quinta-feira, 5 de julho de 2007

Novos cursos focam a economia no direito e nas políticas públicas

Stela Campos
Publicado pelo
Valor Online em 04/07/07

Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da FGV, quer mais rigor na seleção dos alunos na graduação e no mestrado
(Foto:Carol Carquejeiro / Valor)

A Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas está lançando para o próximo ano dois novos cursos de mestrado profissional. O primeiro é sobre economia e políticas públicas e o segundo relaciona economia e direito. Desde o seu lançamento em 2004, a escola oferecia apenas um mestrado profissional dirigido a área de finanças e economia empresarial.

A decisão de ampliar o número de mestrados profissionais está relacionada ao fato da escola hoje estar com seu curso de graduação mais consolidado. "Estamos formando a primeira turma no fim do ano", comemora o diretor Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda de São Paulo. Dos 50 estudantes que começaram a graduação, apenas 30 receberão o diploma. "Tivemos reprovações e algumas desistências. Nosso curso não é fácil", diz o diretor. Os estudantes têm aulas tempo integral e só podem fazer estágio no último ano.

No vestibular, a procura já chega a 13 candidatos por vaga. "Estamos fazendo ajustes para apertar ainda mais a prova", diz Nakano. O "aperto" também será aplicado a algumas disciplinas do curso, segundo o diretor. "Queremos apenas os melhores alunos e sabemos que já existe uma seleção natural".

O mesmo rigor na admissão, segundo Nakano, é aplicado aos mestrados profissionais. O objetivo é atrair executivos mais seniores, com 5 a 8 anos de atuação no mercado. Para ingressar no curso, eles precisam prestar o GMAT ou o GRE, exames de seleção utilizados pela maioria dos cursos de MBA internacionais, que testam conhecimentos de administração em inglês. "No nosso caso, não existe nota de corte porque o exame já é bem seletivo", explica.

Além das provas, os interessados passarão por entrevista e terão seus currículos analisados pela escola. "Procuramos pessoas no meio da carreira com vontade de fazer um curso mais sofisticado que um MBA", explica Nakano. "No mestrado profissional não damos soluções prontas como acontece nesse tipo de curso".

O mestrado profissional é stricto sensu e exige a apresentação de uma dissertação no fim do curso. Ele é aprovado pela Capes e concede o título de mestre. O aluno tem nove horas de aulas semanais e três de atividades práticas, com exercícios e discussões de casos. O estudante frequentará a escola duas noites e também aos sábados. No total, serão 675 horas em classe dedicadas ao estudo.

O conteúdo do mestrado em economia das políticas públicas, segundo Nakano, foi elaborado depois de dois anos de discussão entre os professores da Escola de Economia. Ele terá um enfoque mais político do que administrativo, como acontece nos cursos mais tradicionais de administração pública.

"Não falaremos sobre questões burocráticas das instituições, como elaboração de orçamentos e a gestão de recursos humanos", explica Nakano. "O objetivo é que os alunos dominem métodos quantitativos para desenvolver e avaliar políticas públicas", diz. Instrumentos analíticos, segundo ele, podem ajudar o profissional a medir, por exemplo, a qualidade do ensino e seu impacto num estado ou país.

Para Nakano, o curso pode ser útil tanto para políticos como para pessoas interessadas em questões sociais e Organizações Não Governamentais (ONGs). A inspiração do mestrado veio dos cursos "Master in Public Policy", criados na década de 1960, adotado por diversas escolas americanas como a John F. Kennedy School of Goverment da Universidade de Harvard e a Goldman School of Public Policy da Universidade da Califórnia.

Já o mestrado profissional em economia e direito foi desenhado para economistas e juristas. "As duas áreas se conversam cada vez mais e eles precisam falar a mesma língua", explica Emerson Ribeiro Fabiani, coordenador executivo da Escola de Direito de São Paulo da FGV. "Forneceremos ferramentas instrumentais para ajudar nesse diálogo", diz.

Os alunos desse mestrado estudarão desde microeconomia e estatística até a constituição econômica do direito. A elaboração do conteúdo foi fruto de uma parceria entre a Escola de Economia e a Escola de Direito de São Paulo, que começou a funcionar em 2005. A procura pelo curso de graduação em direito hoje está em torno de 20 candidatos por vaga. "O índice de reprovação também é alto", diz Fabiani.

Mais informações no site: www.fgvsp.br/vestibulares

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Defensores do Estatuto do Desarmamento vêem pressão da indústria em MP

Cristiane Agostine, Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Bueno
Publicado pelo
Valor Online em 04/07/07

Raul Jungmann (PPS-PE): "Não resta sombra de dúvida de que (a medida provisória) foi para beneficiar o lobby da indústria de armas e corporações oficiais"
(Foto: José Cruz / ABR)

As alterações ao Estatuto do Desarmamento contidas na MP 379 editada na última sexta-feira foram recebidas com críticas por deputados e Organizações Não-Governamentais. A redução da taxa de recadastramento - de R$ 300 para R$ 60 - é um dos pontos mais elogiados da medida. O item mais polêmico da MP é a isenção de teste psicológico e de teste de manejo de armas para os proprietários de armas de calibre 22 e de calibre 16.

Para Antônio Rangel Bandeira, coordenador do Projeto de Controle de Armas da ONG Viva Rio, a facilitação da venda de armas de baixo calibre é 'escandalosa': "Não dá para entender. A munição de uma arma dessas pode fazer muitos estragos, pode matar uma pessoa por hemorragia. É uma medida absurda". Segundo Rangel, as ONGS pressionarão o governo e os deputados a alterarem esse ponto da MP. As mudanças serão propostas quando o texto entrar em pauta de votação.

Vice presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), diz que as armas de baixo calibre são 'tão mortíferas quanto qualquer outra': "É como se o Estado desse uma licença para matar a quem tem calibre 22".

Relator do Estatuto do Desarmamento, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) também protestou: "É um escândalo".

Ambos reclamam da forma como o item foi incluído no projeto. Entidades e parlamentares foram chamados a dialogar sobre a MP mas reclamam não terem tomado conhecimento da flexibilização da venda das armas de baixo calibre. Segundo Jungmann o governo foi democrático até a última hora: "Na hora de editar a MP, mutilou o projeto", reclama o deputado.

Entidades e parlamentares acreditam que o governo cedeu à pressão de empresas do setor. "Não resta sombra de dúvida de que foi para beneficiar o lobby da indústria de armas e corporações oficiais", critica Jungmann. Rangel Bandeira, da Viva Rio, concorda: "Pode ser lobby do comércio de armas. É preciso derrubar esse ponto".

A maior fabricante de pistolas do país é a gaúcha Forja Taurus. A empresa não quis comentar a edição da medida provisória. Em 2006, a Taurus fez um total de R$ 1,1 milhão em doações para candidatos proporcionais na Câmara federal e nas Assembléias Legislativas. Dos 31 candidatos financiados pela fabricante de armas, 24 eram do Rio Grande do Sul, com 77,5% das doações. Consta um único nome do PT, o da deputada Emília Fernandes (RS).

No Ministério da Justiça, do gaúcho Tarso Genro, rejeita-se a existência de pressão da indústria de armas. O secretário de assuntos legislativos do ministério, Pedro Abramovay, argumenta que o custo das armas de baixo calibre não é alto e que os custos com o pagamento de testes psicológicos, para provar a capacidade de uso, podem ser mais caros do que o da arma. "Esse tipo de arma tem uma precisão muito baixa e é usado por caçadores e populações ribeirinhas. Não são usadas para o crime", diz. "Se tiver que pagar testes, eles não vão registrá-la e nós queremos que eles registrem para podermos ter controle."

A medida provisória também deve estimular as vendas diretas para policiais, que, desde o Estatuto, ficaram sujeitos a uma renovação de porte de dois em dois anos. Pela MP, o procedimento passou a ser automático. Jungmann acredita que esse ponto dificulta um controle do volume de armas que circulam no país: "Com a renovação automática, o governo não terá condições de saber se a arma continua ou não com o antigo proprietário", diz. 0 parlamentar lembra que 22% das armas apreendidas na mão de bandidos são legais. Teme que a renovação automática do porte confunda esse controle. "Se um policial, por razões particulares, tiver que vender sua arma e esse armamento vier a cair nas mãos de bandidos, não teremos condições de descobrir isso", justificou.

O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, negou ainda que haja mudanças nas regras de renovação do porte das armas particulares dos policiais. "Prossegue a obrigatoriedade de renovação do porte. O que os policiais estão dispensados é do pagamento da taxa e do teste de tiro. Mas terão que provar à Polícia Federal a sua idoneidade e as corporações terão que provar suas condições psicológicas".

Luiz Paulo Barreto não acredita que a nova MP vá promover um aumento na venda das armas ou beneficiar as empresas de segurança privada. "O que temos de ter claro é que o referendo do Desarmamento autorizou o uso das armas no país. Queremos fiscalizar mais, mediante redução de taxas e uma campanha maciça de publicidade, pelos próximos seis meses, para orientar a população", justificou o secretário-executivo do Ministério da Justiça.

As estimativas são de que estão hoje em serviço no Brasil 400 mil policiais civis, militares e federais. Considerando o preço médio de uma pistola na faixa de R$ 1,8 mil, o mercado potencial do segmento chegaria a R$ 720 milhões.

Na Forja Taurus, as vendas de armas no mercado interno cresceram de R$ 7,6 milhões no primeiro trimestre de 2006 para cerca de R$ 10 milhões no mesmo período deste ano. Os maiores clientes são policiais, seguidos das licitações promovidas por órgãos de segurança pública. No total, a receita líquida da empresa cresceu quase 82% no primeiro trimestre, puxada pelas exportações, que subiram de R$ 16,8 milhões para R$ 38,4 milhões.

No entendimento do Ministério da Justiça, é natural que os policiais comprem armas para uso pessoal, assim como tenham isenção de taxas. "O policial já tem como profissão o uso de armas. Não precisa fazer nenhum teste e nem pagar mais nenhuma taxa", diz Abramovay, do Ministério.

Segundo analistas que acompanham o setor, o impacto no mercado civil da liberação das armas de pequeno calibre é pequeno, pela fatia restrita desse mercado. A flexibilização, no entanto, tranqüiliza a Taurus que, durante as discussões a respeito do referendo sobre a proibição da venda de armas, temia uma eventual retaliação comercial dos países para os quais a empresa exporta, principalmente os EUA.

Com a redução na taxa de recadastramento, o Ministério da Justiça acredita que aumentará a legalização de armas, facilitando o controle. A estimativa feita por entidades que combatem a violência é de que mais de 5 milhões de armas ainda não estão legalizadas. A MP também prorroga a campanha de recadastramento até 31 de dezembro. No texto também é estabelecido um valor máximo para a cobrança dos testes psicológico e de manejo de armas.

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Verdes estão paralisados diante de Angra 3

Daniela Chiaretti
Publicado pelo
Valor Online em 04/07/07

Guggenheim, do Greenpeace, faz uma autocrítica: "Não estamos conseguindo passar a idéia de resistência ao nuclear"
(Foto:Marisa Cauduro/Valor )

A longa paralisia das obras de Angra 3, que levou 21 anos, parece ter congelado também a reação ambientalista no Brasil. Na agenda verde, energia nuclear continua sendo opção medonha: todos os ecologistas históricos são contra. Mas não se vêem carros com adesivos contrários ao nuclear ou chamadas para debates públicos. Na semana passada, quando o Conselho Nacional de Política Energética, o CNPE, aprovou a retomada das obras da usina, as vozes mais contundentes de resistência surgiram de cantos institucionais - da ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que há meses diz que é contra, e de um ex-ministro e ex-secretário de Estado, o físico nuclear José Goldemberg. Os dois têm argumentos complementares: Marina fala nos riscos da atividade e na falta de solução para o destino do lixo atômico; Goldemberg diz que energia nuclear é cara e que o Brasil despreza o leque de opções mais atraentes que tem à frente. Os ambientalistas, que fizeram grande oposição às usinas do rio Madeira, em Rondônia, andam passivos diante da nova central nuclear entre Rio e São Paulo.

Só o Greenpeace, a mais famosa organização ambientalista do mundo e que tem no combate à proliferação nuclear uma bandeira, organizou um ato público em Brasília, no dia da votação - tímido, considerando-se que a entidade tem por estratégia promover ações mirabolantes para despertar a sociedade para as questões ambientais. "Também me surpreendeu: cadê os ambientalistas para cuidar disso? Passou incólume", registra o físico Luiz Pinguelli Rosa, um especialista no tema. "Estranho, porque para fazer qualquer poça d´água vira um inferno", continua, referindo-se à mobilização em relação às hidrelétricas. "Hoje o assunto nuclear é melhor recebido que a hidroeletricidade", constata.

Nas três audiências públicas realizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, o Ibama, em Paraty, Angra dos Reis e Rio Claro no mês passado, só ONGs locais estavam presentes. "A decisão pelo nuclear é política, tomada nos ministérios de Brasília", diz Frank Guggenheim, diretor executivo do Greenpeace no Brasil, justificando a ausência de ativistas nos eventos e a opção por fazer apenas um ato em frente à reunião do CNPE. O Greenpeace, junto com outras dez entidades, protocolou no Ibama um pedido de cancelamento das audiências públicas entendendo que havia falhas no processo - o estudo de impacto ambiental, o EIA-Rima, deveria estar disponível em vários lugares, para consulta pública, e, segundo o Greenpeace, não estava. "Mas temos que fazer uma autocrítica: acho que não estamos conseguindo comunicar a mensagem de oposição ao nuclear", reconhece Guggenheim.

"O único movimento que consegue mobilizar muita gente hoje no Brasil é o GLBT", diz o secretário estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Carlos Minc, com resignação incomum para seu passado de militância verde, duas usinas nucleares no quintal e uma terceira a caminho. "Vou a todas as paradas do Orgulho Gay. É um dos meus públicos fortes." Minc busca no mundo exterior razões para explicar a falta de discussões do tema nuclear junto a outras fatias de seu "público forte". Acha que as manifestações populares estão esvaziadas no geral, não só as relativas às questões ambientais. E que a falta de acidentes graves no mundo, nas proporções de Three Mile Island (nos EUA, em 1979), e do pior de todos, Chernobyl (na Ucrânia, em 1986), diminuiu o temor das pessoas em relação às usinas. "O que se vê hoje são geleiras derretendo. Isso tirou o foco do nuclear", acredita.

Minc prepara uma lista de exigências para enviar ao Ibama, que analisa o EIA-Rima de Angra 3 no processo pré-licença prévia. A primeira delas é pedir um centro de monitoramento independente das centrais, como existe na Espanha. A segunda é estabelecer um prazo para a solução definitiva dos resíduos nucleares. "Ou o que é provisório vai se cronificando", diz. "O Estado do Rio já tem o risco nuclear e mais o lixo de Angra 1, Angra 2 e agora o de Angra 3."

A terceira providência é sobre uma via de escape mais adequada que a Rio-Santos, "uma estrada mal feita, que volta e meia despenca e sempre engarrafa". Minc já participou de exercícios de emergência para evacuação da área. "É uma vergonha", conta. "São 50 pessoas que vão para o ponto X, ganham um crachá e um sanduíche de mortadela e depois vão para o ponto Y; assim passam meia hora, pra lá e pra cá, até irem para casa. Se ocorrer algo de verdade, 80% da população não vai saber o que fazer." Ele pedirá a construção da controversa estrada Paraty-Cunha, um caminho pelo Parque da Serra do Mar que há 20 anos opõe ambientalistas a prefeitos da região, mas que, segundo Minc, teria que ser feito "nos padrões do Ibama e bancado pelo empreendedor de Angra 3", a Eletronuclear.

"Eu era um crítico do nuclear e continuo", esclarece Minc. Segundo ele, nos últimos anos, nas centrais de Angra ocorreram 17 incidentes médios ou pequenos (desde um laboratório que veio encosta abaixo a vazamentos de água no núcleo primário do reator e problemas com varetas de combustível) e só dois se tornaram públicos. "O Brasil desperdiça 22% da energia que produz; as perdas na França ou na Alemanha são de 6% a 7%. Não seria mais razoável ter um programa de eficiência energética do que erguer usinas nucleares?".

O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) explica com um tripé de razões o fato de a oposição ao nuclear ter escorregado da agenda ambientalista. A urgência do tema do aquecimento global, que transformou o nuclear em uma alternativa limpa, colocou dúvidas em alguns verdes. A crise energética é a segunda perna. Hoje, parlamentares da Frente Ambientalista da Câmara se reúnem para discutir a questão. "Eu sou contra", adianta Gabeira. "Não há respostas adequadas para o lixo e nem para a saída em massa no caso de acidente." Gabeira enxerga outro risco. "Está se projetando algo que deve funcionar até 2040 ou 2050, mas a coordenada do aumento do nível do mar não aparece no EIA-Rima do projeto", diz. "Serão três usinas à beira-mar, que guardam material radioativo e que deveriam passar por um reexame já que as águas vão subir."

O último golpe - a terceira ponta do tripé, na opinião de Gabeira -, veio com as opiniões do cientista James Lovelock, guru dos ambientalistas e autor da teoria de Gaia, segundo a qual a Terra se comporta como um organismo vivo e se auto-regula. Em 2004, Lovelock, químico com doutorado em medicina e biofísica, disse que os verdes estavam errados, que o gás carbônico matará a todos se não se fizer nada e que a energia nuclear era a saída mais realista para enfrentar o perigo. Até o nó do lixo atômico é um mito, detonou o inglês. Segundo ele, 50 anos de atividade nuclear no Reino Unido produziram apenas 10 metros cúbicos de lixo que poderiam estar "perfeitamente seguros em uma caixa de concreto do tamanho de uma casa pequena". Mas e o Brasil?, perguntaram a Lovelock em uma entrevista. "O Brasil é solar", sugeriu.

O físico José Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo, analisa o risco embutido na opção nuclear com bem menos condescendência. Ele acaba de voltar de Washington, onde esteve com um dos cinco comissários do NCR, o órgão que regulamenta a instalação de centrais nucleares nos EUA. Por ali, o licenciamento de uma nova usina custa US$ 100 milhões, tantas são as condicionantes. O destino final das 70 mil toneladas de lixo atômico produzidas em 104 reatores continua um problema. A opção por colocá-las em Nevada, na Yucca Mountain, dentro de túneis profundos vedados por portas de aço, é contestada há sete anos. E por mais que o governo Bush se esforce em tornar a energia nuclear atraente, não há ninguém na fila de espera com novos projetos. "Os custos e os riscos são muito altos", diz Goldemberg, que acha os valores de Angra 3 completamente subestimados: "São coisa de economista no primeiro ano de graduação", alfineta. "E ninguém acredita neste cronograma de 66 meses", continua. Para a Agência Internacional de Energia Atômica, a AIEA, o prazo médio de construção de uma central é de 10 anos. Angra 2 levou duas décadas para entrar em operação. "Já pensou qual o custo adicional que se vai pagar? Esta é uma decisão chapa branca com um custo de papel."

Serão três usinas na costa, mas o estudo ambiental não leva em consideração o aumento do nível do mar" - Fernando Gabeira, deputado federal (PV-RJ)

Pinguelli Rosa, que não é um crítico tão radical ao uso do nuclear no mundo, concorda com Goldemberg. "Não sou favorável ao Brasil gastar R$ 7,2 bilhões para concluir um reator de 1.350 MW." Ele prefere a energia hidrelétrica, o gás natural, a eólica, a que pode ser gerada pelas ondas do mar, pelo bagaço da cana e até pelo lixo urbano. "Não precisava fazer Angra 3 agora, e por este preço, jamais", diz. "É um preço lunático."

O Greenpeace International realizou um estudo, em 2006, onde se lê o estouro dos custos estimados de 75 reatores nucleares nos EUA em relação às previsões iniciais. As estimativas eram de algo próximo a US$ 45 bilhões e os valores chegaram a US$ 145 bilhões. O estudo mostra também que o tempo médio de construção das usinas saltou de 66 meses na metade dos anos 70, para 116 meses (quase dez anos) na década seguinte. Na Índia, os últimos reatores registraram valores que, em média, superaram o orçamento inicial em 300%. Na Finlândia, o único país da Europa Ocidental que está construindo uma usina, as obras estão atrasadas e os custos estouraram.

"Que esta seja uma opção limpa para o efeito-estufa é só a nova embalagem da indústria nuclear", diz Guggenheim, do Greenpeace. Para ter alguma influência sobre as mudanças climáticas, diz, teriam que ser construídas três mil novas nucleares no mundo em dez anos. "Isso significa 300 usinas por ano. Nem o McDonald´s nos tempos áureos conseguia abrir uma loja por dia no mundo", diz. A Califórnia cresceu nos últimos anos sem aumentar o consumo de energia, só investindo na racionalização e na eficiência energética. A cidade de São Paulo, que gasta 10% a 15% de energia no horário de pico com chuveiro elétrico, poderia economizar esta fatia com energia solar. Com o Procel, o programa nacional de conservação de energia elétrica, o Brasil conseguiu economizar 5 mil MW - o equivalente a quase quatro Angra 3. "Mas isso não dá ibope para ninguém, não são obras", diz Guggenheim.

No site da Casa Branca, em 21 de junho, constava a inauguração da primeira usina nuclear nos EUA desde os anos 80, a Brown´s Ferry Unit 1, no Alabama, na verdade outra unidade de uma usina já em operação há vários anos. "Há mais de 30 anos os EUA não têm um projeto novo e muitas das 104 usinas em operação estão chegando ao final da vida útil", diz Glenn Switkes, coordenador para a América Latina da ONG International Rivers Network. "No Brasil, as melhores opções são a eficiência energética, a conservação e o incentivo às fontes renováveis", opina. "Por aqui, o movimento ambientalista está enfraquecido, e é muito mais difícil enfrentar uma Angra 3."

Um exemplo concreto são as várias petições que o Fórum Brasileiro de ONGs enviou ao CNPE sugerindo nomes para as duas vagas no Conselho correspondentes a membros da sociedade civil e da universidade. Segundo o Ministério da Energia, o último nome a ocupar o lugar das universidades foi Jerson Kelman, diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica; o último representante da sociedade civil foi Euclides Scalco, ex diretor-geral da Itaipu Binacional. Kelman saiu em 2005 e Scalco, em 2002. Foi com as duas cadeiras vagas que o CNPE votou pela volta de Angra 3 na semana passada.

Se o debate em torno à opção nuclear inexiste no Brasil, foi bem diferente em outros países. Na Itália, um plebiscito em 1987 levou 65% da população às urnas e 80,6% votaram contra o uso da energia nuclear no país. Na Alemanha, há anos se decidiu pela não construção de novas centrais, política que o governo de Angela Merkel resolveu continuar. "O que se discute agora, é a vida útil das usinas existentes e o destino do lixo atômico", diz Thomas Fatheuer, diretor-executivo da Fundação Heinrich Böll no Brasil, ligada ao movimento verde alemão. A eterna busca pelo depósito definitivo do lixo atômico é uma "novela na Alemanha", diz. O provisório fica na velha mina de sal de Gorleben. Fatheuer rejeita a idéia do renascimento do nuclear no mundo: "A grande esperança do setor é a China, a Índia e a África do Sul. Na Europa, o único exemplo é a Finlândia." O setor nuclear, diz, "nunca teve preocupação alguma com o aquecimento global. Agora pega carona na questão climática. Mas não se pode justificar uma coisa com outra."

"Não vejo razão para o nuclear ter se tornado mais palatável aos ambientalistas", concorda Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. "Talvez falte força à oposição porque a agenda no Brasil está lotada, com a discussão simultânea de muitos projetos, da transposição do São Francisco às usinas do Madeira, estradas, térmicas, outras hidrelétricas, e agora mais Angra 3."

O rito em relação a Angra 3, pós-reunião do CNPE, parece um expediente formal, se visto pela ótica do lobby nuclear, ou uma corrida de obstáculos, se quem fala é ambientalista. Os verdes entendem que o processo está no início e com muito pela frente. Para a Eletronuclear, muito já foi percorrido. O EIA-Rima está desde 2005 no Ibama. O processo foi barrado por uma ação do Ministério Público Federal que entendia que Angra 3 tinha que passar pela aprovação do Congresso, como reza a Constituição. A justiça federal do Rio considerou que Angra 3 foi prevista antes da Constituição, suspendeu a liminar e o Eia-Rima voltou a andar no Ibama. As audiências públicas aconteceram e a fase agora é de análise pré-licença prévia. Feito isto, o Conselho Nacional de Energia Nuclear, a quem cabe a análise técnica do projeto, pode conceder a licença de construção.

"Com o plano de controle ambiental, que já está pronto, o Ibama pode conceder a licença de instalação e damos partida ao cronômetro dos 66 meses de obras", diz Leonam dos Santos Guimarães, assistente da presidência da Eletronuclear. Em paralelo, é preciso renegociar contratos. Guimarães espera ter a licença até o final do ano e disparar o tal cronômetro em 2008. Antes de tudo, cabe ao presidente Lula assinar a retomada da opção nuclear no Brasil. No Ministério das Minas Energia, a publicação da resolução da última reunião do CNPE é questão de dias.

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