têm maior interesse em ver os empréstimos aprovados e os projetos construídos do que em lidar com preocupações que podem atrasar ou cancelar os esforços.

Embora poucas fundações tenham um processo de investigação de rotina para avaliar especificamente os resultados ambientais, sociais e para a saúde, a avaliação de impacto ambiental pode ser facilmente adaptada e feita por consultores independentes ou por uma equipe trabalhando diretamente em nome do doador. Eles podem ser usados para projetar estratégias para reduzir alguns ou todos os resultados negativos potenciais e podem ser personalizados para o tamanho, o escopo e a natureza de uma proposta de desenvolvimento.

Instituições financeiras também desenvolveram padrões gerais para avaliar decisões de investimentos com base em critérios sociais e ambientais. Os Princípios do Equador fornecem algumas orientações mínimas para o investimento privado, e a International Finance Corporation desenvolveu recomendações mais abrangentes e específicas para meio ambiente, saúde e segurança que incluem objetivos de desempenho. Embora esses programas não sejam diretamente aplicáveis à maioria dos doadores, eles fornecem modelos úteis para o desenvolvimento de ferramentas de avaliação de impacto.

Os doadores podem também influenciar positivamente a qualidade do meio ambiente com programas de compras verdes e outras compensações. Alguns governos começaram a basear as decisões de compra em critérios ambientais, como conteúdo de materiais reciclados, eficiência energética e menor uso de ingredientes químicos perigosos. Critérios simples podem incluir a verificação do consumo de combustível e das emissões de gases das frotas de veículos. Um exemplo de uma compensação seria preservar florestas localizadas apropriadamente para compensar as emissões de carbono de um dado projeto.

Outro enfoque para a redução do impacto é exigir que todas as compras na cadeia de suprimentos de um projeto obtenham certificação ambiental e/ou social através de um padrão existente, como o SA 8000 ou o critério do Forest Stewardship Council (FSC) para produtos de madeira, onde estiverem disponíveis. Essas medidas incluem supervisão independente e garante a conformidade mínima com um código básico de práticas.

Um juramento de Hipócrates para a filantropia
Nenhum filantropo distribui intencionalmente materiais perigosos nem espera que seu trabalho tenha um efeito negativo para a saúde e o meio ambiente, embora, sem um planejamento e um escrutínio cuidadosos, isso possa ocorrer até mesmo em projetos de desenvolvimento aparentemente inócuos.

A filantropia pode desempenhar um papel de liderança na reversão das tendências que estão criando um ambiente insalubre em todo o mundo desenvolvido. Todas as agências de financiamento podem começar se comprometendo, como o juramento de Hipócrates obriga os médicos, a "não causar danos" e tomar algumas medidas concretas para integrar a proteção à saúde, as preocupações comunitárias e o meio ambiente em projetos de desenvolvimento.

Existe um reconhecimento crescente da necessidade desse tipo de enfoque de prevenção no design. Meio ambiente, saúde e preocupação social não podem ser comprometidos por esforços filantrópicos mal planejados.

Comentário de Rayna Gavrilova**
Muitas vezes discuti a necessidade das agências de assistência prestarem atenção especial ao desenvolvimento posterior das iniciativas que apóiam, fazendo a analogia de que nenhum investidor em sã consciência investiria seu dinheiro e se esqueceria dele no momento em que foi gasto. O artigo de Perry Gottesfeld me atinge como outro exemplo de como algo que é óbvio, do senso comum, e que as pessoas praticam constantemente em suas vidas diárias, pode ser desconsiderado por doadores com as mais nobres das intenções.

Nenhuma família compraria uma lavadora de louças sem avaliar como a sua presença afetaria o uso de espaço e a conta de eletricidade. Infelizmente, temos visto, ao longo do tempo, muitos casos de boas idéias resultando em conseqüências não intencionais, talvez não tão devastadoras, como o fornecimento de poços envenenados por arsênico, mas, mesmo assim, os danos para a percepção pública e para o capital social podem ser extremamente difíceis de neutralizar.

Infelizmente, essa prática não se limita aos doadores, ela também afeta as legislações e obras públicas gigantescas. A exigência de avaliações de impacto ambiental tem disciplinado muitas instituições públicas, mas o conceito de avaliação de impacto integrado parece ser a ordem do dia para as doações responsáveis. A comunidade de doadores/entidades sem fins lucrativos deve assumir uma posição de liderança nesta responsabilidade auto-imposta. "Fazer o bem" é o primeiro mandamento do livro das instituições de caridade e das organizações internacionais de ajuda. O segundo deve ser "Não causar danos". A avaliação racional de conseqüências previstas não deve ser tão difícil.

*Perry Gottesfeld é Diretor Executivo da Occupational Knowledge International, São Francisco.

**Rayna Gavrilova é diretora executiva da organização The Trust for Civil Society in Central and Eastern Europe.

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Portal reúne educadores inovadores


Rodrigo Zavala
Publicado pelo
RedeGife Online

A Fundação Victor Civita e a Microsoft lançaram recentemente um ambiente colaborativo voltado à melhoria do ensino em sala de aula. Trata-se do Ponto de Encontro – Educadores em Rede, um portal que une a expertise das duas organizações: a aplicação de soluções tecnológicas educativas da Microsoft e a do conhecimento para-didático desenvolvido e publicado pela fundação (há duas décadas).

De acordo com a vice-presidente da fundação, Claudia Costin, o funcionamento do portal é simples. Professores de todos os níveis de ensino podem se cadastrar no site e participar de comunidades de interesse, diferenciadas em três grandes eixos: práticas escolares, com idéias sobre como melhorar a prática em sala de aula; pesquisa, com uma série de informações acadêmicas; e gestão, onde serão discutidas formas de enfrentamento de questões comuns do dia-a-dia escolar.

“As crianças não aprendem mais por ter um computador em sala de aula. Por isso, precisamos focar no educador. No Ponto de Encontro, ele poderá conhecer experiências vivenciadas por outros profissionais e soluções que podem ser replicadas”, explicou, durante o lançamento. Ela lembrou aos convidados que os internautas poderão postar suas idéias em comunidades monitoradas por pedagogos, contratados para animar os debates virtuais.

A vice-presidente mundial da Microsoft para o Setor Público, Gerri Elliott, acredita que a iniciativa é bem-vinda por se tratar de um espaço colaborativo. “Acreditamos no potencial da tecnologia, mas sabemos que ela é apenas uma ferramenta. Por meio do portal, será possível a professores inovadores, com idéias criativas, compartilhar seus conhecimentos em um trabalho conjunto para impulsionar a aprendizagem”.

O portal foi lançado com mais de 30 mil professores cadastrados, provenientes do contato entre eles e outros programas educativos da Microsoft. No entanto, a expectativa é alcançar um número muito maior, no decorrer do segundo semestre. Segundo dados da fundação, o site da Nova Escola - cuja revista impressa é a segunda de maior tiragem do país, com 750 mil exemplares por mês – recebe mais de 570 mil visitantes únicos mensalmente. Como o Ponto de Encontro está hospedado no Nova Escola, seus organizadores acreditam que exista um natural interesse para participar.

Para se cadastrar, acesse: http://www.novaescola.com.br/.

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Debate evidencia novas responsabilidades de fundações

Rodrigo Zavala
Publicado pelo
RedeGife Online

Os institutos e fundações de origem privada começaram a enfrentar novos desafios nos últimos anos, principalmente no que se refere à inter-relação entre Investimento Social Privado (ISP) e Responsabilidade Social Empresarial (RSE). Considerados a “inteligência social das empresas”, eles passaram a incorporar novas responsabilidades trazidas por suas mantenedoras, que vêem neles a possibilidade efetivar uma gestão corporativa sustentável, tal como serem facilitadores de diálogos entre o setor privado e a sociedade.

Essas novas vocações foram abordadas durante encontro que reuniu, em São Paulo, representantes dos principais institutos e fundações empresariais que atuam no Brasil. Promovido pela Aliança Capoava – organização composta pela Fundação Avina, Ashoka Empreendedores Sociais, Instituto Ethos e o GIFE –, o evento analisou esses recentes papéis, buscando formas para que possam ser assumidos.

Divididos em seis grupos de trabalho, os 48 convidados foram estimulados a listar as demandas emergentes nos institutos e fundações que representam. Entre as principais conclusões foram apresentadas:
- Ser consultor interno para as mais diversas áreas da empresa, promovendo uma coerência entre discurso e prática;
- facilitador de diálogos entre as empresas e a sociedade civil, conscientizando-a sobre temas como RES, ISP e sustentabilidade;
- mobilização de recursos, otimizando-os a partir de parcerias intersetoriais com foco no desenvolvimento local;
- estimular a definição de papéis do Estado, sociedade civil e setor privado;
- tornar-se indutor/tradutor/mediador das demandas sociais;
- e ser responsável pela melhoria no processo de gestão do investimento social.

Embora a lista concentre idéias genéricos, ela pode ser entendida por meio da relação histórica entre ISP e RSE no país. Segundo o secretário geral do GIFE, Fernando Rossetti, o boom do terceiro setor na década de 90 mobilizou empresas na criação de seus institutos e fundações no investimento maciço ao fomento de projetos comunitários.

No entanto, a hipercompetitividade global - que exige padrões de governança e sustentabilidade cada vez maiores dos negócios -, somada à profissionalização do terceiro setor, vem impondo novos desafios a essas instituições. “A busca por modelos de gestão coorporativas mais sustentáveis mostrou que responsabilidade social empresarial é muito maior do que um trabalho comunitário. Ao perceberem isso, as empresas acabaram pedindo ajuda às suas fundações e institutos, que antes respondiam apenas pelo investimento social”, explica o secretário.

As considerações de Rossetti levam à pauta do encontro da Aliança Capoava: em busca de práticas corporativas mais responsáveis, as empresas se aproximam cada vez mais de seus institutos, que, por sua vez, passam a agregar atribuições muito além do viés comunitário.

Para os participantes, essa tendência levou a um questionamento: se as fundações são consideradas recursos privados para fins públicos, o direcionamento de suas ações para o estímulo da responsabilidade social da empresa não inverteria essa premissa?

”Essas novas responsabilidades começam a ser discutidas de forma mais sistemática no mundo inteiro. Existe uma zona cinzenta em que não está claro o que é fim público ou privado. Por exemplo, uma empresa de cosméticos, cuja prática social é investir em áreas de extração sustentável de produtos naturais com foco no desenvolvimento local. Ela está, ao mesmo tempo, trabalhando o interesse público e o privado”, argumenta Rossetti.

Para o diretor executivo do Instituto Ethos, Paulo Itacarambi, a característica principal do RSE está no interesse de estabelecer padrões éticos de relacionamento com funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, acionistas, poder público e com o meio ambiente. “As fundações podem facilitar o diálogo com esses stakeholders, que levariam a uma mudança social da empresa, voltada a uma gestão sustentável. E isso é de interesse de todos”, argumentou durante o encontro.

De acordo com o representante para a região Sudeste da Fundação Avina, Marcus Fuchs, uma questão para se refletir é como o social entra no dia-a-dia da empresa. “Ele não pode ficar fechado nas fundações. Existe uma necessidade real de troca. Mas o tema é polêmico, já que muitos gestores sociais acreditam que os institutos devem focar esforços no investimento e avaliação de programas próprios e em projetos de ONGs”, pontuou.

A dissociação, no entanto, é apenas aparente, segundo a diretora-superintendente da Fundação Vale do Rio Doce, Olinta Cardoso. “O social é inerente ao negócio. Quando uma empresa discute suas ações em médio ou longo prazo, a questão socioambiental já está incluída nesse planejamento”, argumentou.

Nas discussões com os grupos de trabalho ela considerou como exemplo uma empresa que se instala em determinada localidade, distante dos grandes centros urbanos. “Ao chegar lá, a tal empresa percebe que a população não tem a escolaridade necessária para trabalhar no empreendimento. É nesse momento em que sua fundação, a partir de políticas de desenvolvimento local, torna-se parte integrante do negócio", resumiu a diretora-superintendente.

Ao fazer coro a Olinta, a diretora da Fundação Nestlé Brasil, Silvia Zanotti, argumentou, contudo, que para entender a lógica de alinhamento entre o negócio e a ação social se faz necessário um profissional que consiga conjugar as ações de dois mundos. “A formação para esses gestores sociais deve englobar tanto os conhecimentos corporativos, quanto a experiência social.Mas o que se vê hoje nos organogramas é apenas um dos casos."

Para Fernando Rossetti, o encontro promovido pela Aliança Capoava é um primeiro passo na busca de soluções e entendimentos. “Os problemas discutidos nesse evento mostram que o Brasil está alinhado aos debates internacionais sobre o tema, já que se trata de uma preocupação internacional. Não há bibliografia, pesquisas ou estudos consistentes para se apoiar. A solução será baseada em diálogos sistemáticos como o realizado no encontro”, acredita.

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