quarta-feira, 28 de maio de 2008

Inclusão social no PNPB

Em janeiro de 2005, por meio da Lei 11.097, foi criado o Programa Brasileiro de Produção e Uso de Biodiesel - PNPB. O programa prevê, entre outras vantagens, a redução de tributos federais sobre a produção de biodiesel, desde que as empresas produtoras incluam, em seus projetos, a agricultura familiar, obtendo, assim, o Selo Combustível Social, um instrumento de incentivo ao setor produtivo e que tem contribuído para o desenvolvimento do programa. O resultado, após três anos, é que, praticamente inexistem no mercado projetos que não tenham a participação dos agricultores familiares.

Para analisar o alcance do programa na geração de ocupação e renda entre os agricultores familiares, realizamos recentemente uma pesquisa, pelo Programa de Pós-Graduação em Administração de Organizações da FEA-RP/USP, junto aos produtores de Goiás, estado em que o PNPB tem avançado em função das condições oferecidas pelo programa para a região Centro-Oeste como um todo. Buscou-se medir qual o nível de variação na renda e na ocupação dos produtores inseridos no PNPB. O critério adotado foi a renda informada pelos produtores, com suas atividades no contrato que firmaram para o fornecimento de matéria-prima para o biodiesel, além da renda das demais atividades que continuaram a desenvolver.

Constatamos, na pesquisa, que a composição da renda familiar era constituída, principalmente, da produção de soja, algodão, milho, feijão e leite. Observamos também que os produtores utilizavam em média 68 hectares para o desenvolvimento de suas atividades e diminuíram para 39 hectares, após a entrada no programa, uma redução, portanto, de 77,11% em relação ao tamanho anterior. A área média encontrada nos contratos para a produção de biodiesel foi de 42 ha, uma área considerada grande para agricultores familiares. Não é difícil entender que a cultura da soja exige áreas maiores, para ser economicamente viável, do que culturas como a mamona.


A área média da cultura voltada para o biodiesel, 42 ha, somada com a área destinada a outras atividades, 39 ha, totaliza uma área de 81,21 hectares em uso. Isto significa que os produtores que entraram no PNPB aumentaram, em média, de 68 para 81 hectares, o que representa uma variação de 19,44%. Podemos perceber, assim, que existe uma divisão, ao meio, da área contratada para produzir matéria-prima destinada ao biodiesel e aquela das demais culturas. Essa decisão indica uma opção dos produtores familiares pela diversificação.

No gráfico a seguir, podemos visualizar a presença dos produtores em cada atividade e a renda média que cada uma delas proporciona.

Percebemos, pelo gráfico, que a soja, o milho, o leite e o arroz são as atividades mais importantes, tanto do ponto de vista da renda quanto da presença dos produtores familiares. Observamos, também, que os contratos pelo PNPB, por enquanto, têm provocado pequena mudança, pois a soja já era uma cultura que compunha parte das atividades desses produtores, e a mamona ainda é insignificante. Por outro lado, entende-se que isso pode ser considerado bom para os produtores, pois continuam produzindo a cultura com a qual já têm experiência, ou seja, a soja.

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O PNPB têm provocado pouca mudança de cultura, pois a soja já era utilizada e a mamona ainda é insignificante
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Isso pode significar também que grande parte dos produtores não está mudando de negócio, a não ser aqueles que estão produzindo mamona, mesmo que em pequenas áreas. A mudança total das culturas com as quais estão acostumados poderia representar um grande risco para esses produtores e para as empresas contratantes - daí, talvez a decisão de produzir soja e, no máximo, mamona em pequenas áreas. Essa é uma constatação de que os produtores familiares que estão sendo contratados, dentro do PNPB são produtores familiares tradicionais.

Em uma análise da renda dos produtores, o resultado encontrado foi de R$ 35.350,00, ou R$ 2.945, 33 mensais. Numa comparação por área, encontramos o valor de R$ 435,29/ha, uma variação positiva de 20,16% em relação ao valor anterior de R$ 362,26/ha.

Realizou-se, ainda, uma análise separada da renda total dos produtores, relacionada aos dois grupos pesquisados: soja e mamona. Encontrou-se uma diferença significativa entre esses dois grupos de produtores. Os produtores de mamona já apresentavam baixo nível de renda antes, situação que permaneceu depois de assinarem contratos com as empresas de biodiesel. Esse grupo representou na pesquisa cerca de 30% dos participantes.

Na tabela ao lado, podemos observar a renda dos produtores familiares com a produção de matéria-prima para a indústria do biodiesel.

Observa-se que, para 15,6% dos produtores, a renda líquida foi quase nula, enquanto para 6,2% foi de R$ 58.715,00, o que demonstra a distância entre os que ganharam mais e aqueles que ganharam menos. Em todas as análises constatamos, portanto, que existem dois grupos distintos de produtores familiares no PNPB: um bem estruturado do ponto de vista econômico, produzindo soja e, outro, mais fragilizado economicamente, produzindo mamona.

Essa grande distinção entre os produtores familiares que estão ingressando no PNPB pode contribuir para distorcer um dos principais objetivos do programa, que é produzir biodiesel de forma sustentável técnica e economicamente, promovendo a inclusão social, através da geração de ocupação e renda para grande parte da agricultura familiar. O desafio do governo e dos demais atores envolvidos com o programa, portanto, é estabelecer novas medidas que possam favorecer a participação desses produtores familiares que mais necessitam dos incentivos do programa, para que possam produzir e gerar sua própria renda.


Vicente da Rocha Soares Ferreira e Cláudia Souza Passador

Professor, mestre em administração pela FEA-RP/USP e membro do Instituto Volta ao Campo e do GPublic.
Socióloga, jornalista, professora do Departamento de Administração da FEA-RP/USP e Coordenadora do GPublic.

Valor Online, 26/05/08


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