sexta-feira, 18 de julho de 2008

Comunicação Planejada como Ferramenta de Gestão no Terceiro Setor

A comunicação nas organizações do Terceiro Setor contribui para a disseminação de sua causa, para a mobilização social, para a conquista e fidelização de parceiros, para o alinhamento interno e, sobretudo, para que se estabeleçam relações sinérgicas entre elas e seus públicos

O Terceiro Setor tem crescido significativamente nos últimos anos. Além do aumento do número de organizações, têm crescido também sua expressão econômica e sua representatividade social. Porém, mais do que isso, o Terceiro Setor vem crescendo porque cada vez mais sua busca por mudança cultural e melhoria da situação sócio-ambiental no planeta vem se justificando.

No entanto, embora ações sociais venham ocorrendo historicamente, a sociedade ainda tem dúvidas sobre sua forma de atuação e suas práticas. A população está acostumada com organizações privadas de interesse privado (mercado) ou organizações públicas de finalidade pública (Estado). E o Terceiro Setor, colocando-se entre elas, representando a iniciativa privada – de pessoas como qualquer um de nós – que se organizam com o objetivo de gerar benefício público.

Muitos têm sido os desafios que se colocam ao Terceiro Setor para que ele possa provar sua validade social e contribuir ainda mais eficazmente com soluções para o atual contexto de agravamento da exclusão social e de esgotamento de recursos naturais.

A prática nas organizações da sociedade civil mostra-nos a cada dia desafios que precisam ser superados. Lester Salamon [1], professor e pesquisador da John Hopkins University, dedicou-se ao tema dos desafios do Terceiro Setor. Seu estudo, já muito conhecido da área, aponta para quatro principais desafios: legitimidade, eficiência e eficácia, sustentabilidade e colaboração.

Segundo esses desafios, as organizações precisam provar a importância de sua atividade e sua capacidade de atuação na missão proposta, devem demonstrar que são eficientes no uso de recursos e que têm uma gestão adequada, precisam obter recursos e conseguir trabalhar em colaboração com o poder público, com as empresas e com outras organizações sociais.

Sob o prisma da comunicação esses desafios representam a necessidade do Terceiro Setor desenvolver estratégias que permitam às organizações gerir sua reputação, ser transparentes para espantar dúvidas sobre suas práticas, ter a capacidade de se articular e de conquistar e manter parceiros.

A análise desse conjunto de fatores, sob esta ótica, nos conduz à idéia de que as organizações podem se beneficiar de planejamento e gestão de comunicação, incrementando a qualidade de seus relacionamentos.

Diante deste cenário, a comunicação torna-se ferramenta imprescindível e estratégica para o Terceiro Setor.

A comunicação nas organizações do Terceiro Setor contribui para a disseminação de sua causa, para a mobilização social, para a conquista e fidelização de parceiros, para o alinhamento interno e, sobretudo, para que se estabeleçam relações sinérgicas entre elas e seus públicos.


Práticas de comunicação no Terceiro Setor: fazendo assessoria de imprensa, publicidade e gestão de relacionamentos
Freqüentemente quando se pensa em comunicação no Terceiro Setor, pensa-se em assessoria de imprensa ou em publicidade. Elas são importantes ferramentas mas que, no entanto, têm alguns limitantes. As organizações podem – e devem – ir além, compreendendo e aplicando as melhores práticas de comunicação para o seu perfil.

A assessoria de imprensa deve ser pensada como um trabalho de relacionamento com a imprensa, em que se constróem resultados em longo prazo.

Além de sempre solicitar a publicação de uma informação, as organizações podem também oferecer contribuições à imprensa, como o envio de artigos sobre o tema de sua especialidade ou colocar-se à disposição do jornalista para esclarecer dúvidas sobre assuntos de seu conhecimento.

Assim é possível conseguir que essa organização se torne uma fonte de referência para o jornalista quando ele estiver trabalhando em algum assunto relacionado com sua atividade (público beneficiário, área de atuação, região geográfica, etc).

A principal vantagem de estar presente nas veiculações da imprensa é a credibilidade que isso confere ao noticiado. Além disso, a organização consegue ‘falar’ para um número expressivo de pessoas com um custo relativamente baixo, o que pode ser uma vantagem. Porém, mais do que falar com muitos, é preciso falar com as pessoas certas.

Dessa forma, ao optar por utilizar um trabalho de assessoria de imprensa as organizações precisam se preparar. É mais eficaz que o trabalho seja feito por um profissional de comunicação, que irá manejar melhor a linguagem e as ferramentas e terá condições de elaborar um plano de ação com objetivos. Devem ser programadas algumas ‘pautas’, que são as informações que devem ser comunicadas. Devem também ser identificadas na organização quais são as pessoas que falam com a imprensa (porta-vozes) e sobre o que cada uma fala. E especialmente deve-se ter em mente com quem se quer falar para que a escolha dos veículos de comunicação abordados traga resultados mais assertivos.

Tomemos como exemplo uma organização que atenda crianças portadoras de HIV positivo, nascidas na cidade de São Paulo, cuja transmissão ocorreu verticalmente de mãe para filho e cujas mães são predominantemente jovens de 16 a 19 anos. O seu principal objetivo de comunicação seria, por suposição, alertar as pessoas para a importância da prevenção e disseminar o uso de camisinha nas relações sexuais, principalmente entre pessoas portadoras do vírus.

A primeira coisa a se pensar é quem seria o público desta mensagem. Poderíamos supor aqui que seriam adolescentes com vida sexual ativa, residentes em São Paulo. Como pauta, a organização poderia trabalhar o direito das crianças à saúde, garantido pelo ECA [2], que completa 18 anos neste mês de julho. Dentro da organização seriam os porta-vozes um médico pediatra e infectologista, que falaria sobre a saúde da criança portadora de HIV, uma psicóloga responsável pelo atendimento às crianças, que falaria sobre os impactos do HIV nos primeiros anos de vida da criança e a coordenadora geral, que responderia sobre a história da organização, suas práticas e necessidades de arrecadação.

Os veículos escolhidos, que seriam os mais eficazes para se alcançar o público pretendido, poderiam ser uma revista mensal para adolescentes, um programa de TV numa emissora voltada para jovens, um site do poder público sobre saúde e sexualidade e um jornal de circulação local que publique um caderno específico para adolescentes.

Assim, bem planejado, o trabalho de assessoria de imprensa pode trazer resultados positivos para a organização.

Outro caminho muito desejado é a publicidade. Em geral, as organizações gostariam muito de ter um vídeo institucional exibido nos intervalos comerciais das emissoras de televisão abertas.

Pela publicidade, a organização realiza anúncios para estar presente na mídia. O que se consegue, em geral, é que um veículo ceda gratuitamente um espaço para que a organização utilize, veiculando seu anúncio.

Os anúncios exigem um trabalho de preparação de arte, que são a escolha e desenvolvimento do layout e do texto da mensagem. Um anúncio pode ser feito apenas com texto e ilustrações gráficas, produzidas em computador. Porém, pode ser necessária a produção de fotos ou imagens, o que por sua vez irá requerer equipamentos, estúdios, elenco, cenário e figurino. E isso pode sair muito caro.

Para a organização, restam algumas saídas: comprar o espaço na mídia, custear toda a produção ou negociar com os veículos que cedam o espaço e conseguir gratuitamente os trabalhos de produção.

Assim como na assessoria de imprensa, a publicidade é difusa, ou seja, fala-se para muita gente ao mesmo tempo. É preciso também avaliar a pertinência desse mecanismo e escolher os melhores veículos e espaços para veicular as mensagens desejadas. E um profissional especializado pode trazer melhores contribuições.

Porém, se tanto assessoria de imprensa quanto publicidade objetivam conquistar espaço na mídia, qual a diferença entre elas? Pela assessoria de imprensa se obtém espaço nos noticiários, chamado espaço editorial; pela publicidade, consegue-se espaço comercial. O espaço editorial é significativamente ‘mais caro’ que o comercial porque há uma certa chancela de confiança do veículo naquele assunto, já que ele produz o conteúdo jornalístico a partir de uma informação original recebida.

A assessoria de imprensa e a publicidade podem oferecer resultados brilhantes para o Terceiro Setor. Porém requerem certa estrutura da organização para que se colham os melhores resultados.

E como devem fazer aquelas organizações ainda pequenas, que não dispõem de recursos e profissionais para por em prática estas atividades? A comunicação não é possível para elas? Para elas seria mais difícil superar os desafios e conquistar legitimidade, parcerias, recursos e colaboração interna?

Há outras alternativas de comunicação que podem gerar resultados muito positivos. A comunicação é uma atividade muito complexa, que permite várias formas de aplicação. Assim, pensar em comunicação como fortalecer relacionamentos, utilizando-se das ferramentas de Relações Públicas, pode ser a melhor solução porque exigirá mais planejamento, mas trará mais eficácia no uso de recursos e resultados igualmente satisfatórios.

O primeiro passo para o estabelecimento de um programa de comunicação e relacionamento é conhecer profundamente a identidade da organização, ou seja, aquilo que ela é e faz e que está presente em sua história, na escolha de sua causa, em seus valores, em sua cultura, na decisão sobre as melhores práticas para sua atividade, na identificação de seus beneficiários.

Nem sempre a imagem que se tem de uma organização corresponde à sua identidade. Assim, é importante conhece-la para que ela se comunique com a maior precisão possível e que haja um ajuste entre o que ela é e o como as pessoas a vêem.

Em segundo lugar, é preciso identificar quem são os públicos ou stakeholders dessa organização. Ou seja, quais são os grupos de pessoas que têm interesse e influência nesta organização e que também são influenciados por ela. Podemos pensar de uma forma geral nos beneficiários, em suas famílias, nos colaboradores, nos voluntários, nos doadores, nos possíveis doadores, nos parceiros, no conselho, nos órgãos do poder público, na imprensa e em organizações congêneres. Porém, cada organização saberá identificar com clareza quem são seus públicos.

Continuando o processo de planejar a comunicação relacional, as organizações, após identificarem quais são seus públicos devem refletir e registrar quais são as expectativas que cada um desses públicos têm em relação à organização, assim como fazer o exercício contrário, pensando o que a organização espera deles.

Depois dessa análise, será possível identificar quais são os prioritários, ou seja, aqueles que são mais sensíveis e para os quais a comunicação terá mais atenção.

Em seguida, tendo por base as expectativas dos púbicos e suas próprias, as organizações devem propor ações para se relacionar com seus públicos. Pode-se pensar em ações que utilizem alguma mídia e ações de comunicação pessoal.

Podem ser usados, por exemplo, boletins impressos e eletrônicos, cartas de agradecimento feitas manualmente em papel reciclado produzido em oficinas da organização, visitas semestrais aos doadores, encontros com as famílias, eventos para captar recursos, eventos científicos, festas para a comunidade, mural, caixa de sugestões, telefonemas.

Todos eles, claro, podem ser acompanhados de ações de assessoria de imprensa e de publicidade. Cabe à organização usar de sua criatividade e aliar os recursos de que dispõe a seus objetivos.

O mais importante é perceber que há muitas maneiras de promover comunicação com seus públicos e que elas podem ser utilizadas de acordo com a realidade da organização.

Podemos pensar em uma organização que desenvolva programas de educação complementar e atividades culturais para jovens no Capão Redondo, em São Paulo. Ela poderia identificar como alguns de seus públicos os jovens que moram da região, suas famílias, outras organizações do bairro, outras organizações que realizem a mesma atividade na região sul da cidade, o grupo de suas 20 empresas doadoras, o grupo de 40 doadores pessoas físicas, o Conselho Tutelar, a Secretaria Estadual de Cultura e as escolas regulares da região.

Suponhamos que esta organização tenha identificado que a expectativa de seus doadores seja a de contribuir para a inclusão social dos jovens que participam das atividades e que esta organização espera que eles sejam fiéis e continuem parceiros da organização, não apenas fazendo doações financeiras, mas comprometidos de fato com a melhoria das condições sociais do bairro.

A comunicação para este público poderia ser feita por uma combinação de: visitas trimestrais ao doador para contar sobre o andamento dos projetos, uma visita anual do doador ao bairro e à organização, envio anual de relatório de atividades e reunião anual para discutir com os doadores os planos da organização.

A organização teria estabelecido uma mecânica de relacionamento capaz de ouvir o doador e de fazê-lo conhecer melhor e acompanhar suas atividades. E nem sempre é preciso usar a mídia para comunicar.

O que há de diferente entre comunicar a partir da transmissão de informações e comunicar pensando em se relacionar com seus públicos, é que as organizações instituem o processo de interação e de ouvi-los. Permitir que as pessoas possam colocar suas impressões, dar idéias, fazer críticas, tirar dúvida gera uma sensação de pertencimento, o que naturalmente cria e estreita vínculos.

Assim, comunicar com eficácia é possível para todos no Terceiro Setor. A já conhecida idéia de “pensar globalmente e agir localmente” faz bastante sentido para a comunicação no Terceiro Setor também. Antes de pensarmos em uma grande campanha na televisão veiculada em rede nacional para que as pessoas conheçam nossa organização, podemos procurar saber o quanto o nosso bairro e o comércio local nos conhecem.

É muito importante que todas as atividades de comunicação estejam orientadas por um objetivo comum, de forma a se complementar. Assim, sejam quais forem as formas escolhidas pela organização elas devem seguir na mesma direção, orientadas pela mesma identidade e pelas mesmas mensagens.

Conclusão
Dessa forma, a comunicação torna-se uma ferramenta de gestão no Terceiro Setor que contribui para que seus desafios sejam superados. Ela contribui para que se estabeleça e cresça sua legitimidade porque é possível compartilhar com as pessoas da importância daquela causa, preocupados em ser compreendidos.

A comunicação também contribui para que sua captação de recursos melhore porque as pessoas entendem o que ela faz e a relevância de seu trabalho. São também convidadas a participar e doar (recursos financeiros, trabalho, objetos...) e podem ser mais cuidadas para que queiram estar junto e se tornem fiéis.

Além disso, a comunicação ainda pode contribuir para promover colaboração entre os três setores e para tornar os funcionários e voluntários alinhados à missão da organização e mais motivados.

E, sobretudo, por meio da comunicação as organizações podem obter da sociedade o reconhecimento da importância de sua causa e a mobilização tão necessárias para promover mudança cultural e cumprir sua missão.


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[1] SALAMON, L. Estratégias para o Fortalecimento do Terceiro Setor. In: IOSCHPE, E. B. (org). 3º Setor – Desenvolvimento Social Sustentado. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 89-112

[2] Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990

Referências bibliográficas:
BRUNETTI, Renata M. A escuta do “mundo da vida” na constituição de uma sociedade emancipatória. Tese de Doutorado, Núcleo de Identidade, Departamento de Psicologia Social – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, São Paulo, 2007.

FERNANDES, Rubem César. Privado Porém Público. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, 3ª ed.

FRANÇA, Fabio. Públicos: como identifica-los em uma nova visão estratégica. São Caetano do Sul: Yendis, 2004

KUNSCH, Margarida M. K. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Summus Editorial, 2003

MENEGHETI, Silvia Bojunga. Comunicação e Marketing: fazendo a diferença no dia-a-dia das organizações da sociedade civil. São Paulo: Global, 2001

MOREIRA, Fabiana M. D. de Campos. Comunicação e Relações Públicas para a Superação dos Desafios do Terceiro Setor. São Paulo: ECA/USP, 2006

SIMÕES, Roberto P. Relações Públicas: função política. São Paulo: Summus Editorial, 1995


Fabiana Dias de Campos Moreira
Jornalista pós-graduada em Relações Públicas e Comunicação Organizacional pela ECA/USP, atua no Terceiro Setor em Comunicação e Captação de Recursos há 10 anos e foi professora da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). É consultora da Atuação Social – Idéias em Sustentabilidade para Iniciativas Sociais, onde desenvolve programas de sustentabilidade para organizações do Terceiro Setor e empresas e realiza cursos e oficinas. fabianadias@atuacaosocial.com.br

Revista eletrônica Integração - Edição nº 86 - Julho de 2008


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