sábado, 28 de fevereiro de 2009

Governo local pela sustentabilidade

Associação internacional de governos locais e outras organizações governamentais voltada para questões ambientais, o ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade conta mais de 1.000 membros em todo o mundo, entre cidades, municípios e associações. “Nossa missão é fazer com que ações cumulativas no nível local influenciem o global”, explica a arquiteta Laura Valente, diretora-regional para América Latina e Caribe. Para tanto, o ICLEI orienta e estimula os governos locais na implementação de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável. Por conta de sua abrangência e urgência, as mudanças climáticas tornaram-se um dos principais temas de atuação da instituição e deram origem ao projeto Cidades pela Proteção do Clima. Nesta entrevista, Laura, que é mestre em gestão ambiental e está no ICLEI desde 2002, fala sobre o papel dos governos locais e como podem colaborar para o enfrentamento do aquecimento global.
Clima em Revista - Por que as mudanças climáticas tornaram-se foco de atuação de uma instituição como o ICLEI, voltada para o desenvolvimento sustentável no nível local?
Laura Valente - O ICLEI começou nos Estados Unidos, nos anos 1990, com um grupo representativo de governos locais, voltado para meio ambiente, sustentabilidade e, desde o início, também o clima. A inspiração foi a experiência de Toronto, no Canadá, que em 1989 já havia feito um levantamento de emissões, propôs um plano de ação e conseguiu diminuir suas emissões. A instituição é formada por um conselho democrático onde os membros têm voto. Uma de suas primeiras iniciativas foi a coordenação do capítulo 28 da Agenda 21, sobre governos locais e, depois, o desenvolvimento do Manual da Agenda 21 Local. Ainda em 1992, com a assinatura da Convenção do Clima, o Iclei lançou a campanha Cidades pela Proteção do Clima em 14 cidades dos EUA. Com isso, criou uma metodologia que possibilitou que virasse uma grande linha de atuação do Iclei desde 1993. Basicamente consiste em um software para cálculo de emissões nos municípios cujo foco de atenção, no princípio, era o consumo, nas áreas de geração de energia, transporte e lixo. Naquela época, a atuação era toda no Hemisfério Norte e o desmatamento e o uso do solo não eram considerados uma preocupação. Com o tempo, as atividades passaram a acontecer também nos países do Sul, num primeiro momento com recursos de projetos do Norte, através de troca de experiências. Nessa época, ainda nos anos 1990, o que mais se fez foi Agenda 21 Local. No Brasil, participaram cidades como Porto Alegre (RS), Angra dos Reis (RJ), Belo Horizonte e Betim (MG).
Clima em Revista - Especificamente com mudanças climáticas, quais são os municípios brasileiros que participam da campanha?
Laura Valente - O ICLEI foi a primeira organização em nível internacional a fazer projeto de redução de efeito estufa em nível de municípios. Hoje são mais de 700 cidades. No Brasil, onde a campanha teve início em 2000, são sete (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Betim, Goiânia, Volta Redonda e Palmas) e Belo Horizonte está entrando. Todas essas fizeram inventário de emissões, usando a metodologia desenvolvida especialmente para a América Latina, onde a campanha está presente também em Tomé, no Chile, e em Buenos Aires e Avellaneda, na Argentina.

Clima em Revista - Além do inventário, quais tipos de atividades esses municípios desenvolvem?
Laura Valente - O enfoque continua sendo em transporte, fonte de energia e lixo. Mas no Brasil, onde a energia é relativamente limpa, os principais são transporte e lixo, também por serem competência municipal. O inventário tem influenciado políticas e sido catalisador de ações que já estavam sendo empreendidas. Participar da campanha também propiciou a essas cidades conhecer experiências de outros locais. Entre os projetos implantados há mudança na frota de automóveis municipais, implantação de coleta seletiva e aterros sanitários. O aterro sanitário de Betim é modelo, por queimar metano, o que já diminui a emissão de gases de efeito estufa. Quando se aproveita a energia dessa queima, como acontece em São Paulo, é ainda melhor. Em Porto Alegre já havia trabalho para melhorar o transporte público, mas incluíram também um programa de eco-direção, para melhorar a maneira de dirigir.

Clima em Revista - No Brasil, o ICLEI está começando também um trabalho com os governos dos estados do Mato Grosso, Bahia e Pernambuco. Por que trabalhar também com essa instância?
Laura Valente - Em alguns países, é muito importante a articulação entre os municípios e o governo central. No caso do Brasil, somos uma federação de estados onde não existe uma autoridade metropolitana, embora tenhamos uma população altamente urbanizada. O governo estadual é o responsável por essa visão articulada de políticas que envolvem ações voltadas para questões como a qualidade do ar, transportes, biomas ou bacias hidrográficas. Particularmente nas questões relacionadas ao clima, essa articulação entre os três níveis de poder que os estados fazem pode ser bastante eficiente. Nesse sentido, foi criado o programa Apoiando a Ação Estadual de Enfrentamento às Mudanças Climáticas - PEClima, como parte da campanha Cidades pela Proteção do Clima, para apoiar ações de governo em torno de um assunto relevante para os estados e sua população. Um dos focos do programa é a criação e consolidação dos Fóruns Estaduais de Mudança Climática.
Clima em Revista - Por que focar no governo local é tão importante?
Laura Valente - Na verdade, os poderes são diferentes e cada nível de governo tem o seu papel, mas deve haver integração entre eles. O governo local trata das questões do dia a dia. O legislador e o executivo municipais agem diretamente na vida do cidadão. Quando agem de forma correta são mais eficazes na percepção e na educação das pessoas. As medidas municipais são mais acessíveis ao cidadão, pois as pessoas moram na cidade. O estado tem um papel muito importante, pois, como meio ambiente não tem fronteira, é a instância que faz a amarração. O governo nacional dá identidade à questão mais geral. Mas o poder transformador, sem dúvida, é maior no nível local - é o concreto.

Clima em Revista - Em geral, os municípios brasileiros já se deram conta da importância de sua atuação no combate ao aquecimento global?
Laura Valente - Absolutamente não. Fiquei até surpresa de termos conseguido sete municípios que toparam entrar na campanha e trabalhar com questões climáticas. No Brasil, por ser um país em desenvolvimento, buscamos dar ênfase na sustentabilidade local mais do que na questão climática global. Mas os municípios que participam também buscam se destacar, estar na liderança no assunto. A indiferença geral, porém, mudou bastante de 2007 para cá. Atribuo muito ao filme do Al Gore (Uma verdade inconveniente), que trouxe visibilidade ao tema, mais até do que o relatório do IPCC.
Clima em Revista - Em que medida o cidadão pode colaborar para que os municípios tenham maior protagonismo em relação às suas emissões?
Laura Valente - Hoje, o brasileiro está começando a fazer link do que está acontecendo no mundo, que é o clima global tendo impacto na vida local. Esta é apenas a primeira etapa, pois ainda não fez o link com seu comportamento pessoal e como isso contribui. É só ver os carrões que ainda compram; as pessoas são viciadas em carros. O estilo de vida urbano é em relação ao automóvel. Falta entender que o consumo é ato de poder - e ato político. Quando toma decisão sobre compra, está mexendo com todo um sistema.

Clima em Revista - Que tipo de medida a administração municipal pode adotar para diminuir suas emissões?
Laura Valente - Depende da escala do município, mas algumas medidas são universais. A primeira coisa, que é imediatamente perceptível, é educação e fiscalização no trânsito. Quando se cria um cidadão mais educado, ele vai exigir coisas melhores. O governo local precisa, também, trabalhar a mobilidade, que significa uma gestão para mobilidade e não para o tráfego de veículos, o que inclui calçadas, ciclovias, sinalização etc. Além disso, toda a estrutura municipal, que inclui lideranças e servidores, deve dar o exemplo, com medidas como: ter uma frota de automóvel limpa, não cometer infrações, ter coleta seletiva e programas de eficiência energética nos prédios públicos, ter tudo legalizado na obras e prédios públicos, praticar compras sustentáveis.


Maura Campanili
Fonte: Clima em Revista, n° 10, Fevereiro de 2009. IPAM/CES-FGV
Envolverde, 28/02/09
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