terça-feira, 26 de junho de 2007

O incrível milagre brasileiro do paralelepípedo voador




Abraham Weintraub
Publicado pelo
Valor Online em 26/06/07

As novas gerações não se recordarão, como eu, de cédulas da infância. Meu maior afeto é pela de um cruzeiro, verdinha, com a efígie da República. Minha mãe me dava uma todo dia para o recreio na escola. Depois, veio a do Barão do Rio Branco, de Cr$ 1.000, a mais classuda. Teve a do Mário de Andrade (com duas no bolso você era milionário!). Cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro de novo, cruzado, cruzado novo, cruzeiro novamente, cruzeiro real e, finalmente, o real. Notas mudavam, nem chegavam a envelhecer. Ganhavam carimbos, sumiam zeros, enfim, na memória o que fica são lembranças.

Os mais jovens provavelmente já abandonaram este texto na terceira linha, pensando: "mais um dinossauro com saudades da inflação". Meu intuito era esse mesmo, pois escrevo para você, caro leitor, que já não está mais na garantia de fábrica. A razão de remeter à minha infância é para justificar a dificuldade em aceitar a queda do dólar, ou a subida do real. Há cinco anos, quando a cotação era de R$ 4 por dólar, se me dissessem que o câmbio ficaria abaixo de R$ 2 em 2007, eu perguntaria: quantos zeros serão cortados? Haverá pacote heterodoxo? Congelamento? Jovens não têm tal ranço. Moisés sabia disso e passou 40 anos no deserto para formar uma nação sem os vícios dos hebreus nascidos no cativeiro.

Olhemos para o real com olhos de um jovem de vinte e poucos anos, que é a idade da maioria dos operadores de câmbio, aqui e no exterior. A inflação acabou há 13 anos, existe equilíbrio fiscal, o BC tem liberdade operacional para atuar conforme critérios técnicos internacionais e o câmbio é flutuante. Com isso, o real andará conforme os termos de troca. Quando os produtos brasileiros sobem de preço, o real se valoriza. Graças à China, as commodities devem continuar em alta. O índice CRB de metais subiu 350% nos últimos 5 anos, enquanto o de produtos agrícolas ficou em meros 75%. Isso sem falar no potencial do etanol.

Há também o fato de o dólar estar em um ciclo de baixa perante quase todas as moedas do mundo. Tal movimento pode perdurar por mais um ou dois anos, diminuindo o ganho do real em relação a uma cesta de moedas. Nos últimos cinco anos, o real se valorizou 50% em relação ao dólar. Porém, "apenas" 30% em relação ao euro e 35% em comparação à libra.

Interromper tal dinâmica depende de eventos imponderáveis, como a implosão da economia chinesa, uma recessão nos EUA ou uma guerra no Golfo Pérsico. Algo que reduza drasticamente o crescimento global e o preço das commodities, afetando as exportações brasileiras, além do movimento simultâneo de busca por segurança nos títulos americanos. Prever quando um evento de tal porte ocorrerá é tarefa para quem tem décadas de credibilidade acumulada e pouco tempo para queimá-la. Não é meu caso.

Quanto aos fundamentos locais, com a demanda se expandindo 5,5% ao ano, a produção crescendo 4%, a inflação muito abaixo da meta e, principalmente, um superávit externo em 1,2% do PIB, a moeda pode se apreciar ainda mais.

Agravando o quadro, há os juros. Sim, sempre eles. Hoje, no mundo, os juros brasileiros são uma das poucas barbadas que restam, ao ponto da PIMCO recomendar aos clientes, dentre eles várias vovós americanas, que, entre uma torta de maçã e outra, façam aplicações prefixadas em reais. Exageros à parte, a recomendação feita no Investment Outlook de Maio/Junho foi antológica.

Relativamente, o entusiasmo é justificável, dado os juros nominais dos nossos vizinhos: Venezuela 10%; Argentina 9,5%; Colômbia 7,3%; México 7,2%; etc. Falar em patamares iguais aos de Chávez ou Kirchner não é ultra-agressivo.

Assim, a insistência do BC em reduzir lentamente os juros pode intensificar a enxurrada de dólares. Nosso número para dezembro é de R$ 1,85. Todavia, um deslize da equipe econômica pode gerar o "undershooting", um ataque especulativo às avessas, derrubando temporariamente a cotação para R$ 1,7 ou menos. O trágico será se nossa indústria pagar pelo ajuste. Porém, conforme disse certo ministro, "algumas naturalmente morrerão". Câmbio na indústria dos outros é refresco!

A essa altura, você deve estar pensando: "Aceito os argumentos, mas a sensação é de atirar um paralelepípedo ao ar e, como mágica, surgirem asas e ele alçar vôo". Caro leitor, penso igual a você, mas o fato é que a pedra já está voando alto. Resta saber se o passeio será o de um falcão ou de Ícaro. Creio que, neste ano e no próximo, será o de um falcão. Mas um dia, talvez, a cera que gruda as penas se solte e alguém recomende sair debaixo da pedra. Parece que esse dia ainda está longe.

Abraham Weintraub é economista da Votorantim Finanças e responsável pela Votorantim Corretora.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.


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