sábado, 16 de junho de 2007

Boa educação ensina a esperar sem estresse

Mara Luquet, para o Valor
Publicado pelo Valor Online em 15/06/07

"Você sabe de onde vem o dinheiro?" A pergunta foi feita a uma menina de 12 anos. Impecavelmente vestida, carregando uma bolsa e celular último tipo, a jovem a princípio estranhou a pergunta. "Não sei, não. Hum... " Mas logo emendou: "Acho que vem do trabalho".
"Você gosta de gastar dinheiro, não?", foi a pergunta seguinte.


"Gastar? A-do-ro gastar!". Desta vez a resposta veio rápida, sem hesitação.

Por que a menina gostaria de gastar dinheiro? Teria tantas as demandas de consumo que representariam, talvez, estímulos virtualmente compulsivos para a renovação constante do prazer de gastar? A explicação é diferente: "É que assim me sinto rica", esclareceu a garota.

No passado, as crianças falavam das profissões que gostariam de ter quando chegassem à idade adulta. Hoje, querem ser ricas. E famosas. Talvez por isso, muitas meninas alimentem o sonho de ser modelos ou atrizes e os meninos queiram ser jogadores de futebol - atividades que, imaginam, são o caminho mais curto para alcançar aqueles dois objetivos numa única tacada.

Ser rico é o desejo de 75% das crianças americanas, segundo levantamento apresentado pela professora Juliete Schor no livro "Born to Buy" (Nascidos para comprar), ainda sem edição em português. A julgar pelo diálogo acima, reproduzido no livro, no Brasil as coisas não são muito diferentes no universo de aspirações de crianças e adolescentes.

Especialistas dizem que essa exposição excessiva a bens materiais está arruinando o bem-estar das crianças, e impedem que cresçam preparadas emocionalmente para viver num mundo em franca transformação. As crianças de hoje desenvolvem freqüentemente a tendência de se tornarem mais depressivas e mais ansiosas, além de sofrerem inclinação precoce para a obesidade. Mas essas são questões que podem ganhar contornos ainda mais graves se levado em conta o novo paradigma de expectativa de vida que essas gerações terão que enfrentar. O benefício da vida mais longa poderá virar um problema para essas crianças, se não mudarem seus hábitos - porque, no futuro, precisarão de mais dinheiro e mais saúde do que seus pais.

Marco Gazel, sócio da M2 Investimentos, empresa de consultoria financeira que atende famílias para planejamento financeiro pessoal, diz que a enorme maioria dos pais ainda crê firmemente que o melhor é comprar um carro e um apartamento para o filho. Pensam no curtíssimo prazo o futuro de filhos que poderão facilmente viver mais de 100 anos.

Esse descompasso, segundo estudiosos do tema, pode provocar uma explosão da pobreza na terceira idade e várias outras implicações. Isso, porque os pais também terão vida longa e talvez precisem de parte do patrimônio que pretendem deixar para os filhos para custear as próprias despesas.


Os especialistas são unânimes: os pais precisam ensinar os filhos a cuidar das próprias finanças, a alimentar-se corretamente e a ter hábitos que respeitem o meio ambiente. A longevidade passa a dar a esses três fatores uma dimensão maior para a geração hoje em desenvolvimento do que qualquer fortuna herdada.

É uma geração que vai viver muito, num mundo que está literalmente indo por água abaixo, por conta do aquecimento global. Portanto, quem quiser continuar vivendo neste planeta, terá que aprender a conviver com recursos escassos.

Os 100 anos de vida ou mais também vão exigir um fôlego financeiro maior, tanto para financiar o orçamento, como para custear as despesas com saúde.

A equação correta é educação + sustentabilidade + um pouco de dinheiro. Por mais estranho que pareça, se houver um planejamento correto, a parcela de aportes não precisa ser grande, porque o tempo e as taxas de retorno do investimento fazem a parte mais difícil do trabalho na acumulação.

Gazel diz a seus clientes que o melhor é começar desde cedo a comprar mensalmente ações para os filhos. Não importa quanto, o importante é todo mês comprar um determinado montante de ações e, de preferência, dando à operação um sentido educativo adicional, ao escolher ações de empresas sustentáveis, que não perderão competitividade no longo prazo.

Para Gazel, o melhor, no caso dos investimentos para crianças, é fazer uma carteira própria de ações e não comprar via fundos. "Fica mais barato", diz. " No longo prazo, faz diferença."
Empresas de gestão de recursos já estão olhando para essa clientela com mais cuidado e começam a lançar produtos específicos para crianças que unam responsabilidade social, ambiental, educação financeira e construção de patrimônio.

A corretora Geração Futuro lançou um fundo específico para atrair pais com essas preocupações. O fundo compra ações de empresas sustentáveis e recusa, por exemplo, ações de fabricantes de armas e de bebidas alcoólicas. O produto foi lançado este ano, a aplicação mínima é de R$ 100 e já tem mais de R$ 1 milhão. "É um fundo que atrai muitos pais, embora não seja restrito a crianças, por causa de suas características", diz Priscila Vargas, executiva da Geração Futuro. A idéia é fazer uma assembléia anual com os cotistas, para que eles levem seus filhos e o gestor apresente as empresas que fazem parte da carteira.

A geração dos "babyboomers", os americanos que nasceram no pós-guerra (e que começaram a se aposentar no ano passado), já encontrou um cenário muito diferente do conhecido por seus pais e avós. Muitos deles precisaram adiar o momento da aposentadoria ou estão voltando a trabalhar.

As próximas gerações talvez tenham que trabalhar até o último dia de suas vidas. A construção de um patrimônio será um desafio e não adianta esperar benesses do governo. Estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, depois que tiveram início as reformas nos sistemas de previdência em 17 países, o benefício esperado na aposentadoria caiu 22%, em média. Além disso, a idade mínima exigida para a aposentadoria tem aumentado e em alguns países já chega perto dos 70 anos.

A maioria dos analistas de investimento acredita que o grande desafio, hoje, é fazer com que as crianças pensem no futuro e aprendam a "esperar". Crianças impacientes, consumistas compulsivas, dizem pesquisadores, são fortes candidatas a ter problemas com drogas e dificuldades nos estudos e nas relações familiares.


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br