sábado, 8 de setembro de 2007

Tecnologia democratiza a cultura

Por Cinthia Rodrigues, para o Valor
Publicado pelo
Valor Online em 06/09/07

Livraria da Vila, em São Paulo: "Quanto mais práticas culturais existirem, mais chance o jovem terá de fazer atividades dentro ou fora de casa. É a lei do acúmulo", afirma o antropólogo Maurício Fiore, do Cebrap
Foto Tuca Vieira / Folha Imagem

Os jovens latino-americanos de 15 a 29 anos, definitivamente, não têm tanto tempo para ler os clássicos de sua literatura, como "A Morte de Artêmio Cruz", do mexicano Carlos Fuentes, ou "O Jogo da Amarelinha", do argentino Júlio Cortázar. Apenas 8,5% dos chilenos usa o tempo livre para ler um livro, jornal ou revista. O número de mexicanos é tão baixo que não é possível catalogar os dados. Já os colombianos têm um índice melhor (24%), mas ainda preferem praticar esportes (38%) e ouvir música (37%) a se debruçar sobre um Gabriel García Márquez.

Mas quando o assunto é internet os números sobem: 20% dos chilenos têm acesso à rede, 21% deles com idade entre 19 e 29 anos. Uruguaios (11,9%), peruanos (11,5%), argentinos (8%), mexicanos (3,5%) e colombianos (2,7%) navegam na rede, segundo dados consolidados de 2001 (estima-se que o número de usuários de internet aumente 10% ao ano, segundo a empresa de pesquisas comScore Networks). A maior concentração de usuários se dá, em média, na faixa entre 18 e 24 anos.

Os dados fazem parte de uma pesquisa feita por Guillermo Sunkel, mexicano radicado em Santiago (Chile), que esteve em São Paulo para participar do I Seminário Internacional de Democratização Cultural, a convite do Instituto Votorantim. "O domicílio se transformou em um centro de entretenimento. Antigamente, quando queríamos cultura, tínhamos de buscar fora. Eu, que sou fã de música brasileira antiga, nem preciso sair da minha casa para ouvir. A tecnologia democratizou o consumo", diz.

Para ele, autor do livro "Consumo Cultural na América Latina", o jovem latino-americano gosta mesmo é de assistir à televisão. Chilenos (17,1%), mexicanos (11%), colombianos (33%) e espanhóis (31%) largam qualquer coisa para ver filmes, notícias e novelas. Essa notícia é ruim? Não para os especialistas que acreditam que o "lar" é o novo centro irradiador de cultura.

Para o antropólogo Maurício Fiore, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), é errada a visão de que a TV ou a internet tiram espaço de leitura, shows ou visita a museus. "Quanto mais práticas culturais existirem, mais chance o jovem terá de fazer atividades dentro ou fora de casa. É a lei do acúmulo, ele se sente estimulado pela televisão e pelo computador", afirma. Quem lê jornais, revistas ou sites estará mais inclinado a buscar mais informação em casa (em livros ou discos) ou fora (cinema, teatro, shows, museus). Quem não se informa não sai do lugar.

Com a pesquisadora Isaura Botelho, Fiore fez um trabalho estatístico na região metropolitana de São Paulo para descobrir o que maiores de 15 anos faziam em seu tempo livre. O objetivo era avaliar seus hábitos culturais. O cinema foi eleito uma das expressões artísticas mais populares e acessíveis, mas mesmo assim 15% da população paulistana nunca pôs os pés numa sala para ver um filme. Um dado surpreendeu os profissionais: 40% dos entrevistados afirmou ter lido um livro por prazer no ano anterior. "Esse dado é quase europeu, foi uma surpresa para nós", conta Fiore. A televisão é o veículo mais disseminado, assim como o DVD e o vídeo.

Para o antropólogo, o grande fator de democratização da cultura não é espalhar teatros por todo um Estado. "O importante é criar espectadores com repertório", afirma. "Quando o espectador conhece, ele vai, não importa se é de graça, se é caro, se fica longe ou perto." E a chave desse conhecimento pode estar mais perto do que se imagina. Dentro de casa.


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