quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Política: Poder e democracia não seguem juntos

O poder e a democracia não seguem de mãos dadas nas organizações internacionais. As mais poderosas são as menos democráticas. Mas, lentamente, isso está mudando. Pode ser democrática uma instituição multilateral que países como Bélgica ou Holanda, com 10 ou 16 milhões de habitantes, respectivamente, têm mais poder do que, por exemplo, a Índia, com 1,1 bilhão? Pode ser democrática uma instituição mundial se os representantes eleitos nas urnas pelos cidadãos de seus Estados-membros apenas são capazes de controlar o que dizem os delegados de seus países em seu nome? Estas perguntas são fundamentais para determinar a legitimidade das instituições internacionais.

As instituições internacionais mais poderosas tendem a exibir as piores credenciais democráticas: a distribuição do poder entre os países é mais desigual e a transparência, e, portanto, o controle democrático, é péssimo. As instituições poderosas não apenas produzem normas, mas também podem forçar os países a respeitá-las. O Conselho de Segurança, principal órgão da Organização das Nações Unidas, tem a faculdade de adotar sanções econômicas e inclusive militares se um país não respeita suas resoluções. Assim, o Conselho ostenta um poder realmente duro, mas o processo de elaboração de normas e sua aplicação se vêem sob influência do veto de seus cinco membros permanentes.

Foi conferido a China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia o poder de bloquear qualquer norma da qual não gostem. Isto significa que países equivalentes a 30% da população mundial guiam o destino do Conselho de Segurança. E como os Estados Unidos foram responsáveis por 13 dos 16 vetos impostos nos últimos 15 anos, pode-se afirmar que 5% da população mundial têm uma influência desproporcional no mais poderoso organismo da ONU.

A Organização Mundial do Comércio também é poderosa. Primeiro porque estabelece muitas normas. O grande acordo mundial de comércio de 1994 continha 26 mil páginas de regras, principalmente sobre o quando deveria ser aberto ou fechado cada país diante dos produtos e serviços do restante. Todos os membros da OMC devem aceitar, mais ou menos, a totalidade das regras impostas pela instituição. E se um membro da organização não respeita essas normas e, por exemplo, aplica tarifas alfandegárias maiores do que o permitido, outro pode apresentar uma demanda contra e uma espécie de tribunal da organização julgará o caso.

O órgão de resolução de disputas demora aproximadamente dois anos para resolver os casos. Ao ganhador é dado o direito de castigar o país que transgrediu as regras mediante uma sanção comercial – normalmente uma tarifa sobre importações – que prejudica o transgressor na mesma medida em que a vítima foi prejudicada. Através deste mecanismo a OMC faz com que os países cumpram suas normas. Isto é bastante excepcional entre as instituições internacionais. Assim, a OMC é poderosa, mas também é pouco democrática? Bem, a distribuição do poder é bastante democrática. É “um país, um voto”, e no mundo real isso não é tão ruim. Naturalmente, não é muito democrático o diminuto Luxemburgo ter tanto poder quanto a China.

Em princípio, seria melhor se os votos fossem baseados na população. Talvez, não deveriam todos ter o mesmo peso político? Mas isso significaria que China e Índia ostentariam 40% dos votos em todas as instituições. Creio que o mundo não está pronto para isso. Agora, o sistema de “um país, um voto” não é tão ruim, porque na prática as grandes nações têm os meios para garantirem que seu voto tenha mais peso do que o dos demais menores. Entretanto, até o último acordo mundial de comércio de 1994, Canadá, Estados Unidos, Japão e União Européia podiam dominar as negociações porque eram muito técnicas e tinham procedimentos muito pouco transparentes. Isso está mudando desde 2003.

O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional têm poder sobre os países que precisam de seu dinheiro. Os países ricos podem emprestá-lo no mercado privado ou aos seus próprios cidadãos. As, durante muito tempo, a maioria das nações em desenvolvimento que necessitavam de dinheiro não tinham outra opção a não ser recorrer a estas instituições surgidas dos acordos assinados na localidade norte-americana de Bretton Woods, em julho de 1944. Em troca de seus empréstimos, o FMI e o Banco Mundial impuseram regras sobre o que, segundo essas instituições, constituía uma boa política. Se os países não as cumpriam, não recebiam o dinheiro.

A distribuição do poder entre as nações é desigual. Os países ricos, com um sexto da população mundial, tinham 60% dos votos, mas não precisavam das instituições de Bretton Woods. Os países pobres tinham de se arranjar com apenas 40% dos votos. Em abril, 3% dos votos passaram das nações industrializadas para o mundo em desenvolvimento. a situação é diferente em organizações internacionais que estabelecem regras sociais e ambientais do mundo. A governabilidade ecológica consiste em uma serie de Acordos Ambientais Multilaterais (MEA). A governabilidade social se processa mediante convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outras sobre direitos humanos.

Contrariamente à OMC, onde os membros devem tolerar todas as normas, os países podem decidir qual MEA ou convenção trabalhista ou de direitos humanos ratificam ou não. E embora ratifiquem um acordo, não há sanções se não os cumpre. Assim as regras sociais e ecológicas do mundo tendem a ser muito brandas. Mas as organizações que as criam e tentam implementá-las funcionam bastante democraticamente. Nas conferencias das partes que regem os MEAs, a cada país corresponde um voto. O mesmo ocorre no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Na OIT, cada país tem quatro votos: dois para o governo, um para os sindicatos e outro para as organizações empresariais.

De fato, desde sua criação em 1919, a OIT trabalha com sócios sociais. Por este motivo é bastante transparente. Com esses sócios tão envolvidos é praticamente impossível fazer algo escondido. Quase todas as reuniões da OIT são abertas. Assim que tanto para os representantes eleitos quanto para o público em geral é fácil saber do que se está tratando ali. O mesmo ocorre com os MEA e o Conselho de Direitos Humanos. Vários funcionários dizem que a OIT e as conversações de direitos humanos dependem da ajuda da sociedade civil para sua implementação.

Por outro lado, FMI e Banco Mundial sempre foram mais reservados: as atas das sessões de seus órgãos dirigentes permanecem envoltas em um manto de segredo durante 10 anos. A OMC também é bastante opaca. Não é tão fácil saber quem diz o que. Seus procedimentos são informais. O Conselho de Segurança é diferente: todos podem saber a posição dos seus membros em cada uma das votações. Basta checar o site da ONU. Mas, geralmente, as instituições mais poderosas são as menos democráticas. IPS/Envolverde

* Este artigo é parte de uma série de quatro notas de John Vandaele, jornalista da revista belga MO* e autor de vários livros sobre globalização. O mais recente, de 2007, é The Silent Death of Neoliberalism (A silenciosa morte do liberalismo).



Por John Vandaele, da IPS
Envolverde, 20/11/08
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