sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Paullyniwood

Daniela Chiaretti
Publicado pelo
Valor Online em 14/09/07

A secretária de Cultura, Tatiana Quintella, montou um cuidadoso plano para atrair empresas e incentivar os produtores a rodar os filmes na cidade
Fotos Anna Carolina Negri


É coisa de desenho animado. Quem entra em Paulínia, uma das cidades mais ricas de São Paulo, dá de cara com um pórtico de torres medievais habitadas por armaduras. Passado o susto, encontra uma avenida limpa e de mato aparado e, mais à frente, um coreto que parece ornado com rendas em uma pracinha florida. Pode facilmente esbarrar com funcionários de macacão laranja caiando o meio-fio do canteiro central da rua que leva ao centro da cidadela. Lembra a cena das cartas de copas de "Alice no País das Maravilhas" pintando rosas brancas de carmim com medo de ser decapitadas pela rainha - a diferença é que este trio está cantarolando e a rainha, aqui, não é tirana. Trata-se da Replan, a maior refinaria da Petrobras, que faz de Paulínia uma cidade onde o PIB per capita é de R$ 170 mil, comparado aos R$ 15 mil da capital. Só que a dependência siamesa torna o município refém da matriz energética, do preço do petróleo, do aquecimento global, dos rumos da companhia. É por isso que o prefeito Edson Moura, do PMDB, diz estar decidido a encontrar mais uma cesta para colocar os ovos. Ele aposta no cinema.

O que está em curso são investimentos de R$ 450 milhões para tornar Paulínia, a 118 quilômetros da capital e a 15 minutos de Campinas, uma cidade cinematográfica. Dessa soma, mais de R$ 100 milhões são da prefeitura e já estão sendo aplicados e outros R$ 440 milhões devem chegar de uma parceria público-privada, com edital saindo do forno. Por mais bizarra que a idéia pareça para quem jamais ouviu falar de Paulínia, uma construção imponente, alta e branca, em acelerado ritmo de finalização, sugere que algo ali está realmente acontecendo. Há certa ambigüidade arquitetônica no mix de traços contemporâneos e as seis colunas gregas na fachada do Theatro Municipal de Paulínia - assim mesmo, com H -, que será inaugurado no ano que vem.

O prefeito Edson Moura é o nome por trás das grandes obras e quer abrir outro caminho para a cidade: "O petróleo é uma fonte finita"

A obra surpreendente é assinada por Ismael Solé, da Solé & Associados, empresa por trás dos projetos de construção e restauro dos teatros mais importantes do país, que coordenou a metamorfose da Estação Júlio Prestes na Sala São Paulo. O teatro de Paulínia será aberto para sediar o primeiro festival de cinema da cidade. "A referência que o prefeito me trouxe foi do teatro Kodak, de Los Angeles", conta Solé.

Todo em cedro rosa, o Theatro de Paulínia tem mesmo cara de festa de Oscar: os detalhes da acústica estão sendo meticulosamente cuidados, o pórtico grego atua como logotipo gigante e faz contraponto às formas contemporâneas, os equipamentos são de última geração e muitos vêm de fora. São 11 mil metros quadrados e 1.250 lugares, 400 metros quadrados de palco, estacionamento para 500 carros. "É um projeto instigante que dará maturidade cultural àquela comunidade, além de opção de emprego e renda", diz o arquiteto. E em 16 meses, quando terminar o mandato do prefeito? "Depende do modelo de gestão que se fizer lá. Se for um sistema público-privado, não se interrompe mais."

O Theatro de Paulínia sugere romper o fluxo tradicional em que os jovens da cidade se deslocam para Campinas em busca de lazer. Paulínia é fofa, mas a primeira danceteria acaba de ser aberta e a vida noturna é siberiana. Não tem nem um restaurante japonês para acalmar paladares estrelados. O maior hotel da cidade, o Íbis, com cem apartamentos, está permanentemente lotado só com a demanda dos executivos do pólo petroquímico. A idéia é que num futuro muito próximo a matriz venha à colônia e a gente de Campinas se desloque para Paulínia.

Se depender de boas intenções, não faltarão oportunidades. O teatro poderá exibir a estréia nacional do próximo filme de Fernando Meirelles, "Blindness", uma adaptação de "Ensaio sobre a Cegueira", do português José Saramago, com Julianne Moore e Gael García Bernal no elenco. "Vou brigar com os produtores para que a estréia brasileira aconteça no teatro de Paulínia", promete Meirelles. Mas, afinal, o que é que esta cidadezinha de 65 mil habitantes tem?

Antes de tudo, bastante dinheiro. A quantidade de concessionárias de carros, lojas de material de construção e lava-rápido que se vêem pela cidade indicam que por ali o dinheiro circula e Paulínia cresce. A arrecadação municipal bate em R$ 550 milhões ao ano - o repasse estadual do ICMS representa 80% dessa soma, 90% desembolsados pela Refinaria do Planalto, a Replan. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Paulínia, o termômetro social das Nações Unidas, era 0,847 em 2000, o que projetou a cidade para o 13º lugar no ranking entre os 644 municípios do Estado, e em 42º considerando-se todas as cidades brasileiras. Entre 1991 e 2000, Paulínia melhorou seus indicadores de saúde, educação e renda. Não é pouco para um lugar que até 1964 era só mais um bairro de Campinas.

O prefeito enumera os louros paulinienses: o hospital municipal oferece até tomografia e ressonância e evidentemente é procurado por moradores de Campinas, Hortolândia, Sumaré, Cosmópolis - o que o tornou saturado e exigirá ampliação e reforma de R$ 37 milhões. No centro oftalmológico e odontológico, os pacientes aguardam a vez sentados, sem filas. Os universitários de Paulínia que estudam em outra cidade têm transporte gratuito até a faculdade e fizeram gratuitamente o cursinho pré-vestibular, no sistema Anglo, oferecido pelo município. São cinco mil os servidores públicos na cidade e é fácil entender a razão: o menor salário, de servente, é de R$ 2.300 por seis horas de trabalho. No ano passado, o salário-base das professoras da rede foi reajustado em 79%.

Com tudo aparentemente bem encaminhado, chegou a vez da cultura. O prefeito, baiano de origem, está no terceiro mandato - eleito com mais de 70% dos votos - e chegou à cidade para trabalhar na instalação da refinaria. Paulínia tinha cinco mil habitantes. A Replan foi aberta em 1972 e funcionou como um ímã para o setor - estão lá, uma atrás da outra, a Texaco, a Rhodia, a Liquigás, a Syngenta, a Ultragás e outros nomes vigorosos. Dois raminhos de algodão gravados no brasão da cidade parecem ser o que restou do antigo cultivo da época pré-Replan. Plantações de café, arroz e cana agora são tímidas.

Com o vigor da receita industrial e confesso pendor para grandes obras ("Sou o maior empreiteiro de calçadas do país"), Moura já ergueu pontes, construiu um sambódromo e concha acústica, instalou semáforos que falam, treinou os chefes da guarda metropolitana "na Swat". Até o muro do cemitério central foi reformado. A nova prefeitura, bem em frente do teatro, é uma megaconstrução de vidros azuis, 17 mil quadrados e R$ 53 milhões de investimento, que recebe os visitantes com cascata na fachada e passagem subterrânea para as celebridades que quiserem entrar ou sair do teatro fugindo da muvuca.

É verdade que algumas idéias de Moura se foram com o vento. "Eu tinha o projeto de fazer um parque temático na cidade", conta o prefeito, lembrando o fim do segundo mandato, quando quis trazer o Hopi Hari para Paulínia. Mas seu sucessor não quis saber da coisa e o parque de diversões foi para Campinas. A idéia de dar outra vocação à cidade persistiu. "O petróleo é uma fonte finita, começa-se a migrar para as energias renováveis", preocupa-se Moura. "Tínhamos que investir rápido na área de entretenimento e turismo. Aí veio a idéia da cidade cinematográfica." Bingo. Como um efeito colateral do aquecimento global, Paulínia pode virar uma espécie de Paullyniwood.

A primeira providência foi nomear como secretária de Cultura a administradora Tatiana Stefani Quintella. Ela trabalhou na Warner Bros. e na Columbia Tristar/Sony Pictures, é apaixonada por cinema, muito bem relacionada e se entusiasmou com a idéia de tocar o projeto de Paulínia. Tatiana abriu logo várias frentes e contratou o crítico de cinema Rubens Ewald Filho como consultor. Seria algo nos moldes do Festival de Gramado ou uma reencarnação dos célebres estúdios da Vera Cruz? "Este projeto não tem nada a ver com a Vera Cruz, que era um estúdio à moda antiga de Hollywood", esclarece Ewald. O festival é só uma das peças desse ambicioso tabuleiro. "Nunca houve nada no Brasil como Paulínia, um pólo com dinheiro para produzir e, ao mesmo tempo, dando condições para que filmes sejam rodados na cidade."

Tatiana assumiu a pasta da Cultura em abril de 2006 e dois meses depois nascia o "Paulínia - Magia do Cinema" com um layout impressionante que engloba museu, escola, quatro estúdios, leis de incentivo, escritórios para produtoras, mostra e festival de cinema anuais, visa a atrair empresas de equipamentos, serviços e turismo e, principalmente, conquistar produções para que rodem na cidade. A inspiração vem de Alicante, na Espanha, onde investiram quase US$ 400 milhões em uma empreitada parecida.

Algumas das peças mágicas de Paulínia já estão prontas e funcionando. É o caso da Film Commission, uma estrutura que pretende seguir os passos das maiores do mundo, em que o produtor de um filme ou de um comercial de TV se senta em uma cadeira de diretor e vai pesquisando o que a cidade tem: quem fornece o melhor pastel, onde tem uma cachoeira, uma ruína de fazenda, uma atmosfera mais urbana, um jatinho, um gato chinês. O banco de dados da Film Commission já tem 600 nomes de fornecedores e possíveis figurantes. "Veio gente inscrever até o cachorro", brinca Tatiana.

Todas as salas, dos arquivos às reservadas aos atores, têm placas em português, inglês e espanhol, revelando as intenções do projeto. Na recepção, um filme informa que a indústria cinematográfica é um setor com faturamento global de US$ 119 bilhões e que deve crescer 7% ao ano entre 2005 e 2009. No Brasil foram R$ 77,5 milhões de receitas em 2005, com 51 novas produções. "A maioria dos filmes americanos é feita hoje no Canadá e na Austrália", diz Tatiana. "Aonde vai a produção, vai muito dinheiro e muita gente junto."

Um troféu dourado, em pedestal negro, brilha num canto. É a Menina de Ouro, o Oscar de Paulínia desenhado pelo escultor costa-riquenho José Bernardo Salazar - o pedestal negro remete ao petróleo, o dourado à riqueza da cidade e a jovem forma feminina à própria Paulínia. Fotos dos atores Ney Latorraca, Lima Duarte e José de Abreu e dos diretores Fernando Meirelles e Bruno Barreto mostram cenas em que eles recebem a estatueta ou moldam as mãos em cimento. Sim, Paulínia terá sua calçada da fama. As placas ficarão ao lado do teatro e do Museu da Imaginação, um centro interativo e lúdico, com a história da televisão e do cinema brasileiros, que está sendo criado por Marcello Dantas. É dele o mais visitado museu de São Paulo, o da Língua Portuguesa, na Estação da Luz. O museu de Paulínia ocupará o espaço térreo da antiga prefeitura. Acima dele, 13 salas serão alugadas como escritórios às produtoras.

À porta da Film Commission, um tapete vermelho e um charmoso trailer branco conferem glamour cinematográfico ao espaço, uma área de 147,5 mil metros quadrados onde há também um shopping, a escola e, espera-se, logo surgirão o museu e os estúdios. A área total destinada ao entretenimento inclui a nova prefeitura, o teatro, o sambódromo. Ali, acredita o prefeito, logo se construirão também hotéis.

No ano passado, Paulínia sediou a filmagem de "Topografia de um Desnudo", de Teresa Aguiar, que relata uma história cruel do Rio dos anos 1960. "Rodaram nas ruínas de uma fazenda de café, a Santa Terezinha, e não tinha banheiro para os atores", lembra-se Tatiana. Foi aí que a prefeitura encomendou o trailer e um motorhome.

A poucos metros da Film Commission está a Escola Magia do Cinema, já funcionando com aulas ministradas por professores do Senac e da Fundação Getúlio Vargas. São cursos diversos e gratuitos (só a matrícula, R$ 50, é cobrada), de assistente de diretor e cenografia a figurino e maquiagem, iluminação e operador de câmera, roteiro e, evidentemente, o curso mais disputado, de ator. Abriu as portas e o que se viu foi uma corrida do ouro: 1.740 inscrições para 440 vagas. As salas são bem fornidas de computadores e retroprojetores, espelhos e perucas. Do lado de fora, um painel fotovoltaico de ? 30 mil foi doado por uma empresa italiana e indica que 60% do consumo energético da escola virá do Sol.

Nos corredores, painéis estampando Marylin Monroe, James Dean, Carmen Miranda e Oscarito buscam dar inspiração aos novos talentos. "Eu me inscrevi, mas desta vez não fui aceito. Vou tentar de novo", diz Valdir Aparecido da Silva, 22 anos, atendente do Íbis. Valdir nasceu em Campinas, estuda teatro em Paulínia e vai para Campinas quando quer encontrar os amigos num boteco. "Não vejo a hora de o teatro inaugurar para estrear nossa peça", afirma. "Este pólo vai ser muito bom", festeja, ao lado do recepcionista do mesmo hotel, que não ouviu falar ainda dessa história de cinema em Paulínia.

Deve ter passado ao largo das duas edições da mostra de cinema, a primeira em 2006, que durou 26 dias, exibiu mais de 60 filmes no centro de eventos e registrou 56 mil espectadores. A deste ano - o ingresso era um saquinho de pipoca -, foi vista por 58 mil pessoas. Compareceram Reynaldo Gianecchini e Taís Araújo, Lázaro Ramos e Deborah Secco, além dos pais de Luciano e Zezé di Camargo. "A mostra é voltada para a população sem recursos, para criar uma cultura de cinema na cidade", explica Tatiana.

Embora seja uma das coroas da região batizada de Califórnia Brasileira, Paulínia tem, naturalmente, "população sem recursos". Muitos vêm de fora. Nas ruínas da Fazenda Santa Terezinha, as casinhas estão todas ocupadas. A atmosfera é de ambiente rural, com cabras andando por ali, a poucos quilômetros das grandes rodovias que levam à capital e ao aeroporto de Viracopos. A pernambucana Isabel Maria da Silva, 70 anos em novembro, 20 filhos ("Criou-se dez", diz), 35 netos e 8 bisnetos, vive por lá há poucos meses. "Faz seis anos que meu marido faleceu. Ele teve problema de próstata e aqui tinha todo benefício da gente de Paulínia. Todo tipo de medicina, até dentista", conta Isabel, ladeada pelos netos Fabio e Fabiano, que ela cria desde que a filha morreu "de dieta".

Isabel espera a chuva, "porque as sementes de abóbora estão lá dentro" e aponta para a casinha do terreno da prefeitura. "Sei que fiz coisa errada quando a gente invadiu e agora estamos na mão daquele Pai Celestial. Mas é que quando a gente fica com necessidade tem que ir para um pau que tenha sombra." A sombra de Paulínia parece ser das mais generosas. Os 65 mil habitantes da cidade contam com 21 ambulâncias; Campinas, com perto de um milhão de habitantes, tem 14.

Um estudo encomendado pela Secretaria de Cultura de Paulínia à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, a Fipe, de São Paulo, dá diagnóstico auspicioso sobre o impacto da instalação de um pólo cinematográfico na economia da cidade. Pelo estudo, cada R$ 1 mil gasto por produção cinematográfica no município produziria renda de R$ 521 e emprego de 32 pessoas por ano. Como o projeto tem potencial para atrair turistas, os benefícios podem ser amplificados. Mas, aí, os analistas da Fipe fazem um alerta: "É crucial que projetos de hotelaria sejam objeto de atenção por parte do setor privado local e da administração municipal." Por enquanto, as celebridades que vêm conhecer o projeto se hospedam em um resort cinco-estrelas de Campinas.

O prefeito Edson Moura se antecipa aos buracos que podem fazer água à magia do cinema pauliniense. Para atrair investidores em hotéis e serviços, ele pretende dar isenção, em dez anos, de 100% do IPTU, o imposto territorial urbano, e de 50% do ISS, a taxa sobre serviços. Também doará áreas. "Já temos candidatos para dois hotéis aqui" - aponta para as proximidades do teatro. A intenção é também contemplar empresas de audiovisual que quiserem produzir, por exemplo, projetores ou DVDs.

O pólo de cinema de Paulínia é um polvo de muitos tentáculos. Estão previstos quatro estúdios, que terão 1.200, 900 e 600 metros quadrados para grandes produções e pequenos comerciais. Devem ser bancados pela PPP, assim como o museu. Para arredondar o projeto, foram elaboradas duas leis de fomento. Uma delas é o Fundo Municipal de Cultura e a outra prevê incentivos fiscais nos impostos municipais. Dessa forma, podem existir R$ 5 milhões em caixa para selecionar e investir na produção de filmes. A contrapartida prevê que cada obra patrocinada pelo poder público tenha pelo menos dez estagiários formados pela escola, 50% de figurantes residentes na cidade e que a produção gaste 40% do que recebeu em Paulínia.

Recentemente ocorreu a primeira seleção e nove trabalhos foram contemplados. Um dos filmes é "Budapeste", baseado no livro homônimo de Chico Buarque. Outro será a refilmagem de "O Menino da Porteira", com o cantor Daniel. Um terceiro, "Vida Invertida", é de Silvio Tendler e José de Abreu. O filme de Meirelles também está na lista.

O diretor é um entusiasta do pólo de Paulínia. "O que me impressiona nesse projeto é que é consistente e pensa o cinema como indústria, integrado à vida da cidade", diz Meirelles. "Não é apenas aquela gavetinha destinada à promoção da cultura." Outro empolgado é o ator José de Abreu. "Contrataram gente boa, fizeram tudo direito, acho que é um negócio que pode multiplicar", opina. Abreu é de Santa Rita do Passa Quatro, conhece a região e se lembra bem de quando Paulínia era uma cidade sem nenhum atrativo. "Agora parece uma mini-Brasília. Todo mundo que chega lá leva o maior susto." Em Paulínia ele imagina erguer uma aldeia judaica russa, de 1800, para o filme "Vida Invertida".

Mais aplausos vêm do ator Paulo Betti, que é de Rafard, outro município ali perto, e foi um dos fundadores do curso de teatro da Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas. "É uma região rica em possibilidades, com fartura de locações", registra. Ele desconhece algo do gênero no país, "com film commission, leis de incentivo, estúdios, escola, teatro maravilhoso e a aproximação do cinema com a TV". Betti só espera que "tudo isso não dure apenas o tempo de um mandato, que seja só investimento em prédio."

E os inimigos, dizem o quê? Quem telefona para a Câmara dos Vereadores de Paulínia e pede por algum nome do Partido dos Trabalhadores escuta logo da telefonista: "Aqui não tem oposição, só situação." As maiores farpas ao prefeito vêm de uma pequena organização não-governamental, a Associação de Moradores e Amigos de Paulínia, a AMA-Paulínia, fundada em 2005. "Ninguém tem nada contra a cultura. O que questionamos é a falta de prioridades e a utilização do dinheiro público em projetos gigantescos", critica o clínico-geral Marcos Aurélio Teixeira, presidente do Conselho de Administração da entidade.

Na sua curta trajetória, a AMA-Paulínia abriu uma série de ações contra a gestão de Moura. A primeira delas sugere indícios de fraudes na licitação da cobertura de quadras poliesportivas. Seguem-se outras, todas ainda no Ministério Público, que vão da suspeita de enriquecimento ilícito a asfalto superfaturado ou acusações de nepotismo no poder público. "As escolas estão sucateadas, o hospital municipal, que era uma referência na região, hoje não dá conta do atendimento, temos déficit de creches. Aqui se distribuem seis mil cestas básicas, quando a média geral, para uma cidade como Paulínia, é de 500 ou 600."

Carolina Bordignon, secretária de Recursos da prefeitura, apresenta seus números. Neles, o que se vê é que Paulínia paga o preço de ter mais recursos do que as cidades vizinhas. Só no primeiro trimestre de 2007, o atendimento hospitalar registrou 1.300 internações e o pronto-socorro executou 78,6 mil atendimentos. Foram 131 mil exames realizados no hospital e no pronto-socorro. É como se toda a cidade tivesse se sentido muito mal nos primeiros meses do ano. A obrigação legal exige que os municípios invistam 15% do que arrecadam na saúde e 25% na educação. "Em 2006, Paulínia lançou 28,8% da arrecadação em educação, fatia que deve crescer para 32% este ano", promete Carolina. A parcela da saúde foi de 15,4% em 2006 e saltará para 22% em 2007.

A atual polêmica da AMA-Paulínia com Moura tem a ver com o projeto do prefeito batizado Manto de Cristal. Trata-se de uma pirâmide que lembra as astecas, de 22 metros de altura e que pretende cobrir alguns prédios históricos, como a centenária igreja São Bento. A justificativa da prefeitura é a preservação do patrimônio, a cereja do bolo da revitalização do centro histórico. Para os opositores, trata-se de uma aberração. Por ora, a AMA-Paulínia conseguiu embargar a obra. Quem caminha pelo centro da cidade percebe que não há fiação à vista, a iluminação pública vem das românticas lanternas amareladas, a pavimentação é exemplar - à exceção de um pequeno trecho de uns 100 metros, exatamente à frente da igrejinha, a parte sob embargo.

"Tudo aqui é gigantesco. O que se gasta por mês com ônibus de transporte escolar para levar os alunos à escola daria para construir uma unidade para 800 estudantes", calcula o médico. "Não vou dizer que não existem idéias interessantes, mas o que não tem é prioridade", prossegue. "A gente fica até chateado, é chacota da região. Moradores de outros municípios perguntam: você vem daquela cidade que tem um faraó que quer fazer a pirâmide?" Para Teixeira, a vocação de Paulínia é industrial. "A Petrobras já fala em energia, não mais só em petróleo. Temos que acompanhar essa tendência."

Os executivos da Replan preferem não comentar a gestão de Moura ou a criação do pólo cinematográfico. Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa dá apenas informes institucionais. A Replan é a maior unidade do sistema Petrobras. Em capacidade de processamento de petróleo são 57,2 mil metros cúbicos por dia que saem dali. Emprega duas mil pessoas e responde por 20% de todo o refino de petróleo do país. Em 2006, arrecadou R$ 11,3 bilhões em impostos. No horizonte, anuncia investimentos para reduzir a poluição e se adequar a normas ambientais mais rigorosas e próximas a padrões internacionais. A intenção é investir R$ 2,7 bilhões até 2010 na produção de diesel e gasolina com menores teores de enxofre. Nas contas da empresa, em três anos, uma frota de dois mil ônibus abastecida por diesel mais limpo terá emissão de enxofre equivalente a 200 ônibus. O mesmo deve ocorrer com as emissões da frota de caminhões.

Há 35 anos, quando a Replan começou a operar em Paulínia, Cubatão, na Serra do Mar, ganhou fama mundial pelas desgraças provocadas por uma tenebrosa e descuidada poluição industrial. Paulínia poderia ter seguido o mesmo caminho. Embora tenha seu histórico de passivo ambiental, a cidadezinha parece ter tido outra sorte. O curioso é que a terra que pode virar referência cinematográfica nacional não tem uma única sala de cinema há quase dez anos. Não por isso. Paulínia pode virar a cidade dos tapetes vermelhos.


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