sábado, 4 de agosto de 2007

Esfria projeto de supergasoduto na América do Sul

Humberto Márquez
Publicado pela
IPS em 01/08/07

Os presidentes de Brasil, Venezuela e Argentina assinaram um acordo trilateral para iniciar estudos de viabilidade para a criação de um gasoduto que vai unir os três países.
(Foto publicada pela BBC Brasil)

O projetado Gasoduto do Sul, planejado para levar esse combustível do Caribe até o Rio da Prata e abastecer boa parte do Brasil, “esfriou por causa de ataques dentro da própria América do Sul”, justificou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

O monumental projeto foi lançado em abril de 2006 no Rio de Janeiro pelo próprio Chávez e seus colegas Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, da Argentina, com custo calculado em US$ 25 bilhões para estender oito mil quilômetros de tubulações que alcançariam os três países envolvidos no anúncio, mais Paraguai, Uruguai, Peru e Equador.

O entusiasmo inicial pelo gasoduto, que segundo o estabelecido no Rio de Janeiro deveria ser apresentado aos demais governos sul-americanos a partir de setembro, deu lugar a um adiamento de prazos para estudos e reuniões, além do silêncio dos governos. “Não podemos obrigar ninguém”, lamentou Chávez, acrescentando que a sugestão foi feita em termos de cooperação bolivariana, pois “se estivéssemos pensando apenas em dinheiro, venderíamos o gás para a América do Norte.

O gasoduto, que cruzaria a Amazônia ou então a contornaria por todo o leste brasileiro, deveria ter capacidade para levar diariamente 150 milhões de metros cúbicos de gás, quase a metade do atual consumo da região, desde o nordeste venezuelano até os principais centros urbanos e industriais de seus países vizinhos no sul. “A Venezuela tem, felizmente para a América Latina, uma das maiores reservas de gás do mundo. Aqui existe gás para um século”, disse Chávez na semana passada, em um ato com simpatizantes a oeste de Caracas. As reservas venezuelanas de gás estão calculadas em 150 bilhões de pés cúbicos, o que coloca esse país no nono lugar no mundo na matéria, mas em sua maior parte associada a petróleo, que seria necessário produzir paralelamente. A Bolívia, segunda fonte de gás sul-americana, tem 52 bilhões de pés cúbicos de gás livre.

Ainda sem reações conhecidas em Brasília e Buenos Aires, a organização ecologista Amigransa (Amigos da Grande Sabana, um gigantesco parque nacional no sudeste venezuelano) disse estar alegre porque “felizmente, tudo o que se afirmou sobre a inviabilidade desse projeto gigante encontrou eco nos técnicos sul-americanos que o avaliaram”. Entretanto, Alicia García, da Amigransa, disse à IPS que, “se pensarmos com otimismo, talvez o presidente Chávez maneje informação sobre a inviabilidade do gasoduto; se o fizermos com pessimismo, talvez sua declaração seja uma pressão sobre os possíveis sócios para que apóiem definitivamente o projeto”.

Chávez prevê visitar Buenos Aires e se reunir com Kirchner na próxima segunda-feira. Mas sua declaração sobre o “esfriamento” do gasoduto aconteceu depois que seu ministro de Energia, Rafael Ramírez, se reuniu com o presidente argentino. Segundo informações dos governos sul-americanos interessados no projeto, sete grupos de especialistas, que totalizavam 50 pessoas, estudavam sua a viabilidade econômica e técnica, a engenharia, o traçado, o financiamento e suas questões ambientais e sociais. A desanimadora declaração de Chávez traduziu a paralisação das reuniões e dos trabalhos para dar forma ao projeto e parece dar razão aos críticos do gasoduto.

“Sem contar problemas ambientais ou econômicos por sua rentabilidade, o projeto é impossível porque a Venezuela não tem agora o gás necessário para alimentá-lo”, disse à IPS Luis Giusti, ex-presidente da estatal Petróleos de Venezuela, horas antes de Chávez expor as dificuldades. O projeto era alvo de duras críticas há um ano, inclusive por parte dos chamados a serem seus beneficiários. “Não tem coerência econômica, cruza muitos rios e florestas tornando impossível calcular seus custos, e encareceria muito o gás venezuelano entregue à Argentina”, disse, por exemplo, o secretário de Energia do Rio de Janeiro, Wagner Victer.

Apesar da aliança política tecida entre La Paz e Caracas, já em abril de 2006 o vice-ministro de Hidrocarbonos da Bolívia, Julio Gómez, afirmava que o gasoduto “é um projeto viciado, uma loucura”. Além disso, no parlamento boliviano foi rotulado de “competição desleal” da Venezuela com a demanda boliviana de melhor preço para seu gás. Mas a frente mais dura foi a dos ambientalistas, que inclusive coletaram assinaturas em quatro continentes para pedir aos governos que deixassem o projeto de lado. Cartas enviadas aos presidentes e assinadas pela Amigransa foram divulgadas durante a Cúpula Energética Sul-americana realizada em abril na Venezuela.

“A integração de nossos povos requer uma mudança de modelo que se afaste do desenvolvimento dependente dos hidrocarbonos imposto à nossa civilização”, dizia a carta da Amigransa, considerando que o projeto “aumentará a dívida ecológica e social, e por fim, a pobreza”. O gasoduto, mais as vias e instalações necessárias para sua manutenção, “seria o passo definitivo para a destruição da Amazônia, da Guiana venezuelana e de diversos ecossistemas da costa caribenha e atlântica, pondo em risco iminente a região com devastadoras conseqüências para o planeta”, segundo o texto.

A queixa de Chávez sobre o gasoduto, “que “no dialeto presidencial equivale a um RIP (requiescat in pace – descanse em paz) para este projeto-bandeira da revolução continental”, segundo o critico venezuelano Gustavo Coronel, pode gerar um novo atrito, na divisão de culpas, entre Brasil e Venezuela. “Nada nem ninguém conseguirá nos distanciar”, repetiu Chávez sobre sua aliança política com o Presidente Lula, embora neste ano Caracas e Brasília tenham enfrentado visíveis diferenças. A primeira, precisamente em matéria energética, pela aliança entre Brasil e Estados Unidos para desenvolvimento da produção e do mercado global do etanol como combustível alternativo à gasolina, uma opção criticada por Chávez e pelo presidente de Cuba, Fidel Castro, como sendo lesiva aos interesses de uma humanidade faminta por plantar alimentos.

Os dois presidentes também tiveram posições diferentes no processo de entrada da Venezuela com membro pleno do Mercosul, formado desde sua origem por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Presidente Lula censurou Chávez por ter qualificado de “papagaio do império” (os Estados Unidos) o parlamento brasileiro, que ainda não ratificou esse ingresso da Venezuela, depois que alguns legisladores criticaram o fato de Caracas não renovar a licença de funcionamento de uma emissora privada de televisão.


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