segunda-feira, 2 de julho de 2007

Desenvolvimento: Macroeconomia esconde a miséria na América Latina

Darío Montero
Publicado pela
IPS em 02/07/07

Com escassa representação, a América Latina ficou em segundo plano no debate do Fórum de Desenvolvimento 2007, que terminou no sábado nesta cidade suíça. Sua profunda desigualdade, geradora de indigência, permaneceu camuflada entre os indicadores macroeconômicos positivos. A ausência latino-americana é recorrente nos fóruns internacionais, e não apenas nesta Conferência de Organizações Não-Governamentais em Relação Consultiva com as Nações Unidas (Congo), como questionou o ativista mexicano Humberto Jaramillo, da associação Comunidade em Movimento.

“Nem mesmo o caso do Haiti é levado em conta nas avaliações” e propostas dos expositores nos painéis, disse à IPS o representante desta ONG que representa no México o Chamado Mundial à Ação Contra a Pobreza (GCAP, sigla em inglês).

O Haiti é o país mais pobre da América Latina. Oitenta por cento de seus 8,5 milhões de habitantes estão submergidos na pobreza. Ali se alastram o analfabetismo e a desnutrição. O país caribenho é beneficiário de várias missões da Organização das Nações Unidas, uma delas de manutenção da paz, e também de atenção com a fome, educação e saúde. Também recebe ajuda financeira específica dos países ricos, embora boa parte dela esteja suspensa. Mas segundo destacaram alarmados diversos delegados, a sociedade civil haitiana esteve ausente do Fórum de Genebra, que levará suas recomendações à reunião desta semana do Conselho Econômico e Social (Ecosoc) da ONU.

A participação latino-americana esteve reduzida a apenas uma dezena de ativistas de igual quantidade de organizações da sociedade civil, entre meio milhar de delegados. Nos três dias de reuniões, prevaleceram em número e propostas as representações africana e asiática. Nas dissertações centrais e nos debates “ouviu-se o idioma de Cervantes uma única vez”, como disse um deles. Com Jaramillo concordou o diretor-executivo da ActionAid, Ramesh Singh, cuja organização de alcance mundial se constituiu, como outras semelhentas, em porta-voz de fato das urgências latino-americanas neste tipo de eventos, graças à sua experiência de trabalho nas comunidades desta região.

“Os países da América Latina deveriam ter mais peso na agenda de fóruns como este. Por outro lado, vemos que em termos sócio-econômicos muitos destes Estados crescem no cenário mundial, o que esconde a realidade de extrema pobreza que existe igualmente em grande parte da sociedade”, afirmou Singh em entrevista à IPS. É o caso do Brasil, um dos países com maior quantidade de indigentes, especialmente entre a população negra, com grandes favelas na periferia das metrópoles, apesar de registrar uma tendência de crescimento econômico constante há quase cinco anos. “Essas melhoras nos indicadores gerais esconde uma dura realidade”, ressaltou.

“Não podemos desatender nestes debates internacionais sobre superação da pobreza a situação dos 53 milhões de latino-americanos, cerca de 10% dos habitantes da região, que morrem de fome ao lado das grandes plantações de alimentos e estabelecimentos que produzem carne para o mundo”, disse o representante da ActionAid. Embora sejam porcentagens menores do que na África subsaariana, o problema para a América Latina na hora de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio continuam ali, mas sepultado por essa outra realidade mais angustiante em outra parte do planeta.

Singh destacou, inclusive, o fato de que tampouco podem estar ausentes destes encontros os exemplos de avanços em matéria de programas para atingir esses objetivos, como é o caso do programa brasileiro Fome Zero e seus resultados positivos, bem como o que tem a ser corrigido. “Nos últimos quatro anos foram implementadas estratégias sócio-econômicas em alguns países que nos deixam otimistas, como no Brasil, na Bolívia e Venezuela, que enfocaram políticas específicas em beneficio dos setores mais marginalizados”, afirmou. Também detalhou as reformas a respeito do regime de posse da terra, distribuição e entrega em propriedade de áreas a comunidades, bem como a capacitação e os créditos brandos para que o camponês mais necessitado tenha ferramentas para sair da indigência.

“Nós observamos detalhadamente e com otimismo estes processos de melhoria na América Latina, com caráter sustentável, de setores muito submersos até agora. Também estamos aprendendo com estes processos e contribuindo com esse esforço para que não regrida”, disse o diretor da ActionAid. É aí que está organização se comprometeu a incentivar mudanças legais na América Latina para tirar da pobreza grandes contingentes excluídos. Com esse objetivo trabalha com parlamentares e diretamente com os governos, quando existem os canais adequados, mas, especialmente na arena internacional, na ONU e, mais particularmente, no Ecosoc.

Singh disse que nesses campos supranacionais onde é possível pressionar os governos para que atuem em favor do cumprimento das metas do milênio e destacar os processos iniciados nesse sentido, como os observados na América do Sul. Através da ONU se pode levar os países a adotarem leis para superar a pobreza extrema e a exclusão e verificar uma verdadeira mudança até 2015, ressaltou. Além disso, atua-se no outro extremo, o mais importante, que é trabalhar diretamente com as pessoas mais pobres em suas próprias comunidades.

A ActionAid voltou-se para a área rural do Brasil e da Guatemala, dando poder a essas comunidades para que sejam os próprios camponeses a encararem as saídas. São dadas ferramentas, capacitação e possibilidades de acesso à irrigação e ao crédito, para fortalecer seu próprio trabalho a fim de que possa superar a fome com programas sustentáveis. Tampouco se descuida da pressão sobre os organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio, em busca de um intercâmbio justo que viabilize o desenvolvimento agrícola e com ele a melhoria de vida para grandes contingentes de camponeses.

Entre os assuntos a atender quando se olha a problemática do desenvolvimento na América Latina, e que segundo ativistas não deveriam faltar neste fórum, figuram a necessidade de reformas fiscais que ataquem o mal maior da região que é a enorme brecha social, bem como o avanço das plantações para produzir combustíveis alternativos em detrimento dos alimentos. “Estamos muito preocupados com o fato de se continuar incentivando a produção de vegetais para fabricar combustível alternativo, pela mão das grandes multinacionais em seu plano de substituição do petróleo em extinção”, afirmou Singh.

Entretanto, esclareceu, “vemos com bons olhos o fato de haver possibilidades de criar novas fontes de energia, pois podem ser mudanças finalmente positivas, embora seja preciso estarmos atentos para evitar que se rompa esse frágil equilíbrio entre as duas produções agrícolas’. A questão tributária, no entanto, é o fundamento da desigualdade social na região, causa central da pobreza e que, entretanto, não é tratada como meta especifica nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, criticou Jaramillo.

Como exemplo, o ativista mexicano recordou que a companhia telefônica de seu país, propriedade de Carlos Slim, pagou no ano passado a título de impostos apenas 6,1% de seus ganhos. É por isso que Slim é um dos homens mais ricos do mundo, enquanto subsistem em sua região de origem grandes bolsões de indigência, segundo Jaramillo. (IPS/Envolverde)


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