quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Sem medo de colocar os mais poderosos contra a parede

Stela Campos
Publicado pelo
Valor Online em 03/10/07

Para Cheryl Smith, VP da CCU, o background do "coach" não é tão importante quanto sua habilidade de questionar
Foto Marisa Cauduro / Valor

Questionar as decisões dos poderosos é uma missão de risco. Mas há quem ganhe a vida desafiando a sabedoria de presidentes, diretores e gerentes. Eles são treinados para atuar como um sócio chato, aquele que não tem medo de pedir explicações minuciosas sobre tudo.

A figura do "coach" (treinador) de executivos surgiu nos anos 1980, nos EUA. Calcula-se que existam hoje 30 mil profissionais. A maioria tem entre 46 e 55 anos de idade e recebe salários médios de U$ 50, 5 mil por ano. No geral, são mulheres, ex-executivas, com grau avançado de educação, até com títulos de PhD. Os clientes, por sua vez, são executivos (as) na faixa dos 38 aos 45 anos de idade.

O crescimento da procura por este serviço no Brasil trouxe ao país, há duas semanas, a ex-executiva da IBM, Cheryl Smith. Ela trabalha com "coaching" há 25 anos e hoje é vice-presidente da CCU, empresa americana especializada no treinamento de "coachs". Lá oferece cursos em 10 línguas, pelos quais já passaram 50 mil pessoas. No Brasil, ela participou de uma sessão de "Coaching Clinic" para aspirantes à profissão.

Para Cheryl, o mais importante para ser tornar um "coach" não é o background corporativo, mas a atitude. "Ele precisa ouvir as pistas que as pessoas dão", disse em entrevista para o Valor . Cheryl acredita que ainda existe muita desinformação sobre o papel do "coach", o que afasta executivos mais seniores. Em compensação, a nova geração encara o serviço como um privilégio para os "high potencials" escolhidos pela chefia. A seguir trechos da entrevista:

Valor: Qual a formação ideal para quem quer ser um "coach"?
Cheryl Smith: Os profissionais que atuam na área hoje têm um background diverso. Há dez anos, a maioria tinha cabelos grisalhos. Eram ex-administradores de corporações que tinham encerrado a carreira. Hoje, as pessoas vêm de outras áreas. Eu acho que a atitude é provavelmente mais importante que o background, porque se você tem atitude pode aprender a habilidade. E a competência mais importante é se importar com as outras pessoas. É preciso saber ouvir as pistas que elas dão quando falam. Prestar atenção ao seu rosto, à sua linguagem corporal. E têm que fazer as melhores perguntas. O "coach" não é seu melhor amigo. É como se ele fosse seu sócio irracional. Outra qualidade necessária é a vontade de desafiar as pessoas e não comprar suas histórias. Numa conversa de "coaching", o conhecimento, o background, não é o mais importante. Eu posso dividir algumas das minhas experiências, mas isso não é tão importante quanto as pessoas acreditam.

Valor: Alguns executivos confundem o "coach" com o analista e acabam dirigindo a conversa mais para o lado mais pessoal? Qual o limite?
Cheryl: Quando você está fazendo "coaching" existe uma pessoa ali que é um ser humano, que tem uma vida, então isso aparece rapidamente numa conversa. Existem alguns aspectos psicológicos que requerem ajuda profissional, mas se forem apenas coisas normais do dia-a-dia, isso pertence a uma conversa de "coaching".

Valor: Então, não é possível separar as coisas?
Cheryl: O que você aparenta no trabalho, você mostra em casa. O comportamento no trabalho também influencia o que você é em casa. Então, estar ciente do que você precisa fazer é valioso. Não dá para separar, é muito difícil.

Valor: Como o "coach" lida com informações críticas?
Cheryl: Confidencialidade é um elemento absolutamente crítico para o seu sucesso. Se você a quebra uma vez será o fim do seu relacionamento.

Valor: Mas às vezes o "coach" não acaba influenciando uma decisão importante do executivo?
Cheryl: Bem, essa é uma boa pergunta. Mas ela volta à questão do nosso código de ética. Parte do nosso trabalho é fazer as pessoas chegarem às suas próprias respostas. Então se o "coach" sente que está influenciando uma decisão ou dando um conselho, ele provavelmente está mudando seu papel, está se tornando um consultor. Se no contrato com o executivo ele pedir para fazer também o trabalho de consultoria, isso será razoável. Mas em termos de "coaching", não.

Valor: Alguns executivos se recusam a fazer "coach" porque acreditam que este possa ser interpretado como um sinal de fraqueza?
Cheryl: Eu me lembro de um dos primeiros executivos com quem trabalhei. Ou ele aceitava o meu trabalho ou seria demitido. Ele passou o tempo todo em que trabalhamos juntos tentando me provar que não precisava de um "coach". Nada aconteceu efetivamente. Eu terminei o nosso relacionamento e ele perdeu o emprego. "Coaching" apenas funciona se o cliente quiser, porque é uma conversa sobre suas metas, onde eles querem chegar na carreira, onde pretendem levar seus negócios, seus times. É preciso parceria. Precisa existir confiança, uma conversa honesta. Sem isso não funcionará. Quando eu comecei na profissão, costumava aceitar todo tipo de cliente, hoje tento ter certeza que vai ser um trabalho bom para ambos.

Valor: Existe um "coach" certo para cada tipo de executivo?
Cheryl: A nossa recomendação é que o executivo entreviste pelo menos dois ou três antes de decidir contratar um. Tem que ser alguém que se adeque rapidamente a você. Alguém que você se conecte. Se você tiver um grande relacionamento com o "coach", poderá ser vulnerável e honesto, isso fará com que o trabalho ande mais rápido. Se você está desconfiado, não gosta do "coach", então será perda de tempo.

Valor: O "coach" deve estar disponível durante 24 horas como fazem alguns analistas?
Cheryl: Não. Faz parte do contrato quantas horas o "coach" estará disponível, qual a sua disponibilidade entre as sessões. Os mais jovens costumam ser mais relaxados do que os mais seniores em relação a isso.

Valor: Os jovens executivos são mais abertos para o "coach"?
Cheryl: Eles vêem muitas vantagens nesse trabalho. Acreditam que poderão crescer mais rápido. Existe até um tipo de prestígio associado ao "coaching". Se a companhia está pagando para você ter um "coach", você deve ser um "high potencial", deve ter valor para a organização. Alguns jovens administradores até perguntam na entrevista de emprego se terão um "coach" ou não.

Valor: Os executivos da velha geração resistem mais"?
Cheryl: Existe mais resistência pelo fato deles não entenderem o que significa. Eles se preocupam com o que as outras pessoas pensarão, se elas poderão achar que não estão fazendo um bom trabalho, que são fracos. Eles se incomodam com a percepção dos outros. Quando olham para os seus antigos chefes, sabem que eles chegaram lá sem um "coach" e pensam: "Por que eu precisaria de um?". Existe ainda muita confusão sobre o conceito do trabalho do "coach".

Valor: O tipo de personalidade do executivo pode facilitar ou complicar o trabalho do "coach"?
Cheryl: Não necessariamente. O mais importante é achar pessoas comprometidas em encontrar o melhor de si, que reconhecem que precisam aprender a ser mais efetivas. Gente que quer estar na sua melhor forma para ter sucesso.


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br