segunda-feira, 2 de julho de 2007

Transposição deve ser última opção, diz estudo

Daniel Rittner
Publicado pelo Valor Online em 02/07/07

Foto do site Rota Brasil Oeste

Um estudo que mapeia os legados deixados por vários projetos de interligação de bacias hidrográficas no mundo, preparado pela organização não-governamental ambientalista WWF, é a mais nova arma de quem se opõe à transposição do rio São Francisco. O trabalho argumenta que, em vez de solução, as transposições analisadas levaram inúmeros problemas tanto às bacias receptoras quanto às bacias doadoras das águas. Por isso, esse tipo de intervenção de engenharia deve ser visto pelos governos como última opção para contornar a escassez de recursos hídricos.

O caso do São Francisco também é avaliado no estudo. Segundo o WWF, apenas 4% das águas retiradas da vazão do rio serão usadas para atender o consumo da população difusa - 26% irão para o abastecimento urbano e industrial e os 70% restantes para irrigação. Os pesquisadores alertam para perdas na biodiversidade de peixes e fragmentação do que resta das matas nativas.

"É simplista e utópico imaginar que grandes obras de engenharia podem resolver os problemas de escassez de água, sem impactos ambientais e sociais bastante significativos", afirma Samuel Barreto, coordenador do programa Água para a Vida do WWF-Brasil. "Não somos contra projetos de transposição. Só é preciso deixar claro que eles devem ser a última alternativa considerada".

A falta de chuvas é apenas uma das razões de déficit no sistema hídrico de uma região. Às vezes isso acontece por práticas agrícolas impróprias, desperdício de água ou exploração excessiva de recursos naturais. Antes de executar um projeto de interligação de bacias hidrográficas - jargão para designar o que popularmente se costuma chamar de transposição -, deve-se considerar, segundo o levantamento do WWF, reduzir a demanda por recursos hídricos, reciclar a água usada e buscar soluções locais, como ampliação de reservatórios, cisternas e poços artesianos.

Três empreendimentos prontos foram estudados: as interligações de Tagus-Segura (Espanha), do Rio Snowy com o sistema fluvial Murray-Darling (Austrália) e das Terras Altas do Lesoto (África do Sul e Lesoto). Os pesquisadores também analisaram quatro projetos que estão sendo implementados: além do São Francisco, as transposições do Rio Acheloos (Grécia), do Huancabamba (Peru) e do Rio Yangtzé para o Rio Amarelo (China) - este último, um empreendimento que, em apenas dois de seus três eixos previstos, custará US$ 23 bilhões.

De acordo com o estudo, as bacias doadoras freqüentemente pagam o preço social e ambiental das transposições, mas não é incomum ver os custos incidirem também sobre quem recebe as águas. Em geral, interrompe-se a conectividade dos sistemas fluviais e prejudica-se a migração de peixes. Pode haver transferência de espécies entre as bacias hidrográficas, alterando o equilíbrio do ecossistema, e contribuição para a salinização dos rios na proximidade de áreas costeiras.

Há exemplos concretos de impactos negativos provenientes de transposições. Na Espanha, a bacia do Tagus fornece recursos hídricos para o Rio Segura, onde se juntam com água dessalinizada, de poços e acumulada em reservatórios. O plano original era usar parte da água transposta para abastecer 50 mil hectares de agricultura irrigada e atender a demanda da população local.

Aparentemente, deu errado. A expansão descontrolada da agricultura elevou a área irrigada em 88 mil hectares - quase o dobro do previsto. E o melhor atendimento do consumo humano gerou aumento da construção civil, com a explosão populacional - agora, segundo o WWF, estão sendo construídos 115 mil flats para entrega em até oito anos.

Os custos econômicos são outro lado da moeda. Raramente, afirma o estudo, projetos de interligação de bacias hidrográficas saem pelo orçamento original. No caso do São Francisco, o Tribunal de Contas da União levantou questionamentos sobre o valor projetado das obras. Também a ausência de diálogo com populações diretamente afetadas é mencionada como praxe dos projetos de transposição. No Brasil, essa falta de governança é apontada pelo WWF-Brasil como causa das tensões envolvendo atualmente as comunidades locais e o governo. O estudo conclui enfaticamente: "A história das interligações de bacias deveria ser suficiente para disparar alarmes muito altos em qualquer governo a contemplar tal plano".


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