sábado, 8 de setembro de 2007

Brasil fica isento na disputa do FMI

Ricardo Balthazar
Publicado pelo
Valor Online em 05/09/07

O governo brasileiro pretende acompanhar à distância a disputa aberta pelo comando do Fundo Monetário Internacional (FMI), apesar da sua insatisfação com a maneira como a instituição é conduzida e dos apelos que vem recebendo para endossar uma candidatura alternativa que promete desafiar a hegemonia dos países ricos no Fundo.




O atual diretor-gerente do FMI, o espanhol Rodrigo de Rato, anunciou que deixará o cargo em outubro. Dois candidatos se apresentaram para ocupar a vaga, o ex-ministro da Economia francês Dominique Strauss-Khan, apoiado pelos 27 países que fazem parte da União Européia, e o ex-presidente do Banco Central da República Checa Josef Tosovsky, lançado pela Rússia.

O Brasil recebeu pedidos de apoio dos dois lados, mas não se comprometeu com nenhum candidato. O governo tem se limitado a marcar posição, reafirmando as críticas que o Brasil e vários outros países fazem ao processo de seleção do diretor do Fundo e à forma como se tomam as decisões na instituição.

O comportamento do governo reflete vários fatores. Brasília avalia que as chances do candidato alternativo indicado pelos russos são muito pequenas. O Fundo sempre foi dirigido por europeus, graças a um acordo informal estabelecido entre os países mais avançados logo após a Segunda Guerra Mundial, quando a instituição foi criada.

Apesar do incômodo que essa convenção gera até hoje, não há nenhum sinal de que ela será ignorada desta vez. Isso torna mais arriscado apostar numa candidatura sem chances de vitória. Juntos, os países avançados controlam 61% dos votos no FMI. O Brasil e os demais países em desenvolvimento têm 39%.

Há outro problema. Embora os dois candidatos que estão no páreo tenham adotado políticas de perfil ortodoxo quando comandaram as economias de seus países, Tosovsky é visto em Brasília como mais conservador do que Strauss-Khan, um político carismático com longa carreira no Partido Socialista francês.

Strauss-Khan visitou o Brasil no início de agosto e foi recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois do encontro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou uma nota com críticas ao processo de seleção do diretor do FMI e pedindo o fim da tradição que tem assegurado o cargo aos europeus.

Os russos avisaram Mantega que indicariam Tosovsky antes que a candidatura fosse anunciada. Ouviram expressões encorajadoras, mas nenhuma manifestação clara de apoio. O ministro convidou Tosovsky para ir ao Brasil também, mas é improvável que a visita ocorra. Os russos acham que pegaria mal mandar o candidato dar a volta ao mundo no rastro de Strauss-Khan.

"O processo de seleção do diretor-gerente é muito defeituoso e achamos importante oferecer aos outros países a oportunidade de uma escolha", disse ao Valor o diretor-executivo que representa a Rússia no Fundo, Aleksei Mozhin. "Só decidimos lançar Tosovsky ao perceber que ninguém mais entraria na disputa se não o nomeássemos."

Mozhin diz ter recebido algumas promessas de apoio, mas não revela quem se comprometeu com Tosovsky. Até agora ninguém declarou apoio ao candidato checo em público. Strauss-Khan e Tosovsky serão sabatinados pelos 24 diretores-executivos do Fundo dentro de algumas semanas. O escolhido deve ser anunciado até o fim deste mês.

A última vez em que os países em desenvolvimento tiveram alguma influência nesse processo foi em 1987, quando o francês Michel Camdessus disputou o cargo com o holandês Onno Ruding. Os europeus estavam divididos e os Estados Unidos, que não gostavam de nenhum dos dois candidatos, se abstiveram na votação. Com o apoio do Brasil e de outros países em desenvolvimento, Camdessus teve 36% dos votos e ganhou a disputa.

Em 2004, um grupo de países em desenvolvimento lançou o americano Stanley Fischer, então o número dois na direção do Fundo. A manobra foi inspirada de maneira discreta nos bastidores pelos EUA, que não gostavam do candidato europeu, o então vice-ministro das Finanças da Alemanha, Caio Koch-Weser, nascido e criado no Brasil. O veto americano levou a Alemanha a indicar outro nome, Horst Kohler, que foi escolhido após a retirada dos outros candidatos.

A experiência recomenda cautela, mas o distanciamento dos países em desenvolvimento desta vez é também um reflexo do ceticismo com que eles vêem o FMI hoje em dia. Países como o Brasil pagaram tudo o que deviam ao Fundo, acumularam centenas de bilhões de dólares em reservas e reduziram tanto sua dependência de capital externo que ficaram mais à vontade para dispensar os conselhos da instituição e dar menos importância para o que ocorre ali.

Eles também andam insatisfeitos com o andamento de um pacote de reformas lançado por Rato para modernizar o sistema de divisão do poder no FMI. Propostas que têm o objetivo de aumentar o peso dos países em desenvolvimento nas decisões têm esbarrado na resistência dos europeus, que não aceitam ver diminuídas suas cotas no Fundo.

"Garantir que a revisão das cotas ocorra deveria ser mais importante para os países em desenvolvimento do que saber quem será o próximo diretor-gerente", disse ao Valor John Taylor, ex-subsecretário do Tesouro americano para assuntos internacionais. "O processo de escolha do diretor-gerente terá que ser alterado algum dia, mas é difícil que isso aconteça agora."

Mas muitos acham que as reformas em discussão não vão dar em nada, como o representante da Argentina no FMI, Hector Torres, deixou claro num artigo publicado há um mês. "No máximo, elas vão resultar em alguns votos a mais para umas poucas economias emergentes bem-sucedidas [...] às custas de países em desenvolvimento menos bem-sucedidos", escreveu. "Isso não trará mais eficácia nem credibilidade para o Fundo."


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