terça-feira, 31 de julho de 2007

Japão se depara com o poder dos grisalhos

The Economist
Publicado pelo Valor Online em 31/07/07


Novo foco de poder político: idosos impuseram derrota eleitoral no último domingo ao governo do premiê S. Abe
Foto AP

Para uma curiosa evidência de como os 127 milhões de habitantes do Japão estão envelhecendo mais rápido do que outros povos, basta notar o "pokkuri dera". Pokkuri é uma onomatopéia que designa uma explosão súbita; já "tera" ou "dera" significa templo budista. E o termo "pokkuri dera" designa os santuários onde muitos dos japoneses mais idosos vão rezar não apenas por longa vida (longevidade com a qual cada vez mais podem contar), mas também por uma morte rápida e indolor no final. As visitas fizeram reviver a sorte de antigos templos, especialmente nas velhas capitais de Kyoto e Nara, enquanto outros templos se reinventaram, assumindo as características de "pokkuri dera" - de olho em sua bênção financeira.

Evidências mais expressivas do "efeito velhice" emergiram nas eleições de anteontem. O eleitorado japonês mais idoso, pela primeira vez na história democrática, humilhou e pode até mesmo derrubar um governo, no caso o de Shinzo Abe, primeiro-ministro desde setembro de 2006. As eleições para metade dos assentos na câmara alta do Parlamento são geralmente um acontecimento político secundário: afinal de contas, é a câmara baixa que escolhe o primeiro-ministro. A eleição geral de 2005 deu à coalizão de governo liderada pelo Partido Liberal Democrático (PLD) uma folgada maioria. Mas desta vez o governo perdeu a maioria na câmara alta. Foi uma rejeição a Abe, cuja popularidade vem caindo continuamente desde que assumiu o cargo.

Embora as prioridades do primeiro-ministro sejam patrióticas - inocular um senso de orgulho nacional nos colegiais e pressionar por uma revisão da Constituição pacifista japonesa - as prioridades do cidadão japonês comum está em questões mais concretas. A economia está agora em seu quinto ano de recuperação após uma década de recessão, mas empregos razoáveis continuam escassos. Quanto às aposentadorias, o fato de um contingente cada vez menor de mão-de-obra tem de arcar com os custos de um número cada vez maior de aposentados pesa sobre um orçamento já pressionado.

Nesse contexto, a bagunça descoberta em maio na agência governamental que cuida das aposentadorias não poderia ter ter vindo em pior momento para Abe. A agência, que parece ainda não ter se adequado à era digital, não tem condições de casar 50 milhões de registros computadorizados com as respectivas pessoas que contribuíram para seus planos estatais de aposentadoria. Outros 14 milhões de registros, ao que parece, sequer chegaram a ser introduzidos no sistema informatizado.

Um eleitorado descontente puniu o governo na eleição, e o PLD poderá buscar um novo líder. Se Abe sobreviver como primeiro-ministro, ficará sob pressão para formar um governo de outra coloração, que traga para o primeiro plano a questão da subsistência. Seja qual for o resultado, o poder dos grisalhos se estabeleceu como uma força a ser levada em conta.

Sem dúvida, o Japão está ficando grisalho a um ritmo assombroso. Pouco depois da Segunda Guerra, a proporção de japoneses com mais de 65 anos estava em torno de 5% da população, bem abaixo de Reino Unido, França ou EUA. Hoje os idosos constituem 20% da população japonesa, e a vida média cresceu extraordinariamente. A expectativa de vida hoje é de 82 anos, em comparação com apenas pouco mais de 50 em 1947.

Em 2015, a proporção de idosos terá crescido para 25% da população, ou mais de 30 milhões de pessoas. Isso se deve principalmente a ao ingresso nas fileiras dos idosos de uma geração "baby boom" muito grande. Entre 1947 e 1949, em média 2,7 milhões de crianças por ano nasceram dos soldados japoneses que voltaram vivos da guerra, casaram-se e constituíram famílias - cerca de um terço mais do que em anos anteriores. Neste ano, a geração do baby boom começou a se aposentar (atualmente, 60 anos é a idade obrigatória na maioria das empresas). A dimensão das aposentadorias que terão de ser pagas tem implicações financeiras significativas tanto para as empresas como para o governo. Mas há outra dimensão embutida na aposentadoria dos nascidos no baby boom: esses trabalhadores impulsionaram a transformação econômica do Japão nas décadas de 70 e 80. São um reservatório de capacitação técnica e gerencial.

A quem transferir essas responsabilidades? A taxa de natalidade no Japão caiu para abaixo da taxa de reposição de 2,1 no início da década de 70. Reduziu-se a apenas 1,26 em 2005, antes de subir um pouquinho, no ano passado, para 1,32 - mas ninguém chama isso de recuperação. Em 2005, a população japonesa começou a cair em termos absolutos, apesar da expectativa de vida crescente. A mesma população está prestes a encolher a um ritmo inédito para qualquer país em tempo de paz. O Instituto Nacional de População e Pesquisas de Seguridade Social estima uma população total de 95 milhões de pessoas em torno de 2050, na qual os idosos serão 40% do total.

Uma população em queda já tem implicações para o contingente de mão-de-obra. Atualmente, cerca de 16 milhões de japoneses têm entre 20 e 30 anos. Esse número cairá em 3 milhões nos próximos dez anos. Neste ano, durante a rodada anual de recrutamento de funcionários, houve demanda inédita pelos novos formandos universitários, e não só por causa da recuperação econômica: ao longo dos próximos anos, as empresas terão um contingente menor de jovens diplomados entre os quais poderão escolher seus futuros profissionais. Isso é bom para os jovens em busca de trabalho, exceto por uma coisa: à medida que o Japão envelhece e encolhe, os trabalhadores precisarão arcar com os custos de uma proporção cada vez maior de aposentados. Em 2030, dizem os demógrafos, o Japão terá só duas pessoas em idade economicamente ativa para cada aposentado; em meados do século, a menos que haja uma rápida e improvável volta à fecundidade, a proporção vai piorar, passando a três para cada dois aposentados.

Será uma população trabalhadora capaz de sustentar os futuros aposentados? Os atuais trabalhadores jovens parecem não acreditar nisso. Dois quintos deles não estão contribuindo com o componente fixo de seus planos de aposentadoria estatal (as contribuições correntes bancam os custos dos atuais - e não dos futuros - aposentados), o que sugere que eles não acreditam que o esquema será viável quando eles se aposentarem. E eles podem ter razão.

É no interior do país que as mudanças demográficas tem mais impacto. Lá, a população vem caindo há anos, à medida que os jovens dos vilarejo vão para as cidades em busca de trabalho e diversão. Hoje, as pessoas com mais de 65 anos são 40% da população em comunidades rurais e 60% de todos os que trabalham a terra. O futuro da agricultura em tais lugares está em dúvida. O cultivo de arroz, alimento básico, exige esforços comunitários em irrigação, controle de enchentes etc. As obrigações mútuas em comunidades englobam até a organização de funerais. Assim, quando jovens vão para as cidades, todos sentem as perdas. Um terremoto em 16 de julho na região de Niigata evidenciou o problema; as 3 mil pessoas que continuam vivendo em abrigos são majoritariamente idosas, incapazes de cuidar de si em suas casas danificadas.

O minúsculo rincão de Ogama, na município de Ishikawa, está reagindo com o maior dos radicalismos ao declínio populacional. A comunidade tem só três homens e seis mulheres, com idades entre 62 e mais de 90 anos, uma queda em comparação com os 50 habitantes de uma geração atrás. Os sobreviventes desse vale remoto consultaram uma empresa de Tóquio que cuida de resíduos industriais e, se a prefeitura aprovar, os arrozais no vale, bem como suas hortas e plantações de cedro, desaparecerão sob 150 metros de cinza industrial. Os aldeões planejam empregar o dinheiro da venda do vilarejo para construir novas casas numa localidade vizinha, para onde o templo ancestral já foi transferido.

Durante anos, as regiões levaram seus problemas para a capital. Em qualquer dia útil em Tóquio, os corredores do Ministério dos Transportes e Infra-estrutura ficam repletos de pessoas suplicando pela construção de uma rodovia na floresta ou uma barragem desnecessários. Mas os dias de gastos extravagantes em obras públicas estão acabando, já que o governo central reduziu as remessas de receitas tributárias para os municípios. Com a escassez de recursos e a perspectiva de acentuadas quedas no tamanho populacional, os governos locais estão sendo obrigados a promover a mais radical reorganização em meio século.

Duas falências municipais muito divulgadas ajudaram a aguçar os espíritos. Yubari, antiga cidade mineira na ilha setentrional de Hokkaido, testemunhou o declínio da sua população de 100 mil, na década de 50, para 13 mil hoje. Promoções caras para elevar o perfil da cidade - incluindo um festival de cinema e o marketing dos mais caros melões do Japão - sobrecarregaram a cidade com uma soma exorbitante de US$ 519 milhões em dívidas. No ano passado, Yubari foi declarada insolvente.

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O problema do Japão é menos a mudança veloz na demografia e mais a mudança lenta demais na Previdência
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Nenhuma das prefeituras próximas quer ser parceira de Yubari, mas nos demais lugares o governo central está insistindo na fusão de povoados e cidades, com o propósito de unir recursos e conquistar uma base fiscal mais segura. A prefeitura de Yamanashi, a sudoeste de Tóquio, onde se encontram pomares de pêssegos e fábricas de robôs industriais, exemplifica a tendência. Em 1888, Yamanashi possuía 342 distritos administrativos; hoje, encolheu para 28 e continua declinando. O ritmo tem se acelerado muito desde 2003.

Mas é improvável que as fusões municipais representem o fim da questão. Líderes municipais e o governo central estão falando sobre uma reformulação radical do governo local, na qual as prefeituras se juntam para formar blocos maiores - Estados, em essência. Antes do começo dessa dança, as prefeituras já estão de olho nos parceiros mais atraentes.

Nos demais lugares, os administradores estão começando a avaliar as implicações do declínio populacional sobre, entre outras coisas, a gestão de cidades maiores. Aomori, cidade de 300 mil habitantes situada no ponto mais alto de Hanshum, a principal ilha do Japão, tem uma política de refrear ativamente a dispersão urbana que assola o país. Aomori tem uma proporção de idosos e de solteiros ligeiramente acima da média nacional. E também recebe quantidade enorme de neve no inverno, graças à umidade dos ventos siberianos que atravessam o Japão: dez metros podem cair numa temporada. Num ano ruim, o custo de remoção da neve pode atingir 3 bilhões de ienes: uma soma que Takeshi Nakamura do governo da cidade diz que poderia bastar para construir duas novas escolas.

Em resposta, o prefeitura se lançou à tarefa de encolher a cidade. Um arco limitador foi traçado em torno do seu lado sul (o norte é limitado por uma ampla baía), e parte das principais instituições da cidade - a biblioteca, o mercado municipal, hospitais e museus - foram recuados de volta ao centro da cidade. O transporte público foi melhorado, e a neve foi removida das artérias principais e dos calçadões de pedestres para permitir a livre locomoção das pessoas no centro. As melhorias, por sua vez, incentivaram a construção de novos quarteirões residenciais de prédios próximos ao centro, diz Nakamura, e um grande número de idosos cansados de retirar neve com pás está se mudando para lá.

As idéias de Aomori de uma "cidade compacta" foram motivadas pelos problemas causados pela neve. Mesmo assim, diz Takatoshi Ito, da Universidade de Tóquio e membro do Conselho de Política Fiscal e Econômica de Abe, o governo central deveria exigir que outras cidades pensem nisso. A queda populacional não significa que não exista dispersão urbana. Marijo Fujiwara do Instituto Hakuhodo da Vida e do Modo de Vida assinala que o número de residências com um único habitante deverá superar todos os demais tipos neste ano, ao passo que o número total de domicílios continua crescendo no Japão, para quase 50 milhões.

Ainda assim, a maior resposta à mudança demográfica no Japão precisa vir das empresas. Apesar da mudança forçada ao longo dos últimos 15 anos, a empresa japonesa (a kaisha) ainda desempenha um importante papel, quase paternal, na vida dos empregados, mais do que em qualquer outra sociedade abastada, moldando não só o seu trabalho como também sua vida social. Com efeito, as longas horas no escritório, bem como as sessões massacrantes em bares com colegas depois do expediente, são praticamente indistinguíveis. Atsushi Seike, economista do trabalho na Universidade Keio, diz que o problema do Japão está menos relacionado à mudança veloz demais na demografia que com a mudança lenta demais dos sistemas de aposentadoria, projetados para uma época anterior.

Esses sistemas não mantiveram o ritmo com vidas muito mais longas. É verdade que o governo começou a elevar a idade para a aposentadoria pública, que é composta de parte fixa e de parte vinculada aos ganhos. A qualificação para a parcela fixa foi elevada para 62 anos, e subirá para 65 até 2014; a qualificação para a parcela maior, vinculada aos ganhos, subirá para 65 anos até 2026. Seike diz que a idade mínima de aposentadoria deveria ser elevada logo para 70.

Enquanto isso, as empresas também estão se ajustando lentamente. A maioria tem aposentadoria compulsória aos 60 anos. Uma lei recente exige que a aumentem ao longo do tempo ou forneçam programas de recapacitação e recolocação para manter os empregados. A maioria optou pela segunda; considerando que elas têm escalas de remuneração que recompensam o tempo de serviço em detrimento do mérito, elevar a idade de aposentadoria compulsória seria dispendioso. Mas uma empresa de grande porte, a Kawasaki Heavy Industries, abriu caminho novo: em 2009, elevará a idade de aposentadoria obrigatória para 63, com redução de salário.

Livrar-se de uma vez por todas da aposentadoria compulsória apressaria o fim da remuneração baseada em tempo de serviço, permitindo que empregados mais velhos (que no Japão anseiam por trabalhar mais) preencham postos de trabalho para os quais são mais bem capacitados. Um sistema baseado mais no mérito também poderia proporcionar aos empregados mais novos um estímulo.

Elevar a idade para aposentadoria para 70 anos cortaria pela metade a taxa de declínio da força de trabalho. Elevar a participação feminina - atualmente em 63% das mulheres em idade de trabalho, abaixo de Reino Unido e EUA (cerca de 68%) - ajudaria muito para reduzi-la ainda mais. Vários fatores vão contra as mulheres que trabalham. A proporção de mulheres que consegue apenas contratos temporários, que pagam em média 60% a menos que os empregos regulares, é maior do que a de homens. O machismo ainda prevalece nos escritórios: muitos classificados de empregos pedem apenas mulheres jovens. Menos de 10% dos gerentes são mulheres, contra 46% nos EUA. Além disso, os longos expedientes (freqüentemente um substituto para a produtividade) dificultam a situação para aquelas que são mães. Também há falta de creches: só um terço das crianças com mais de três anos e abaixo da idade escolar vão ao jardim de infância. A média entre os países da OCDE é de três quartos. Muitas mulheres saem inteiramente da força de trabalho quando têm filhos. No Japão, diz Jeff Kingston, da Temple University, de Tóquio, as mulheres têm que escolher entre o trabalho e a família.

A OCDE detectou uma correlação positiva entre fertilidade e emprego feminino: quanto mais se facilita que uma mulher faça um trabalho gratificante, maior será a probabilidade de que cogitem ter filhos. Portanto, autoridades japonesas agora começam a lidar com o impacto dos hábitos trabalhistas japoneses na baixa taxa de natalidade. Segundo o diretor de políticas de envelhecimento e fertilidade no governo, Hideki Yamada, as pesquisas sugerem que 90% dos japoneses entre 18 e 34 anos não apenas querem se casar, mas querem ter dois filhos. Com precisão japonesa, as autoridades calcularam que sem impedimentos aos casamentos e à criação dos filhos, a taxa de natalidade iria para 1,75.

As políticas, diz Yamada, deveriam ser direcionadas a conseguir esse salto. A tentativa começou no governo de Junichiro Koizumi, o antecessor de Abe, com a introdução de apoio financeiro para famílias com filhos novos e a expansão da instalação de creches. Agora, um novo conceito surge nos documentos do governo, o "equilíbrio trabalho-vida", para o qual, de forma reveladora, não há uma expressão de uso comum em japonês. No final de julho, líderes empresariais e sindicais se reuniram com Abe e outros ministros para discutir como alcançar tal equilíbrio.

"É embaraçoso dizer isso", admite Yamada, "mas, depois que nasce o primeiro filho, o marido freqüentemente não faz sua parte para ajudar em casa e isso traz ansiedade para a mulher quanto a ter um segundo". Isso, em parte, é um hábito cultural. Os garotos são mimados pelas mães e depois querem o mesmo tratamento das mulheres - nada de trocar fraldas ou dar banho. Mas isso também se deve às longas horas de trabalho que as empresas esperam dos funcionários. Assim, diz Kuniko Inoguchi, ministra de questões sociais no governo de Koizumi, a política precisa não só encorajar mais mulheres a trabalhar ou ampliar os cuidados médicos para idosos, a assistência a filhos pequenos e dar condições de trabalho mais flexíveis. Precisa ainda facilitar a vida dos homens que trabalham.

Um melhor equilíbrio trabalho-vida é positivo para as empresas. Com isso, conseguirão atrair melhores talentos. Também é positivo para os homens que trabalham, diz Inoguchi. Assim, poderiam gozar de uma vida privada apropriada, passando mais tempo em casa. Isso, levando em conta que as esposas japonesas estejam preparadas para tolerá-los dentro de casa, o que não se pode dar como certo.



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