sábado, 28 de julho de 2007

Três gerações de políticas sociais

Augusto de Franco, 2003

As políticas de intervenção centralizada do Estado, as políticas públicas de oferta governamental descentralizada e as políticas públicas de parceria entre Estado e sociedade para o investimento no desenvolvimento social, representam três gerações diferentes de políticas sociais. Pelo menos no Brasil, os dois primeiros tipos de políticas mencionados, que predominaram, respectivamente, nas décadas de 1980 e 1990, foram gestados, em grande parte, na década imediatamente anterior. E cada geração de políticas, ao se tornar dominante, incorpora ou mantém a geração anterior de modo subordinado.


A primeira geração: políticas de intervenção centralizada do estado

Nos anos 80, predominaram as políticas de intervenção centralizada do Estado, quer pela ação redentora de uma tecnoburocracia pretensamente iluminada, quer pela atuação clientelista e paternalista de atores políticos populistas ou de setores oligárquicos conservadores. Mas as sementes desse tipo de política foram plantadas nos anos anteriores, em grande parte na década de 1970. No Brasil, aliás, a Ditadura Militar se orgulhava do prodígio de ter elevado significativamente (quase) todos os indicadores sociais (o que é verdade, se considerarmos os indicadores sociais tradicionais, ou seja, aqueles que não pretendem medir a produção e a reprodução do capital social).

As políticas de intervenção centralizada do Estado são as políticas sociais de primeira geração, para as quais:

i) o Estado é suficiente;

ii) os benefícios são uma espécie de concessão do poder e/ou de intermediação político-partidária, eleitoral ou institucional;

iii) seus serviços não são encarados propriamente como direitos; e

iv) a gestão governamental não é pública porquanto não é transparente, admite graus insuficientes de accountability e não incorpora – em uma dinâmica democrática – outros atores na sua elaboração, na sua execução, no seu monitoramento, na sua avaliação, no seu controle ou na sua fiscalização.


A segunda geração: políticas públicas de oferta governamental descentralizada

Nos anos 90, predominaram as políticas públicas universais, baseadas na oferta estatal e que podem ser resumidas na célebre (e um tanto surrada) máxima: “direito do cidadão, dever do Estado”. No entanto, as idéias e as práticas seminais que possibilitaram o florescimento desse tipo de política foram experimentadas na década de 1980 e, no Brasil, tiveram sua expressão-síntese legal na Constituição de 1988.

As políticas públicas de oferta governamental descentralizada são as políticas sociais de segunda geração, para as quais:

i) o Estado não é mais suficiente porém cumpre ainda um (quase) exclusivo papel protagônico (desde que consiga se publicizar, razão pela qual as políticas públicas são encaradas, apenas ou principalmente, como políticas governamentais);

ii) deve-se perseguir os objetivos da despartidarização e da despersonalização, com o fim da intermediação político-partidária, eleitoral ou mesmo institucional, na oferta dos recursos públicos;

iii) deve-se eliminar progressivamente o clientelismo e o assistencialismo;

iv) deve estar obrigatoriamente presente a preocupação com a eficiência, a eficácia e a efetividade dos programas e das ações de governo, com seu monitoramento e avaliação e com a sua fiscalização ou controle por parte da sociedade;

v) embora admitam ações focalizadas em alvos ou públicos específicos (trabalho infantil, portadores de deficiências, crianças, gestantes e nutrizes em situação de risco etc.) os programas universais ainda são concebidos, em grande parte, de forma centralizada e sua execução é pensada a partir da oferta massiva e indiferenciada, enfatizando-se sempre, e não por acaso, os bilhões destinados para programas de previdência social, saúde e saneamento, educação, qualificação para o trabalho, combate à pobreza e distribuição de terra e de renda, os quais comporiam uma “rede” de proteção social, suposto sucedâneo, ou melhor, substitutivo, no caso do Brasil, do inatingido (e inatingível) Welfare State.


A terceira geração: políticas públicas de parceria entre estado e sociedade para o investimento no desenvolvimento social

Nos primeiros anos do Século 21, entretanto, ainda não floresceram plenamente as idéias e práticas seminais incubadas nos anos 90 e que constituiriam uma terceira geração de políticas sociais, a qual poderia ser resumida pela nova máxima giddensiana: “nenhum direito sem responsabilidade”. As políticas sociais de terceira geração são políticas multi e intersetoriais de desenvolvimento social, de investimento em ativos (nas potencialidades já existentes em setores e localidades) e não apenas de gasto estatal para satisfazer necessidades setoriais.

Para essa terceira geração de políticas sociais:

i) o Estado é necessário, é imprescindível, é insubstituível, porém não é suficiente, ou melhor, o Estado é tão necessário quanto insuficiente, devendo-se, portanto, lançar mão de parcerias e buscar constelar sinergias entre todos os setores (o Estado, o mercado e a sociedade civil) para promover o desenvolvimento;

ii) política pública não é sinônimo de política governamental, o Estado não detem nem deve deter o monopólio do público, existe uma esfera pública não-estatal em expansão, constituída por entes e processos da sociedade civil de caráter público, voltados, cada vez mais, à promoção do desenvolvimento;

iii) promover o desenvolvimento social não constitui uma tarefa lateral e separável das outras tarefas do Estado como indutor do desenvolvimento, na medida em que todo desenvolvimento é desenvolvimento social;

iv) induzir o desenvolvimento significa investir em capacidades permanentes de pessoas e comunidades (ou seja, basicamente, investir em capital humano e em capital social) para que possam afirmar uma nova indentidade no mundo ao ensaiar seu próprio caminho de superação de problemas e de satisfação de necessidades, tornando dinâmicas suas potencialidades para antecipar o futuro que almejam.

Evidentemente, essa terceira geração de políticas sociais corresponde a uma pauta de superação dos anos 90. Entretanto, por alguma razão, essa pauta ainda não está vigorando, a não ser de modo fragmentado e disperso, em localidades e setores, em geral periféricos do ponto de vista do padrão predominante de desenvolvimento.

Ora, isso indica três coisas. Em primeiro lugar, que os anos 90 devem ainda ser revelados. Em segundo lugar, que se deve trabalhar para difundir uma nova pauta para as primeiras décadas do presente século, uma pauta que materialize as inovações introduzidas na década anterior. E, em terceiro lugar, que enquanto esses trabalhos de convencimento e de disseminação não se consumam, a semeadura da década de 1990 deve ser protegida.


Desvelando os anos 90: do novo paradigma da administração pública para um novo padrão de relação entre estado e sociedade

Os anos 90 foram os anos em que se materializou um novo paradigma da administração pública, representado por uma reforma administrativa da estrutura e do funcionamento do aparelho de Estado que contemplava, entre outras coisas:

i) a redefinição do papel do Estado e a reformatação legal de seus organismos;

ii) a privatização e a publicização de funções consideradas não privativas ou exclusivas de Estado e a execução descentralizada e, em alguns casos, terceirizada, de programas governamentais;

iii) a idéia de direito universal à oferta estatal de políticas de qualidade;

iv) a satisfação do beneficiário como cliente de serviços públicos;

v) a avaliação de resultados com base em critérios de eficiência, eficácia e efetividade (impacto); e

vi) o controle social de programas e ações de governo por parte de uma grande variedade de conselhos setoriais de políticas públicas com participação cidadã.

Todavia, nos anos 90 foram também lançadas as sementes de um novo padrão de relação entre Estado e sociedade, que poderia ser representado por algo como uma “reforma” das políticas sociais. Tal “reforma” foi prefigurada, porém não foi consumada. Ao contrário das outras reformas – digamos, clássicas – do Estado, ela não seria baseada em uma nova lei, nem seria operada por atores político-institucionais tradicionais, mas seria feita “por dentro”, como rebatimento de um experimentalismo inovador que apenas começou a vicejar sob o influxo de novas realidades emegentes, tais como:

i) a expansão de uma esfera pública não-estatal;

ii) o crescimento espantoso de um chamado terceiro setor;

iii) o surgimento de novas idéias e práticas de responsabilidade social por parte de empresas e instituições da sociedade civil;

iv) a progressiva mudança da configuração da sociedade hierárquica para uma sociedade-rede (com destaque para a possibilidade da conexão global-local viabilizada pela Internet); e,

v) a construção de novos desenhos de programas públicos, mais compatíveis com essa nova configuração da sociedade – os chamados programas inovadores: focalizados, flexíveis, que desencadeiam inovações capazes de alterar seu desenho original, baseados em múltiplas parcerias, preocupados com monitoramento e avaliação constantes e voltados para a conquista da sustentabilidade.

Sobre esse último ponto, correndo os riscos do esquematismo e da caricaturização, sempre presentes nas tentativas de contrapor características de realidades diversas, poder-se-ia elaborar um quadro comparativo de programas tradicionais conservadores versus programas experimentais inovadores (ver Tabela 1). Como em todo esquema, as características assinaladas nas duas colunas da Tabela 1 constituem limites, em geral não-atingíveis plenamente. Por exemplo, não existem ações setoriais totalmente desarticuladas e, em contraposição, também não existem ações globais totalmente integradas. Para sermos mais precisos deveríamos dizer que os programas conservadores tendem a ser mais setorais e mais desarticulados do que os programas considerados inovadores. A rigor, portanto, não existem programas (totalmente) conservadores e programas (totalmente) inovadores. Nos programas realmente existentes predominam, todavia, ou características conservadoras ou características inovadoras.

Tabela 1



É preciso ver ainda que nos anos 90 foram também experimentados novos modelos de programas sociais como programas de indução ao desenvolvimento, baseados em uma nova concepção de desenvolvimento (humano, social e sustentável). Isso tudo teve a ver com inovações conceituais surgidas em diversos lugares do mundo e que, sobretudo graças à Internet, puderam ser compartilhadas em tempo real.

Apenas para dar um exemplo dessas inovações em termos de concepções que influenciaram fortemente a experimentação de novos programas e de novas ações de desenvolvimento, poder-se-ia citar:

i) a concepção sistêmica, sobretudo a concepção dos sistemas complexos adaptativos, trazendo consigo as idéias de sustentabilidade como função de integração e como conservação da adaptação (destacando-se nesta área o papel do Santa Fe Institute, fundado pelo físico Murray Gell-Man em 1984 mas que somente na década de 1990 pôde apresentar resultados mais significativos no tocante a uma nova visão sistêmica sobre as interações sociais);

ii) a hipótese da existência de vários fatores do desenvolvimento – não como externalidades, porém com o mesmo status de centralidade, os quais foram interpretados, assim, como outros tipos de “capitais” – e sobretudo o conceito de capital social (de vez que foi nos anos 90 que surgiu a maior parte das teorias do capital social, inclusive aquelas baseadas no suposto da capacidade da sociedade humana de gerar ordem espontaneamente a partir da cooperação);

iii) a idéia de cooperação e de cooperatividade sistêmica como elementos sem os quais a competição e a competitividade sistêmica levam a crescimento concentrador e, portanto, a crescimento sem desenvolvimento;

iv) a idéia da sociedade-rede (devendo ser lembrado que a obra principal de Castells, que melhor identificou tal fenômeno, é um fruto dos anos 90) bem como o desenvolvimento de uma nova disciplina de análise das redes sociais (Social Network Analysis), o surgimento das redes P2P e o estudo do encurtamento do tamanho do mundo em virtude do aumento da conectividade (o efeito “small-world networks”);

v) a idéia da radicalização ou democratização da democracia, da democracia em tempo real, democracia digital ou cyberdemocracy, e a compreensão das relações intrínsecas entre desenvolvimento e política (quer dizer, a concepção de desenvolvimento como mudança social);

vi) a compreensão da existência e do papel estratégico, para o desenvolvimento, da nova sociedade civil (ou seja, daquele conjunto de entes e processos extra-estatais e extra-mercantis, também chamado de terceiro setor);

vii) a compreensão do fenômeno complexo chamado de globalização e a idéia de glocalização; e

viii) o reflorescimento da perspectiva comunitária, a ‘volta ao local’, a revolução do local e a reformulação da idéia original de glocalização como localização (ou seja, a idéia de que ‘o local conectado é o mundo todo’ – esta última, porém, já fruto dos primeiros anos do terceiro milênio).

Tais idéias induziram (e continuam induzindo) profundas mudanças nas maneiras de pensar e de fazer políticas públicas. Não podemos simplesmente ignorá-las, sob pena de perder boa parte do que de inovador foi aportado pelos anos 90. Ao ficar fora da década de 1990 (neste sentido) corremos o risco de não perceber a promessa de “reforma” das políticas sociais que foi prenunciada por arte do experimentalismo inovador e que ainda poderá ser consumada.

Por isso é tão importante fazer um balanço da década anterior, investigando, por um lado, as políticas (governamentais) de segunda geração que nela se desenvolveram e, por outro lado, o experimentalismo pulverizado e desordenado da sociedade (muitas vezes em parceria com o Estado) em uma antecipação das políticas de terceira geração. Se não fizermos isso, corremos o risco de ser automaticamente remetidos ao passado, ficando sujeitos a ser orientados por concepções e práticas dos anos 80 (que nos induzirão a reeditar políticas de primeira geração).

De qualquer modo faz parte do exercício da nossa responsabilidade política pelo desenvolvimento social do Brasil tentar colocar na ordem do dia uma nova pauta, mais sintonizada com o novo século.


Uma nova pauta para as primeiras décadas do século 21

Uma pauta capaz de dar continuidade às inovações introduzidas nos anos 90, ou melhor, capaz de ensejar o pleno florescimento das idéias e práticas seminais experimentadas na década passada, constituiria uma proposta-base para um novo consenso, nem mercadocêntrico nem estadocêntrico, porém centrado na sociedade. Uma pauta como essa deveria contemplar, pelo menos, os oito pontos seguintes:

1 – Como correspondente da disciplina e da responsabilidade fiscal, a responsabilidade social de indivíduos e organizações.

2 – Ao invés de contenção (ou do aumento) do gasto público na área social, a mudança do perfil desse gasto, com a progressiva mas determinada substituição de programas centralizados e baseados na oferta estatal (principalmente os de transferência direta de recursos ou de renda) por programas descentralizados, que promovam a negociação e exijam contrapartidas locais visando estabelecer o casamento entre oferta e demanda, e por programas de indução ao desenvolvimento e de investimento em capital humano e em capital social baseados na parceria com o mercado e com o terceiro setor.

3 – Para além de uma reforma tributária que evite déficits fiscais, uma reforma tributária que também desonere a produção formal, abarque a economia informal e estimule o engajamento do terceiro setor nas atividades de interesse público.

4 – Concomitantemente com políticas voltadas para o saneamento e o fortalecimento do sistema financeiro nacional, o incentivo à construção de um sistema microfinanceiro, a ser operado tanto pelo mercado quanto pelo terceiro setor, tendo por objetivo ofertar crédito produtivo para tomadores formais e informais que não possam apresentar garantias reais, e com condições de captar poupança popular e de prestar outros serviços financeiros às populações sem acesso ao crédito formal e à propriedade produtiva.

5 – Contrabalançando políticas de privatização, políticas de publicização que envolvam a parceria com a sociedade e, em alguns casos, a transferência, para organizações da nova sociedade civil situadas na intercessão com o Estado e para organizações da sociedade civil de caráter público constituídas sob o influxo de razões de Estado, de funções até então desempenhadas pelo Estado.

6 – Juntamente com a desregulamentação, a instituição de mecanismos de controle social do Estado pela sociedade, de orientação social do mercado e de responsabilização social de todos os setores, que promovam a correspondência entre direito e responsabilidade (segundo a máxima “nenhum direito sem responsabilidade”).

7 – Avançando sobre o aumento das garantias associadas aos direitos de propriedade para os setores produtivo e financeiro, uma reforma legal que promova o acesso aos direitos formais de propriedade, das posses imobiliárias de pessoas de baixa renda, com o intuito de possibilitar sua utilização como alavanca para obter crédito e gerar capital.

8 – Por último, uma reforma do marco legal que regule as relações do Estado com o terceiro setor e com o mercado (com tratamento diferenciado para organizações da sociedade civil de interesse público e para micro e pequenas empresas), facilite as parcerias intersetoriais, possibilite a construção de um sistema de financiamento mais sustentável para o terceiro setor, promova a inclusão da economia informal, crie ambientes locais e setoriais favoráveis à obtenção de sinergias entre ações governamentais e não-governamentais, de modo a aumentar a eficiência e a eficácia das políticas públicas e a alavancar recursos novos — que não podem ser extraídos como receita fiscal, mas podem ser mobilizados na base da sociedade e direcionados para o desenvolvimento dos ativos já existentes, a dinamização das potencialidades latentes e a satisfação das necessidades das populações.

É importante frisar que uma pauta como essa, de seguimento dos anos 90, é também uma pauta de superação dos consensos mercadocêntricos (como o chamado “Consenso de Washington”) que floresceram na década de 1990 (conquanto, no Brasil, tais consensos não tenham prevalecido tanto assim quanto se afirmou). E que uma volta aos anos 80 representaria uma volta à concepções estadocêntricas de décadas pretéritas, cujas raízes são anteriores inclusive aos anos 70, ou seja, representaria uma espécie de “fuga pra trás” que, no afã de se contrapor ao neoliberalismo, poderia reintroduzir idéias e práticas contra-liberais e regressivas capazes de ameaçar a integridade das sementes usinadas pelo experimentalismo inovador exercitado durante a década de 1990. Por isso torna-se fundamental proteger tais sementes.


Protegendo a semeadura dos anos 90

Para continuar com a metáfora da semente, podemos dizer que do ponto de vista da nova geração (prenunciada) de políticas sociais, os anos 80 foram anos de preparação da terra. Os anos 90 foram anos de semeadura. Mas a primeira década do século 21, a julgar pelos acontecimentos ocorridos, no plano global, nos seus primeiros anos – sobretudo a “America’s new war”, um ‘estado de guerra’ permanente, introduzido pelo governo da maior nação do planeta, acarretando um recrudescimento do estatismo no mundo inteiro – não será, ainda, de pleno florescimento, porém, em grande parte, de germinação (o tempo em que “o grão tem que morrer”). Por isso, ao que tudo indica, será uma era de (aparente) retrocesso em vários campos e em vários lugares, com a retomada de velhos paradigmas de administração pública e de velhos padrões de relação entre Estado e sociedade – e isso de várias maneiras, patrocinadas por atores conflitantes e em circunstâncias contraditórias.

Oxalá nossos novos governos, eleitos em 2002, consigam compreender e acompanhar o caminho já iniciado por múltiplos setores de nossa sociedade, que estão neste momento se mobilizando e se organizando para definir seus próprios caminhos de desenvolvimento. E não sucumbam à tentação de resolver tudo para o povo e pelo povo, despejando “tapetes de programas” (parodiando a expressão “tapete de bombas”, usada por um membro do Estado Maior dos USA na guerra atual contra o Iraque), baseados puramente na oferta de recursos para suprir necessidades, ao invés de empoderar as populações para que elas próprias se emancipem, encorajando e capacitando suas lideranças para que invistam em seus próprios ativos.

Como tenho repetido, em várias ocasiões, a questão da pobreza no Brasil é muito mais uma questão política do que de carecimento de recursos. Como todo desenvolvimento é desenvolvimento social e como desenvolvimento social é mudança social e como mudança social é uma questão política, tudo depende – muito mais do que, às vezes, imaginamos – de não reproduzir uma atuação política intervencionista, verticalista e centralizadora, pois é esse tipo de atuação que extermina capital social e impede que pessoas e comunidades valorizem e desenvolvam seus próprios ativos, encontrando suas próprias soluções para resolver seus problemas, da sua maneira, afirmando a sua identidade.

Mesmo em um cenário mundial adverso (como o que provavelmente teremos pela frente), cabe aos governos e às organizações indutoras ou promotoras do desenvolvimento, se quiserem surfar nessa nova onda, incentivar a participação de atores locais e setoriais na esfera pública, estimular a cooperação e a conexão horizontal entre pessoas, comunidades e organizações e democratizar procedimentos e processos decisórios, quebrando os elos inferiores da cadeia clientelista para libertar latentes energias empreendedoras coletivas e individuais.

Os que apostam nesse caminho – sejam governos, de qualquer nível, empresas ou organizações da sociedade, nacionais ou internacionais – têm agora a missão de construir “viveiros” ou “incubadoras” para que as experiências-semente de uma terceira geração de políticas sociais, ensaiadas na década de 1990, não desapareçam antes de poderem florescer, algum dia, em toda a sua plenitude.

Brasília, abril de 2003.


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