quinta-feira, 21 de junho de 2007

Bloomberg governa NY como prefeito CEO

Tom Lowry
Publicado pelo
Valor Online em 21/06/07

O político-empresário não é novidade na história dos Estados Unidos. Do Alexander Hamilton (industrial) e Herbert Hoover (consultor de mineração) ao atual governador de Nova Jersey, Jon Corzine (ex-diretor-presidente do banco Goldman Sachs), executivos ricos e bem relacionados vêm tentando, para melhor ou para pior, implantar na arena pública o estilo de gestão corporativa. Com a chegada de George W. Bush, MBA, começamos a ouvir muita coisa sobre o chamado presidente CEO, do qual se espera um maior grau de decisão e responsabilidades administrativas. Mas quatro anos de guerra e o desastre da reação ao Katrina embotaram tudo isso.

O que nos leva ao prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. Esse bilionário, de 65 anos, franco e simples, pode ter a combinação certa de habilidade administrativa, política e de tomada de riscos para criar um novo modelo de administração pública, talvez até mesmo no nível nacional se Bloomberg concorrer à Presidência.

Aplicando lições de sua carreira em Wall Street e de duas décadas construindo seu império de mídia e informações financeiras, o prefeito está usando tecnologia, marketing, análises de dados e incentivos voltados para resultados para administrar uma cidade de 8 milhões de habitantes vista como impossível de ser administrada.

Bloomberg vê Nova York como uma corporação, seus cidadãos como clientes, os funcionários da saúde pública, policiais, funcionários de repartições públicas e da administração como talentos. Chame-o de tecnocrata se quiser; ele não se importa. "Percebo um tom depreciativo, como se houvesse alguma coisa errada com a responsabilidade de se prestar contas e apresentar resultados", diz. "Eu estou nesse emprego para quê?"

Sim, Bloomberg tem enfrentado reveses. Sua fracassada tentativa de construir um estádio em Manhattan tomou tempo e energia de boa parte de seu primeiro mandato. E, embora a municipalização de escolas que eram estaduais, cinco anos atrás, tenha levado a uma melhora dramática das notas dos alunos, ainda há um longo caminho a percorrer antes que o prefeito possa cantar vitória. Além disso, algumas de suas idéias, incluindo a sugestão de pagar os alunos por boas notas, irritaram educadores.

Mesmo assim, seu estilo operacional (ele tem obsessão por conferir tudo) caiu no gosto dos nova-iorquinos, famosos pelo seu cinismo. O índice de 70% de aprovação de sua administração atesta isso. "As pessoas percebem que isso pode ser feito num lugar como Nova York, ou seja, administrar eficientemente algo tão grande e complexo", diz o diretor-presidente da Time Warner, Richard Parsons, amigo de Bloomberg e ele próprio citado como um possível candidato a prefeito. "E elas pensam: isso pode ser feito em outros lugares".

Veja a situação de Bloomberg em 1º de janeiro de 2002, quando fez o juramento como o 108º prefeito de Nova York. A cidade sofria o impacto psicológico e financeiro dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Ele se deparou com um rombo no Orçamento de quase US$ 6 bilhões. Em Wall Street, falava-se em abandonar Manhattan por lugares mais seguros, como Nova Jersey ou Connecticut.

Bloomberg tinha três opções: reduzir os serviços, elevar impostos ou ambos. Fez o que nenhum prefeito havia ousado em mais de uma década: subiu o imposto sobre propriedade. E ele não se culpa nem um pouco pela decisão. "Foi fácil fazer aquela escolha", lembra.

Alguns de seus auxiliares tentaram dissuadi-lo, temendo que a medida fosse um suicídio político. No verão seguinte, o nível de aprovação de Bloomberg havia despencado para 31%. Mas o prefeito novato não se intimidou. Onde a maioria dos políticos teria visto apenas uma solução fiscal para o rombo no Orçamento, ele enxergou uma oportunidade de marketing. Estava protegendo a "marca" New York City. Bloomberg via a baixa criminalidade, um bom transporte público e ruas limpas como indispensáveis à "venda" do produto Nova York. Sua percepção era de que recuar nos serviços públicos seria a mensagem errada para a comunidade empresarial e para todo o mundo exterior.

Ao mesmo tempo, Bloomberg reforçou os esforços promocionais de Nova York. Primeiro, consolidou três operações existentes numa entidade sem fins lucrativos chamada NYC & Co. Ele triplicou a aporte da cidade ao Orçamento anual de marketing, para US$ 22 milhões. E, para presidir a entidade, contratou o veterano publicitário George Fertitta, cuja empresa de marketing havia trabalhado para Coca-Cola e Walt Disney. Todas as cidades têm braços de marketing. Mas a operação de Fertitta é essencialmente uma agência de propaganda com uma unidade interna de criação que usa várias mídias, de pontos de ônibus ao canal de TV a cabo da prefeitura, para vender a Big Apple.

Viciado em números, Bloomberg estabeleceu uma meta para a NYC & Co: atrair 50 milhões de visitantes por ano até 2015. E, sabendo que turistas estrangeiros gastam três vezes mais que os americanos, ordenou a Fertitta que abrisse mais escritórios de representação da cidade pelo mundo. Hoje, a NYC & Co está presente em 14 cidades e novos escritórios serão abertos em Seul, Tóquio e Xangai nos próximos meses.

Desde 2003, Nova York afirma ter criado 151 mil novos empregos no setor privado, incentivando a economia e alimentando o boom da construção. E, no ano passado, em parte graças à fraqueza do dólar, a cidade atraiu 44 milhões de visitantes, contra 35 milhões em 2002. Quanto à alta de 18,5% no imposto sobre propriedade, ele ficou muito mais fácil de engolir uma vez que o valor médio das moradias subiu 55%. Agora, com a cidade apresentado superávit, Bloomberg pretende conceder uma redução nos impostos de US$ 1,3 bilhão, não só para residências, mas também para empresas e estabelecimentos comerciais.

Bloomberg, o executivo, era obcecado no atendimento aos clientes, estabelecendo linhas telefônicas que funcionavam 24 horas por dia, coletando dados para ajudar no desenvolvimento de novos produtos, e mandando seus executivos a campo para obter retorno direto junto aos clientes. "Em primeiro lugar, boas empresas ouvem seus clientes", diz ele. "Em segundo lugar, elas tentam satisfazer suas necessidades. Mas elas não devem deixar que eles conduzam as decisões internas da companhia."

Por mais surpreendente que isso possa soar numa cidade que nunca se esquiva de reclamar, Bloomberg decidiu que Nova York precisava de sua própria linha 24 horas de atendimento a clientes. Sim, outras cidades já empregavam a linha 311, mas nunca em escala tão grande. O benefício, além de proporcionar à população um novo espaço de manifestação, seria tornar a administração municipal mais eficiente.

Um mês depois de tomar posse, Bloomberg propôs uma linha 311 para todo tipo de reclamações, de poluição sonora a queda de postes de transmissão de energia. O mais importante é que o 311 daria ao prefeito acesso sem precedentes ao que passa pela cabeça de seus eleitores. Bloomberg lê os relatórios semanais e tem uma noção das preocupações dos cidadãos e se os problemas estão ou não sendo resolvidos, e com que rapidez.

Desde seu lançamento, em março de 2003, ao custo inicial de US$ 25 milhões, o 311 já recebeu 49 milhões de chamadas. O serviço, que opera ininterruptamente, emprega 370 atendentes. E Nova York tem feito um trabalho impressionante na coleta de informações, sua triagem e resposta rápida, diz Stephen Goldsmith, ex-prefeito de Indianápolis e hoje professor da Kennedy School of Government (escola de administração pública) de Harvard. "Algo especial está acontecendo em Nova York", diz ele. No que diz respeito ao prefeito, os números dão o recado. O tráfego no serviço de emergência 911 caiu em 1 milhão de ligações desde a implementação do 311, o que significa que o pessoal do primeiro serviço está atendendo a um número menor de emergências. O Departamento de Obras usa o 311 para centralizar o processo de licenciamento e revisão de planos por inspetores. O tempo médio de espera para o encaminhamento de um inspetor de obras caiu de 40 dias para menos de uma semana. Dois anos após o lançamento do 311, as inspeções em casos de barulho excessivo cresceram 94%; para o extermínio de ratos, 36%.

Heather Schwartz, universitária de 30 anos, usa regularmente a linha 311 e diz que se tornou grande fã no ano passado, quando reclamou de pichações numa estação de metrô de Manhattan. Dias depois, as paredes estavam pintadas. Toda vez que os pichadores voltavam, a prefeitura entrava em ação. Finalmente, os vândalos desistiram. Agora, Schwartz usa o 311 para tudo, de pedir inspeção de elevadores a coleta de lixo na rua. "Estou animadíssima com o serviço", diz. "Ele profissionaliza a cidade."

No começo deste ano, numa reunião matinal com os principais funcionários municipais, as grandes portas da sala de conferências da prefeitura chamaram a atenção de Bloomberg. Elas eram de madeira. Como é que pode? Bloomberg imaginara deixar o prédio da prefeitura "transparente". Todas as salas de reuniões tinham portas de vidro, de modo que qualquer um poderia ver o que estava acontecendo do lado de dentro. Sua mesa e as de seu staff estavam agrupadas numa sala sem paredes, para facilitar e agilizar a comunicação. No final daquela semana mesmo, a sala de conferências da prefeitura estava com portas de vidro.

Bloomberg também vem tentando abrir mais a administração e suas secretarias. Numa tarefa que inicialmente coube aos diretores do orçamento da cidade, o próprio Bloomberg faz todos os anos três apresentações sobre o Orçamento no mesmo dia: uma para a câmara municipal, outra para os outros funcionários eleitos pelo voto popular, e uma para a imprensa. Ele usa gráficos a tabelas fáceis de serem acompanhados, no que se parece com uma apresentação em Power Point do presidente de uma empresa para analistas. Com isso, espera que, explicando as forças que moldam a economia da cidade, surja uma melhor compreensão de suas prioridades fiscais e de gastos. Aquilo não só o ajudou nas negociações do orçamento com a câmara municipal como promoveu uma relação mais tranqüila com grupos de defesa do cidadão, afirma Mitchell Moss, professor de planejamento e política urbana da Universidade de Nova York.

E mais: os cidadãos podem observar, como nunca antes, a administração municipal de perto. O relatório semestral do prefeito sobre a administração já chegou a superar as mil páginas em três volumes impressos. Hoje, o relatório - que avalia a prestação de serviços pela prefeitura - tem 186 páginas, está disponível online e inclui muito mais informações, como dados sobre os bairros e tendências de cinco anos que permitem aos nova-iorquinos comparar o passado com o presente. Além disso, os planos de prefeitura e o Orçamento, outrora documentos complicados com apenas os sumários disponíveis online, estão agora totalmente acessíveis no site da prefeitura. Antes, um nova-iorquino nunca conseguia certos dados sobre gastos de uma repartição. Os custos eram apresentados num único número. Agora, cada secretaria é obrigada a desmembrar os números.

A primeira coisa que a maioria dos políticos faz quando consegue uma pasta é ocupar os principais cargos com pessoas às quais deve favores ou com quem tem laços de longa data no establishment político. Bloomberg chegou à prefeitura sem essas dívidas. Isso em parte porque ele mesmo financiou sua campanha. Mas ele diz que, mesmo que não tivesse feito isso, ainda teria recrutado seus auxiliares com base na capacidade de eles definirem metas e depois cumpri-las.

E, no geral, é isso que ele tem feito. Como era de esperar, ele recorreu à comunidade empresarial, nomeando um ex-sócio da firma de private equity Oak Hill Capital Partners, Daniel Doctoroff, para comandar a secretaria de Desenvolvimento Econômico de Nova York. E levou consigo quatro executivos da Bloomberg. Um deles foi Katherine Oliver. Bloomberg tinha em mente uma missão de recuperação para ela na Secretaria de Cinema, Teatro e Radiodifusão.

Oliver estava trabalhando em Londres, supervisionando as operações globais de rádio e televisão da Bloomberg, quando recebeu o convite. As ordens que recebeu do prefeito foram simples: construir uma organização de serviços ao cliente. Ela não tinha idéia do quanto a secretaria de Cinema precisava ser modernizada e ganhar um foco novo. Toronto e Louisiana, entre outros lugares, estavam roubando negócios de Nova York. Produtoras foram convidadas a visitar a secretaria e a se cadastrarem. E, para surpresa de Oliver, a secretaria tinha apenas um computador. A maior parte do staff "pilotava" máquinas de escrever elétricas.

Um mês depois de sua chegada, seus 22 funcionários tinham novos computadores de tela plana e as produtoras podiam solicitar licenças de trabalho pela internet. Desde então, as aprovações subiram de 200 por semana, em 2002, para 200 por dia. Oliver também colocou um arquivo de fotografias no site da secretaria na internet, permitindo aos produtores garimpar locações sem sair do escritório. Ela começou a oferecer um crédito fiscal combinado de 15% para produções de cinema e TV que realizam pelo menos 75% de suas cenas externas na cidade. Oliver diz que o programa já gerou US$ 2,4 bilhões em novos negócios e 10 mil novos empregos desde 2005. Ela ofereceu a cineastas espaço publicitário grátis em mobiliário da prefeitura. E formou uma equipe de 33 policiais para facilitar filmagens na cidade. "Tentamos olhar para isso como uma relação de negócios", diz Oliver. "Esse é um microcosmo do que Bloomberg gostaria de fazer na cidade inteira."

A indústria do cinema não tem do que reclamar. O veterano produtor Michael Tadross diz que a secretaria de cinema da cidade está muito mais eficiente. "Você recebe mapas, diagramas e sugestões de onde filmar, em reuniões com o pessoal da secretaria", diz Tadross, que acaba de concluir uma filmagem em Nova York. "Sempre achei que as grandes cidades deveriam ser administradas por empresários, e não por políticos."

"Uma grande parte das atribuições do presidente de uma empresa é assumir a responsabilidade final pelos riscos e decisões tomados. Truman estava certo." Assim escreveu Bloomberg em sua autobiografia de 1997, "Bloomberg by Bloomberg". O prefeito está assumindo riscos com uma desconsideração quase atrevida pelas repercussões políticas. Às vezes funciona: a polêmica lei que proibiu o fumo em bares e restaurantes está sendo copiada por outras cidades. Às vezes não funciona: numa derrota esmagadora, ele perdeu para Londres a disputa para sediar as Olimpíadas de 2012.

Bloomberg recentemente refletiu sobre esse revés. "Nos negócios, você recompensa as pessoas pela tomada de riscos. Quando isso não funciona, você as promove, pois elas estavam dispostas a tentar coisas novas. Se as pessoas chegam até mim e dizem que esquiaram o dia inteiro e não caíram uma única vez, eu digo a elas para tentar uma montanha diferente." Ele acrescenta: "Eu sempre brinquei dizendo que a diferença entre ter coragem de defender suas convicções e ser teimoso está nos resultados".

Bloomberg ainda tem dois anos e meio pela frente neste segundo mandato e, portanto, é um pouco cedo para falar em seu legado. Mas a influência desse bilionário "self-made" será sentida por gerações de políticos. Um deles é Adrian Fenty, 36. O prefeito de Washington adotou na prefeitura o estilo redação de jornal, que Bloomberg tomou emprestado de sua própria empresa, e agora está tentando uma reorganização ao estilo Bloomberg nas escolas municipais, que têm problemas crônicos.

O que Bloomberg aprendeu como prefeito? "O mundo real, seja o dos negócios ou o governo, exige que você não salte logo para o fim do jogo", diz. "Você precisa seguir passo a passo. Algumas pessoas ficam imobilizadas quando se deparam com um obstáculo. Minha resposta é, 'bem, é uma pena que ele esteja aí, mas agora para onde mais podemos ir? Vamos resolver o problema'."


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