segunda-feira, 9 de julho de 2007

"É preciso pensar em 'cérebrodutos' e não em gasodutos na Amazônia"

Daniela Chiaretti
Publicado pelo
Valor Online em 06/07/2007

Ennio Candotti, presidente da SBPC: "A lógica do asfalto não funciona na região"
(Foto Luana Fisher/Valor)

O foco da próxima reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, que começa domingo, tem por tema "Amazônia: desafio nacional". Ocorre em Belém, 25 anos depois do último evento do gênero na capital do Pará. Neste período, o físico Ennio Candotti, presidente da SBPC até quinta-feira (quando passará o cargo ao também físico Marco Antônio Raupp, recém-eleito) viu se confirmarem os piores prognósticos para a região - o aumento do arco do desmatamento, a falta de integração com as comunidades locais e desastres ambientais que se anunciavam.

Candotti diz que o Brasil não sabe lidar com a Amazônia ("A lógica asfáltica não cabe ali"), defende o desmatamento zero e que a integração da América Latina comece por lá, unindo ciência e educação. "É preciso pensar em 'cérebrodutos' e não só em gasodutos'". Prestes a embarcar para Belém, ele deu uma entrevista ao Valor. A seguir, os principais trechos:

Valor: A última reunião da SBPC em Belém foi há 25 anos. O que ocorreu na região neste período?
Ennio Candotti: Infelizmente, ao se analisarem os documentos da SBPC de 1983, percebe-se que as piores projeções para a região se confirmaram. Os desastres ecológicos causados pelas hidrelétricas e pela ocupação desordenada; o avanço da faixa de desmatamento e as dificuldades de integração social com as comunidades da região. Isso era um quadro que já se prenunciava. Outra questão é a dificuldade de se criar uma elite local que não seja refratária a qualquer modernização. Os grupos econômicos dominantes são arcaicos e prepotentes. Quem denuncia algo, ou é processado ou ameaçado.

Valor: Este quadro pode mudar?
Candotti: Propostas de soluções existem. O desafio é colocar a Amazônia no centro da agenda da ciência e tecnologia, ela só é central na retórica. O desenvolvimento sustentável tem que ser acelerado. Isto demora. Leva tempo para ter formação de recursos humanos e gente que se fixe na região. Mas é um processo que está começando. O Estado do Amazonas investe em educação e pesquisa cem vezes mais do que há cinco anos.

Valor: Os institutos de pesquisa da região, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Museu Goeldi ainda são centros de excelência?
Candotti: Sim, são muito ativos. O problema é que têm orçamentos de R$ 25 ou 30 milhões enquanto outros, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ganham dez vezes mais. E aí acontece que 70% dos trabalhos de pesquisa sobre os problemas amazônicos são assinados por pesquisadores e instituições estrangeiras. Do Brasil, são só 30% das pesquisas.

Valor: O Brasil do Sul e Sudeste sabe lidar com a Amazônia?
Candotti: Não tem o menor tato. Quer se colocar a lógica asfáltica para uma região onde o que se precisa fazer é melhorar o transporte fluvial. Ou, como está se discutindo, investir em transporte ferroviário, de baixo impacto e grande eficiência. Mas o que se quer é um tipo de desenvolvimento que não cabe lá, e aí dá encrenca. Estamos tentando, com esta reunião, abrir a reflexão para os planejadores. Mostrar a Amazônia como ela é e soluções para viabilizá-la. Não se pode querer asfaltar a Amazônia.

Valor: Que expectativa o sr. tem para a taxa de desmatamento na região no futuro próximo?
Candotti: Defendo uma política de desmatamento radical, da árvore em pé: taxa zero. Derrubar árvore do jeito que se derruba é como ficar com o cascalho e jogar fora o ouro do garimpo. Esta não é só uma imagem retórica. Na árvore, nas folhas, nos frutos, nas flores, existem valores mais importantes que nos poucos metros cúbicos de madeira que se conseguem na derrubada. Temos que continuar com bons projetos de manejo sustentável. O que estou falando é do desmatamento para colocar gado ou soja. Isso é de uma estupidez que não será perdoada no futuro.

Valor: E o sr. acha que o desmatamento está sob controle?
Candotti: Não depende de controle. Se dependermos da polícia, não conseguiremos vencer a violência. É preciso educar que a mata vale mais que duas cabeças de gado. Isto exige educação, tecnologia, informação. Não se consegue no grito.

Valor: O sr. defende a formação de quadros na Amazônia, fixando gente por lá e atraindo jovens. Mas como, se para muitos brasileiros, a Amazônia é outro país?
Candotti: Isso é o que não pode acontecer. Não há Brasil sem Amazônia. Ou construímos uma nação que inclua a região, ou estaremos construindo um monstrengo. Ou muda ou teremos uma nação sem Amazônia. Não é possível imaginar o Brasil sem Amazônia, mas a unidade nacional está ameaçada pela falta de políticas públicas para a região.

Valor: E como se faz?
Candotti: Temos que oferecer condições para que jovens trabalhem nos laboratórios naturais, no gerenciamento dos conflitos, em novas soluções. Deveríamos, nestes dias de conflito de Mercosul, começar a resolver a questão pelas universidades. Na formação de recursos humanos na região. Investir em universidades para a grande Amazônia.

Valor: O que o sr. imagina?
Candotti: A mesma coisa que aconteceu na Europa, com estudantes italianos indo se formar na Alemanha, franceses na Inglaterra. Que um título dado em uma universidade da Venezuela valha para o Brasil, que um estudante de Manaus possa terminar seus estudos na Patagônia. Hoje não existe nenhuma integração. Discute-se unidade alfandegária, mas não este ponto. Mas precisamos disso, ou nunca se dará a troca de geladeiras, do comércio, outro país sempre protestará sentindo-se menos favorecido. É preciso montar um gasoduto de engenharia, de inteligência, de cooperação de cérebros, um "céerebroduto". O que mais precisa a Bolívia hoje em dia? De quadros qualificados que possam colocar o país na economia moderna. É preciso lembrar que só uma parte da Amazônia pertence ao Brasil. Este me parece um belo objetivo para a região.

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Varejo busca alternativa para as sacolas de plástico

Bettina Barros, Marli Lima e Vanessa Jurgenfeld
Publicado pelo
Valor Online em 06/07/2007

Rosangela Bacima, do Grupo Pão de Açúcar: necessidade de novos estudos
(Foto Sergio Zacchi/Valor)


Um dos maiores vilões da natureza pode estar com os dias contados. Grandes redes de varejo e órgãos de governo começam a colocar em prática alternativas tecnológicas às sacolas de plástico, utilizadas amplamente nos estabelecimentos comerciais do país.

A nova aposta do mercado é o chamado oxibiodegradável, um aditivo acrescentado ao plástico convencional que permite a desintegração das sacolas em poucos meses após o contato com o oxigênio, luz e calor. Para seus defensores, a tecnologia, já utilizada em outros países, seria uma resposta positiva aos problemas ambientais do Brasil. Críticos, porém, alertam para a necessidade de estudos aprofundados sobre sua eficácia.

Paraná, Santa Catarina e São Paulo já desenvolvem as primeiras experiências com esses plásticos.

A rede de Farmácias Sesi em Santa Catarina, com 83 lojas, começou a substituição de sacolas biodegradáveis há 10 dias. Após estudar a substituição do plástico por sacolas de papel e considerar o processo economicamente inviável, a rede chegou ao oxibiodegradável. Segundo o superintendente Sérgio Gargioni, as sacolas pequenas - de maior uso - foram substituídas pelo novo plástico. Ele calcula que 5 milhões de sacolas da Sesi farão menos mal ao meio ambiente. "Enquanto o plástico convencional demoraria 100 anos para se decompor na natureza, a nova sacola levaria de 6 a 24 meses".

O executivo explica que os custos com a confecção das sacolas oxibiodegradáveis subiram em 15% frente às anteriores, e ainda não foi possível fazer a substituição das sacolas de grande porte.

A rede de supermercados Angeloni, com lojas em Santa Catarina e Paraná, tem um experimento em andamento em Curitiba onde, por ordem do Ministério Público, as empresas de supermercados estão utilizando sacolas produzidas com aditivo oxibiodegradável.

No Paraná, a discussão sobre qual a melhor sacola para uso no varejo rendeu muitos capítulos nos últimos meses. Em Maringá, Noroeste do Estado, a prefeitura decidiu em fevereiro, por decreto, que a administração pública passaria a utilizar as embalagens oxibiodegradáveis. Feiras livres e redes de supermercado do município também aderiram ao produto. Em Curitiba a novidade chegou em abril, quando as 23 lojas do Armazéns da Família - mercados que vendem produtos mais baratos para a população de baixa renda - adotaram a tecnologia.

Na semana passada a Câmara de Vereadores de Curitiba aprovou projeto de lei que pode obrigar o comércio a usar as sacolas oxibiodegradáveis na cidade e incentivar o uso das não-descartáveis, feitas de tecido. A medida depende de sanção do prefeito Beto Richa (PSDB) e, se não for vetada, os estabelecimentos terão prazo de um ano para se adaptar às regras.

No âmbito estadual, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, em conjunto com o Ministério Público, reuniu empresários em maio passado para pedir uma alternativa ambientalmente correta para o destino de 80 milhões de sacolas plásticas usadas mensalmente no Paraná. A idéia era encontrar uma solução conjunta para o problema, o que não foi possível até agora. No mês passado, a rede de supermercados Condor, uma das maiores do Estado, anunciou que utilizaria as oxibiodegradáveis.

"Fui ao lixão e vi o tanto de sacola que tem lá. Só da minha empresa são 10 milhões de sacolas por mês", disse o presidente da rede, Pedro Joanir Zonta, que aceitou pagar 12% mais pelas embalagens. Outra grande rede do Estado, a Muffato, também adotará essas embalagens nos próximos dias.

No comércio paranaense uso de sacolas plásticas chega a quase 80 milhões todos os meses

Mas mesmo a adesão dos maiores supermercadistas do Estado não levou ao consenso sobre o uso do aditivo que permite que as sacolas se decomponham mais rapidamente que as tradicionais. Além do preço, um ponto de discórdia é exatamente esse aditivo que, embora usado em outros países, não tem aprovação da Anvisa. "Usamos por pressão do mercado, por modismo", diz um fabricante do Paraná que não quer ser identificado.

Por conta da cobrança dos órgãos públicos, a demanda por essas sacolas cresceu na fabricante de embalagens Arauplast, de Curitiba. O diretor-presidente, Celso Gusso, diz que começou a fazer oxibiodegradáveis há quatro meses e atende 50 clientes com o produto. "Tenho consultas de mais 60 interessados". Ele espera que a diferença de preço entre as convencionais e as ecológicas caia de 12% para 4% a 6% em breve, em função do aumento de volume e possibilidade de que o aditivo usado na fabricação passe a ser feito no Brasil.

A briga promete novos rounds. No mês passado o Sindicato da Indústria de Material Plástico no Estado do Paraná (Simpep) divulgou nota contra o uso das sacolas. "Buscamos sempre o melhor, desde que comprovadamente seus resultados venham ao encontro das leis vigentes, com resultados e não só apelo ou marketing dirigido".

Em São Paulo, a adoção das sacolas oxibiodegradáveis também está longe de um consenso. A Assembléia Legislativa aprovou na última quinta-feira um projeto de lei defendendo a sua obrigatoriedade no Estado, que agora aguarda a sanção do governador José Serra (PSDB). Na outra direção, o prefeito da cidade, Gilberto Kassab (DEM), vetou na íntegra projeto-de-lei de nº 159/07 aprovado em maio sobre o mesmo assunto. A anulação do projeto se deveu à falta de estudos aprofundados sobre a eficácia desse material em minimizar os danos ao meio ambiente.

"O que temos hoje [plástico convencional] é ruim, mas não vamos substituí-los por algo que promete ser a solução quando ainda temos dúvidas", disse Hélio Neves, chefe de gabinete da Secretaria de Verde e Meio Ambiente de São Paulo.

Silvia Rolim, assessora técnica da Plastivida, entidade que representa a cadeia produtiva do setor de plásticos, questiona o argumento de que os biodegradáveis são a solução para o problema. "Há pouca biodegradação nas camadas profundas dos aterros sanitários, onde não há oxigênio nem luz ou temperatura para isso", diz ela. "Somente os plásticos das camadas de lixo da superfície poderiam se biodegradar, o que é um percentual muito pequeno. Além disso, ao se desmancharem, liberariam a tinta das embalagens, que muitas vezes contêm metal pesado. Em forma de sacola, a tinta fica presa."

O Cetea (Instituto de Tecnologia de Alimentos), da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, alerta também para o fato de que as micropartículas resultantes da degradação do plástico poderiam ser absorvidas por rios e lençóis freáticos. Em outras palavras, dizem os críticos, não é porque não se vê o plástico que ele não irá contaminar o meio ambiente.

"É uma briga da cachorro grande, há muitos interesses envolvidos", afirma Silvia, da Plastivida.

Diante da polêmica e da falta de regulamentação, o Grupo Pão de Açúcar interrompeu seu programa-piloto realizado pelo período de um ano na loja do Real Parque, em São Paulo. "A necessidade de maiores estudos sobre eficácia e o real impacto dessas sacolas sobre a natureza levaram à suspensão do projeto", disse Rosangela Bacima, diretora de Responsabilidade Socioambiental do grupo. "Só retomaremos o projeto com a comprovação de eficácia e respaldo legal".

No lugar das sacolas biodegradáveis, o Pão de Açúcar irá ampliar para quase 100 o número de postos de coleta de resíduos sólidos para reciclagem no país, cuja implantação começou há seis anos. A empresa também informou que comercializa sacolas retornáveis, de pano, vendidas por R$ 3,99.

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