sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Seguradoras apostam em apólices para baixa renda

Altamiro Silva Júnior
Publicado pelo
Valor Online em 14/09/07

O novo titular da Superintendência de Seguros Privados, Armando Vergilio: "Não é possível fazer o mercado crescer sem aumentar a base de consumidores"
Foto Silvia Costanti / Valor

Depois do microcrédito, das microtransferências e das microfinanças, a palavra da moda agora é o microsseguro. Ao contrário das apólices tradicionais, estas novas são voltadas especificamente para a baixa renda e devem ajudar o setor a dobrar de tamanho no país nos próximos quatro anos. Armando Vergilio, o novo comandante da Superintendência de Seguros Privados (Susep) tem como meta aumentar a participação do setor de seguros em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) dos atuais 3% para 6% até 2011. Para isso, o microsseguro está entre as três prioridades do novo presidente, que inclui ainda a regulamentação do mercado de resseguro e a implementação das novas regras de solvência dentro do modelo de supervisão baseada em risco.

O microsseguro tem um mercado potencial de 100 milhões de pessoas no país, que estão na base da pirâmide de renda. São pessoas das classes C, D e E que possuem renda total de US$ 170 bilhões. Os principais produtos seriam o seguro patrimonial (roubo, propriedades rurais, incêndios), de pessoas (incluindo apólices que protegem contra inadimplência em empréstimos e prestações, além de gastos com educação e até funerais). "É um forma de trazer novos consumidores para o setor", afirma Vergilio. "Não é possível fazer o mercado crescer sem aumentar a base de consumidores", conclui.

Segundo Antonio Cassio dos Santos, presidente da Mapfre e da FenaPrevi (a federação das empresas de previdência), para distribuir as microapólices, serão precisos novos canais, diferentes dos tradicionais existentes hoje para as rendas mais altas. Cooperativas e redes varejistas (de material de construção, roupas e eletrodomésticos) são os locais ideais. Além disso, ele prevê o aparecimento de microcorretores de seguros.

Segundo estimativas do setor, 93,2% das pessoas dessas faixas de renda na América Latina não têm apólice de seguro. O novo tipo de seguro também tem apoio em Brasília. "O governo tem todo o interesse no desenvolvimento do microsseguro", afirma o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Vergilio, da Susep, prometeu ser ágil para regulamentar o novo tipo de produto.

Ainda dentro do microsseguro, o Brasil foi convidado pela IAIS (a entidade que reúne 180 reguladores mundiais do setor de seguros) para presidir a comissão que vai discutir as perspectivas mundiais para este novo tipo de apólice. Esta comissão tem representantes dos Estados Unidos, Alemanha e França. Em 2009, a reunião mundial da IAIS será no Brasil. Recentemente, técnicos da Susep foram para a Índia estudar o mercado de microsseguros lá, que está em estágio maior de desenvolvimento.

Vergilio promete colocar no início de outubro as novas regras para o mercado de resseguros em audiência pública. A lei final deve ficar pronta no início de dezembro, para vigorar a partir de janeiro. Segundo ele, 80 novas empresas ligadas ao resseguro devem começar a operar no país. Comenta-se que 15 resseguradoras só aguardam as novas regras para operar aqui.

O novo superintendente da Susep se diz preocupado com as novas funções da autarquia, que a partir de janeiro terá que fiscalizar e supervisionar também o mercado ressegurador, antes função do IRB Brasil Re, estatal que tinha o monopólio do mercado. Segundo ele, será preciso reforçar o quadro de funcionários da autarquia.

Já para as regras de solvência, que vão exigir maior capital das empresas na medida em que assumem maior risco, Vergilio mantém a data de 1 de janeiro para o início da vigência, mas admite mudar o prazo final para adequação, que seriam três anos e até os percentuais. Algumas seguradoras argumentam que vão precisar de muitos recursos para se adequarem em um prazo muito pequeno.

"Vamos nos reunir e se elas conseguirem nos convencer, vamos mudar", afirma. Na Susep, Vergilio prometeu atuação "firme, imparcial e equilibrada". Ele fez ontem seu primeiro pronunciamento público à frente da Susep no IV Conseguro (congresso de seguros, resseguros, capitalização e previdencia.

O jornalista viajou a convite do IV Conseguro

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Paullyniwood

Daniela Chiaretti
Publicado pelo
Valor Online em 14/09/07

A secretária de Cultura, Tatiana Quintella, montou um cuidadoso plano para atrair empresas e incentivar os produtores a rodar os filmes na cidade
Fotos Anna Carolina Negri


É coisa de desenho animado. Quem entra em Paulínia, uma das cidades mais ricas de São Paulo, dá de cara com um pórtico de torres medievais habitadas por armaduras. Passado o susto, encontra uma avenida limpa e de mato aparado e, mais à frente, um coreto que parece ornado com rendas em uma pracinha florida. Pode facilmente esbarrar com funcionários de macacão laranja caiando o meio-fio do canteiro central da rua que leva ao centro da cidadela. Lembra a cena das cartas de copas de "Alice no País das Maravilhas" pintando rosas brancas de carmim com medo de ser decapitadas pela rainha - a diferença é que este trio está cantarolando e a rainha, aqui, não é tirana. Trata-se da Replan, a maior refinaria da Petrobras, que faz de Paulínia uma cidade onde o PIB per capita é de R$ 170 mil, comparado aos R$ 15 mil da capital. Só que a dependência siamesa torna o município refém da matriz energética, do preço do petróleo, do aquecimento global, dos rumos da companhia. É por isso que o prefeito Edson Moura, do PMDB, diz estar decidido a encontrar mais uma cesta para colocar os ovos. Ele aposta no cinema.

O que está em curso são investimentos de R$ 450 milhões para tornar Paulínia, a 118 quilômetros da capital e a 15 minutos de Campinas, uma cidade cinematográfica. Dessa soma, mais de R$ 100 milhões são da prefeitura e já estão sendo aplicados e outros R$ 440 milhões devem chegar de uma parceria público-privada, com edital saindo do forno. Por mais bizarra que a idéia pareça para quem jamais ouviu falar de Paulínia, uma construção imponente, alta e branca, em acelerado ritmo de finalização, sugere que algo ali está realmente acontecendo. Há certa ambigüidade arquitetônica no mix de traços contemporâneos e as seis colunas gregas na fachada do Theatro Municipal de Paulínia - assim mesmo, com H -, que será inaugurado no ano que vem.

O prefeito Edson Moura é o nome por trás das grandes obras e quer abrir outro caminho para a cidade: "O petróleo é uma fonte finita"

A obra surpreendente é assinada por Ismael Solé, da Solé & Associados, empresa por trás dos projetos de construção e restauro dos teatros mais importantes do país, que coordenou a metamorfose da Estação Júlio Prestes na Sala São Paulo. O teatro de Paulínia será aberto para sediar o primeiro festival de cinema da cidade. "A referência que o prefeito me trouxe foi do teatro Kodak, de Los Angeles", conta Solé.

Todo em cedro rosa, o Theatro de Paulínia tem mesmo cara de festa de Oscar: os detalhes da acústica estão sendo meticulosamente cuidados, o pórtico grego atua como logotipo gigante e faz contraponto às formas contemporâneas, os equipamentos são de última geração e muitos vêm de fora. São 11 mil metros quadrados e 1.250 lugares, 400 metros quadrados de palco, estacionamento para 500 carros. "É um projeto instigante que dará maturidade cultural àquela comunidade, além de opção de emprego e renda", diz o arquiteto. E em 16 meses, quando terminar o mandato do prefeito? "Depende do modelo de gestão que se fizer lá. Se for um sistema público-privado, não se interrompe mais."

O Theatro de Paulínia sugere romper o fluxo tradicional em que os jovens da cidade se deslocam para Campinas em busca de lazer. Paulínia é fofa, mas a primeira danceteria acaba de ser aberta e a vida noturna é siberiana. Não tem nem um restaurante japonês para acalmar paladares estrelados. O maior hotel da cidade, o Íbis, com cem apartamentos, está permanentemente lotado só com a demanda dos executivos do pólo petroquímico. A idéia é que num futuro muito próximo a matriz venha à colônia e a gente de Campinas se desloque para Paulínia.

Se depender de boas intenções, não faltarão oportunidades. O teatro poderá exibir a estréia nacional do próximo filme de Fernando Meirelles, "Blindness", uma adaptação de "Ensaio sobre a Cegueira", do português José Saramago, com Julianne Moore e Gael García Bernal no elenco. "Vou brigar com os produtores para que a estréia brasileira aconteça no teatro de Paulínia", promete Meirelles. Mas, afinal, o que é que esta cidadezinha de 65 mil habitantes tem?

Antes de tudo, bastante dinheiro. A quantidade de concessionárias de carros, lojas de material de construção e lava-rápido que se vêem pela cidade indicam que por ali o dinheiro circula e Paulínia cresce. A arrecadação municipal bate em R$ 550 milhões ao ano - o repasse estadual do ICMS representa 80% dessa soma, 90% desembolsados pela Refinaria do Planalto, a Replan. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Paulínia, o termômetro social das Nações Unidas, era 0,847 em 2000, o que projetou a cidade para o 13º lugar no ranking entre os 644 municípios do Estado, e em 42º considerando-se todas as cidades brasileiras. Entre 1991 e 2000, Paulínia melhorou seus indicadores de saúde, educação e renda. Não é pouco para um lugar que até 1964 era só mais um bairro de Campinas.

O prefeito enumera os louros paulinienses: o hospital municipal oferece até tomografia e ressonância e evidentemente é procurado por moradores de Campinas, Hortolândia, Sumaré, Cosmópolis - o que o tornou saturado e exigirá ampliação e reforma de R$ 37 milhões. No centro oftalmológico e odontológico, os pacientes aguardam a vez sentados, sem filas. Os universitários de Paulínia que estudam em outra cidade têm transporte gratuito até a faculdade e fizeram gratuitamente o cursinho pré-vestibular, no sistema Anglo, oferecido pelo município. São cinco mil os servidores públicos na cidade e é fácil entender a razão: o menor salário, de servente, é de R$ 2.300 por seis horas de trabalho. No ano passado, o salário-base das professoras da rede foi reajustado em 79%.

Com tudo aparentemente bem encaminhado, chegou a vez da cultura. O prefeito, baiano de origem, está no terceiro mandato - eleito com mais de 70% dos votos - e chegou à cidade para trabalhar na instalação da refinaria. Paulínia tinha cinco mil habitantes. A Replan foi aberta em 1972 e funcionou como um ímã para o setor - estão lá, uma atrás da outra, a Texaco, a Rhodia, a Liquigás, a Syngenta, a Ultragás e outros nomes vigorosos. Dois raminhos de algodão gravados no brasão da cidade parecem ser o que restou do antigo cultivo da época pré-Replan. Plantações de café, arroz e cana agora são tímidas.

Com o vigor da receita industrial e confesso pendor para grandes obras ("Sou o maior empreiteiro de calçadas do país"), Moura já ergueu pontes, construiu um sambódromo e concha acústica, instalou semáforos que falam, treinou os chefes da guarda metropolitana "na Swat". Até o muro do cemitério central foi reformado. A nova prefeitura, bem em frente do teatro, é uma megaconstrução de vidros azuis, 17 mil quadrados e R$ 53 milhões de investimento, que recebe os visitantes com cascata na fachada e passagem subterrânea para as celebridades que quiserem entrar ou sair do teatro fugindo da muvuca.

É verdade que algumas idéias de Moura se foram com o vento. "Eu tinha o projeto de fazer um parque temático na cidade", conta o prefeito, lembrando o fim do segundo mandato, quando quis trazer o Hopi Hari para Paulínia. Mas seu sucessor não quis saber da coisa e o parque de diversões foi para Campinas. A idéia de dar outra vocação à cidade persistiu. "O petróleo é uma fonte finita, começa-se a migrar para as energias renováveis", preocupa-se Moura. "Tínhamos que investir rápido na área de entretenimento e turismo. Aí veio a idéia da cidade cinematográfica." Bingo. Como um efeito colateral do aquecimento global, Paulínia pode virar uma espécie de Paullyniwood.

A primeira providência foi nomear como secretária de Cultura a administradora Tatiana Stefani Quintella. Ela trabalhou na Warner Bros. e na Columbia Tristar/Sony Pictures, é apaixonada por cinema, muito bem relacionada e se entusiasmou com a idéia de tocar o projeto de Paulínia. Tatiana abriu logo várias frentes e contratou o crítico de cinema Rubens Ewald Filho como consultor. Seria algo nos moldes do Festival de Gramado ou uma reencarnação dos célebres estúdios da Vera Cruz? "Este projeto não tem nada a ver com a Vera Cruz, que era um estúdio à moda antiga de Hollywood", esclarece Ewald. O festival é só uma das peças desse ambicioso tabuleiro. "Nunca houve nada no Brasil como Paulínia, um pólo com dinheiro para produzir e, ao mesmo tempo, dando condições para que filmes sejam rodados na cidade."

Tatiana assumiu a pasta da Cultura em abril de 2006 e dois meses depois nascia o "Paulínia - Magia do Cinema" com um layout impressionante que engloba museu, escola, quatro estúdios, leis de incentivo, escritórios para produtoras, mostra e festival de cinema anuais, visa a atrair empresas de equipamentos, serviços e turismo e, principalmente, conquistar produções para que rodem na cidade. A inspiração vem de Alicante, na Espanha, onde investiram quase US$ 400 milhões em uma empreitada parecida.

Algumas das peças mágicas de Paulínia já estão prontas e funcionando. É o caso da Film Commission, uma estrutura que pretende seguir os passos das maiores do mundo, em que o produtor de um filme ou de um comercial de TV se senta em uma cadeira de diretor e vai pesquisando o que a cidade tem: quem fornece o melhor pastel, onde tem uma cachoeira, uma ruína de fazenda, uma atmosfera mais urbana, um jatinho, um gato chinês. O banco de dados da Film Commission já tem 600 nomes de fornecedores e possíveis figurantes. "Veio gente inscrever até o cachorro", brinca Tatiana.

Todas as salas, dos arquivos às reservadas aos atores, têm placas em português, inglês e espanhol, revelando as intenções do projeto. Na recepção, um filme informa que a indústria cinematográfica é um setor com faturamento global de US$ 119 bilhões e que deve crescer 7% ao ano entre 2005 e 2009. No Brasil foram R$ 77,5 milhões de receitas em 2005, com 51 novas produções. "A maioria dos filmes americanos é feita hoje no Canadá e na Austrália", diz Tatiana. "Aonde vai a produção, vai muito dinheiro e muita gente junto."

Um troféu dourado, em pedestal negro, brilha num canto. É a Menina de Ouro, o Oscar de Paulínia desenhado pelo escultor costa-riquenho José Bernardo Salazar - o pedestal negro remete ao petróleo, o dourado à riqueza da cidade e a jovem forma feminina à própria Paulínia. Fotos dos atores Ney Latorraca, Lima Duarte e José de Abreu e dos diretores Fernando Meirelles e Bruno Barreto mostram cenas em que eles recebem a estatueta ou moldam as mãos em cimento. Sim, Paulínia terá sua calçada da fama. As placas ficarão ao lado do teatro e do Museu da Imaginação, um centro interativo e lúdico, com a história da televisão e do cinema brasileiros, que está sendo criado por Marcello Dantas. É dele o mais visitado museu de São Paulo, o da Língua Portuguesa, na Estação da Luz. O museu de Paulínia ocupará o espaço térreo da antiga prefeitura. Acima dele, 13 salas serão alugadas como escritórios às produtoras.

À porta da Film Commission, um tapete vermelho e um charmoso trailer branco conferem glamour cinematográfico ao espaço, uma área de 147,5 mil metros quadrados onde há também um shopping, a escola e, espera-se, logo surgirão o museu e os estúdios. A área total destinada ao entretenimento inclui a nova prefeitura, o teatro, o sambódromo. Ali, acredita o prefeito, logo se construirão também hotéis.

No ano passado, Paulínia sediou a filmagem de "Topografia de um Desnudo", de Teresa Aguiar, que relata uma história cruel do Rio dos anos 1960. "Rodaram nas ruínas de uma fazenda de café, a Santa Terezinha, e não tinha banheiro para os atores", lembra-se Tatiana. Foi aí que a prefeitura encomendou o trailer e um motorhome.

A poucos metros da Film Commission está a Escola Magia do Cinema, já funcionando com aulas ministradas por professores do Senac e da Fundação Getúlio Vargas. São cursos diversos e gratuitos (só a matrícula, R$ 50, é cobrada), de assistente de diretor e cenografia a figurino e maquiagem, iluminação e operador de câmera, roteiro e, evidentemente, o curso mais disputado, de ator. Abriu as portas e o que se viu foi uma corrida do ouro: 1.740 inscrições para 440 vagas. As salas são bem fornidas de computadores e retroprojetores, espelhos e perucas. Do lado de fora, um painel fotovoltaico de ? 30 mil foi doado por uma empresa italiana e indica que 60% do consumo energético da escola virá do Sol.

Nos corredores, painéis estampando Marylin Monroe, James Dean, Carmen Miranda e Oscarito buscam dar inspiração aos novos talentos. "Eu me inscrevi, mas desta vez não fui aceito. Vou tentar de novo", diz Valdir Aparecido da Silva, 22 anos, atendente do Íbis. Valdir nasceu em Campinas, estuda teatro em Paulínia e vai para Campinas quando quer encontrar os amigos num boteco. "Não vejo a hora de o teatro inaugurar para estrear nossa peça", afirma. "Este pólo vai ser muito bom", festeja, ao lado do recepcionista do mesmo hotel, que não ouviu falar ainda dessa história de cinema em Paulínia.

Deve ter passado ao largo das duas edições da mostra de cinema, a primeira em 2006, que durou 26 dias, exibiu mais de 60 filmes no centro de eventos e registrou 56 mil espectadores. A deste ano - o ingresso era um saquinho de pipoca -, foi vista por 58 mil pessoas. Compareceram Reynaldo Gianecchini e Taís Araújo, Lázaro Ramos e Deborah Secco, além dos pais de Luciano e Zezé di Camargo. "A mostra é voltada para a população sem recursos, para criar uma cultura de cinema na cidade", explica Tatiana.

Embora seja uma das coroas da região batizada de Califórnia Brasileira, Paulínia tem, naturalmente, "população sem recursos". Muitos vêm de fora. Nas ruínas da Fazenda Santa Terezinha, as casinhas estão todas ocupadas. A atmosfera é de ambiente rural, com cabras andando por ali, a poucos quilômetros das grandes rodovias que levam à capital e ao aeroporto de Viracopos. A pernambucana Isabel Maria da Silva, 70 anos em novembro, 20 filhos ("Criou-se dez", diz), 35 netos e 8 bisnetos, vive por lá há poucos meses. "Faz seis anos que meu marido faleceu. Ele teve problema de próstata e aqui tinha todo benefício da gente de Paulínia. Todo tipo de medicina, até dentista", conta Isabel, ladeada pelos netos Fabio e Fabiano, que ela cria desde que a filha morreu "de dieta".

Isabel espera a chuva, "porque as sementes de abóbora estão lá dentro" e aponta para a casinha do terreno da prefeitura. "Sei que fiz coisa errada quando a gente invadiu e agora estamos na mão daquele Pai Celestial. Mas é que quando a gente fica com necessidade tem que ir para um pau que tenha sombra." A sombra de Paulínia parece ser das mais generosas. Os 65 mil habitantes da cidade contam com 21 ambulâncias; Campinas, com perto de um milhão de habitantes, tem 14.

Um estudo encomendado pela Secretaria de Cultura de Paulínia à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, a Fipe, de São Paulo, dá diagnóstico auspicioso sobre o impacto da instalação de um pólo cinematográfico na economia da cidade. Pelo estudo, cada R$ 1 mil gasto por produção cinematográfica no município produziria renda de R$ 521 e emprego de 32 pessoas por ano. Como o projeto tem potencial para atrair turistas, os benefícios podem ser amplificados. Mas, aí, os analistas da Fipe fazem um alerta: "É crucial que projetos de hotelaria sejam objeto de atenção por parte do setor privado local e da administração municipal." Por enquanto, as celebridades que vêm conhecer o projeto se hospedam em um resort cinco-estrelas de Campinas.

O prefeito Edson Moura se antecipa aos buracos que podem fazer água à magia do cinema pauliniense. Para atrair investidores em hotéis e serviços, ele pretende dar isenção, em dez anos, de 100% do IPTU, o imposto territorial urbano, e de 50% do ISS, a taxa sobre serviços. Também doará áreas. "Já temos candidatos para dois hotéis aqui" - aponta para as proximidades do teatro. A intenção é também contemplar empresas de audiovisual que quiserem produzir, por exemplo, projetores ou DVDs.

O pólo de cinema de Paulínia é um polvo de muitos tentáculos. Estão previstos quatro estúdios, que terão 1.200, 900 e 600 metros quadrados para grandes produções e pequenos comerciais. Devem ser bancados pela PPP, assim como o museu. Para arredondar o projeto, foram elaboradas duas leis de fomento. Uma delas é o Fundo Municipal de Cultura e a outra prevê incentivos fiscais nos impostos municipais. Dessa forma, podem existir R$ 5 milhões em caixa para selecionar e investir na produção de filmes. A contrapartida prevê que cada obra patrocinada pelo poder público tenha pelo menos dez estagiários formados pela escola, 50% de figurantes residentes na cidade e que a produção gaste 40% do que recebeu em Paulínia.

Recentemente ocorreu a primeira seleção e nove trabalhos foram contemplados. Um dos filmes é "Budapeste", baseado no livro homônimo de Chico Buarque. Outro será a refilmagem de "O Menino da Porteira", com o cantor Daniel. Um terceiro, "Vida Invertida", é de Silvio Tendler e José de Abreu. O filme de Meirelles também está na lista.

O diretor é um entusiasta do pólo de Paulínia. "O que me impressiona nesse projeto é que é consistente e pensa o cinema como indústria, integrado à vida da cidade", diz Meirelles. "Não é apenas aquela gavetinha destinada à promoção da cultura." Outro empolgado é o ator José de Abreu. "Contrataram gente boa, fizeram tudo direito, acho que é um negócio que pode multiplicar", opina. Abreu é de Santa Rita do Passa Quatro, conhece a região e se lembra bem de quando Paulínia era uma cidade sem nenhum atrativo. "Agora parece uma mini-Brasília. Todo mundo que chega lá leva o maior susto." Em Paulínia ele imagina erguer uma aldeia judaica russa, de 1800, para o filme "Vida Invertida".

Mais aplausos vêm do ator Paulo Betti, que é de Rafard, outro município ali perto, e foi um dos fundadores do curso de teatro da Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas. "É uma região rica em possibilidades, com fartura de locações", registra. Ele desconhece algo do gênero no país, "com film commission, leis de incentivo, estúdios, escola, teatro maravilhoso e a aproximação do cinema com a TV". Betti só espera que "tudo isso não dure apenas o tempo de um mandato, que seja só investimento em prédio."

E os inimigos, dizem o quê? Quem telefona para a Câmara dos Vereadores de Paulínia e pede por algum nome do Partido dos Trabalhadores escuta logo da telefonista: "Aqui não tem oposição, só situação." As maiores farpas ao prefeito vêm de uma pequena organização não-governamental, a Associação de Moradores e Amigos de Paulínia, a AMA-Paulínia, fundada em 2005. "Ninguém tem nada contra a cultura. O que questionamos é a falta de prioridades e a utilização do dinheiro público em projetos gigantescos", critica o clínico-geral Marcos Aurélio Teixeira, presidente do Conselho de Administração da entidade.

Na sua curta trajetória, a AMA-Paulínia abriu uma série de ações contra a gestão de Moura. A primeira delas sugere indícios de fraudes na licitação da cobertura de quadras poliesportivas. Seguem-se outras, todas ainda no Ministério Público, que vão da suspeita de enriquecimento ilícito a asfalto superfaturado ou acusações de nepotismo no poder público. "As escolas estão sucateadas, o hospital municipal, que era uma referência na região, hoje não dá conta do atendimento, temos déficit de creches. Aqui se distribuem seis mil cestas básicas, quando a média geral, para uma cidade como Paulínia, é de 500 ou 600."

Carolina Bordignon, secretária de Recursos da prefeitura, apresenta seus números. Neles, o que se vê é que Paulínia paga o preço de ter mais recursos do que as cidades vizinhas. Só no primeiro trimestre de 2007, o atendimento hospitalar registrou 1.300 internações e o pronto-socorro executou 78,6 mil atendimentos. Foram 131 mil exames realizados no hospital e no pronto-socorro. É como se toda a cidade tivesse se sentido muito mal nos primeiros meses do ano. A obrigação legal exige que os municípios invistam 15% do que arrecadam na saúde e 25% na educação. "Em 2006, Paulínia lançou 28,8% da arrecadação em educação, fatia que deve crescer para 32% este ano", promete Carolina. A parcela da saúde foi de 15,4% em 2006 e saltará para 22% em 2007.

A atual polêmica da AMA-Paulínia com Moura tem a ver com o projeto do prefeito batizado Manto de Cristal. Trata-se de uma pirâmide que lembra as astecas, de 22 metros de altura e que pretende cobrir alguns prédios históricos, como a centenária igreja São Bento. A justificativa da prefeitura é a preservação do patrimônio, a cereja do bolo da revitalização do centro histórico. Para os opositores, trata-se de uma aberração. Por ora, a AMA-Paulínia conseguiu embargar a obra. Quem caminha pelo centro da cidade percebe que não há fiação à vista, a iluminação pública vem das românticas lanternas amareladas, a pavimentação é exemplar - à exceção de um pequeno trecho de uns 100 metros, exatamente à frente da igrejinha, a parte sob embargo.

"Tudo aqui é gigantesco. O que se gasta por mês com ônibus de transporte escolar para levar os alunos à escola daria para construir uma unidade para 800 estudantes", calcula o médico. "Não vou dizer que não existem idéias interessantes, mas o que não tem é prioridade", prossegue. "A gente fica até chateado, é chacota da região. Moradores de outros municípios perguntam: você vem daquela cidade que tem um faraó que quer fazer a pirâmide?" Para Teixeira, a vocação de Paulínia é industrial. "A Petrobras já fala em energia, não mais só em petróleo. Temos que acompanhar essa tendência."

Os executivos da Replan preferem não comentar a gestão de Moura ou a criação do pólo cinematográfico. Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa dá apenas informes institucionais. A Replan é a maior unidade do sistema Petrobras. Em capacidade de processamento de petróleo são 57,2 mil metros cúbicos por dia que saem dali. Emprega duas mil pessoas e responde por 20% de todo o refino de petróleo do país. Em 2006, arrecadou R$ 11,3 bilhões em impostos. No horizonte, anuncia investimentos para reduzir a poluição e se adequar a normas ambientais mais rigorosas e próximas a padrões internacionais. A intenção é investir R$ 2,7 bilhões até 2010 na produção de diesel e gasolina com menores teores de enxofre. Nas contas da empresa, em três anos, uma frota de dois mil ônibus abastecida por diesel mais limpo terá emissão de enxofre equivalente a 200 ônibus. O mesmo deve ocorrer com as emissões da frota de caminhões.

Há 35 anos, quando a Replan começou a operar em Paulínia, Cubatão, na Serra do Mar, ganhou fama mundial pelas desgraças provocadas por uma tenebrosa e descuidada poluição industrial. Paulínia poderia ter seguido o mesmo caminho. Embora tenha seu histórico de passivo ambiental, a cidadezinha parece ter tido outra sorte. O curioso é que a terra que pode virar referência cinematográfica nacional não tem uma única sala de cinema há quase dez anos. Não por isso. Paulínia pode virar a cidade dos tapetes vermelhos.

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Dinamarca é exemplo de flexibilidade trabalhista

Humberto Saccomandi
Publicado pelo
Valor Online em 14/09/07

"O trabalho deve ser feito onde pode ser realizado de modo mais barato, respeitando-se as condições sociais." Não, a frase não é de nenhum economista neoliberal, mas do presidente da LO, a central sindical da Dinamarca, Hans Jensen, a quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou ontem em Copenhague. Com essa atitude inovadora diante da globalização, o país revolucionou seu mercado de trabalho nos últimos anos. Brasil e Dinamarca anunciaram a intenção de realizar um seminário sobre o tema.

"Não nos opomos a que empregos migrem para outros países", prossegue Jensen, que falou ao Valor na semana passada. Presidente da central sindical LO desde 1996, ele parece encarar essa migração para países mais baratos como uma inevitabilidade. E procura, em troca de facilitar esse processo, garantir benefícios para seus associados.

Essa mistura "criativa", como diz Jensen, de flexibilidade trabalhista, benefícios aos trabalhadores e políticas ativas do governo ajudou a derrubar a taxa de desemprego, que hoje é de apenas 3,2%, a menor da UE, cuja média é de 6,8%. E ajudou também a manter o crescimento econômico (3,2% em 2006) entre os mais altos nos países ricos.

Esse modelo dinamarquês vem sendo chamado há alguns anos de "flexicurity" (flexissegurança) e tem atraído interesse de vários países. Mas não é fácil reproduzi-lo, como os próprios dinamarqueses admitem.

"Mudamos o foco da segurança no emprego para a segurança no trabalho", afirmou Leif Hansen, diretor da Autoridade Nacional do Mercado de Trabalho, órgão do governo.

O país flexibilizou normas trabalhistas, reduzindo garantias no emprego, para tornar o mercado de trabalho mais dinâmico, capaz de gerar empregos necessários.

Esse processo teve o apoio da central sindical, das empresas e do governo. "É uma nova filosofia para enfrentar desafio da globalização", disse Hansen.

"Na Dinamarca, demitir é fácil e barato", afirmou Hans Peter Slente, diretor de mercados da Dansk Industri (DI), a confederação das indústrias dinamarquesa. O país não tem leis que regulam a jornada de trabalho, os salários nem as demissões. Tudo é definido na negociação coletiva.

O sindicato apoiou ainda outras medidas de flexibilização, como uma carga horária flexível, que pode ser aumentada em momentos de pico de produção, sem necessidade de pagamento de horas-extras. Esse trabalho a mais é descontado da jornada em momentos de produção menor. E mais decisões sobre relação trabalhista passaram ao nível de empresa.

O país também aprovou uma reforma que elevou a idade de aposentadoria para 65 anos. "É difícil tirar algo das pessoas que elas crêem ser um direito. É difícil aceitar que você precisará se aposentar quatro, cinco anos mais tarde", disse Hensen.

Mas, em troca, o sindicato manteve algumas conquistas e obteve outras. Em primeiro lugar, continua negociando os contratos coletivos. Como o nível de sindicalização na Dinamarca é muito alto (cerca de 85% dos trabalhadores), isso dá um grande poder de barganha. O sindicato pode ordenar greves punitivas contra empresas que não se comportam bem, bloqueando, por exemplo, a cadeia de suprimentos da companhia.

Mas o clima geral da relação sindicato-empresas é muito bom, segundo relataram ao Valor ambas as partes. "Concordamos com a LO em 90% dos assuntos. Nos outros 10%, em geral nas negociações salariais, brigamos", disse Slente, da federação das empresas. A última greve geral ocorreu em 1998. "É um sindicalismo muito responsável", segundo o representante das indústrias.

O generoso seguro-desemprego, pago por um fundo administrado pelo sindicato, foi mantido. O trabalhador que contribuiu por ao menos um ano, se for demitido, pode continuar recebendo até 90% do salário (há um teto) por até quatro anos.

"Mas hoje é muito difícil ficar no seguro-desemprego por muito tempo", disse Hansen. O desempregado tem de informar semanalmente que está procurando trabalho e pode recusar apenas duas propostas feitas por agências de emprego. A partir daí, perde o direito ao seguro.

"Abandonou-se também o conceito de emprego adequado. Não se pode querer aceitar só emprego na sua área. Tem de ser em qualquer área", explicou Hensen. Também não se defendem setores da economia. Há a percepção de que o país tem de ser bom em algumas áreas, mas que essas áreas não serão as mesmas o tempo todo.

Um dos benefícios conquistado foi o direito a duas semanas de educação formal por ano (fora do trabalho), sem perda de salário. Os salários também subiram aos poucos, em troca de mais flexibilidade, disse Slente.


Outro resultado é que, além de ter o menor desemprego, os dinamarqueses são os mais otimistas da UE em relação à globalização. "Muitos países da UE temem a globalização. Os dinamarqueses são os mais positivos. Parte da explicação está nos sindicatos, que apoiaram a globalização", diz Slente.

"A globalização pode ser positiva em todo o mundo", afirma Jensen, da central sindical. Segundo ele, cerca de 50 mil postos de trabalho no setor têxtil do país migraram para a China e o Leste Europeu. Mas poucas pessoas ficaram sem emprego. O segredo, diz, é uma combinação de "segurança social e educação".

"Os dinamarqueses não têm medo de perder o emprego. A economia vai bem e as pessoas são bem preparadas e confiantes. Segurança não deve estar no emprego, mas em você", disse Marie-Louise Knuppert, secretária-geral da LO. Ela diz que todo ano 700 mil pessoas mudam de emprego no país, quase um terço da força de trabalho. Achar emprego é fácil.

Ontem, durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Dinamarca, o premiê dinamarquês, o conservador Anders Fogh Rasmussem, anunciou que os dois países pretendem organizar um seminário internacional sobre flexissegurança e globalização. O anúncio foi feito na visita de Lula e Rasmussem à sede da central sindical LO. "É importante que os líderes [dos países] visitem os trabalhadores", disse Lula.

Mas copiar o modelo não é simples. Os próprios dinamarqueses dizem que as condições que permitem a flexissegurança, como a altíssima carga tributária (que custeia o sistema), o bom sistema educacional e o alto grau de confiança entre as partes sociais, existem em poucos lugares, mesmo na UE. Por isso, o modelo é dificilmente exportável.

"Não se pode pegar o modelo dinamarquês e levá-lo para qualquer lugar. O Brasil precisa descobrir o seu próprio jeito", afirmou ontem o "companheiro" Hans Jensen, como ele foi chamado por Lula.

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Para Marco Aurélio, faltou a 'faca no pescoço'

Cristiano Romer

Publicado pelo Valor Online em 14/09/07

Foto José Cruz/ABr

Pressionadas pela opinião pública, duas instituições reagiram de maneira distinta. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF), num dos julgamentos mais marcantes de sua história, transformou em réus 40 envolvidos no esquema do mensalão, entre eles, deputados, empresários e ex-ministros, o Senado Federal, igualmente premido pela sociedade, decidiu absolver o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), das acusações de quebra de decoro.

"Eu diria: no Senado, faltou a 'faca no pescoço'", ironizou o ministro do STF Marco Aurélio de Mello, referindo-se à declaração, feita por seu colega Ricardo Lewandowski, de que o tribunal decidiu contra os mensaleiros por causa da pressão da opinião pública. Flagrado numa conversa telefônica pela "Folha de S.Paulo", Lewandowski admitiu ainda que "a tendência era amaciar para o (José) Dirceu", acusado pelo Ministério Público de ser o chefe do mensalão.

Advogando independência, inclusive, em relação à imprensa, ministros do STF recusam a tese de que votaram contra os "mensaleiros" por causa da opinião pública. O ministro Marco Aurélio, defensor de maior transparência nas decisões do tribunal e das outras entidades públicas, acredita, no entanto, que a imprensa tem sido crucial na vigilância das instituições. "Se o foi (se a decisão do STF decorreu da 'faca no pescoço'), ela foi benéfica", comentou o ministro. "A opinião pública está cobrando uma fidelidade maior das autoridades aos princípios."

Marco Aurélio reconhece que o voto secreto, por meio do qual os senadores decidiram o Caso Renan, está previsto na Constituição, mas ele não vê sentido na sua manutenção. "Como pode um representante do povo cometer um ato escondido de seus representados?", indagou. "Trata-se da Casa do Povo. Não é uma casa de seita."

Ao decidir contra os mensaleiros, o STF ganhou credibilidade, respeito e independência. Dos 11 ministros da Corte, sete foram indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A absolvição dos acusados interessava ao governo, mas, num julgamento acompanhado de perto pela sociedade, o STF deliberou contra a vontade oficial. No Senado, novamente não era do interesse do Palácio do Planalto a punição de um aliado, mas, lá, prevaleceu a vontade de uma maioria fomentada pelo governo.

"O Supremo está em sintonia com a opinião pública, com o sentimento de indignação da população com o próprio tribunal por causa da demora em julgar processos e da impunidade. Agora, o STF vem sinalizando o contrário: decide com competência, agilidade e contra a impunidade", comentou o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), do mesmo partido do réu, que votou pela cassação de Renan. "O Senado tomou uma decisão contra a opinião pública, contra a verdade. O clima na sociedade é de cobrança e indignação. Há um divórcio completo entre a decisão do Senado e a do STF."

Jarbas diz que a conseqüência da absolvição de Renan é a perda de credibilidade do Senado, a "instituição mais antiga do país" - a Casa realizou sua primeira sessão em 1826, em pleno Império -, a ponto de ensejar propostas para a sua extinção, como defenderam recentemente parlamentares do PT. "O presidente Lula tem interesse nisso (no enfraquecimento do Senado), pode até não ser de forma consciente, mas, se não fossem as mãos do governo nesse caso, não tínhamos chegado a isso", criticou.

Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que também votou pela cassação de Renan, a crise do Senado foi causada por dois fatores: o "voto secreto" e o "cinismo". "Se o voto fosse aberto, definitivamente não teríamos esse resultado." Buarque cita o placar de votação - 40 a 35, com seis abstenções - para afirmar que Renan não tem legitimidade, uma vez que a maioria (41 senadores) demonstrou desconfiança. "Quem tem dúvida, caso dos que votaram contra e dos que se abstiveram, não tem confiança. Na política, se há dúvida, fica-se com o eleitor", assinalou. "A transparência mataria o cinismo."

O risco que corre o Senado, mais do que a sua extinção, é torna-se irrelevante, acredita Buarque. "A crise não está só no caso Renan. A Câmara não é melhor que o Senado", disse o senador, lembrando que a Câmara, também agindo contra a opinião pública, absolveu a maioria dos deputados acusados de participar do mensalão.

Buarque, cujo partido integra a base de apoio ao governo no Congresso, chama a atenção para o fato de que, tanto na tramitação do mensalão no Congresso quanto no Caso Renan, governistas usaram o argumento de que as decisões foram tomadas num ambiente democrático e, portanto, devem ser respeitadas e acatadas. "Estão colocando a democracia acima da ética. Ora, a moral está acima de tudo", observou o senador, comemorando o fato de a opinião pública estar atenta ao que acontece no país e lamentando, ao mesmo tempo, o "silêncio" dos intelectuais e dos movimentos sociais e o "imobilismo" da juventude.

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Governo volta atrás na negociação de mudanças na CPMF

Arnaldo Galvão e Thiago Vitale Jayme
Publicado pelo
Valor Online em 14/09/07

Palocci: relator do projeto que prorroga contribuição nega que tenha proposto o redutor anual de 0,02 até 2011
Foto Ruy Baron/Valor - 11/9/07

O governo desistiu de negociar com o Congresso a redução da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Encorajados pela vitória do dia anterior, quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, foi absolvido em votação que deu ao governo a sensação de que tem maioria na Casa, os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais) definiram com os líderes da base aliada, reunidos na manhã de ontem, que o relatório do deputado Antonio Palocci (PT-SP) seria votado sem alterações.

Esse foi o comunicado que os ministros fizeram e que os líderes receberam com grande contrariedade, depois de três horas de reunião no Ministério da Fazenda. O que significa que a proposta que será submetida à votação mantém a alíquota da contribuição nos atuais 0,38% e não haverá partilha da receita com os Estados e municípios. Para justificar a crença na aprovação da prorrogação da CPMF e da Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2011, Mantega e Palocci ressaltaram que as desonerações tributárias vão continuar e a prioridade é reduzir a carga sobre a folha de pagamento das empresas.

Na quarta-feira, Palocci havia sugerido aos líderes uma redução anual de 0,02 ponto percentual, até que a alíquota chegasse aos 0,3%. Mantega também chegou a acenar, discretamente, com essa flexibilidade. Mas o que prevaleceu ontem foi o objetivo de defender no Congresso a mera prorrogação por quatro anos, o que vai garantir arrecadação de aproximadamente R$ 39 bilhões em 2008.

As dificuldades políticas, porém, serão grandes. A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), admitiu ontem que as votações são sempre muito difíceis para o governo, mas confia na desoneração da folha para "desmontar" o discurso da oposição. Para o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), o Executivo tem maioria na Câmara, mas, no Senado, a situação "não é fácil".

No aspecto fiscal, Mantega procurou ressaltar a importância da CPMF para o equilíbrio das contas públicas e para as despesas com saúde, Previdência, Bolsa Família e outros programas sociais. Ele admitiu que a saúde, apesar de ter recebido mais recursos, não tem verbas suficientes. "O governo implantou uma sala de situação para discutir a regulamentação da Emenda 29. Não podemos abrir mão da CPMF, até mesmo para algum reforço na saúde", explicou.

Mantega abriu o encontro e por dez minutos relatou a deputados e senadores a importância de manter a CPMF com a alíquota de 0,38%. Ele distribuiu um documento aos parlamentares, onde afirma que os Estados e municípios são os maiores beneficiados com a CPMF. O ministro disse entender o desgaste que será causado pela prorrogação da imposto, mas lembrou que os benefícios para a economia serão grandes.

Houve um momento de tensão durante a reunião, quando o líder Luciano Castro (PR-RR) disse ao ministro da Fazenda que os líderes tinham conhecimento da postura do governo, mas que o deputado Palocci havia apresentado a idéia de um redutor de 0,02 ponto percentual por ano na alíquota da CPMF, durante reunião com os deputados na manhã de quarta-feira. Castro assinalou que as posições, assim, pareciam conflitantes, já que Palocci teria defendido a redução da alíquota para agradar aos senadores.

Palocci interrompeu Castro: "Luciano, você fala por você. Por mim, falo eu", cortou o ex-ministro da Fazenda. O líder do PR se irritou. O clima de constrangimento tomou conta da sala. Dois participantes da reunião acompanharam uma rápida troca de bilhetes entre Castro e o líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-PE). "Palocci foi muito indelicado. Só não levantei na hora por solidariedade ao amigo (Múcio)", escreveu Castro ao colega. "Você é maior do que isso. Continue grande como você é", respondeu Múcio.

Na primeira oportunidade, Castro abandonou o encontro. O senador Renato Casagrande (PSB-ES) e o líder do bloco PDT-PCdoB-PSC na Câmara, Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o acompanharam. Os dois estavam igualmente irritados com a mudança de rumo das conversas.

Outros líderes, em conversas paralelas dentro da reunião, condenaram a mudança de postura de Palocci. E julgaram errada a posição sem concessões de Mantega. "Na quarta-feira, a conversa na Câmara adiantou um pouco as coisas. O governo acha que a votação é mais fácil do que parece. Não gostei do que ouvi. O governo está menosprezando a insatisfação da base com o imposto", disse um senador presente.

Palocci negou que tenha proposto o redutor de 0,02. Ele disse que apenas teria dado uma brecha, no texto, para que o governo pudesse fazer a redução da alíquota por meio de lei ordinária a ser enviada pelo Palácio do Planalto ao Congresso. A lei poderia ter, por exemplo, um redutor de 0,02. "Houve um recuo do ministro, mas ele não admitiu. Ele mudou a postura", disse um dos deputados presente à reunião.

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Google mostra ferramentas de pesquisa de livros na Bienal do Rio

Rodolfo Barbosa
Publicado pela
Reuters Brasil em 13/09/07

A Bienal do Livro do Rio de Janeiro abriu nesta quinta-feira com a presença inédita do gigante de buscas online Google. A companhia de Internet exibe na 13a edição da feira duas ferramentas de pesquisa de livros digitalizados.

O serviço de pesquisa de livros do Google, lançado em 2004 em parceria com grandes universidades dos Estados Unidos, permite visualização parcial ou completa de obras. Essa iniciativa gerou polêmica porque desafiava a visão tradicional de escritores e editoras sobre os direitos autorais.

As diferenças foram em grande parte superadas após acordo do Google com editoras de livros. Com isso, uma das ferramentas agora disponíveis é a pesquisa de livros nos sites de editoras parceiras, informou a companhia em comunicado.

Para a exibição na Bienal do Rio, o Google fechou alianças com nove editoras nacionais, entre as quais Ediouro e Unesp.

Um dos representantes do serviço Pesquisa de Livros Google no Brasil, Felix Ximenes, disse que parcerias feitas com grandes bibliotecas e universidades, como ocorre nos Estados Unidos e Europa, não devem ocorrer no curto prazo no Brasil.

"Não descartamos a possibilidade, mas parcerias desse tipo não devem ocorrer nos próximos meses", pontua Ximenes. "Em curto prazo, o acervo das bibliotecas com as quais temos mantido esse contato ainda não vale o investimento. O escaneamento de obras raras e caras não é um processo barato e precisa de atenção especial", concluiu.

Outra ferramenta do Google é o Social Book Search, que possibilita ao internauta montar uma biblioteca virtual, escrever resenhas e compartilhar o conteúdo com outros usuários.

A 13a edição da Bienal vai até dia 23 deste mês, reúne 950 expositores e o número recorde de 290 autores, sendo 170 brasileiros e 20 estrangeiros. Pela primeira vez, o evento faz homenagem a escritores vivos: o brasileiro Ariano Suassuna e o colombiano Gabriel García Márquez, que completaram 80 anos recentemente.

A feira, com 24 anos de existência, acontece no Riocentro. A expectativa dos organizadores é de que o evento receba cerca de 600 mil visitantes.

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