quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Governança ainda sem sustentabilidade

Graziella Valenti
Publicado pelo
Valor Online em 09/01/08

Mauro Cunha, vice-presidente do IBGC: as empresas não têm prazo de validade
Foto Marisa Cauduro/Valor


A notícia é ruim. Sustentabilidade é tema sem prioridade administrativa até nas companhias listadas no Novo Mercado da Bovespa. Teoricamente adeptas das melhores práticas de governança, as empresas ainda enxergam de forma separada assuntos societários e financeiros dos temas "sustentáveis". Por isso, muitas se dizem praticantes da boa governança mesmo que seus projetos estratégicos não levem em conta os impactos que causam na sociedade, seja no processo produtivo ou na prestação de serviços.

Apenas dez companhias do espaço da bolsa que exalta a excelência em gestão compõem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado pela mesma bolsa há cerca de dois anos. Ou seja, o Novo Mercado tem 80 empresas, mas só pouco mais de 10% delas participam da formação do ISE. A presença no indicador depende das respostas dadas a um extenso questionário sobre a sociedade e seus procedimentos e de uma seleção por liquidez das ações.

Mas também há uma boa notícia. Para os especialistas, uma gestão com boa governança nas questões societárias e administrativas deve colocar na rota de um plano sustentável as companhias que ainda não estão. "Ao inserir a equidade, a transparência e o hábito à prestação de contas em seus princípios básicos, as empresas vão caminhar naturalmente nessa direção", diz Mario Monzoni, professor e coordenador do Centro de Estudo em Sustentabilidade (CES), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), além de um dos responsáveis pela metodologia do ISE.

O professor aposta que a adesão ao ISE aumentará ao longo dos anos, tanto pelo maior interesse das companhias como pela superação das limitações de liquidez, especialmente pelas novatas na bolsa. Para responder ao questionário de seleção, as empresas precisam que suas ações sejam negociadas há, no mínimo, 12 meses. Como a maior parte das ofertas inicias de ações ocorreu em 2006 e 2007, muitas não preenchem esse requisito pela falta de histórico.

Quando consideradas apenas as estreantes que preenchem as exigências de liquidez, de fato, o cenário melhora. Das 12 empresas que emitiram ações no Novo Mercado em 2004 e 2005, cinco já estão no ISE (42%). Ficaram fora Grendene, Porto Seguro, Cosan, Nossa Caixa, OHL Brasil, Submarino e Renar Maçãs.

Os especialistas são unânimes em afirmar que governança e sustentabilidade devem andar juntas, pois são complementares. Paralelamente ao aumento da abrangência do conceito de governança, o de sustentabilidade também cresceu. Não mais se trata só de projetos para o meio-ambiente, explica Roberto Gonzalez, diretor de estratégia de sustentabilidade do The Media Group.

O universo empresarial, com seu gosto por jargões, deve buscar agora o chamado "triple bottom line" - algo como três focos de ação , numa tradução livre. Os alvos são as questões sociais, ligadas aos funcionários e à comunidade do local de atuação da empresa; as ambientais, relacionadas aos impactos ecológicos; e as financeiras, dos resultados obtidos.

Monzoni, da FGV, explica que a companhia preocupada com temas ambientais e sociais deve avançar sobre seus próprios procedimentos, antes de fazer projetos externos, apenas compensatórios. É preciso primeiro avaliar os efeitos do processo produtivo - como resíduos, gases emitidos, energia utilizada e tratamento dado aos funcionários.

"Não ter um projeto sustentável significa que uma companhia não conseguirá sustentar sua taxa de crescimento no longo prazo. Ou seja, vai desaparecer no tempo", afirma Mauro Cunha, vice-presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Para ele, o investidor é influenciado por essa questão mesmo que não queira ou não perceba. "Não se trata de ser bonzinho. Muitas empresas esquecem um artigo de seu estatuto social que diz: 'o prazo de duração da sociedade é indeterminado'".

Além das informações nos balanços serem pobres em conteúdo sobre sustentabilidade, quando não ausentes, também os prospectos de apresentação das companhias que abriram capital deram pouco espaço ao tema. Para Gonzalez, o material é ruim, o que atesta a falta de preocupação com o assunto. Em geral, os documentos das novatas trouxeram pouca informação e sem profundidade. Trata-se de um comportamento que prejudica a transparência e, portanto, fere os princípios de governança. A questão, porém, pareceu não impactar as operações.

De 2004 até agora, foram vendidos R$ 94 bilhões em papéis na bolsa brasileira. Nem mesmo o investidor estrangeiro, tido como mais seletivo e criterioso com o tema, deu importância à questão. Os recursos internacionais responderam por nada menos do que 70% desse total.

"O investidor não foi treinado para ver a ligação entre governança e sustentabilidade. Mas, aos poucos, perceberá que é tudo a mesma coisa", reforça Monzoni. Incluídas aí as questões financeiras - foco predileto do mercado de capitais, desde os fornecedores de crédito, aos investidores em ações até os analistas.

O professor da FGV lista algumas vantagens na adoção de uma administração sustentável: a redução de riscos com passivos ambientais; maior acesso ao crédito; barateamento de custos com seguros; lealdade do consumidor; melhora da imagem institucional; e redução de potenciais conflitos com os públicos de relacionamento da empresa. Destaca ainda que o avanço sustentável amplia a inovação na produção.

A Natura é uma das raras exceções no universo empresarial, pois vê conjuntamente governança e sustentabilidade. "São temas absolutamente integrados", enfatiza o gerente de relações com investidores, Helmut Bossert. Mas admite que, apesar do comportamento perante o assunto, ainda não percebe diferença no preço das ações. "Tenho a impressão que, ao longo do tempo, seremos sempre lembrados por ter esse diferencial. Hoje, isso é apenas observado, mas não é 'precificado'"

A empresa investe 3% da receita líquida anual em pesquisa e desenvolvimento, área ligada à sustentabilidade. Além disso, prefere matérias-primas limpas mesmo mais caras. "Nem pensamos em buscar margem usando algo barato e poluente."

Por enquanto, assim como foi com a governança no passado, o valor agregado com a gestão sustentável ainda está no campo do intangível. Mas já é um sinal dos tempos que não haja dúvida sobre as vantagens no compromisso com o tema.

A Deloitte Touche Tohmatsu percebeu essa mudança e trouxe para o Brasil sua área de consultoria que cuida dos aspectos sociais e ambientais. O sócio responsável Ives Müller diz que o crescimento da procura pelas companhias é exponencial. Porém, não revela os dados. Elas estão interessadas em preparar relatórios sobre o assunto e dar credibilidade ao conteúdo. "As organizações começam a perceber que mostrar preocupação contínua gera valor e assegura perenidade ao negócio."

Bossert diz que hoje a Natura já ganha ao agregar valor a sua imagem e, com isso, chamar mais atenção dos consumidores. No longo prazo, as vantagens devem aumentar. "Acreditamos que todos terão de pensar como nós e, quando isso acontecer, estaremos à frente."

Predomina, entre os especialistas, o sentimento de que a tendência é de forte aumento da cobrança por sustentabilidade pelos públicos consumidor e investidor. Um dos trabalhos de Bossert é ampliar a base de acionistas da Natura focados em projetos equilibrados - hoje, eles respondem por 10% do total. A idéia é ampliar esse porcentual, apresentando os diferenciais da companhia.

Porém, Bossert conta que, na maioria das vezes, quando trata do tema, os analistas financeiros apenas ouvem, sem participar do debate com a empresa. Não há dúvidas de que o lucro e a geração de caixa chamam mais atenção do que as informações sobre consumo de energia e água por produto, percentual de resíduo por peso de produto e índice de refil faturado, frente às vendas
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