quinta-feira, 5 de julho de 2007

Defensores do Estatuto do Desarmamento vêem pressão da indústria em MP

Cristiane Agostine, Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Bueno
Publicado pelo
Valor Online em 04/07/07

Raul Jungmann (PPS-PE): "Não resta sombra de dúvida de que (a medida provisória) foi para beneficiar o lobby da indústria de armas e corporações oficiais"
(Foto: José Cruz / ABR)

As alterações ao Estatuto do Desarmamento contidas na MP 379 editada na última sexta-feira foram recebidas com críticas por deputados e Organizações Não-Governamentais. A redução da taxa de recadastramento - de R$ 300 para R$ 60 - é um dos pontos mais elogiados da medida. O item mais polêmico da MP é a isenção de teste psicológico e de teste de manejo de armas para os proprietários de armas de calibre 22 e de calibre 16.

Para Antônio Rangel Bandeira, coordenador do Projeto de Controle de Armas da ONG Viva Rio, a facilitação da venda de armas de baixo calibre é 'escandalosa': "Não dá para entender. A munição de uma arma dessas pode fazer muitos estragos, pode matar uma pessoa por hemorragia. É uma medida absurda". Segundo Rangel, as ONGS pressionarão o governo e os deputados a alterarem esse ponto da MP. As mudanças serão propostas quando o texto entrar em pauta de votação.

Vice presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), diz que as armas de baixo calibre são 'tão mortíferas quanto qualquer outra': "É como se o Estado desse uma licença para matar a quem tem calibre 22".

Relator do Estatuto do Desarmamento, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) também protestou: "É um escândalo".

Ambos reclamam da forma como o item foi incluído no projeto. Entidades e parlamentares foram chamados a dialogar sobre a MP mas reclamam não terem tomado conhecimento da flexibilização da venda das armas de baixo calibre. Segundo Jungmann o governo foi democrático até a última hora: "Na hora de editar a MP, mutilou o projeto", reclama o deputado.

Entidades e parlamentares acreditam que o governo cedeu à pressão de empresas do setor. "Não resta sombra de dúvida de que foi para beneficiar o lobby da indústria de armas e corporações oficiais", critica Jungmann. Rangel Bandeira, da Viva Rio, concorda: "Pode ser lobby do comércio de armas. É preciso derrubar esse ponto".

A maior fabricante de pistolas do país é a gaúcha Forja Taurus. A empresa não quis comentar a edição da medida provisória. Em 2006, a Taurus fez um total de R$ 1,1 milhão em doações para candidatos proporcionais na Câmara federal e nas Assembléias Legislativas. Dos 31 candidatos financiados pela fabricante de armas, 24 eram do Rio Grande do Sul, com 77,5% das doações. Consta um único nome do PT, o da deputada Emília Fernandes (RS).

No Ministério da Justiça, do gaúcho Tarso Genro, rejeita-se a existência de pressão da indústria de armas. O secretário de assuntos legislativos do ministério, Pedro Abramovay, argumenta que o custo das armas de baixo calibre não é alto e que os custos com o pagamento de testes psicológicos, para provar a capacidade de uso, podem ser mais caros do que o da arma. "Esse tipo de arma tem uma precisão muito baixa e é usado por caçadores e populações ribeirinhas. Não são usadas para o crime", diz. "Se tiver que pagar testes, eles não vão registrá-la e nós queremos que eles registrem para podermos ter controle."

A medida provisória também deve estimular as vendas diretas para policiais, que, desde o Estatuto, ficaram sujeitos a uma renovação de porte de dois em dois anos. Pela MP, o procedimento passou a ser automático. Jungmann acredita que esse ponto dificulta um controle do volume de armas que circulam no país: "Com a renovação automática, o governo não terá condições de saber se a arma continua ou não com o antigo proprietário", diz. 0 parlamentar lembra que 22% das armas apreendidas na mão de bandidos são legais. Teme que a renovação automática do porte confunda esse controle. "Se um policial, por razões particulares, tiver que vender sua arma e esse armamento vier a cair nas mãos de bandidos, não teremos condições de descobrir isso", justificou.

O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, negou ainda que haja mudanças nas regras de renovação do porte das armas particulares dos policiais. "Prossegue a obrigatoriedade de renovação do porte. O que os policiais estão dispensados é do pagamento da taxa e do teste de tiro. Mas terão que provar à Polícia Federal a sua idoneidade e as corporações terão que provar suas condições psicológicas".

Luiz Paulo Barreto não acredita que a nova MP vá promover um aumento na venda das armas ou beneficiar as empresas de segurança privada. "O que temos de ter claro é que o referendo do Desarmamento autorizou o uso das armas no país. Queremos fiscalizar mais, mediante redução de taxas e uma campanha maciça de publicidade, pelos próximos seis meses, para orientar a população", justificou o secretário-executivo do Ministério da Justiça.

As estimativas são de que estão hoje em serviço no Brasil 400 mil policiais civis, militares e federais. Considerando o preço médio de uma pistola na faixa de R$ 1,8 mil, o mercado potencial do segmento chegaria a R$ 720 milhões.

Na Forja Taurus, as vendas de armas no mercado interno cresceram de R$ 7,6 milhões no primeiro trimestre de 2006 para cerca de R$ 10 milhões no mesmo período deste ano. Os maiores clientes são policiais, seguidos das licitações promovidas por órgãos de segurança pública. No total, a receita líquida da empresa cresceu quase 82% no primeiro trimestre, puxada pelas exportações, que subiram de R$ 16,8 milhões para R$ 38,4 milhões.

No entendimento do Ministério da Justiça, é natural que os policiais comprem armas para uso pessoal, assim como tenham isenção de taxas. "O policial já tem como profissão o uso de armas. Não precisa fazer nenhum teste e nem pagar mais nenhuma taxa", diz Abramovay, do Ministério.

Segundo analistas que acompanham o setor, o impacto no mercado civil da liberação das armas de pequeno calibre é pequeno, pela fatia restrita desse mercado. A flexibilização, no entanto, tranqüiliza a Taurus que, durante as discussões a respeito do referendo sobre a proibição da venda de armas, temia uma eventual retaliação comercial dos países para os quais a empresa exporta, principalmente os EUA.

Com a redução na taxa de recadastramento, o Ministério da Justiça acredita que aumentará a legalização de armas, facilitando o controle. A estimativa feita por entidades que combatem a violência é de que mais de 5 milhões de armas ainda não estão legalizadas. A MP também prorroga a campanha de recadastramento até 31 de dezembro. No texto também é estabelecido um valor máximo para a cobrança dos testes psicológico e de manejo de armas.


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