quarta-feira, 28 de maio de 2008

Comércio-África: A China cada vez mais próxima

Brasil e Portugal, dois dos oito membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) com capacidade para grandes investimentos no exterior, decidiram consolidar uma solução pragmática e transitar pela cooperação em lugar da competição com a China na África de língua portuguesa. Nesta linha de ação, mais de 300 empresários e representantes de instituições de promoção da CPLP e empresários chineses decidiram continuar a exploração das oportunidades de negócios entre o gigante asiático e os países de língua portuguesa de todo o mundo, um universo de oito países com 235 milhões de habitantes.

O IV Encontro para a Cooperação Econômica e Comercial reunirá entre hoje e sexta-feira em Cidade da Praia, capital da ex-colônia-arquipélago portuguesa de Cabo Verde, na África ocidental, os expoentes pioneiros das relações entre China e os membros da CPLP, protocolo criado em outubro de 2003 em Macau. A presença de uma delegação autônoma de empresários de Macau tem especial importância para as relações entre China e CPLP (Brasil Angola, Cabo Verde, Guinébissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste), devido ao papel central desempenhado pelo ex-enclave português, que hoje conta com um estatuto autônomo de Pequim. A este fato se une a sintonia entre os países-membros da CPLP e Macau, administrado por Portugal entre 1557 e 1999 e que é considerado uma “relíquia étnica” de língua portuguesa na Ásia.

A reunião denominada “Cabo Verde como Plataforma para Comércio e Serviços” tem o propósito de “facilitar o contato entre pequenas e medias empresas, para identificar segmentos de mercado e intensificar as relações comerciais”, disse à agência portuguesa Lusa Alexandre Fontes, presidente de Cabo Verde Investimentos. Em termos semelhantes, em declarações à mesma agência, o subsecretário do “Fórum Macau”, Manuel Rosa, explicou que, aproveitando as características do ex-enclave luso, “decidiu-se criar mecanismos que favoreçam as relações comerciais com a China”, verificando-se que depois destas reuniões o comércio cresce. Rosa destacou que constituía “uma grande vantagem econômica” negociar com Brasil ou China, sendo que Cabo Verde pode servir de trampolim de comércio destes países e dos europeus com todo o continente africano.

O otimismo também primou no administrador da Agência Portuguesa para Investimentos e Comércio Exterior (AICEP), Renato Homen, ao afirmar que “Portugal pode ser uma espécie de plataforma entre continentes”. Recordou que esse país, além de suas relações privilegiadas com Macau, desde sua localização na Europa está em boa posição para transações com a África, os Estados Unidos e o Brasil. Segundo Fontes, China e Portugal têm “interesses complementares”, já que oferecem “produtos diferentes”, e Cabo Verde pode servir “para colocar esses produtos na costa ocidental africana”.

O presidente da Cabo Verde Investimentos também destacou a importância das grandes delegações das principais instituições da área dos três maiores países de língua portuguesa do mundo: Agência Brasileira de Promoções e Exportações, Câmara de Comércio e Indústria de Angola e Instituto de Promoção e Exportações de Moçambique. Mas, nem todas as visões sobre as relações da China com os países de luso-africanos contêm doses de otimismo tão acentuado como os de Rosa, Fontes e Homen.

“China-CPLP, ou, melhor dizendo, a globalização mais baixa impossível”, disse à IPS a pesquisadora italiana Marzia Grassi, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, especializada nos países de língua portuguesa da África. Grassi, economista diplomada na Universidade de Florença, na Itália, fez um detalhado trabalho de pesquisa sobre os “rabidantes” (comércio feirante), em Cabo Verde, que valeu seu título de doutora na Universidade de Lisboa. “Minha pesquisa (para a tese de doutorado), relacionada com o comércio informal varejista em Cabo Verde, mostra que os chineses chegaram ao arquipélago em grande número entre 1996 e 1997 e depois começaram a competir com os comerciantes locais, os “rabidantes”, afirmou.

Atualmente, nos países de língua portuguesa, “os negócios chineses crescem como fungos, oferecendo produtos que ali não são fabricados, de qualidade ínfima, tanto que em Cabo Verde já correm piadas sobre os calçados chineses, que duram apenas o tempo de uma cerimônia”. A presença comercial da China na África “é um bom exemplo da globalização para baixo, UE revoluciona o comércio transnacional e deixa vulnerável de maneira decisiva as atividades informais, das quais conseguem apenas sobreviver, com imensas dificuldades, milhões de habitantes desse castigado continente”, disse a pesquisadora italiana.

Embora seja certo que a China atenua a influência da Europa na África, este continente já livre do estigma colonial continua despertando apetites de cobiça, ao ser atualmente um dos mais sedutores espaços de negócios do mundo. Fernando Jorge Cardoso, do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais de Lisboa, afirma que existe uma tendência a exagerar a presença chinesa na África, que não ameaça interesses europeus, mas concorda com Grassi que, na realidade, sua crescente atividade será no futuro um problema para os próprios africanos. “Está completamente superestimada a ameaça chinesa na África’, assegura o pesquisador, recordando que o gigante asiático é competidor da Europa e com vantagens no setor da construção, mas não é assim em outros campos”.

Entretanto, poderá condicionar o progresso industrial africano, já que a China “não desenvolve uma política externa para a África, limitando-se a entrar onde existe a possibilidade de fazer negócios e seus cidadãos seguirem os caminhos que os levaram a todo o mundo”. A Europa continua em vantagem porque é uma região de grande desenvolvimento, que transfere tecnologia, ao contrário dos chineses, que não o fazem, disse Cardoso. Mas, alerta que os europeus não têm toda vantagem garantira na África, que agora conta com um cenário diversificado de relações, com Brasil, Estados Unidos, Índia e China.

Quanto aos países africanos de língua portuguesa, e apesar de sua postura crítica, Grassi admite que o crescimento da presença chinesa registrada nos últimos anos parece reforçar a premissa de que “o realismo obriga” à CPLP. A pesquisadora italiana admite o avanço “do trator chinês” e conclui, com evidente bom humor, citando o escritor boêmio Franz Kafgka (1883-1924): “Em sua luta contra o mundo, aconselho a unir-se ao resto do mundo”.


Mario de Queiroz, da IPS
Envolverde, 28/05/08
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