quinta-feira, 31 de julho de 2008

Ativismo societário ganha o manual de um novo capitalismo

"Os Novos Capitalistas" - Stephen Davis, Jon Lukomnik, David Pitt-Watson. Trad. de Afonso Celso C. Serra. Campus/Elsevier, 303 págs., R$ 79,90

Ah, a revolução. Quantos livros ilegíveis não lemos em nome dela? Quantos anos de nossas vidas esperando por ela, noites em claro em botecos de quinta categoria planejando os próximos passos e... nada. Só a ressaca. Talvez não seja tão drástico como na canção do compositor cearense, talvez não sejamos os mesmos e nem vivamos como os nossos pais, pode ser que até tenhamos conseguido mudar alguma coisa, mas o fato é que a revolução não veio nos resgatar em seu cavalo branco.

Mas há esperança. O grande líder revolucionário está a caminho, não pela via campesina, pés descalços, camisa de tecido grosseiro com mangas arregaçadas. Ele vem por uma moderníssima autopista, dirigindo uma Ferrari (vermelha, como não?), charuto cubano (é a revolução!), terno Armani, Rolex e o livro azul (de lucro, de blue chip): "Os Novos Capitalistas - A influência dos Investidores-cidadãos nas Decisões das Empresas".

Os três autores, arautos da nova era de distribuição de riqueza, são Stephen Davis, Jon Lukomnik e David Pitt-Watson, todos com currículos cheios de feitos notáveis em ativismo pró-governança empresarial e direitos de acionistas. A boa nova que eles trazem não é tão romântica como a redenção das classes trabalhadoras sonhada pelos estudantes nas ruas de Paris naquele ano mítico, não segue nem de longe os preceitos do Manifesto Comunista e não sobe as encostas de Sierra Maestra. Mesmo assim, o trio chega a soar tão grandiloqüente quanto qualquer obra do realismo soviético.

A tese sustenta-se na constatação de que não há mais "donos" de empresas abertas, chamadas "públicas", na acepção anglo-americana - e o livro tenta ser o mais global, mas o foco está, obviamente, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Acontece que essas empresas se tornaram públicas de fato muito recentemente, depois da era dos "barões ladrões" e de um período em que o poder estava nas mãos de uma elite de capitalistas. A revolução é esta: o "capitalismo sem proprietários", ou melhor, com milhões de proprietários, trabalhadores do mundo unidos, por meio de suas poupanças, investidas em fundos de pensão e de investimento, "acionistas majoritários das empresas mais poderosas do mundo". De acordo com uma das muitas citações do livro (são dez páginas delas, o que torna a leitura um tanto truncada), investidores institucionais detinham 69,4% das mil maiores empresas abertas dos Estados Unidos em 2004, comparado a 61,4% em 2000. Na Inglaterra, a participação do "povo" saiu de 25% em 1963 para mais de 70% das ações das empresas atualmente.

Então, o povo chegará ao poder não pelas armas, mas pelas cotas dos fundos. Na verdade, o povo já chegou ao poder nos países desenvolvidos, o que confirmaria a previsão da dupla Marx-Engels sobre a vitória do comunismo em países mais desenvolvidos, no estágio mais avançado do capitalismo. Resta agora o mundo todo seguir o modelo - sem nenhuma alusão a Leon Trotsky. Ou talvez isso até esteja nas entrelinhas.

Os autores são mais claros nas referências furtivas aos autores do Manifesto Comunista e não tiveram pudor em redigir, para que a alusão ficasse completa, um "Manifesto Capitalista" - composto de dez curtos mandamentos, como se para provar que não há limites no quesito emulações pretensiosas. "Seja lucrativo - crie valor" é o primeiro. Os outros também não trazem nada que você não tenha visto num manual de gestão.

Os trabalhadores chegaram ao topo das companhias, agora é a hora de assumir as responsabilidades. Os autores passam, então, a examinar todos os animais do "ecossistema capitalista" e a discorrer sobre os elos fracos da cadeia, os problemas que impedem a ascensão plena dos trabalhadores: os conflitos de interesse na gestão de recursos, os conselhos de administração ausentes, os analistas de investimentos alinhados aos interesses do banco de investimento, os auditores só supostamente independentes, normas contábeis "ultrapassadas", a "timidez" da grande imprensa na cobertura das empresas, entre outros empecilhos.

No levantamento dessas fragilidades, o livro faz um apanhado dos abusos perpetrados contra os acionistas minoritários nas últimas décadas, o que serve para nos lembrar que o escândalo da Enron foi um cataclisma de intensidade similar ou superior ao da quebra de 1929.

Mas isso é história. O livro concentra seus esforços em mapear a expansão do universo da governança depois da grande explosão dos escândalos. E nesse ponto é uma ótima referência sobre o chamado ativismo societário. Para fortalecer o sistema do novo capitalismo, os autores propõem um espelhamento entre a sociedade civil e a "economia civil": eleição de conselheiros, limitação de poderes dos executivos etc. Faz sentido, mas não é garantia de bom funcionamento, mesmo porque as instituições da sociedade civil estão cheias de imperfeições.

O Brasil aparece em quatro citações, duas como referência negativa (ações sem direito a voto e controle concentrado) e duas positivas (Novo Mercado e obrigação dos investidores institucionais de votar e revelar o voto). O fato é que o país ainda é pé de página no assunto, apesar dos avanços recentes. O controle "difuso" é realidade em pouquíssimas empresas, e o ativismo dos proprietários de ação ainda está engatinhando. Ainda assim, não há como os nossos capitalistas continuarem ausentes, porque os fundos globais estão nos portões, soando as trombetas da revolução.


Nelson Niero, de São Paulo
Valor Online, 31/07/08


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