quarta-feira, 28 de maio de 2008

País regride em meta educacional para ODM

Proporção de alunos que permanecem na escola até concluir o ensino fundamental recua no Brasil, na contramão dos Objetivos do Milênio

O Brasil tem regredido na tarefa de garantir que todas as crianças completem um ciclo básico de ensino — uma das metas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM, um conjunto de avanços socioeconômicos que os países da ONU se comprometeram a alcançar até 2015). Os dados mais recentes do Ministério da Educação mostram que, se a situação não se alterar, apenas 53,8% dos alunos que em 2005 ingressaram na primeira série do ensino fundamental concluirão a oitava série.

O indicador, chamado de taxa esperada de conclusão — que estima a porcentagem de alunos que devem completar um ciclo de ensino —, é um dos usados no segundo Objetivo do Milênio, que prevê universalizar o ensino básico. A ONU sugere que o indicador se refira aos cinco primeiros anos de ensino (que seria equivalente no Brasil à primeira fase do ensino fundamental), mas não há informações sobre esse período no banco de dados do MEC, o Edudatabrasil, desenvolvido com apoio do PNUD. No entanto, o próprio governo brasileiro se auto-impôs uma meta mais ambiciosa: a de garantir que até 2015 100% das crianças concluam o ensino fundamental.

A taxa de conclusão do ensino fundamental estava em 51,9% em 1995, melhorou nos anos seguintes e chegou a 65,8% em 1997, mas desde então tem predominado uma tendência de queda. A proporção de alunos da primeira série que concluiriam a oitava era de 62,3% em 2001, caiu nos três anos seguintes (57,1% em 2002, 54,0% em 2003 e 53,5% em 2004) e subiu um pouco em 2005, para os 53,8%.

Todas as regiões brasileiras já estiveram melhores do que estavam em 2005. O Nordeste é o que tem a pior taxa (a cada dez estudantes que ingressam no fundamental, menos de quatro o concluem) e é o único em que o indicador de 2005 é inferior ao de 1995 (38,7% e 41,0%, respectivamente). No Sudeste, a taxa cai ininterruptamente desde 2002, de modo que a região, que tradicionalmente tinha os melhores números do Brasil, foi superada pelo Sul em 2005 (69,1%, contra 66,6% no Sudeste). A porcentagem é de 40,5% no Norte e 54,2% no Centro-Oeste.

Analistas apontam que esse fenômeno é parcialmente explicado pelo fato de que, nos últimos anos, as séries iniciais receberam um número maior de crianças, sobretudo de famílias mais pobres. Como enfrentam dificuldades de diversos tipos (transporte, saúde, necessidade de trabalhar para complementar a renda da família), elas freqüentemente abandonam os estudos antes de completarem a oitava série, o que reduz a taxa de conclusão.

"Em que pesem os limites desse indicador, o que vem à mente como primeira explicação é que nesse período de dez anos houve uma inclusão muito grande no acesso ao ensino fundamental, que significou incluir crianças que estavam nas piores condições sociais no país", afirma Paulo Corbucci, doutor em educação e técnico em planejamento e pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

Parte do problema também está dentro da escola, avalia Tatiana Filgueiras, especialista em administração do terceiro setor e coordenadora de avaliação e desenvolvimento do Instituto Ayrton Senna. "A família dessas crianças não tem como custear a permanência em um lugar em que não estão aprendendo nada, e elas acabam deixando a escola. Quando você analisa os números de abandono por faixa econômica, os que estão mais prejudicados são os 20% mais pobres da população. A escola pública não está funcionando para eles, justamente para quem deveria funcionar." Tatiana destaca que "o aspecto da desigualdade na educação é imenso e um obstáculo para atingir quaisquer metas de qualidade e de fluxo que se estipule para o Brasil".

A taxa esperada de conclusão é baseada num cálculo matemático, conhecido como modelo de fluxo, que considera entrada e saída de estudantes no sistema de ensino, permeado por índices de aprovação, reprovação e abandono. "A partir do ano que vem, vamos ter o censo por aluno, e esse modelo vai ficar obsoleto. Assim, vamos saber, exatamente, quando o aluno entrou na primeira série, quando entrou na oitava ou quando abandonou a escola", afirma a especialista do Instituto Ayrton Senna.

Soluções
Para o Brasil cumprir essa meta dos Objetivos do Milênio, será necessária uma “intervenção muito séria” nos processos de dentro e de fora da escola, defende Corbucci, do IPEA. "O que o Ministério da Educação está defendendo agora, o aumento do percentual do PIB investido em educação, de 4% para 6%, é fundamental, principalmente para corrigir as desigualdades regionais. Essas desigualdades regionais estão fundamentalmente vinculadas à questão da renda. Não só, mas principalmente", afirma.

O aumento da verba para educação possibilitaria melhorar instalações, infra-estrutura, currículo, livro didático, alimentação escolar e a informatização das escolas. "Mas se tivesse de eleger uma entre as principais ações seria a questão do professor. Valorização, formação continuada e aquilo que está incluído no compromisso de metas Todos Pela Educação, a responsabilização. Não só do professor, mas de todos aqueles vinculados ao processo educacional", afirma.

A questão da responsabilização também é apontada como essencial por Tatiana Filgueiras. "Os profissionais têm de ser apoiados, em primeiro lugar, e responsabilizados por resultados. É preciso trazer um pouquinho do que se aprende com empresa para o universo de administração pública", propõe. "A escola pública perdeu o foco gerencial, que é o que os Objetivos do Milênio fizeram. Tem de estabelecer meta para o Brasil, para cada rede, para cada escola, para cada sala de aula e para cada aluno. As pessoas que trabalham nesse sistema integrado de educação têm de se responsabilizar pelo seu pedacinho. O professor na sala de aula tem de alcançar a meta dele, para que a sala alcance a meta dela, e depois a escola, para esse sistema subir novamente em conjunto", argumenta.

Corbucci ainda considera possível que o Brasil consiga atingir a meta dos Objetivos do Milênio, embora seja difícil. "Acho que o que importa não é a gente chegar aos 100% em 2015. O que importa é a gente estar caminhando em direção a isso. Mas estamos regredindo. Isso não pode."

O segundo ODM
Com o segundo Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, sobre a universalização do ensino básico, os países da ONU se comprometem a garantir que "todas as crianças, de ambos os sexos, terminem um ciclo completo de ensino básico", que seria o equivalente aos cinco primeiros anos. O Brasil assumiu para si metas mais rígidas: todas as crianças devem concluir o ensino fundamental (1ª a 8ª série; com a incorporação do antigo pré-primário ao ensino fundamental, será da 1ª à 9ª série).

Na prática, isso significa que o número de 53,8%, de 2005, terá de ser de algo próximo de 100% em 2015.



Osmar Soares de Campos, do Pnud

Envolverde, 28/05/08
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