domingo, 2 de agosto de 2009

Como cultivar uma carteira verde

Investir em empresas que se preocupam com sustentabilidade é uma tendência, mas descobrir quais são elas não é uma missão fácil. Saiba por onde começar

Ao tomar uma decisão de investimento, a primeira ideia que vem à mente de um indivíduo é a de quanto ele poderá ganhar com essa operação. A segunda é em quanto tempo ele ganhará. A terceira é até quando ele deverá permanecer com tal investimento. Até aí, nada de anormal. Afinal, não é crime querer obter o melhor rendimento em uma aplicação financeira. A diferença é que, de uns tempos para cá, o capitalismo egoísta e impiedoso abriu espaço para novas susvariantes muito mais brandas e vistosas aos olhos da sociedade.

Empresas de capital aberto que investem em sustentabilidade empresarial, ambiental e social são cada vez mais observadas pelo mercado e despertam a curiosidade dos investidores. Eles, com razão, querem saber o que há de tão sustentável em tais companhias e por que devem investir nelas. Se fizerem boas escolhas na bolsa, poderão ajudar a mudar o mundo para melhor, imaginam. Será? O economista Adam Smith, em seu A Riqueza das Nações, já dissertava no século XVII sobre isso."Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo."

Investir em companhias cujo impacto ambiental e social é mitigado por ações de sustentabilidade é uma das formas, ainda que egoísta, de amenizar o sentimento de culpa pela progressiva deterioração do planeta, pelas diferenças sociais e pelos demais males que assolam a humanidade. Mas como escolher uma companhia que mereça as suas economias? O Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) é a referência da BM&FBovespa para as empresas consideradas sustentáveis. Foi elaborado pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo e leva em conta parâmetros de liquidez, transparência, governança corporativa e ações ambientais.

Ao todo, é composto por 29 empresas, como Braskem, Natura, Eletropaulo, Cemig, Gerdau e Banco do Brasil. Atualmente, o Itaú Unibanco ocupa a parte majoritária da carteira do índice, compondo 28,6% da carteira. O Bradesco vem em segundo lugar, correspondendo a 22,2%. Juntos, os bancos representam 55,8% da carteira do ISE. O índice acumula 29% de rentabilidade em 2009, abaixo dos 45% do Ibovespa.

Para fazer parte do ISE, a burocracia é grande. É preciso responder a inúmeros questionários e comprovar cada resposta com evidências físicas do que está sendo feito de sustentável em uma empresa. "O mais difícil é a empresa estruturar a maneira de provar para a bolsa o que está sendo feito de sustentável.

Os bancos saem na frente porque têm orçamento maior para investir nisso", avalia Ricardo Almeida, professor de finanças do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Apesar de ser uma ferramenta comparativa útil para os gestores de fundos socialmente responsáveis, o ISE não é uma unanimidade e gera discussões sobre as atividades das empresas que o formam. Até novembro de 2008, a Petrobras constava na carteira do índice.

A gigante brasileira é uma grande incentivadora cultural, adota boas práticas de governança corporativa e investe grandes quantias em obras sociais. Mas como a extração e o refino de petróleo é uma atividade poluente e o combustível não é renovável, o setor é muito criticado pelos ambientalistas. Uma polêmica envolvendo o teor de enxofre no combustível da Petrobras acabou resultando em sua exclusão do ISE. A empresa continua sendo a principal ação no Ibovespa.

Outro exemplo controverso é a VCP, que faz parte do índice e tem uma forte política de reflorestamento. Ao comprar recentemente a Aracruz, a VCP pagou o valor mínimo por ação a seus minoritários, que se queixaram de pouca transparência e governança corporativa ruim. A Embraer também faz parte da carteira sustentável da bolsa. Grande fabricante de aeronaves comerciais, a companhia também fabrica aviões militares.

"É difícil considerar sustentável uma empresa que tenha ganhos expressivos no setor da guerra. Esse setor não é sustentável, assim como o de materiais fósseis e tabaco, por exemplo", explica o economista Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra.

As empresas do setor de tabaco, por mais que tenham transparência, governança, façam reflorestamento e invistam em ações sociais, sempre vão constar na lista das menos sustentáveis. Tanto é que a gigante Previ, fundação de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, anunciou há poucos dias que venderá sua participação de 2% na Souza Cruz. A companhia está há mais de 20 anos na carteira da Previ.

"Financiar algo que não é sustentável é o mesmo que admitir a não sustentabilidade", afirma Jean Philippe Leroy, diretor de relações com o mercado do Bradesco. O banco tem arrochado o crédito a empresas que não possuem boas práticas de governança e sustentabilidade, a exemplo do Banco Real, que foi o primeiro a adotar esse princípio sob a gestão de Fabio Barbosa, hoje no comando do Grupo Santander no Brasil. O banco espanhol pretende fazer uma emissão acionária de peso na bolsa brasileira mas sua imagem ainda está longe da aura de sustentabilidade plantada por Barbosa em sua época de Real.

O executivo promete que isso irá mudar. "A sustentabilidade continua sendo um forte pilar do Grupo Santander Brasil. Continuamos engajados nessa proposta com total apoio da matriz, pois entendemos que a sociedade mudou e que as empresas que estiverem mais preparadas para lidar com esse assunto estarão mais bem posicionadas", disse Barbosa à DINHEIRO . O investidor precisa entender que nem sempre uma empresa adepta de ações ambientais será uma empresa totalmente sustentável. Um exemplo disso é a Brasil Ecodiesel, produtora de biodiesel feito à base de soja e mamona. Apesar de fabricar um combustível bem menos poluente, erros de gestão fizeram com que as ações da empresa caíssem 91% em 2008, exigindo uma completa reestruturação.

"Não adianta nada ter uma empresa que faça um produto ecológico correto e não tenha chances de sobreviver no longo prazo. Sustentabilidade é todo um conjunto, não são ações esparsas", afirma Reginaldo Alexandre, diretor da Apimec-SP. A companhia diz que busca a sustentabilidade acima de tudo. "Não acreditamos em soluções mágicas, mas sim em perseguir os valores de sustentabilidade que nortearam a criação da empresa", afirma Marcos Leite, diretor de relações com investidores da Brasil Ecodiesel.

Saber ao certo quais empresas são as mais sustentáveis não é fácil. E talvez nunca ninguém saberá. São tantas as nuances e as mudanças que podem ocorrer em uma companhia em um curto período de tempo que o conceito de sustentabilidade nem sempre será perene. O investidor mais curioso, informado e atencioso poderá sair na frente. "Ele deve procurar nos sites das empresas o relatório de sustentabilidade e de resultados, ligar para o departamento de RI e perguntar o que a empresa faz para merecer o investimento dele", aconselha Almeida. Outra opção é exigir mais comprometimento nas empresas nas quais já investe.

"O poder real de mudar as empresas está na mão dos acionistas. Eles podem pedir isso. E quanto mais ganhos de curto prazo eles quiserem, mais inviável será para uma empresa se manter sustentável", afirma o professor. O paradoxo entre lucro e sustentabilidade é uma discussão antiga e complexa, mas não é de impossível resolução. Barbosa, que tanto trabalhou essa questão, não vê dificuldade em desmembrá-la. "Cada vez mais o mercado busca formas de mostrar que ser sustentável também significa ser rentável. E esse é um caminho sem volta."




Boletim IstoÉ Dinheiro - Edição 617
Ana Clara Costa


Nenhum comentário:



Acesse esta Agenda

Clicando no botão ao lado você pode se inscrever nesta Agenda e receber as novidades em seu email:
BlogBlogs.Com.Br