sexta-feira, 5 de outubro de 2007

O mundo virtual conquista o real e vice-versa

Julia Dietrich
Publicado pela Envolverde em 04/10/07

De jogos interativos à escrita colaborativa: as novas mídias e a Web 2.0 (idéia que torna o ambiente online mais dinâmico, com a participação dos usuários na organização do conteúdo) diminuem cada vez mais as fronteiras entre o real e o virtual. As novas tecnologias conduzem os jovens, que cresceram durante este processo, para meios e formas de comunicação até pouco tempo impensáveis.

Nessa perspectiva, o editor de tendências do Núcleo Jovem da Editora Abril (que congrega diversas publicações voltadas para a juventude), Rafael Kenski, produziu o estudo “As sete tendências de Comunicação Para Falar com os Jovens” (http://super.abril.com.br/ytrends/). Com nomes e siglas, na maioria das vezes em inglês, o jornalista discorre sobre Big Games, Nanoconteúdo, Big Seed Marketing, Mob Maps, Creative Commons, Ficção Caótica e Alternate Reality Games (ARG).

“As ruas estão ficando cada vez mais virtuais e os jogos cada vez mais reais”. A frase de Kenski resume, a grosso modo, o novo modo em que vivem os jovens. Para o editor, os gadgets (aparelhos tecnológicos) mais variados assumiram participação importante na vida dos jovens das classes A e B e sites como Orkut e o celular se tornaram indispensáveis. Segundo a professora do IBMEC São Paulo, Amyris Fernandez, com o crescente aumento de CyberCafés e uma maior democratização do acesso às novas tecnologias, o dinheiro deixou de ser um empecilho. “Em Paraisópolis (comunidade de baixa renda paulistana) existem 28 pólos de Internet”.

Games
Temidos por muitos educadores e admirados por outros tantos, os jogos virtuais já assumiram maior posição na educação e no entretenimento dos adolescentes e jovens adultos do século XXI. Talvez pela necessidade de aproximação com a vida real, a nova tendência é levar a esfera da fantasia virtual para dentro do cenário vivo, ao mesmo tempo em que o cotidiano ruma para dentro dos computadores e outras mídias. Exemplo disso são os chamados Big Games (Grandes Jogos) que fazem que o jogador utilize as mais diversas tecnologias (GPS, celulares) para realizar missões que ocorrem entre a vida real e os computadores.

Kenski contou sobre a recente iniciativa da emissora de televisão a cabo norte-americana Discovery Channel. “Os jogadores tinham que encontrar em um mapa virtual seis tubarões, depois pesquisá-los, fotografá-los, filma-los etc. Porém, esses tubarões e esse mapa eram reais. O mapa compreendia uma área da costa Oeste dos Estados Unidos e os animais foram marcados com GPS que traduziam a exata posição que o tubarão estava”, conta. Além dos jogos voltados para natureza, os jogos da década de 1980, como Pac Man e Banco Imobiliário, também ganharam versões do tipo na Internet.

Tudo rápido
Para Kenski, como a juventude está acostumada a estímulos múltiplos, a informação deve ocorrer de forma rápida. Como exemplo, ele citou o caso do vídeo da Marmota Dramática . Com apenas cinco segundos de duração, o vídeo já foi assistido por quase quatro milhões de espectadores que, entre outras conseqüências, fizeram camisetas com o bichinho e produziram inúmeros vídeos complementando e reconstruindo o original. “É preciso observar esse grande número de pessoas acessando algo sem aparente informação para entender como comunicar coisas relevantes”, explica.

Outro exemplo citado por Kenski é o caso dos liquidificadores capazes de triturar qualquer coisa (http://www.willitblend.com/). Com o slogan “Vai triturar”, a empresa começou a produzir vídeos, disponíveis na Internet, para testar e brincar com os liquidificadores superpotentes por ela produzidos. O apresentador, em uma de suas proezas, chegou a triturar um Iphone (celular da marca Apple) e as vendas do eletrodoméstico aumentaram 40%.

Por isso as agências de publicidade e outros disseminadores de conteúdo fazem uso dos “virais” que, como o próprio nome indica, são sites, músicas ou textos que se propagam gratuitamente como se fossem epidemias para toda a rede de e-mails. “Cabe ao que divulga a informação entender o meio virtual e entender quais informações serão mais facilmente divulgadas para um maior número de pessoas”, diz.

Privacidade e propriedade
Com o maior número de pessoas utilizando essas novas linguagens, as formas de relacionamento entre os indivíduos e dos indivíduos com a sociedade se transformam constantemente. Privacidade e vida pessoal, são conceitos que, de acordo com Kenski, devem ser revistos. “Os jovens estão disponibilizando inúmeras informações pessoais na Internet. Quando forem procurar um emprego, eles poderão encontrar um chefe que os condenará por aquilo que fizeram ou expuseram na rede”, conta.

Assim como a vida pessoal muda, também muda a detenção e os direitos sobre as produções. Porém, como contraponto à máxima de que a Internet é terra de ninguém, a organização sem fins lucrativos, Creative Commons, disponibilizou licenças para que as pessoas decidam como querem suas produções reproduzidas. “O ministro Gilberto Gil inclusive disponibilizou várias bases musicais para serem utilizadas”, observa Kenski, pontuando que o instrumento legal vem sendo utilizado mundialmente por governos a “internautas comuns”.

O real na ficção
Além da produção individual na Internet, os novos tempos anunciam cada vez mais a colaboração entre os indivíduos. Fãs de produções como Guerra nas Estrelas ou Harry Potter não só se comunicam em fóruns de discussão sobre as séries e livros, como aumentam e recontam suas histórias em sites especializados. “No Mugglenet existem mais de três mil pessoas reescrevendo as aventuras de Harry Potter sob a ótica de personagens menores da trama. E o conteúdo é mediado pela própria comunidade que freqüenta o site”, explica Kenski. Chamados de Ficção Caótica, pois permitem a interação das pessoas em obras já concluídas, esses portais estão sendo utilizados pelas agências de publicidade para falar com os jovens. “O jovem ouve o outro para decidir o que quer”, justifica o editor sobre a importância do fenômeno.

E, por fim, alcançando o grau de interatividade mais elevado até o momento estão os jogos de realidade alternativa, popularmente conhecidos como ARGs. O maior exemplo brasileiro foi desenvolvido pelo próprio Núcleo de Jovem da Editora Abril para a marca Guaraná Antártica. Criando um imenso jogo que misturava missões reais e aventuras virtuais, o “Zona Incerta” congregou em torno de si mais de 300 mil jovens.

“A brincadeira foi tão longe que a empresa fictícia Arkhos Biotech , que supostamente queria privatizar a Amazônia, apareceu nas falas do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) e na grande mídia brasileira”, conclui Kenski, novamente reiterando o imenso potencial que esses brinquedos do futuro já apontam no presente.
(Envolverde/Aprendiz)

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Maringá terá aterro "lixo zero"

Sabrina Domingos
Publicado pela
Envolverde em 04/10/07

A cidade de Maringá (PR) será a primeira no Brasil a utilizar uma tecnologia que promete eliminar os resíduos sólidos urbanos. Com a proposta de “lixo zero”, o Consórcio Biopuster utiliza um processo biológico que trata os dejetos por meio da injeção de ar comprimido rico em oxigênio nos depósitos de resíduos, estimulando a ação das bactérias responsáveis pela decomposição. Como resultado, encontra-se uma melhor destinação final para os resíduos e reduz-se os custos de operação. O projeto piloto, que já está em fase de instalação, será testado por seis meses. Mas a Prefeitura de Maringá já assinou um Termo de Cooperação Técnica para a contratação definitiva (concessão por 20 anos) caso os resultados sejam satisfatórios.

O advogado Rodrigo Franco, da empresa Carbon Market, que presta consultoria na área, explica que o processo já é utilizado com sucesso na Europa e que sua maior vantagem é permitir o desmonte completo do aterro, uma vez que aproveita todos os tipos de resíduos.

Ao chegar no aterro, o lixo é selecionado: resíduos domiciliares e industriais, além de madeiras usadas ou de demolição, troncos, raízes e galhos podem ser processados por um triturador de reduzida poluição sonora e baixo desgaste do mecanismo de trituração. Os materiais recicláveis, como plásticos, vidros, alumínios e papéis também são separados. Produtos mais volumosos como colchões e carpets são tratados separadamente e transformados em resíduos de pequenas dimensões. O triturador permite a transformação dos detritos em partes orgânicas para futuro tratamento.

Franco ressalta que a tecnologia da Biopuster tem a vantagem de não produzir biogás como produto final. “Depois do tratamento com ar comprimido, ocorre a sucção dessa transformação da atmosfera anaeróbica em aeróbica e a biofiltragem de todos os efluentes gasosos com a mudança da matéria orgânica para biofertilizantes (compostagem) e separação de recicláveis”. E, como esse tratamento é realizado diariamente, o processo gera um mínimo de resíduos finais. Ainda assim, o material restante não possui bactérias e não causa danos para o meio ambiente, já que o processo passa por uma descontaminação do lixo.

A intenção é conseguir uma destinação até mesmo para esses rejeitos que são aterrados. A viabilidade de utilização desse resíduo final no co-processamento da indústria de cimento ou na alimentação de altos fornos no setor, no setor de metalurgia, por exemplo, está sendo avaliada, afirma Franco.

Com uma área de 240 mil metros quadrados, o aterro de Maringá receberá diariamente cerca de 300 toneladas de resíduos. Os custos de implantação do novo processo de tratamento, cerca de 2,7 milhões de euros, deverão ser compensados com as receitas provenientes dos recicláveis, dos compostos orgânicos e dos créditos de carbono (já que o projeto pode ser inscrito nos Mecansimos de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto).

A tecnologia da Biopuster leva de 60 a 90 dias para degradar os resíduos sólidos, transformando as matérias orgânicas em húmus. Logo, considerando uma operação de suprimento contínuo de resíduos durante seis meses, os produtos (húmus e recicláveis) do último suprimento estarão disponíveis 90 dias após o início do processo.
(Envolverde/Carbono Brasil)

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IBOPE e Ethos debatem pesquisa sobre sustentabilidade

Publicado pela Envolverde em 04/10/07

O Instituto Ethos e o IBOPE apresentaram nesta quarta-feira, para um grupo de jornalistas, os resultados da pesquisa realizada pelo IBOPE sobre Sustentabilidade e Negócios Sustentáveis. O levantamento foi realizado com homens e mulheres acima de 16 anos, em todo o Brasil, entre os dias 20 e 28 de julho, para avaliar a percepção das classes A, B e C sobre assuntos ligados ao tema sustentabilidade. O estudo também analisou a opinião da comunidade empresarial brasileira por meio de entrevistas com 537 executivos de 381 grandes empresas nacionais.

A pesquisa revelou que 79% dos executivos e 55 % dos cidadãos já ouviram falar de sustentabilidade empresarial, sendo que os dois grupos possuem conceitos diferentes sobre a questão. Para os executivos, sustentabilidade empresarial está atrelada aos conceitos de responsabilidade social (59%) e preservação do meio ambiente (58%). Já para os cidadãos, o conceito está atrelado ao desenvolvimento de produtos (33%) e à solidez das instituições (23%).

O estudo também revelou o grau de consciência sócio-ambiental do cidadão e identificou que existe um grande distanciamento entre a crença e a prática de ações de preservação ambiental. Por exemplo, 92% dos cidadãos concordam que separar lixo para a reciclagem é uma obrigação da sociedade. Porém, apenas 30% dos entrevistados separam o lixo em suas residências.

Questionada sobre "pirataria", grande parte da população (68%) considera que a pirataria é um crime e metade da população (53%) deixaria de comprar sua marca preferida se soubesse que o fabricante faz algo prejudicial à sociedade ou ao meio ambiente. Porém, apenas 21% dos entrevistados afirmam nunca ter comprado produtos deste tipo. Quando perguntados se concordavam que pilhas e baterias são prejudiciais ao meio ambiente, 85% dos entrevistados concordaram. Mesmo assim, 32% deles declaram jogar esses resíduos em lixo comum, ao invés de separá-los e descartá-los de forma ecologicamente correta.

Outras informações relevantes identificadas pelo estudo foram sobre as áreas em que as empresas pretendem investir nos próximos anos. De acordo com o levantamento, no futuro as organizações deverão aplicar grande parte de seu capital em tecnologia (62%) e desenvolvimento de produtos (60%). Treinamento de pessoal e projetos de responsabilidade social também serão áreas bastante expressivas dentro dos orçamentos (respectivamente 47% e 41%). Porém, quando o assunto é preservação ambiental, apenas 25% dos entrevistados afirmam que suas empresas investirão em projetos relacionados ao tema.

"O debate em torno do tema sustentabilidade é muito rico e ao mesmo tempo necessário em uma sociedade que só vai prosperar quando todos os relacionamentos se tornarem sustentáveis o bastante para apoiarem as iniciativas de cidadãos e comunidade empresarial. Para isso acontecer é preciso que, antes de tudo, todos entendam o conceito e a prática do desenvolvimento sustentável em sua plenitude e tenham atuação de valor internalizado", afirma Nelsom Marangoni, CEO do IBOPE Inteligência e responsável pela pesquisa Sustentabilidade: Hoje ou Amanhã?.

Veja a íntegra da apresentação:
http://www.ibope.com.br/forumibope/pesquisa/ibope_sustentabilidade_set07.pdf

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quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Uma porta de saída do Bolsa Família

Tatiana Bautzer
Publicado pelo
Valor Online em 04/10/07

Ana Gláucia Martins Jucá, cliente do CrediAmigo Comunidade em Califórnia, distrito de Quixadá, recebe R$ 112 de Bolsa Família e está no segundo empréstimo para produzir bolsas e roupas
Foto Jarbas Oliveira / Valor

Eles vão chegando aos poucos à igrejinha caiada do distrito de Califórnia, em Quixadá, interior do Ceará. A grande maioria vem à pé - um ou outro, de moto. O padre empresta a igreja fora dos horários de missa para as reuniões do banco comunitário.

Pele curtida de sol, de boné ou chapéu e com calças surradas, os poucos homens sentam-se nos bancos mais distantes. As mulheres, com vestidos simples ou de jeans e blusinhas de malha. Inicialmente desconfiados, os clientes logo logo abrem sorrisos quando falam dos filhos ou explicam os detalhes das atividades informais que criaram.

Ana Gláucia Martins Jucá, 34 anos, é das mais desenvoltas. Grávida de oito meses do quarto filho, a costureira preside o banco comunitário do vilarejo, que financia as atividades informais dos moradores. O "Banco de Desenvolvimento da Califórnia" é um exemplo do modelo escolhido pelo Banco do Nordeste (BNB) para emprestar à classe E, população que estava excluída até mesmo do microcrédito tradicional. Mais de 60% dos clientes dos bancos comunitários recebem Bolsa Família. Os bancos do interior do Nordeste seguem o modelo de "village banks", bem sucedido em áreas semi-urbanas na Indonésia e Bangladesh.

No microcrédito tradicional, que concede empréstimo inicial de até R$ 1 mil, analisa-se o fluxo de caixa do negócio e exige-se no mínimo um ano de experiência. No CrediAmigo Comunidade, não há análise financeira e o primeiro empréstimo é de no máximo R$ 300. Também é permitido que até 20% dos clientes estejam iniciando o negócio com o crédito.

Em Califórnia, Gláucia está terminando de pagar um empréstimo de R$ 300 e está pedindo outro de R$ 450 para comprar tecidos, linha e aviamentos para as bolsas e roupas que faz em casa. Apesar de não saber exatamente os ganhos, calcula ganhar R$ 150 mensais com a confecção. Esta não é sua única renda: casada com um segurança particular contratado em Fortaleza, que volta a Califórnia nos fins de semana, Gláucia recebe R$ 112 de bolsa família.

"Além de ter menino, toda minha vida trabalhei com costura" brinca Gláucia, enquanto ajeita os produtos artesanais no ateliê improvisado nos fundos de sua casa, a alguns metros da igrejinha onde ocorreu a reunião. "Mas desde que entrei no banco tá dando pra ganhar mais". Antes, Gláucia cobrava R$ 12 pelo feitio de um vestido - não tinha como comprar o material por conta própria. Agora compra o tecido, aviamentos e linha e gasta R$ 20 para fazer um vestido que vende por R$ 40. "Eu ganho mais por peça, e não tem nada melhor que não ter patrão", diz a costureira.

Outro cliente do banco comunitário e do Bolsa Família é Francisco Gonçalves de Oliveira, 49 anos. "Seu Tatá", como é conhecido, está abrindo uma padaria num imóvel que ele mesmo construiu ao lado de sua casa. Pai de dez filhos (o mais velho de 26 e o menor de 3), seu primeiro empréstimo foi de R$ 100 para comprar doces e balas que vendia de porta em porta. Está no terceiro crédito, de R$ 450. Espera conseguir R$ 350 mensais com a venda na padaria e entregas de pão nas cidades próximas.

A mulher recebe mensalmente R$ 112 de bolsa família. Hoje, ele não depende tanto desse dinheiro para sustentar os filhos, mas diz que se perdesse o benefício, faria muita falta. Ele ainda está longe de conseguir uma renda superior a R$ 120 por integrante da família. "Se a gente tivesse uma renda certa, tudo bem, mas tem mês que é ruim".

O CrediAmigo Comunidade ainda representa pouco na carteira total de microcrédito do BNB. Liberou apenas R$ 12,9 milhões em dois anos e tem uma carteira ativa de R$ 3,5 milhões, dentro de uma carteira total de microcrédito de R$ 200 milhões. Os 13.735 clientes do Comunidade tomaram empréstimos de R$ 348,00 na média.

Todos os clientes dos bancos comunitários demonstram o medo de perder o Bolsa Família. O próprio BNB evita dizer que o microcrédito representa uma alternativa para saída do programa federal. O superintendente de microfinanças do BNB, Stélio Gama Lyra Júnior, prefere usar outro termo. "Acho que é a porta de entrada para inserção econômica".

A secretária de articulação institucional do Ministério do Desenvolvimento Social, Heliana Kátia Campos, também evita a palavra saída e diz que o microcrédito é um instrumento de "emancipação financeira" dos atendidos pelo Bolsa Família. Não há um levantamento de quantos beneficiários do bolsa família são também tomadores de microcrédito. Mas programas como o CrediAmigo Comunidade e o Pronaf B, para financiamento de agricultura familiar, registram uma média de 60% de beneficiários.

O Ministério está fazendo um projeto piloto com o BNB e Ministério do Trabalho no interior do Ceará para criar novas linhas de crédito voltadas exclusivamente a cadastrados no Bolsa Família. "É fato que a informalidade será por muito tempo característica das economias latino-americanas, não se imagina que sejam gerados empregos formais suficientes para todos", diz a secretária. Um dos projetos é fazer empréstimos que sejam saldados em produtos, voltados a pessoas que não têm acesso a nenhum tipo de microcrédito porque não tem CPF, por exemplo.

As prefeituras revisam os cadastros a cada dois anos e retiram famílias que já conseguiram uma renda sustentável maior que o máximo permitido pelo programa, de R$ 120 mensais per capita. "Não há cancelamento do benefício enquanto a renda não for constante e sustentada", afirma a secretária.

De fato, os clientes que estão entre o primeiro e terceiro empréstimo ainda têm rendimento incerto e atividades pouco sólidas. Mas a mudança do tamanho da atividade informal e renda gerada é notável para os que já estão no sexto ou sétimo ciclo - em média, participando de programas de microcrédito há dois anos.

Em Ocara, cidade cearense de 20 mil habitantes no caminho entre Fortaleza e Quixadá, Francisca Gonzaga se destaca no grupo de clientes do banco comunitário Vitória, reunido na casinha de um cômodo que sedia a associação de moradores.

Francisca, integrante do banco comunitário Vitória, vendia confecções e pediu o primeiro empréstimo de R$ 100 no CrediAmigo Comunidade há quase dois anos. Sua solicitação mais recente é de R$ 900, mas agora para financiar capital de giro da churrascaria "Pisa na Fulô", que possui na beira da estrada estadual que passa por Ocara. O crédito elevou sua margem de lucro com a venda de roupas e Francisca começou a pensar em realizar o sonho do marido, Manoel, que havia trabalhado como churrasqueiro por 15 anos num restaurante da região.

Os dois alugaram a casa e compraram as geladeiras, equipamentos de cozinha e móveis de madeira para o salão. A churrasqueira de tijolos foi construída no quintal. Manoel fica na churrasqueira, Francisca na cozinha e as duas filhas adultas ajudam a servir. Francisca não tem do que reclamar. "Dá pra tirar por mês uns R$ 700, até R$ 1000", conta.

Nos bancos comunitários é visível a metodologia criada para mitigar o altíssimo risco de inadimplência nesta camada da população que não tem nenhum tipo de garantia a oferecer além do aval solidário.

Para reforçar os laços entre os clientes, co-responsáveis cruzados pelos empréstimos, os bancos comunitários têm a obrigação de reunir todos os integrantes mensalmente. As reuniões são festivas: as mulheres trazem bolos, salgadinhos, queijo feito em casa, refrigerantes. Quanto mais próximos os clientes forem uns dos outros, maior a disposição de ajudar em caso de necessidade e menor o risco de perda.

Em Paracuru, cidade litorânea cearense, o banco Esperança reúne sacoleiras, artesãs, uma cabeleireira e uma que acaba de abrir uma pequena padaria em casa. Maria Melo de Oliveira, 38 anos e seis filhos, diz que o grupo se reuniu no mês passado para ajudar uma das integrantes, que ficou doente, e que já pagou uma outra vez a parcela de uma sacoleira que estava grávida, sem condições de trabalhar. Os recursos do banco comunitário em Paracuru aumentaram expressivamente a renda de várias sacoleiras. Antes a maior parte delas trabalhava para os "galegos", microempresários que traziam as peças para venda em consignação, porque não tinham o capital para comprar os produtos.

Marliete Ferreira conta que os galegos traziam as peças para ela cobrando R$ 10 e que o máximo que ela conseguia na venda era R$ 12- praticamente não sobrava nada para ela. Com o crédito, agora vai até centros de comércio popular em Fortaleza e consegue comprar as peças por R$ 4 ou R$ 5- agora a atividade resulta em renda significativa.

Em Serra Preta, distrito de Feira de Santana, na Bahia, a inauguração dos bancos comunitários Beira Rio e União atraiu num fim de tarde de quarta-feira 50 pessoas para a casa de uma vereadora numa área rural. Os assessores de crédito preparam a mesa para que os 31 clientes assinem as duas promissórias e amarram em pilares da varanda fitas verdes que são cortadas na inauguração. Cada grupo trouxe uma muda de árvore.

Os assessores começam a reunião reunindo todos em círculo para contar um caso de sucesso na região, o da cozinheira Maria dos Anjos Ezu, que está no terceiro crédito para seu negócio de marmitas. Agora fornecendo para a prefeitura, ela receberá um empréstimo para reformar a área de sua casa onde serve almoço. O sucesso para o cliente do banco comunitário é relativo: pode ser um pequeno aumento de renda que o leva à classe D ou C.

A presidente do banco União, Edeane Duarte Sena, termina a cerimônia lendo um texto que descreve como a águia empurra seus filhotes do ninho para voar. Diz que o microcrédito é o "empurrão" que fará com que os clientes do banco comunitário superem as dificuldades do mercado de trabalho. Todos aplaudem.

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Inclusão digital, fantasia de um discurso enganador

Jorge Felix
Publicado pelo
Valor Online em 04/10/07

Se alguém acredita na atualidade de seus conhecimentos de informática e sente-se moderno porque acabou de comprar um computador ou um celular novo, engana-se. O ser humano contemporâneo está condenado ao atraso tecnológico. Tal afirmação parece um paradoxo numa época de avanços inacreditáveis. A velocidade das novas tecnologias, porém, é a grande culpada. Impõe uma obrigação de se dominar a informática como forma de sobrevivência. Mas também exclui impiedosamente. "A inclusão digital é utopia", sentencia Eugenio Trivinho, professor de pós-graduação em Comunicação na PUC-SP, autor do livro "A Dromocracia Cibercultural". Dromo, em grego, significa velocidade - característica que determina a lógica desta era. Em entrevista ao Valor (trechos a seguir), Trivinho afirma que, nessa corrida, todos lutam para serem ágeis ou dromoaptos, mas só a indústria de informática consegue evitar a derrota.

Valor: Ainda é possível viver fora da lógica da velocidade?
Eugenio Trivinho: Não, desde que se considere que o indivíduo necessita, para integrar-se ao mercado de trabalho, estar em sintonia com a época. Pela sua sobrevivência e para integrar-se também aos produtos de lazer, os games. A época exige um domínio das chamadas senhas infotécnicas de acesso. Deixa para aqueles que não entraram, não têm necessidade de entrar ou saíram do mercado de trabalho a prerrogativa de rescisão a esse domínio dos instrumentos, das linguagens ou dos conhecimentos. No entanto, há muito pouca brecha para escape. A tecnocracia é a mais penalizada. Os executivos certamente não desfrutam do privilégio concedido pela época de não precisar responder a todas as exigências dromo-cráticas. Apenas o tecnófobo pode dizer "não".

Valor: Quais são as conseqüências desse fenômeno para a qualificação profissional?
Trivinho: A primeira é a inexorabilidade da sobrecarga civilizatória. O indivíduo deve dominar essas infotécnicas, mesmo para funções nas quais esse conhecimento sequer é um requisito. Isso faz parte da incorporação da violência típica desta época. O mercado exige dromoaptidão, ou seja, a capacidade de ser veloz. O mercado está cada vez mais dromocrático. Essa exigência cumpre a função de seleção. Mas é uma violência, porque sobrepesa aos conhecimentos que já eram exigidos. E é pantópica, vem de todos os lados.

Valor: É nesse aspecto que a dromocracia revela-se típica de uma época violenta?
Trivinho: A cibercultura não é apenas uma época. É um processo civilizatório e busca sua perpetuação no tempo. É a fase atual do capitalismo tardio. Há um sobrepeso aos ombros de todos, embora a época estipule quem domina as novas senhas e quem não deve dominá-las, porque a seleção é econômica ou cognitiva. Esse sobrepeso se faz com requintes. Ela aponta para o horizonte sem definir o rumo. Existe uma cobrança para o domínio do ciberespaço, mas é doce, sutil, uma pressão social invisível. Diz: "Você deve dominar essas senhas, que prometem 'garantir' sua inclusão na cibercultura".

Valor: Essa promessa é de fato cumprida?
Trivinho: É apenas um discurso. Vive do caudal publicitário das megaindústrias do ramo. Mas desse processo fazem parte governo, terceiro setor, provedores de acesso e também a massa de consumidores que aderem sem reflexão aos produtos. A lógica da cibercultura vive dessa dinâmica da reciclagem info-tecnológica estrutural. Não basta dominar uma senha. É necessário que esta senha esteja sempre atualizada. Mas, para esse acompanhamento há a necessidade de formação de capitais econômico e cognitivo.

Valor: E a mudança é cada vez mais rápida.
Trivinho: O coração desse movimento é a reciclagem estrutural, a passagem de uma "mais potência" para outra. Do hardware 486 para o Pentium 1, por exemplo. Ou seja, não basta qualquer senha. O tempo de reciclagem hoje é de seis meses para todos os componentes. Nunca tivemos taxa de reciclagem tão alta para outras modalidades de objetos tecnológicos, como carro e televisão.

Valor: Os indivíduos, empresas ou governos conseguem acompanhar?
Trivinho: Esta é a síntese da lógica da reciclagem: a violência. Invisível. As indústrias do ramo têm necessidade de fazer girar o capital. O capitalismo cibernético tem necessidade de reprodução. Todos, governos, empresas, nações, todos devem se vergar à lógica da mais potência. É um ódio valorativo ao que estava vigorando antes, como se o 4.0 fosse melhor que o 3.0, como se o Windows 98 fosse melhor que o 95. Isso é uma falácia. A lógica nos convence que status é ter acesso a senhas atualizadas.

Valor: E, como mudam rápido, cada vez criam mais excluídos.
Trivinho: A equação da época, com seus requintes sutis, diz: é necessário desenvolver um domínio privado, a partir do dromo, com computador em casa, pleno, com todas as senhas info-técnicas atualizadas, e capital cognitivo para ter lugar ao sol da cibercultura. Aí começa o drama do nosso processo civilizatório. Esse domínio não é dado a todos. Abre-se, portanto, o fosso que separa uma elite, a nova, elite tecnológica, e aquela massa dromoinapta que não o é porque quer, é porque o processo é darwinista. Aí ocorre uma super exclusão. A exclusão é a regra da cibercultura e não a inclusão.

Valor: É um desafio para a política de inclusão digital?
Trivinho: Pensar na inclusão digital, como forma de inclusão social, é utopia. A inclusão digital só pode assim ser pensada como meta a ser cumprida no âmbito civilizatório. Sistema escolar, governos, fundações, ONGs podem trabalhar para saldar uma dívida. A escala é civilizatória. Não é localizada nem reduzida a uma época. A civilização tenta se desdobrar porque as necessidades comparecem e a sociedade tem que dar conta. Nós sabemos que o Estado, o capital, o terceiro setor, ao falarem de acesso universal, fazem apenas um discurso. A época exige acesso privado pleno. O discurso deixa entender que o acesso universal já inclui socialmente. Essa filigrana é que precisamos notar. Sem isso, caímos numa ingenuidade política de que apenas a popularização dos equipamentos vai flexibilizar o acesso. É bom lembrar que o barateamento ocorre para os equipamentos defasados, quando a mais potência já se deslocou para categorias que têm capacidade econômica e cognitiva para acompanhar a reciclagem estrutural. É essa diferenciação interna da dromocracia cibercultural que marca a complexidade da exclusão.

"A Dromocracia Cibercultural" - Eugenio Trivinho.
Paulus Editora, 456 págs. R$ 46

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Educação Brasileira - Consertos e Remendos - Nova edição revista, Claudio de Moura Castro

Célia de Gouvêa Franco
Publicado pelo Valor Online em 04/10/07


Moura Castro, em capítulo dedicado ao uso de novas tecnologias no ensino: problemas maiores estão nas pessoas e instituições que têm que conviver com elas

Nos últimos dias, foi grande a polêmica sobre os piores cursos de direito do país, uma lista de 37 faculdades que tiveram resultados muito ruins em dois "testes" de avaliação de qualidade de ensino, um o Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade) e o segundo, o exame da Ordem dos Advogados do Brasil. A listagem, elaborada pelo próprio Ministério da Educação, é um retrato constrangedor e depressivo da situação do ensino superior no país. Esses 37 cursos de direito estão, em sua grande maioria, localizados nos dois Estados mais ricos do Brasil e formam um batalhão de quase 4 mil alunos por ano. No exame da OAB, nem 10% dos estudantes dessas faculdades conseguiram ser aprovados. No caso de cinco escolas, nenhum dos alunos que fizeram a prova da OAB conseguiu passar. Depois da divulgação dos dados do MEC, várias universidades procuraram defender seus cursos, em geral com explicações pífias.

Nas páginas de negócios dos jornais e revistas, as escolas também têm chamado a atenção, nesse caso pela decisão de vários donos de universidades de profissionalizar sua gestão e partir para uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês, que já foi incorporada ao jargão do mercado financeiro brasileiro) ou para a venda pura e simples da empresa. Parece ser um processo irreversível, como aconteceu com outros segmentos econômicos, como o da construção civil. Mas que, no caso da educação, levanta questões críticas - até onde os administradores de uma universidade ou de um colégio podem ir em termos de redução de custos e otimização de recursos sem afetar a qualidade do ensino? É possível mesmo trocar aulas ao vivo por ensino à distância - cujo custo é muito menor - de forma que os alunos aprendam e não apenas decorem fórmulas e conceitos?

As informações sobre os cursos de direito e sobre fusões e IPOs entre universidades mostram que o tema da educação se tornou ainda mais importante do que já era há alguns anos, ganhando novas dimensões. O Brasil venceu recentemente a barreira da universalização do ensino - ou está bem próximo disso -, mas continua muito longe de oferecer educação de qualidade para a esmagadora maioria das crianças e dos jovens. Se não fosse por outras razões, essas já seriam boas justificativas para o lançamento, pela editora Rocco, de uma nova edição, revista, de "Educação Brasileira - Consertos e Remendos", do economista, consultor e escritor Claudio de Moura Castro, que há anos se dedica a estudar os problemas da educação no país.

Ex-chefe da divisão de programas sociais do Banco Interamericano de Desenvolvimento, entre outros cargos que exerceu no setor público, há anos ele bate na tecla da necessidade de dar prioridade à educação, em especial ao ensino básico, que hoje - como há muito ocorre - perde para as universidades na divisão do bolo das verbas governamentais. Neste livro, ele reúne artigos publicados originalmente na imprensa e comenta, no prefácio para essa segunda edição, que pouco mudou desde 1993, quando "Educação Brasileira" foi lançado.

Um dos capítulos da obra, "As Trapalhadas do Ensino Superior", trata, como deixa claro seu título, dos muitos problemas das universidades no país, a começar pelo sistema adotado há bastante tempo pelo governo federal, segundo o qual existe basicamente um modelo único para as universidades e faculdades de todo o país, independentemente da região onde estão localizadas, das suas características de instalação e equipamentos de ensino disponíveis. Essa opção de governo engessou de tal forma o ensino superior que todos cursos superiores no país têm que se dedicar tanto ao ensino quanto à pesquisa. O que contraria o modelo seguido pelos países onde a pesquisa acadêmica mais avança, como nos Estados Unidos e na Europa.

Para Moura Castro, a saída para o impasse vivido pelo ensino universitário no país é a diversidade, é permitir que haja modelos diferenciados de escolas, é sancionar a concorrência entre as escolas. Para isso, ele defende que devem ser seguidos e reforçados três princípios fundamentais para o modelo do ensino superior ser bem sucedido no país: transparência (os alunos precisam saber o que cada faculdade oferece e a que custo), disponibilidade de informações sobre a qualidade de ensino e a adoção de um marco regulatório. No caso dos dois primeiros princípios, é uma receita que se aproxima dos mandamentos sugeridos às companhias que estão em processo de abertura de capital ou à procura de sócios, reforçando a tendência de as escolas se tornarem, cada vez mais, empresas, com todas as implicações, tanto negativas, como positivas, desse processo.

O livro não debate, claro, apenas a situação do ensino universitário. Mas é nesse extrato que estão ocorrendo mais rapidamente mudanças estruturais nas empresas que controlam escolas.

Educação Brasileira - Consertos e Remendos - Nova edição revista, Claudio de Moura Castro
Editora Rocco, 320 págs. R$ 38,50

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quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Sobre desenvolvimento humano e democracia

Augusto de Franco
Carta Rede Social 147 *, publicada em 02/10/07

Cabe notar que praticamente todos os países que “deram certo” em termos de desenvolvimento humano têm regimes democráticos.

[Tempo estimado de leitura: 12 minutos]

Do ponto de vista do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – países plenamente desenvolvidos poderiam ser considerados aqueles com índice acima de 0,9, certo?

Certo. Ainda que o IDH seja um índice bastante arbitrário e não diga respeito propriamente ao ambiente social, não se pode negar que a lista dos países de maior IDH praticamente coincide com aquela dos Estados-nações que “deram certo” ou foram “bem-sucedidos”. Tal lista, entretanto, não chega a atingir 30 países do mundo atual. São os países da Europa “do Oeste”, os Estados Unidos, os que entraram na primeira onda de inclusão no chamado primeiro mundo (como Canadá, Austrália e, por último, Nova Zelândia) e os que entraram na segunda onda (como o Japão do pós-guerra) e na terceira onda (como Hong Kong, Singapura e Coréia do Sul) além de Islândia e Finlândia e além, é claro, de Israel e Chipre (por razões muito particulares), com exceção talvez da Eslovênia (1). Cabe notar que praticamente todos esses países que “deram certo” em termos de desenvolvimento humano têm regimes democráticos. Não é por acaso que manipuladores neopopulistas (como Lula e Kirchner), protoditadores (como Chávez e Putin) ou mesmo ditadores (como Fidel e Kim Jong-il) não costumam florescer em países com alto IDH (acima de 0,9). Existem exceções? Quais? Desde que foi adotado o índice (IDH), quantos países não-democráticos (ou onde a democracia foi vítima de sistemático uso instrumental com o objetivo de restringi-la) atingiram marcas superiores a 0,9?

Provavelmente essa correlação deve estar relacionada, senão direta, pelo menos indiretamente, ao fato de que quanto maior o IDH, mais forte, ativa ou vibrante tende a ser a sociedade civil; ou maior ou mais vigorosa tende a ser a chamada “classe média”, composta por gente que lê jornal, assiste (e entende) os noticiários da TV, navega e, às vezes, até publica, na Internet e emite opiniões participando de algum modo da formação da opinião pública. Em tais países (de IDH superior a 0,9), essa opinião pública tende a se aproximar da soma das opiniões privadas dos cidadãos (aquelas que podem ser totalizadas ex post pelos institutos de pesquisa de opinião e pelas urnas). Ora, por que será que nos países de IDH inferior a 0,8 isso não ocorre? Seria possível afirmar que quanto menor o IDH (ou quanto mais fraca ou passiva for a sociedade civil ou, ainda, quanto menor for o peso da chamada “classe média”), mais a opinião pública tende a se afastar da soma das opiniões privadas da maioria da população? Será que, como escreveu Fareed Zakaria (2002), legislação desenvolvida, economia de mercado e classe média ativa constituem três características necessárias à boa transição democrática? (2)

São questões que merecem ser respondidas. Mas continuemos, por ora, com essa primeira análise, ainda bastante superficial, do IDH dos países. Se descermos para os países com IDH maior ou igual a 0,85, incluiremos então os pequenos países da região do petróleo no Oriente Médio (Kuwait, Brunei e Bahrein originalmente), alguns países da Europa do Leste ou sob sua influência (como a República Checa, a Polônia, a Estônia, a Lituânia e a Eslováquia), além de Barbados e Malta (por razões também particulares) (3). Da América Latina entram apenas três países nessa segunda lista: Argentina, Uruguai e Chile (os dois primeiros, talvez, por inércia, pelo que já foram e o terceiro também pelo que está sendo). Mas a lista não aumenta significativamente, mal ultrapassando 40 países (43) com IDH alto (ou seja, acima de 0,85 e não acima de 0,8 como considera complacentemente o PNUD).

O Brasil, com IDH que não chega sequer a 0,8 (0,792), ocupando o 69º lugar no ranking, está muito longe de tudo isso, assim como os demais integrantes do atualmente tão incensado conjunto BRIC: Federação Russa (0, 797; 65º lugar); Índia (0,611; 126º lugar); e República Popular da China (0,768; 81º lugar, embora não se possa confiar muito nos dados fornecidos por uma ditadura).

No Brasil, a tabela do IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – pode sugerir também a existência de alguma relação entre desenvolvimento humano e democracia. No conjunto de 5.564 municípios brasileiros apenas dois apresentam IDHM igual ou maior a 0,9 (embora a rigor não se possa comparar o IDH com o IDHM, as inferências são válidas para os objetivos da presente argumentação): São Caetano do Sul (SP) com 0,919 e Águas de São Pedro (SP) com 0,908 (PNUD, 2000).

Com IDHM acima de 0,85 temos uma lista de apenas 30 municípios (o que representa ridículos 0,54% do total de municípios brasileiros): 10 de São Paulo, 9 de Santa Catarina, 7 do Rio Grande do Sul, 2 do Paraná, 1 do Rio de Janeiro e 1 do Espírito Santo. A lista se restringe ao Sul-Sudeste, embora não inclua nenhum município de Minas Gerais. Nem mesmo a capital federal está incluída (3). Pode-se dizer que tal alegação é forçada, que faz ilações indevidas ou que não se baseia em constatações empíricas obtidas com metodologia científica, mas não se pode negar que o peso do eleitorado das cidades satélites de Brasília – com IDHM inferior a 0,8 – contribui para explicar, pelo menos em parte, porque um manipulador populista e corrupto como Joaquim Roriz conseguiu ser eleito tantas vezes governador do DF.

Juntamente com esses “municípios primeiro mundo”, vêm os municípios do “Brasil remediado”. São 575 municípios (que representam apenas 10,33% do total), os quais apresentam IDHM maior ou igual a 0,8.

Desses todos, 95% ficam nas regiões Sul e Sudeste e 56% ficam na região Sul. Sim, porque tirando SP, com 30% do restante que não está no Sul (175 cidades), sobra quase nada para os demais estados do Sudeste (38 para MG, 8 para RJ e 2 para ES e três capitais de outros estados). Na verdade é o conjunto São Paulo-SC-RS (saltando, portanto, o Paraná) que responde por mais de 80% desses municípios ou cidades quase-boas ou “remediadas” (Santa Catarina entra com 122 = 42% de seus municípios; Rio Grande do Sul entra com 175 = 35%; São Paulo entra com 175 = 27%; Mato Grosso entra com 12 = 9,5%; Rio de Janeiro entra com 8 = 9%; Paraná entra com 24 = 8%; Goiás com 11 = 4,5%; Mato Grosso do Sul com 3 = 4%; Minas Gerais com 38 = 4%; Espírito Santo com 2 = 3%). Além desses, temos apenas o DF e as capitais da Bahia, do Tocantins e do Pará, além de Fernando de Noronha.

Bom, e agora vêm os restantes 88,38% dos municípios brasileiros, com IDHM menor do que 0,8. Talvez devêssemos dividir esse conjunto em dois grupos percentualmente equivalentes: os 2.454 municípios do “Brasil sofrível”, com IDHM menor do que 0,8 e maior ou igual a 0,7 (representando 44,19% do total dos municípios brasileiros) e os 2.505 municípios do “Brasil lascado”, com IDHM menor do que 0,7 (representando 44,93% do total).

Cabe notar que, nesse último grupo (o maior de todos), figuram apenas 4 municípios do Rio Grande do Sul, 4 de Santa Catarina, 9 de São Paulo e 2 do Rio de Janeiro, conquanto nele figurem 19 do Espírito Santo, 58 do Paraná e centenas (!) de Minas Gerais. O restante, como é óbvio, está concentrado, sobretudo, no Nordeste e no Norte e, em menor parte, no Centro-Oeste.

Isso talvez possa sugerir, do ponto de vista do desenvolvimento humano, uma outra divisão territorial do Brasil, na qual teríamos apenas três macro-regiões: o Grande Sudeste (incorporando o Sul, o Sudeste e parte do Centro-Oeste); o Grande Noroeste (incorporando o Norte e parte do Centro-Oeste); e o Grande Nordeste (incorporando o Nordeste e parte do Sudeste, como o norte de Minas Gerais e o norte do Espírito Santo) (4). Seria importante verificar como se concentraram os votos dessas macro-regiões nas duas últimas eleições presidenciais para ver se – e depois investigar por que – o Grande Sudeste e o Grande Nordeste elegeram presidentes diferentes.

Ainda que a análise dos países e dos municípios brasileiros a partir, respectivamente, do IDH e do IDHM, possa sugerir relações entre desenvolvimento e democracia, devemos reconhecer que tais indicadores não são muito adequados para tal propósito.

O IDH é um indicador problemático. Antes de qualquer coisa, não se pode dizer se a conjunção de variáveis que ele elege realmente expressa alguma coisa que se passa na sociedade. Além de a combinação ser arbitrária, ainda aceita uma espécie de contrabando econômico (a renda) para definir o capital humano. O mais importante, porém, é que o IDH não é um indicador propriamente social na medida em que não evoca nenhuma variável que diga respeito diretamente às relações sociais, aos padrões de convivência social (entendendo que o ‘social’ não se refere propriamente ao que se atribui ao ‘humano’ – como medem os indicadores de saúde e de educação, por exemplo – e sim ao que se passa entre os humanos, vale dizer, ao modo como produzem ordem emergente a partir da sua interação).

Indicadores de desenvolvimento humano tentam, de alguma forma, medir o capital humano, mas não podem medir o capital social. O capital social – um recurso para o desenvolvimento aventado para explicar por que certos conjuntos humanos conseguem criar ambientes favoráveis à boa governança, à prosperidade econômica e à expansão de uma cultura cívica capaz de melhorar as suas condições de convivência social – só pode ser medido por indicadores de desenvolvimento social. E isso, definitivamente, o IDH não é.

O tema é relevante. Por exemplo, Vitória (ES) figura em 17º lugar na reduzida lista das 30 cidades com IDHM relativamente alto (0,856) e, no entanto, existem indicações importantes de que seu capital social é baixo (o que, provavelmente, deve estar relacionado ao avanço surpreendente, em passado recente, do banditismo dentro das instituições públicas locais). O mesmo ocorre com Porto Alegre, a 10ª cidade da lista: ainda que proliferem naquela cidade muitas organizações da sociedade civil, a politização excessiva dessas organizações e o clima adversarial no qual se relacionam são responsáveis por baixos índices de capital social, mesmo na presença de altos (para o Brasil) índices de desenvolvimento humano (0,865).

Tudo indica que há correlação – mas não direta – entre desenvolvimento humano e democracia. Já a correlação entre desenvolvimento social e democracia, esta sim, parece ser direta. Ou seja, o estoque ou o fluxo de capital social é razão direta do exercício do modo democrático de regulação de conflitos, sobretudo na base da sociedade e no quotidiano do cidadão, assim como é razão direta dos padrões de organização que caracterizam a estrutura e a dinâmica da rede social (quando maior a conectividade dessa rede e quanto mais distribuída for a sua topologia, maior será o capital social). Na verdade esses três fatores – capital social, democracia e rede – estão íntima e diretamente relacionados. No entanto, o capital humano não cabe nesse triângulo amoroso.

Dentro de certos limites, podemos ter altos índices de capital humano convivendo com baixos níveis de capital social. É o caso, por exemplo, da Argentina de nossos dias. Ou de Cuba. Ou da Bulgária. A não ser que o capital humano atinja altíssimos níveis e fique extremamente concentrado – ou seja, a não ser que existam muitos caminhos nas redes sociais que conectam as pessoas umas com as outras em uma localidade – de sorte a tornar impossível a hierarquização (e a acompanhante autocratização) da sociedade em questão. Neste caso, como em Singapura, altos níveis de capital humano acabarão produzindo altos níveis de capital social, mas sempre por efeito de interação social e não em virtude da soma dos capitais humanos dos indivíduos que compõem a sociedade. Tudo isso talvez não passe de uma outra maneira, mais sofisticada, de dizer que a sociedade humana não é a mesma coisa que a soma dos indivíduos humanos que a compõem. O que é óbvio, menos para os economistas.

Precisamos de indicadores de desenvolvimento social, que meçam o capital social e não tentem derivá-lo do capital humano. Certamente uma sociedade construída a partir do assentamento de 2 mil famílias como a do sultão Muda Hassanal Bolkiah do Brunei (que deve ter altíssimo IDH familiar, embora Brunei como país, com seus pouquíssimos 344 mil habitantes, já tenha um IDH relativamente alto, ocupando o 34ª lugar no ranking – uma posição quase duas vezes melhor do que a do Brasil – com 0,871) não será necessariamente uma sociedade com alto desenvolvimento social. Pode, aliás, ser uma sociedade com baixíssimo capital social: basta, para tanto, que tais famílias não se entendam, não confiem umas nas outras e, conseqüentemente, não criem um ambiente (cooperativo) favorável ao desenvolvimento. Mesmo que tenham o maior capital humano do mundo, as unidades que comporiam tal imaginária sociedade, poderiam viver, por exemplo, em verdadeiros bunkers, movendo toda sorte de lutas entre si.

Precisamos de indicadores de desenvolvimento social, que meçam adequadamente o capital social. No entanto, não os temos. Em primeiro lugar, talvez, porque os fabricantes de indicadores, os policymakers, com suas cabecinhas econométricas, ainda não captaram a essência do conceito. Em segundo lugar pela dificuldade de quantificar essa variável e de relacioná-la com outras variáveis do desenvolvimento, estabelecendo valores compatíveis das constantes, que deveriam valer para qualquer país, para que fosse possível formular uma equação válida. Mas em terceiro lugar porque o capital social constitui um fator do desenvolvimento que – em virtude da sua natureza essencialmente comunitária – não se aplica bem à estrutura chamada Estado-nação.

Eis o ponto. As mudanças sociais que queremos interpretar como desenvolvimento (social) são mudanças na estrutura e na dinâmica de redes locais, comunitárias. E aqui se abre toda uma investigação sobre a natureza igualmente comunitária da democracia no sentido “forte” do conceito. Esse não é um outro assunto. Mas só vamos retomá-lo em outra oportunidade. (Não deixe de ver as notas no final desta carta).

Até a ‘Carta Rede Social 148’ e um abraço do

Augusto de Franco
augustodefranco@gmail.com

27 de setembro de 2007.

Para ler as ‘Cartas Rede Social’, ex-‘Cartas Capital Social’ (e antigas ‘Cartas DLIS’) e outros textos de Augusto de Franco, publicados a partir do final de 2005, clique em www.augustodefranco.com.br

As Cartas Rede Social (ex-'Cartas Capital Social' e antigas 'Cartas DLIS') dos anos anteriores (2001 a 2005: 'Carta DLIS 1' a 'Carta Capital Social 97'), estão sendo progressivamente transferidas para o site acima, que ainda está em processo de reformatação.

Notas

(1) Países com IDH igual ou maior que 0,9 (PNUD: 2006, com dados de 2004)
1 Noruega 0,965
2 Islândia 0,960
3 Austrália 0,957
4 Irlanda 0,956
5 Suécia 0,951
6 Canadá 0,950
7 Japão 0,949
8 Estados Unidos 0,948
9 Suíça 0,947
10 Países Baixos 0,947
11 Finlândia 0,947
12 Luxemburgo 0,945
13 Bélgica 0,945
14 Áustria 0,944
15 Dinamarca 0,943
16 França 0,942
17 Itália 0,940
18 Reino Unido 0,940
19 Espanha 0,938
20 Nova Zelândia 0,936
21 Alemanha 0,932
22 Hong Kong 0,927
23 Israel 0,927
24 Grécia 0,921
25 Singapura 0,916
26 Coréia do Sul 0,912
27 Eslovênia 0,910
28 Portugal 0,904
29 Chipre 0,903

(2) Fareed Zakaria, professor visitante de política internacional e filosofia política na Universidade de Harvard e Editor-chefe das edições internacionais do seminário Newsweek, publicou em 2002 o livro "O Futuro da Liberdade: Democracias Não Liberais Dentro e Fora dos Estados Unidos". Em entrevista concedida à Juliana Simão, na revista VEJA (p. 14; Edição 1810; 09/07/2003), ele afirmou: "O que escrevi em meu livro "O Futuro da Liberdade" é que, fazendo uma retrospectiva histórica, as nações que tiveram sucesso em sua transição democrática eram aquelas que tinham três características básicas: legislação desenvolvida, economia de mercado - não necessariamente no estilo americano, mas com produtividade e crescimento - e classe média ativa. Não é por coincidência que quando esses três elementos coexistiam os países também apresentavam boa distribuição de renda. Em média, a transição democrática falhou em países cuja renda per capita era menor que 3.000 dólares. Em contraste, sempre que ocorreu em países com renda per capita acima de 6.000 dólares, a revolução democrática deu certo. Claro que a vida é muito mais complicada do que essas estatísticas. Mas é importante notar que foi a classe média que sustentou os movimentos democráticos em todos os países".

(3) Países com IDH menor do que 0,9 e maior ou igual a 0,85 (PNUD: 2006, com dados de 2004)
1 República Checa 0,885
2 Barbados 0,879
3 Malta 0,875
4 Kuwait 0,871
5 Brunei 0,871
6 Hungria 0,869
7 Argentina 0,863
8 Polónia 0,862
9 Chile 0,859
10 Bahrein 0,859
11 Estónia 0,858
12 Lituânia 0,857
13 Eslováquia 0,856
14 Uruguai 0,851

(4) Municípios Brasileiros com IDHM maior ou igual a 0,85 (PNUD 2000)
1 São Caetano do Sul (SP) 0,919
2 Águas de São Pedro (SP) 0,908
3 Niterói (RJ) 0,886
4 Florianópolis (SC) 0,875
5 Santos (SP) 0,871
6 Bento Gonçalves (RS) 0,870
7 Balneário Camboriú (SC) 0, 867
8 Joaçaba (SC) 0,866
9 Porto Alegre (RS) 0,865
10 Carlos Barbosa (RS) 0,858
11 Caxias do Sul (RS) 0,857
12 Joinville (SC) 0,857
13 Jundiaí (SP) 0,857
14 Vinhedo (SP) 0,857
15 Curitiba (PR) 0,856
16 Selbach (RS) 0,856
17 Vitória (ES) 0,856
18 Blumenau (SC) 0,855
19 Luzerna (SC) 0,855
20 Ribeirão Preto (SP) 0,855
21 Lacerdópolis (SC) 0,854
22 Santana de Parnaíba (SP) 0,853
23 Campinas (SP) 0,852
24 Ivoti (RS) 0,851
25 Quatro Pontes (PR) 0,851
26 Saltinho (SP) 0,851
27 Videira (SC) 0,851
28 Ilha Solteira (SP) 0,850
29 Jaraguá do Sul (SC) 0,850
30 Veranópolis (RS) 0,850

(5) Evidentemente não estou propondo uma nova divisão regional do Brasil, mas, apenas, chamando a atenção para o fato de que as três novas macro-regiões aventadas fazem mais sentido, do ponto de vista do desenvolvimento humano, do que as cinco regiões atuais.

‘Carta Rede Social’, ex-‘Carta Capital Social’ (e antiga ‘Carta DLIS’) é uma comunicação pessoal de Augusto de Franco enviada quinzenalmente, desde 2001, para mais de 5.000 agentes de desenvolvimento e outras pessoas interessadas no assunto, de todo o Brasil.

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Sem medo de colocar os mais poderosos contra a parede

Stela Campos
Publicado pelo
Valor Online em 03/10/07

Para Cheryl Smith, VP da CCU, o background do "coach" não é tão importante quanto sua habilidade de questionar
Foto Marisa Cauduro / Valor

Questionar as decisões dos poderosos é uma missão de risco. Mas há quem ganhe a vida desafiando a sabedoria de presidentes, diretores e gerentes. Eles são treinados para atuar como um sócio chato, aquele que não tem medo de pedir explicações minuciosas sobre tudo.

A figura do "coach" (treinador) de executivos surgiu nos anos 1980, nos EUA. Calcula-se que existam hoje 30 mil profissionais. A maioria tem entre 46 e 55 anos de idade e recebe salários médios de U$ 50, 5 mil por ano. No geral, são mulheres, ex-executivas, com grau avançado de educação, até com títulos de PhD. Os clientes, por sua vez, são executivos (as) na faixa dos 38 aos 45 anos de idade.

O crescimento da procura por este serviço no Brasil trouxe ao país, há duas semanas, a ex-executiva da IBM, Cheryl Smith. Ela trabalha com "coaching" há 25 anos e hoje é vice-presidente da CCU, empresa americana especializada no treinamento de "coachs". Lá oferece cursos em 10 línguas, pelos quais já passaram 50 mil pessoas. No Brasil, ela participou de uma sessão de "Coaching Clinic" para aspirantes à profissão.

Para Cheryl, o mais importante para ser tornar um "coach" não é o background corporativo, mas a atitude. "Ele precisa ouvir as pistas que as pessoas dão", disse em entrevista para o Valor . Cheryl acredita que ainda existe muita desinformação sobre o papel do "coach", o que afasta executivos mais seniores. Em compensação, a nova geração encara o serviço como um privilégio para os "high potencials" escolhidos pela chefia. A seguir trechos da entrevista:

Valor: Qual a formação ideal para quem quer ser um "coach"?
Cheryl Smith: Os profissionais que atuam na área hoje têm um background diverso. Há dez anos, a maioria tinha cabelos grisalhos. Eram ex-administradores de corporações que tinham encerrado a carreira. Hoje, as pessoas vêm de outras áreas. Eu acho que a atitude é provavelmente mais importante que o background, porque se você tem atitude pode aprender a habilidade. E a competência mais importante é se importar com as outras pessoas. É preciso saber ouvir as pistas que elas dão quando falam. Prestar atenção ao seu rosto, à sua linguagem corporal. E têm que fazer as melhores perguntas. O "coach" não é seu melhor amigo. É como se ele fosse seu sócio irracional. Outra qualidade necessária é a vontade de desafiar as pessoas e não comprar suas histórias. Numa conversa de "coaching", o conhecimento, o background, não é o mais importante. Eu posso dividir algumas das minhas experiências, mas isso não é tão importante quanto as pessoas acreditam.

Valor: Alguns executivos confundem o "coach" com o analista e acabam dirigindo a conversa mais para o lado mais pessoal? Qual o limite?
Cheryl: Quando você está fazendo "coaching" existe uma pessoa ali que é um ser humano, que tem uma vida, então isso aparece rapidamente numa conversa. Existem alguns aspectos psicológicos que requerem ajuda profissional, mas se forem apenas coisas normais do dia-a-dia, isso pertence a uma conversa de "coaching".

Valor: Então, não é possível separar as coisas?
Cheryl: O que você aparenta no trabalho, você mostra em casa. O comportamento no trabalho também influencia o que você é em casa. Então, estar ciente do que você precisa fazer é valioso. Não dá para separar, é muito difícil.

Valor: Como o "coach" lida com informações críticas?
Cheryl: Confidencialidade é um elemento absolutamente crítico para o seu sucesso. Se você a quebra uma vez será o fim do seu relacionamento.

Valor: Mas às vezes o "coach" não acaba influenciando uma decisão importante do executivo?
Cheryl: Bem, essa é uma boa pergunta. Mas ela volta à questão do nosso código de ética. Parte do nosso trabalho é fazer as pessoas chegarem às suas próprias respostas. Então se o "coach" sente que está influenciando uma decisão ou dando um conselho, ele provavelmente está mudando seu papel, está se tornando um consultor. Se no contrato com o executivo ele pedir para fazer também o trabalho de consultoria, isso será razoável. Mas em termos de "coaching", não.

Valor: Alguns executivos se recusam a fazer "coach" porque acreditam que este possa ser interpretado como um sinal de fraqueza?
Cheryl: Eu me lembro de um dos primeiros executivos com quem trabalhei. Ou ele aceitava o meu trabalho ou seria demitido. Ele passou o tempo todo em que trabalhamos juntos tentando me provar que não precisava de um "coach". Nada aconteceu efetivamente. Eu terminei o nosso relacionamento e ele perdeu o emprego. "Coaching" apenas funciona se o cliente quiser, porque é uma conversa sobre suas metas, onde eles querem chegar na carreira, onde pretendem levar seus negócios, seus times. É preciso parceria. Precisa existir confiança, uma conversa honesta. Sem isso não funcionará. Quando eu comecei na profissão, costumava aceitar todo tipo de cliente, hoje tento ter certeza que vai ser um trabalho bom para ambos.

Valor: Existe um "coach" certo para cada tipo de executivo?
Cheryl: A nossa recomendação é que o executivo entreviste pelo menos dois ou três antes de decidir contratar um. Tem que ser alguém que se adeque rapidamente a você. Alguém que você se conecte. Se você tiver um grande relacionamento com o "coach", poderá ser vulnerável e honesto, isso fará com que o trabalho ande mais rápido. Se você está desconfiado, não gosta do "coach", então será perda de tempo.

Valor: O "coach" deve estar disponível durante 24 horas como fazem alguns analistas?
Cheryl: Não. Faz parte do contrato quantas horas o "coach" estará disponível, qual a sua disponibilidade entre as sessões. Os mais jovens costumam ser mais relaxados do que os mais seniores em relação a isso.

Valor: Os jovens executivos são mais abertos para o "coach"?
Cheryl: Eles vêem muitas vantagens nesse trabalho. Acreditam que poderão crescer mais rápido. Existe até um tipo de prestígio associado ao "coaching". Se a companhia está pagando para você ter um "coach", você deve ser um "high potencial", deve ter valor para a organização. Alguns jovens administradores até perguntam na entrevista de emprego se terão um "coach" ou não.

Valor: Os executivos da velha geração resistem mais"?
Cheryl: Existe mais resistência pelo fato deles não entenderem o que significa. Eles se preocupam com o que as outras pessoas pensarão, se elas poderão achar que não estão fazendo um bom trabalho, que são fracos. Eles se incomodam com a percepção dos outros. Quando olham para os seus antigos chefes, sabem que eles chegaram lá sem um "coach" e pensam: "Por que eu precisaria de um?". Existe ainda muita confusão sobre o conceito do trabalho do "coach".

Valor: O tipo de personalidade do executivo pode facilitar ou complicar o trabalho do "coach"?
Cheryl: Não necessariamente. O mais importante é achar pessoas comprometidas em encontrar o melhor de si, que reconhecem que precisam aprender a ser mais efetivas. Gente que quer estar na sua melhor forma para ter sucesso.

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Bradesco questiona a incorporação de bancos pelo BB

Maria Christina Carvalho
Publicado pelo
Valor Online em 03/10/07

Márcio Cypriano, presidente do Bradesco: privilégios a empresa privada
Foto Sérgio Zacchi / Valor

O Bradesco resolveu se preparar para a briga diante do crescente avanço do Banco do Brasil (BB) no mercado financeiro. E afirma ter encontrado respaldo jurídico caso queira discutir na Justiça os processos em andamento de incorporação dos bancos estaduais de Santa Catarina (Besc), do Piaui (BEP) e de Brasília (BRB) pelo Banco do Brasil.

O presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, informou ontem que a área jurídica do banco recebeu pareceres de renomados juristas sustentando que o BB não pode incorporar esses bancos sem haja licitação. O argumento é que o BB é uma empresa privada, de economia mista. "O BB tem acionistas privados, que estariam sendo privilegiados pelo governo. Seria uma venda em desigualdade de condições", disse Cypriano.

A legislação, continuou o banqueiro, citando a Medida Provisória 2191, artigo 19, de 2001, diz que instituições financeiras públicas só podem ser vendidas por oferta pública.

O Bradesco gostaria de participar dessas ofertas. Até agora, o banco só não disputou um leilão de banco estadual. A eventual compra de um banco estadual - o Besc e o BEP estavam no pipeline da privatização - fazia inclusive parte da estratégia do Bradesco de enfrentar o avanço do Santander que, no final desta semana, deve selar a compra das operações brasileiras do ABN AMRO. "Por esse preço que estão comentando o Bradesco compraria também", disse Cypriano referindo-se a comentários de mercado de que o Besc custaria R$ 210 milhões ao BB.

Não são só os bancos estaduais ou federalizados que o BB está abocanhando. O governo do Maranhão tirou a folha de pagamentos do Bradesco e a transferiu para o BB. O Bradesco adquiriu o direito de pagar a folha do Maranhão até 2010, quando comprou o Banco do Estado do Maranhão (BEM), em leilão de privatização.

Apesar de ter adquirido o direito de administrar a folha de pagamentos de Santa Catarina com o lance de R$ 210 milhões, em licitação realizada em maio, o Bradesco acabou tendo a vitória impugnada. O próprio governo do Estado voltou atrás, argumentando que o banco perderia o valor na transferência para o BB sem a folha.

O Itaú também foi alvo do mesmo problema. Ontem, o governo mineiro informou ter tirado a folha de pagamento estadual do Itaú e a transferido para o BB.

"Esse tipo de atitude de rompimento de contratos desestimula a participação nos leilões de folha de pagamento do setor público no país inteiro", disse Cypriano, que participou, ontem, de apresentação a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec).

Na ausência de oportunidades entre os bancos estatais, Cypriano vislumbra a possibilidade de aquisição de bancos médios e pequenos e a alternativa orgânica. O Bradesco tem 35 milhões de clientes se forem considerados todos os produtos como seguros e capitalização. Apenas a metade - 16,9 milhões - tem conta no banco.

O Bradesco também informou, ontem, ter aplicado US$ 30 milhões do seu fundo de investimento em participações (FIP) na Empresa de Investimento em Energias Renováveis S.A. (Ersa), que atua na área de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). O fundo terá até R$ 2 bilhões em recursos próprios do banco de investimentos BBI.

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Operadoras cobram redução de impostos

Talita Moreira, Heloisa Magalhães e Murillo Camarotto*

Publicado pelo Valor Online em 03/10/07

O debate sobre a pesada tributação que incide sobre os serviços de telecomunicações voltou à pauta das operadoras. Os executivos das principais empresas cobraram ontem, durante a Futurecom, medidas concretas do governo para desonerar o setor. "Somos o terceiro no ranking mundial dos maiores cobradores de impostos sobre serviços de telefonia. Só perdemos para Turquia e Uganda", alertou o presidente da Vivo, Roberto Lima.

Os executivos ouviram a sinalização de algumas mudanças pontuais. A mais importante delas é a possibilidade de isenção da cobrança da taxa do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) sobre assinantes de telefonia móvel que tenham baixa renda. "Seria uma espécie de Luz para Todos do celular", afirmou o superintendente de serviços privados da Anatel, Jarbas Valente, fazendo uma analogia com o programa do governo federal para a universalização da energia.

O Fistel é cobrado das operadoras de telefonia móvel sobre toda a base de clientes, ao final de cada ano, e sobre cada novo assinante. São recolhidos pelas empresas de celular cerca de R$ 2 bilhões anuais.

Segundo Valente, a arrecadação tem crescido cerca de R$ 400 milhões por ano - acompanhando a expansão do número de usuários de telefonia móvel no Brasil. O governo poderia abrir mão dessa fatia, em troca de a operadora estender benefícios aos clientes mais pobres. A questão ainda está em estudo, mas é possível que seja criado um plano de serviços específico para a baixa renda. A discussão do assunto, por enquanto, está no ministério das Comunicações. A Anatel acompanha o debate informalmente.

Em outra frente, o ministério estuda formas de facilitar a utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) em Estados e municípios que oferecerem redução da carga tributária incidente sobre os programas que forem beneficiados. "Conseguir uma renúncia fiscal generalizada por parte dos Estados é difícil. Então essa é a sugestão que a gente faz", observou o diretor de serviços e universalização de telecomunicações do ministério das Telecomunicações, Átila Souto, ao participar ontem de um debate durante a Futurecom, evento do setor de telecomunicações que acontece nesta semana em Florianópolis.

O Fust já acumula cerca de R$ 6 bilhões, mas os primeiros recursos só foram liberados neste ano.

As cobranças sobre a carga tributária, que chega a 42% sobre a conta de telefone, partiram tanto das operadoras de telefonia fixa como das celulares. As primeiras estão perdendo tráfego de voz e agora temem perder receita de banda larga para as móveis com a entrada dos serviços de celular de terceira geração (3G). Estas, por sua vez, questionaram os riscos para a saúde financeira do setor com os investimentos na construção das redes de 3G, estimados em cerca de R$ 6 bilhões.

O presidente da Vivo e o da TIM, Mario Cesar Pereira de Araujo, chamaram a atenção para a baixa margem de lucro operacional da telefonia móvel brasileira. "É o quarto menor do mundo", disse Araujo. Lima acrescentou que 44% dos custos das empresas de celular são impostos. O executivo defendeu também o compartilhamento de redes para reduzir o investimento das operadoras e mudanças no perfil regulatório.

As operadoras fixas, por sua vez, pediram ao governo federal isenção fiscal temporária sobre os investimentos para a construção de suas redes de banda larga. A proposta foi levada pela Abrafix (associação que reúne Telefônica, Oi e Brasil Telecom) ao ministério das Comunicações e, agora, encontra-se na Casa Civil.

"Não estamos pedindo a redução dos impostos sobre os serviços atuais. O que a gente questiona é que não tenha imposto sobre os investimentos e, talvez, sobre os serviços de dados por dois ou três anos", disse o presidente da Oi (ex-Telemar), Luiz Eduardo Falco. "Isso é bom para a economia, porque o serviço acaba chegando antes à casa do usuário", acrescentou.

Na avaliação de Falco, a isenção total dos impostos poderia acelerar em 30% ou 40% a adesão aos serviços de banda larga no Brasil. De acordo com ele, o país deve chegar a 27,6 milhões de acessos de internet rápida até 2016 - mas esse prazo pode ser encurtado em três anos sem a carga tributária.

O executivo também afirmou que as operadoras fixas devem investir cerca de R$ 14 bilhões para expandir essa rede de banda larga - seja usando a tecnologia convencional de telecomunicações, seja com fibra óptica ou sistemas móveis.

O presidente da Abrafix, José Fernandes Pauletti, afirmou que essa sugestão foi levada há cerca de dois meses ao governo. Segundo ele, a medida pode ser uma contrapartida ao plano do Poder Executivo de levar banda larga a todas as escolas do país. Uma fonte ligada às operadoras, entretanto, admitiu que é muito difícil uma isenção total de impostos, uma vez que não se trata apenas de negociar com o governo federal e que os Estados têm boa parte de sua arrecadação atrelada ao ICMS.

A cobrança das fixas veio num momento em que elas ganham concorrência adicional. A TIM, operadora de celular, detalhou ontem sua estratégia para a entrada na telefonia fixa. O cliente da operadora poderá ter dois números no mesmo aparelho, sendo um de telefone fixo e outro, de móvel. A idéia é que ao sair da área pré-definida como casa, o aparelho funcione como um celular tradicional, com número e tarifas específicos. (*Do Valor Online)

* Os jornalistas viajaram a convite da organização da Futurecom

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terça-feira, 2 de outubro de 2007

OMS lança Guia Global de Cidades Apropriadas à Terceira Idade

Publicado pela Envolverde em 01/10/07

A Organização Mundial da Saúde, OMS, lançou nesta segunda-feira um Guia Global de Cidades Apropriadas a Cidadãos da Terceira Idade. O guia foi produzido após consultas em 33 cidades de 22 países. Numa mensagem, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que o tema deste ano trata das dificuldades no processo de envelhecimento. Segundo ele, 80% dos idosos em todo o mundo não têm proteção social.


O Guia Global sobre Cidades Apropriadas à Terceira Idade foi divulgado, de forma simultânea em Londres e em Genebra, para marcar o Dia Internacional dos Idosos.

Leia o boletim do repórter da Rádio ONU em Londres, Marcelo Torres.
“O mundo tem hoje 600 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade. A previsão da ONU é que até 2025, este número dobre. E a cifra deve crescer ainda mais até a metade do século, atingindo 2 bilhões de idosos. A maioria dessas pessoas vive perto da família e de suas comunidades, mas em condições de vida que ficam longe das ideais.

Há cinco anos, a Organização Mundial da Saúde começou um grupo de trabalho sobre o envelhecimento ativo. Para melhorar a qualidade de vida dessa população seria necessário oferecer bons serviços de saúde e oportunidades de participação na sociedade, segundo a OMS.

Tornar as cidades mais seguras é outro exemplo de como melhorar a qualidade de vida na terceira idade, segundo o guia lançado nesta segunda-feira”.

A série de comemorações para marcar o Dia Internacional dos Idosos deve durar 10 dias nas cidades do Rio de Janeiro, Buenos Aires e Nova York.

Para ouvir esta notícia clique em http://webcast.un.org/radio/portuguese/mp3/2007/0710015.mp3
(http://www.un.org/av/radio/portuguese/story.asp?NewsID=4092)


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Insegurança urbana desperta violência e crime

Frank Mulder, da IPS
Publicado pela
Envolverde em 01/10/07

Os pobres das cidades são os mais afetados pela criminalidade, pelos desastres naturais e pela insegurança, afirmou ontem o Centro das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat). A justiça e a governabilidade em nível local são cruciais para converter as cidades em lugares seguros, disse esta agência por ocasião do Dia Mundial do Habitat, quando foi apresentado o Informe Global sobre Assentamentos Humanos. A metade da população mundial vive em cidades. Até 2030, esta proporção terá aumentado para dois terços. Esta acelerada urbanização origina novos desafios, segundo o informe bienal, e que este ano leva o título “Enhancing Urban Safety and Security” (Melhorando a segurança urbana). Entre 1980 e 2000, a incidência de crimes aumentou 30%, passando de 2.300 para três mil em cada grupo de 100 mil habitantes. Como conseqüência, o medo se tornou um fator importante da vida urbana. As pesquisas em países ricos e pobres indicam que mais da metade dos moradores das cidades situam a criminalidade entre suas principais preocupações.

“Sessenta por cento dos residentes urbanos nos países em desenvolvimento e em transição foram vítimas de algum crime nos últimos cinco anos”, disse a diretora-executiva da Habitat, Anna Tibaijuka, ao apresentar o informe ontem, na cidade holandesa de Haia. Segundo Tibaijuka, o estudo sacode um estendido preconceito: que os ricos são as principais vítimas do fenômeno. Cem milhões de crianças vivem nas ruas devido ao tráfico humano e de drogas, à violência, aos abusos, à pobreza, acrescenta. “Para que uma cidade seja segura, as pessoas devem estar seguras em casa”, ressaltou. Porém, um terço da população urbana mundial está sob constante ameaça de ser desalojada ou as condições de propriedade de suas casas são inseguras.

Isso tem impacto na segurança de quase um bilhão de habitantes de assentamentos irregulares como os preços dos terrenos urbanos continuam aumentando e as soluções habitacionais ficam com freqüência entregues às forças do mercado, a cada ano são desalojados pelo menos dois milhões de moradores dessas áreas, segundo o estudo da Habitat. O informe revela, ainda, que 98% dos 211 milhões de vítimas de desastres naturais entre 1991 e 2001 vivem no mundo em desenvolvimento. As conseqüências são graves, pois estes desastres se multiplicaram por quatro desde 1975, e os criados pelas ações do homem aumentaram em 10 vezes. Muitos destes fenômenos atingiram cidades, e os pobres costumam viver nas áreas de maior risco das cidades.

“Para nós foi uma forte emoção calcular esses 98%”, disse à IPS Naison Mutizwa-Mangiza, chefe da divisão de pesquisas da Habitat. “Neste momento, 19 países africanos estão afetados pelas inundações. Isso não ocorria antes. “Porém, o informe também descreve “muitas políticas de sucesso que nos dão esperanças”, afirmou. Cuba, por exemplo, desenvolve com êxito um sistema de prevenção de desastres. Está completamente integrado em seu sistema de planejamento, e as crianças o aprendem na escola. Não implica gasto de dinheiro, mas vontade política”. Impedir que os pobres se voltem à delinqüência vai além de contar com uma polícia forte.

“Isso não se trata de pobreza, mas de ociosidade, que leva ao vício”, acrescentou Naison. “É necessários nos concentrarmos no espírito empreendedor. A maioria dos pobres é de jovens, por isso criar emprego para eles é chave para gozar de uma sociedade mais segura. Entretanto, eles costumam ser ignorados pelos políticos”, disse o funcionário da Habitat. Para Tibaijuka, a urbanização recebe seu impulso na pobreza que sofrem as áreas rurais, mas isso não significa que o fenômeno seja, em si mesmo, mau. “A urbanização cria oportunidades, e as pessoas as querem. Mas, devemos nos concentrar em localidades secundarias para impedir que os pobres rurais acabem em uma grande cidade”, afirmou.

A principal oradora da cerimônia oficial do Dia Mundial do Habitat, a ministra da Habitação da África do Sul, Lindiwe Sisulu, concentrou-se no problema da moradia após um período de conflito. ‘No começo não dávamos conta de que o teto era fundamental para a reconstrução, mas, de outro modo a população nunca melhoraria seu ambiente nem modelaria sua sociedade”, disse Sisulo à IPS. “Consideramos que a posse segura da moradia é um direito. Queremos dar a todos os indigentes moradia básica e saneamento gratuito. Dez milhões de pessoas já vivem nessa condição, mas outros sete milhões ainda esperam sua vez”, explicou. Porém, muitas vezes os próprios indigentes apresentam dificuldades. “Freqüentemente, resistem a melhorar seus assentamentos. E as melhorias atraem novos imigrantes, o que cria novos problemas enquanto não se resolve os velhos”, acrescentou.

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Fazendo com que a filantropia seja eficaz

Kumi Naidoo*
Publicado pelo
redeGife Online em 01/10/07

Foto Nick Clarke

O mundo está se tornando cada vez mais desigual, dividido entre religiões e regiões, e insustentável em termos ambientais. A comunidade filantrópica tem potencial para desempenhar um papel importante no fomento de maior igualdade e justiça, um mundo em que a democracia e os direitos humanos sejam protegidos e enriquecidos em culturas políticas e instituições de nível local e global. Se as instituições filantrópicas quiserem desenvolver esse potencial, no entanto, elas precisam fazer escolhas difíceis.

O otimismo em torno da queda do Muro de Berlim no fim da década de 80 e a promessa de um “dividendo de paz” e crescimento da democracia não se traduziram em realidade. Existe um déficit democrático crescente no nível local, nacional e global, com muitos cidadãos perdendo a confiança nas eleições, nos líderes políticos e nas instituições políticas. Muitos voltaram suas costas para a democracia eleitoral e colocaram mais energia na democracia participativa, através de ações em várias organizações da sociedade civil.

Além disso, muitos países que tiveram democracia eleitoral pela primeira vez nos anos 90 descobriram que o verdadeiro poder está agora com organizações regionais e internacionais, como o Banco Mundial, o FMI, as Nações Unidas e a União Européia. O slogan pense globalmente, faça localmente parece sem sentido para as pessoas em países em desenvolvimento que vêm essas mudanças de poder: eles precisam pensar localmente e agir globalmente se realmente for aí que reside o poder. Esse desafio é um dos que as fundações enfrentam, tanto quando trabalham internamente quanto quando pensam em financiamento internacional.

Filantropia global ou doações internacionais?
A filantropia global é mais do que simples doações internacionais? Uma questão importante que as instituições filantrópicas precisam levar em consideração é como as mudanças acontecem e quais são as alavancas eficazes da mudança sustentável. Muito daquilo que é chamado hoje de filantropia global é essencialmente a doação internacional feita por fundações de países desenvolvidos para apoiar ONGs em países em desenvolvimento.

A maioria das doações feitas em nível micro são para o desenvolvimento de programas específicos. Com algumas exceções, essas doações são geralmente de pequeno a médio porte. No entanto, como descobriram as ONGs e outras organizações da sociedade civil, concentrar-se na prestação de serviços sem enfocar as políticas que deterioram ou ignoram os principais desafios sociais reduz a sua capacidade de ter um impacto duradouro. As fundações começaram a se engajar no nível médio, apoiando as defesas políticas.

No entanto, é necessário ir mais adiante. A política, seja no nível nacional ou no nível das instituições globais, como o Banco Mundial, é feita em estruturas de governança particulares. A filantropia mundial deve, portanto, incluir o apoio a esforços globais e regionais no fomento de mudanças em políticas e em práticas, e não apenas fazer doações no nível nacional, por mais importante que isso seja. Na verdade, um pequeno número de fundações agora apóiam trabalhos que buscam tratar de déficits de governança onde quer que ele exista, inclusive no nível global.

Como a filantropia global pode ser criativa, inteligente e eficaz?
Como poderia a filantropia global responder de maneiras criativas, inteligentes e eficazes? Existem funções que as fundações podem desempenhar nos níveis macro (governança), meso (política) e micro (prestação de serviços), mas, como as mudanças políticas e de governança (como o esforço para democratizar instituições públicas globais, como o Banco Mundial e a ONU) são esforços de médio a longo prazo, muitas são dissuadidas devido à dificuldade de mostrar resultados mensuráveis de curto prazo. As palavras de Albert Einstein são muito citadas, mas não são menos verdadeiras por isso: Nem tudo o que é importante pode ser medido e nem tudo que pode ser medido é importante.

As opções que as fundações precisam fazer incluem:
• Que proporção de seus investimentos deve ser gasta na prestação de serviços e quanto deve ser gasto na defesa de idéias. Algumas vezes, apoiar a defesa, pela sociedade civil nos Estados Unidos, de uma política externa que promova o comércio mais justo pode ter maior impacto do que apoiar pequenas cooperativas de produtores no mundo em desenvolvimento. As duas coisas são importantes, mas a escolha de quanto apoio deve ser dado para cada uma delas pode ser difícil.
• Como equilibrar a necessidade de mostrar resultados e o reconhecimento de que a mudança social demanda tempo e sempre tem retrocessos antes que a mudança esteja segura.
• E, talvez mais importante, como usar o poder da fundação para influenciar o comportamento global de seu próprio governo, e como influenciar os processos e instituições da governança global.

Fazer investimentos sem reconhecer as alavancas da mudança sustentável e outras complexidade cria o risco de minar a eficácia da fundação. Os diversos artigos deste número de Alliance sugerem maneiras de aprimorar a filantropia global eficaz. Aqui estão seis coisas que as fundações devem levar em consideração.

1 Apoiar a defesa de idéias
O apoio apenas, ou principalmente, às atividades de prestação de serviços é uma opção atraente para muitas fundações, porque podem mostrar com mais facilidade os números de pessoas atendidas diretamente por uma atividade específica. No entanto, se quiserem realizar seu potencial como principais agentes de mudança, as fundações precisam dar mais apoio ao trabalho de defesa de idéias em torno de mudanças políticas e de governança.

Apoiar a prestação de serviços em locais onde o ambiente político é falho pode, na melhor das hipóteses, levar apenas a um progresso incremental, cuja sustentabilidade será sempre questionável.

Atualmente, a maioria das fundações que atuam na arena global, embora reconhecendo a importância de coalizões, alianças e redes, hesitam em dar apoiá-las para garantir que possam funcionar de maneira efetiva. No final, o sucesso das redes de defesa de idéias apóiam os esforços das ONGs engajadas diretamente em programas e serviços. O Zimbabwe é um bom caso. A destruição da democracia fez com que mesmo as ONGs de prestação de serviços sejam pressionadas para ter um impacto, e qualquer chance que elas tenham de fazer isso depende do sucesso das várias coalizões da sociedade civil que trabalham pela democracia e pelos direitos humanos.

Isso pode significar também que as fundações precisam apoiar grupos da sociedade civil em países poderosos que definem a agenda global, incluindo os países do G8. Como sugere Luc Tayart de Borms (p45), precisamos “enfrentar as causas básicas dos problemas sociais”, como o sistema de comércio global injusto que, em alguns casos, ajudou a dar às fundações a sua riqueza, mas que empobrece as pessoas no mundo em desenvolvimento.

Precisamos também reconhecer, como sugere Jo Andrews, que “o dinheiro não é importante por si só”. As fundações não devem subestimar o impacto global potencial que elas podem ter se usarem a sua influência em casa para evitar, por exemplo, a guerra e a militarização, e para conseguir políticas globais mais eqüitativas. A Global Call to Action Against Poverty (Chamada Global para a Ação Contra a Pobreza) está trabalhando não apenas para um aumento da quantidade de ajuda oficial de governos, mas também por uma melhoria da qualidade. O mesmo desafio deve ser enfrentado pelas fundações.

2 Ser franco e realista sobre as dinâmicas do poder
As fundações devem confrontar com honestidade a dinâmica de poder entre doador e recebedor, presente no nível doméstico e inevitavelmente acentuada no nível internacional, e que, como aponta Ceri Oliver-Evans, levanta questões de domínio cultural e respeito pela soberania.

A responsabilidade das fundações deve ser exercida em diferentes níveis. Além de ser responsável frente aos que recebem suas doações, as fundações devem ser, como sugere Peter Laugharn (p30), ser responsáveis pela solução dos problemas globais. Não deve haver uma opção entre os dois. A visão de Nicholas Borsinger (p50) de que a maior responsabilidade é com aqueles que são excluídos dos programas de uma fundação também é importante. Quando operam no nível global, as fundações devem ter em mente não apenas as organizações que apóiam, mas todas as pessoas afetadas por um problema global específico.

3 Explorar maneiras de colaborar com outras fundações
O impacto das fundações poderia crescer exponencialmente se elas estivessem mais dispostas a abraçar a noção de colaboração (um aspecto reforçado por alguns dos informantes de Andrew Milner; veja na p41). Grupos da sociedade civil de países em desenvolvimento geralmente dizem que gastam tanto tempo “atendendo às necessidades dos doadores” que isso as afasta de sua missão principal. Se as fundações pudessem concordar com aplicações comuns de fundos e formatos comuns de relatórios, e fossem menos obcecadas pelo que Paul Bekkers chama de “fincar a bandeira”, imagine como seria muito mais fácil e quanto isso reduziria os custos de transação nos dois lados da equação filantrópica, o que é crítico para tornar a filantropia global mais eficaz.

Existe aqui uma oportunidade para que as fundações tradicionais façam parcerias com ONGs de desenvolvimento internacional que, além de suas atividades operacionais, tenham orçamentos consideráveis para doações. Embora isso já esteja acontecendo, existe espaço para muito mais.

4 Usar a capacidade de convocação da fundação
A existência de uma mentalidade de silo em algumas áreas significa que mesmo as sinergias óbvias não são realizadas e o impacto é reduzido. Como sugere Andrés Thompson, o exercício sensível da capacidade de convocação das fundações poderia contribuir consideravelmente para um pensamento e uma prática mais aguçados, especialmente no nível global. Existem grandes possibilidades para o engajamento de governos e de organismos intergovernamentais. Embora isso possa ser um processo lento, sujeito a mudanças nos governos ou à paralisia que as instituições globais enfrentam algumas vezes, o ganho potencial justifica o sofrimento.

5 Considerar o contexto cultural
A Oprah Winfrey Academy, na África do Sul, virou notícia recentemente quando evitou que crianças participassem dos funerais de membros da “família” devido à forma de interpretar a família, que na África do Sul tem uma interpretação mais ampla, para incluir tios, tias e primos. No entanto, o contexto cultural pode definir muito mais, desde as expectativas de relatórios a questões relativas à qualidade dos programas.

As presunções, feitas algumas vezes pelas fundações, sobre os ambientes operacionais dos financiados em países em desenvolvimento são baseadas em suas próprias realidades, seja com relação a espaço político, disponibilidade de tecnologia ou infra-estrutura, ambiente da mídia, e assim por diante, uma realidade que não é necessariamente compartilhada pelos recebedores de financiamento. As observações de Nnimmo Bassey sobre a AGRA são um aviso oportuno de que intervenções bem intencionadas podem minar as convenções e práticas locais, e podem ter impacto negativo.

6 Engajar a sociedade civil de forma crítica
As fundações devem considerar ir além do apoio a ONGs e abraçar uma definição mais abrangente de sociedade civil. Em algumas sociedades, o apoio a movimentos sociais, cooperativas ou instituições religiosas pode ter mais efeito do que trabalhar apenas com ONGs. A dependência em uma única via de engajamento, como aponta Luc Tayart, pode ser um erro.

Embora algumas das limitações da sociedade civil, como observa Tayart, possam ser tratadas pelas fundações, isso não significa que as fundações não devam explorar o envolvimento com governos ou com organizações intergovernamentais, como sugerido por alguns contribuintes, nem localizar suas intervenções entre as prioridades e planos nacionais dos governos. É provavelmente necessário um enfoque equilibrado, com escolhas baseadas em que investimentos terão mais possibilidade de ter impacto e mudança sustentáveis, e na compreensão do impacto crítico que uma sociedade civil forte e bem organizada pode ter sobre os governos e no engajamento dos cidadãos na vida pública. Como nota Tayart muitas organizações da sociedade civil precisam fazer muito mais para se tornarem responsáveis. O lançamento da International NGO Accountability Charter é um exemplo de como as organizações da sociedade civil estão atendendo a esse desafio.

Um futuro de crescimento e possibilidades
Finalmente, independente do estorvo de legislações restritivas em função da chamada guerra ao terror, a filantropia global é uma área de crescimento e possibilidades. Ela não deve ser guiada pela caridade, mas pelo desejo de criar um mundo justo em que todos os cidadãos de países em desenvolvimento e de países desenvolvidos possam compartilhar de forma eqüitativa seus recursos finitos. Se a filantropia global deve crescer e ter impacto estratégico, as pessoas nos países doadores precisam ser convencidas de que existe um retorno também em seus próprios países. Questões como imigração, degradação ambiental, problemas globais de saúde e a obtenção da paz e da segurança globais afetam as pessoas nos países doadores.

Embora exista espaço para o engajamento com governos e organizações intergovernamentais, isso deve ser explorado com cuidado e de forma crítica, uma vez que a burocracia mais pesada dessas instituições pode atrasar a inovação, limitar o pensamento criativo e, em última instância, inibir o progresso social e econômico. Apesar da visão de Agnès Binagwaho, de que as fundações devem sempre se engajar com os governos, precisamos reconhecer que existem casos em que as violações dos direitos humanos e da democracia, por exemplo, fazem com que isso seja impossível.

A base da filantropia global e dos financiamentos internacionais é desafiadora, complexa e em rápida mudança. Os líderes das fundações precisam exercer coragem e precaução, além de abraçar um enfoque consultivo. Eles devem resistir a buscar um retorno rápido e não devem ter medo de apoiar a defesa de opiniões. Um enfoque estreito acarreta o risco de nos levar da filantropia para a foolanthropy.

*Kumi Naidoo é Secretário Geral e CEO da CIVICUS.
Email: kumi@civicus.org

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