segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Presidentes gastam 30% do dia com tarefas inúteis

Para Valmor Savoldi, vice-presidente da Sadia, se o líder não tem metas claras ou titubeia nas decisões, faz os outros perderem tempo. "Ele é a chave de tudo", diz.
Foto Anna Carolina Negri/Valor

Artigo escasso e precioso na agenda dos executivos da era global, o tempo hoje não pode ser desperdiçado. Pelo menos, não deveria. Entretanto, numa pesquisa realizada com 1,8 mil presidentes, vice-presidentes e diretores brasileiros, todos admitem que gastam mais de 30% do seu expediente com atividades, consideradas por eles, desnecessárias. São líderes de grandes companhias, 30% com faturamento anual superior a R$ 5 bilhões.

Os motivos que levam o alto escalão a dedicar tanto tempo a atividades sem um sentido variam. A burocracia, o jogo político dentro da empresa, processos mal planejados, equipes despreparadas, a centralização de poder, a falta de clareza nas decisões e distribuições de tarefas são alguns deles. Cada executivo, a seu modo, consegue listar uma série de razões que os desviam do trabalho operacional, em um movimento que cresce como uma onda ao longo do dia arrastando tudo para depois.

"O que eles questionam é se aquilo que estão realizando está agregando valor, se faz sentido para a organização", diz a pesquisadora Betania Tanure, responsável pelo levantamento, professora da Fundação Dom Cabral, da PUC Minas e convidada do Insead e da London Business School. "O exercício do processo de negociação é necessário para se sobreviver no mundo corporativo, mas o tempo gasto com o teatro organizacional é exagerado".

Quanto mais o executivo sobe na hierarquia da empresa, maior será o tempo dedicado ao jogo político dentro da empresa. A diretora-executiva de recursos humanos da Telefônica, Françoise Trapenard, acredita que a complexidade das relações cresce proporcionalmente à escalada no organograma. "Perto do topo é preciso obter mais resultados por influência", diz. Isso inclui despender boa parte do expediente buscando alianças com diretores e gerentes.

Françoise diz que no seu dia-a-dia- ela comanda diretamente 70 pessoas- prefere resultados coletivos a uma reflexão apenas individual. Só que esta busca por soluções conjuntas demanda uma série de reuniões. "Minha equipe já reclamou disso e eu tive que mudar", conta. Para ela, reunião boa é a que começa na hora certa e termina cinco minutos antes do combinado. "É preciso ter o compromisso com a profundidade e saber cortar uma discussão para poder partir para a ação". Celular desligado e laptop fechado, na sua opinião, são atitudes fundamentais para que o encontro seja produtivo.

O vice-presidente da Sadia, Valmor Savoldi, acredita que o líder é o grande responsável pelo tempo perdido dentro das organizações. "Se ele não tem metas claras ou titubeia nas decisões, faz os outros perderem tempo. Ele é a chave de tudo", acredita. Se o número um é inseguro, sua insegurança se alastra e contamina todos os níveis da empresa. "A equipe não sabe de onde pode vir a cobrança e acaba perdida, sem saber o que fazer".

Ao longo de 30 anos de carreira executiva, Savoldi diz que o fundamental para quem está no comando é ter ao seu lado pessoas que o compreendam num simples gesto, num olhar. "A equipe pode até não ser tão madura, desde que entenda sua filosofia. Se isso acontece, os resultados vêm mais rápido e se perde menos tempo com discussões". Ele dirige 11 pessoas no dia-a-dia, mas indiretamente comanda quase 50 mil pessoas.

Outra atitude que costuma comprometer as horas das pessoas nas organizações é a indefinição de funções. "Cada um tem o seu nível hierárquico e quando o superior começa a transitar em áreas inferiores a estrutura fica tumultuada", acredita Savoldi. "É preciso estabelecer as prioridades que o cargo exige".

"Os executivos passam boa parte do tempo 'limpando o lixo' por conta do despreparo existente nos vários níveis de liderança", diz Carmine Sarao Neto, diretor de recursos humanos da Açominas, empresa do grupo Gerdau. "O problema quase sempre está numa falha no processo de comunicação". Ele exemplifica: "Se um gestor precisa demitir alguém, ele não precisa vir me perguntar como deve ser feito. Se os procedimentos são claros na companhia, ele não vai ocupar meu tempo com isso".

Equipes bem preparadas fazem os comandantes perderem menos tempo com o que consideram desnecessário. "Se saio do escritório em Belo Horizonte na segunda-feira e só volto na quinta-feira, os processos continuam acontecendo, minha equipe sabe o que fazer", diz Neto. Na sua opinião, a centralização das decisões é culpada por deixar tudo parado.

"As pessoas precisam andar por conta própria", diz Ronaldo Müller, gestor de operações industriais da Sadia, que atua em Chapecó, Santa Catarina. Ele gerencia 16 fábricas do grupo. Para tanto, procura ficar acessível o maior tempo possível. Como não pode atender a todos, 24 horas por dia, ele dá o máximo de autonomia aos subordinados. O segredo para não perder tempo, segundo ele, é a confiança.

Outro antídoto contra o desperdício de atenção no trabalho, para Müller, é o estabelecimento de metas e estratégias. Ele lembra que as organizações modernas estão muito mais preocupadas com o ganho de produtividade e com o planejamento estratégico. "O tempo das pessoas está mais controlado", diz.

Os executivos que atuam em multinacionais, com estruturas matriciais, 34% dos pesquisados, reclamam do tempo perdido com os enormes e muitas vezes desnecessários relatórios para as matrizes. "As decisões finais, em alguns casos, precisam passar por muitas pessoas", lembra Betania Tanure. Na múltis, o poder está disseminado entre as várias unidades de negócio e o jogo de esconde-esconde na hora de decidir por um projeto ou investimento, invariavelmente, faz com que os envolvidos percam tempo. "O que poderia ser resolvido em um dia, acaba levando uma semana", diz a pesquisadora.

Quem atua em áreas de apoio da organização como a comercial, de recursos humanos ou marketing sofre mais com o desperdício de tempo. Em muitos casos, dependem das decisões do comando para tocar seus projetos. Entre os cargos mais afetados, estão os espremidos no meio do organograma, como os gerentes. "Eles sentem a burocracia, não têm poder para mudar e precisam seguir em frente", diz Betania. Segundo a pesquisadora, boa parte do tempo que eles investem no trabalho não é percebido como tendo um sentido para a organização. "É como se realizassem as coisas mecanicamente sem entender o significado do que realizam", diz. É claro que o ritmo frenético do trabalho no mundo global requer respostas rápidas, mas nada funciona sem um espaço reservado para a reflexão. Este não será um tempo perdido.


Stela Campos, de São Paulo
Valor Online, 04/08/08


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