segunda-feira, 2 de julho de 2007

Portugal quer Brasil como parceiro estratégico da UE

Mario de Queiroz
Publicado pela
IPS em 02/07/07

Incrementar as relações com Brasil, África e o Mediterrâneo é para Portugal a imagem que o distingue das demais presidências semestrais da União Européia, apesar de o maior desafio que o bloco de 27 países enfrenta ser a aprovação do paralisado tratado constitucional. Portugal deseja que o tratado, agora chamado “reformador”, seja finalmente aprovado durante sua presidência, que começou no último domingo, e que passe à história como Tratado de Lisboa, após o acordo alcançado em Bruxelas pelos chefes de governo da UE no Conselho Europeu de 21 e 22 de junho, presidido pela Alemanha.

Entretanto, Portugal deseja, sobretudo, coroar com êxito três iniciativas de política externa para dar maior ênfase ao Sul do planeta: as cúpulas com Brasil, com África e as euro-mediterrâneas. “Se existe um país europeu que histórica e culturalmente deve dar especial importância ao Brasil e à África esse país se chama Portugal”, disse na quarta-feira no parlamento português o primeiro-ministro socialista José Sócrates, apresentar aos deputados o programa da presidência semestral comunitária.

No debate sobre o programa semestral no parlamento unicameral de São Bento, Sócrates obteve ao apoio unânime dos deputados quando deixou claro que a relação da UE com Brasil, África e a região do mar Mediterrâneo serão três assuntos aos quais Lisboa colocará toda a força. A relação da UE com a África “dever ser vista como um todo, incluído o Magreb (Argélia, Túnis, Marrocos, Líbia e Mauritânia) e a região subsaariana”, disse à IPS o chanceler Luís Amado, embora admitindo que Portugal deverá “ocupar-se com afinco da participação européia na solução de conflitos em várias partes do mundo”.

Em dezembro passado, Amado iniciou uma campanha de sensibilização, conseguindo um apoio inequívoco dos governantes do bloco na cúpula de encerramento da presidência finlandesa do segundo semestre de 2006, que aprovou uma “estratégia comum” para essas regiões, que será coroada com uma cúpula UE-África, no dia 9, em Lisboa. Para o chanceler, trata-se de “retomar o diálogo com a África, suspenso há muito tempo”, desde a cúpula entre os dois continentes realizada em abril de 2000 no Cairo, durante a presidência anterior portuguesa. O segundo encontro de alto nível entre europeus e africanos foi fixado para 2003, mas não chegou a acontecer e foi sucessivamente adiado.

Nos últimos sete anos, as iniciativas de reuniões fracassaram uma a uma por causa do desacordo entre a UE e os governantes africanos sobre a participação no segmento de máximo nível do presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, que, por pedido de Londres, está proibido de entrar no território comunitário, acusado de “abusos de poder”. A solução encontrada agora é manter a condenação a Mugabe, mas convidar todos os líderes africanos, sem exceção, para a cúpula de Lisboa para debater a cooperação econômica, a fluidez do diálogo político, o apoio europeu ao desenvolvimento e, sobretudo, a imigração, tema que adquiriu enorme dimensão devido aos fluxos migratórios africanos para a Europa.

Os dirigentes de Lisboa, conhecedores de uma região onde Portugal marcou presença colonial de 560 anos (1415-1975), afirmam que diante do reforço da presença de Estados Unidos, China e Brasil na África seria uma cegueira política da UE não aprofundar suas relações históricas com os africanos. Amado garante que em nome da UE Portugal se empenhará no fortalecimento dessas relações “com uma nova visão” e como um todo, desde o Magreb até o cabo da Boa Esperança, “uma colaboração estratégica que se sobreponha ao modelo da colonização”. Uma preocupação central é o drama humanitário de Darfur, a região ocidental do Sudão assolada desde 2003 por um feroz conflito entre milícias árabes fiéis a Cartum e grupos rebeldes negros, que causaram cerca de 200 mil mortes e 2,5 milhões de refugiados.

Sócrates e Amado também se fazem porta-vozes da classe dirigente portuguesa, oficialista e de oposição, bem como de uma população que vê com simpatia seus “irmãos lusófonos” do outro lado do Atlântico, que querem ver o Brasil mais próximo da UE. Sócrates convocou seus pares europeus para, no próximo dia 4, em Lisboa, realizar uma reunião destinada a desenhar os termos de uma “associação estratégica” entre a UE e o maior país da América Latina, com a presença confirmada do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Portugal propõe que o Brasil se converta no oitavo “associado estratégico” da União Européia, um status que já possuem Canadá, China, Estados Unidos, Índia, Japão, Rússia e África do Sul, com os quais o bloco comunitário institucionalizou um diálogo político mediante reuniões do mais alto nível. Na cúpula com o Brasil, a UE será representada por Sócrates; pelo presidente da Comissão Européia (o executivo comunitário), José Manuel Durão Barroso, e por Javier Solana, alto representante para a Política Externa. Entretanto, sete líderes europeus também foram convidados para participar do jantar de honra dedicado ao Presidente Lula.

As duas iniciativas contam com o aval de Barroso, que em uma entrevista na quinta-feira à agência de notícias portuguesa Lusa apoiou as ações de Lisboa para reforçar as relações com o Brasil e a África como assuntos prioritários de sua presidência do bloco. “Penso que essas prioridades refletem muito daquilo que é a vocação de Portugal”, disse o presidente da Comissão Européia, afirmando que os efeitos desses objetivos “já podem ser sentidos” inclusive antes mesmo que Sócrates assuma a presidência rotativa da União Européia. Entretanto, a dedicação ao Brasil e à África não poderá ser em tempo integral.

Portugal também deverá colocar uma forte ênfase em outros assuntos, como Organização das Nações Unidas, a província autônoma sérvia de Kosovo, Darfur, Afeganistão e Irã, “crises nas quais a União Européia não pode continuar atuando em um plano meramente subordinado aos Estados Unidos”, disse à IPS o analista de assuntos internacionais Augusto Videla. Em termos internos europeus, “a situação mais preocupante é a de Kosovo, onde se pretende impor uma independência à qual se opõe a Sérvia, país ao qual pertence como província autônoma, e conta com o apoio da Rússia”, acrescentou. “Se Kosovo declarar a independência de maneira unilateral e apoiada pela UE, a situação ficará explosiva não apenas na região dos Balcãs, mas podendo se converter em um perigoso exemplo para a Espanha, dando razão aos bascos quando afirmam que a comunidade internacional tem dois pesos e duas medidas para os conflitos separatistas”, concluiu Videla. (IPS/Envolverde)


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