sábado, 28 de fevereiro de 2009

Crise global já atinge financiamento de ONGs

A crise financeira mundial - que teve origem nos Estados Unidos, contaminou outros países, derrubou mercados, colocou grandes economias em recessão e estatizou bancos - já atinge os programas de ajuda financeira de nações ricas para aquelas em desenvolvimento. Relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) classifica como crítico o nível das doações feitas pelos países ricos e os convoca para aumentar essa ajuda. Apesar dos doadores terem se comprometido a elevar a ajuda em 50 bilhões de dólares (cerca de 117 bilhões de reais) até 2010, em relação a 2004, o estudo da OCDE constatou que ainda faltam 30 bilhões de dólares (cerca de 70 bilhões de reais) para a atingir a meta. O relatório foi divulgado pouco antes de a Irlanda anunciar um corte de 95 milhões de euros (aproximadamente 278 milhões de reais ) no seu programa de assistência. Antes, a Itália tinha feito o mesmo.

Uma significativa parte desses recursos financia projetos das organizações não-governamentais (ONGs) em vários países. O Brasil, que já foi prioridade das nações doadoras, vem sofrendo uma redução de destinação desses recursos desde que a economia brasileira passou a dar sinais positivos. Segundo o relatório, o Brasil deverá registrar uma queda de 25% no período 2005-2010 em termos de ajuda recebida, apesar de a América do Sul crescer 18% nas estimativas para esse mesmo período.

Desculpa
Na opinião do diretor executivo da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), José Antônio Moroni, essa retração de financiamento é uma questão antiga e tem origem no questionamento de políticos e setores da sociedade de alguns países do hemisfério norte sobre a ajuda ao desenvolvimento com base no argumento de que eles também têm problemas sociais que não foram resolvidos, além de um "certo preconceito". Para ele, "a crise esta servindo apenas como um argumento a mais neste debate".

Segundo Moroni, as ONGs brasileiras mais atingidas pela diminuição de recursos estrangeiros são as que atuam com direitos humanos e a construção de um novo modelo de desenvolvimento. "Estamos procurando ter a nossa autossustentabilidade. Isso não está sendo fácil. O Brasil não é um país solidário. As empresas até têm recursos para ajudar, mas não se interessam em patrocinar projetos na área de direitos humanos", desabafa Raimunda Bezerra, que trabalha no Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre (CDDHEP/AC). A ONG que foi fundada em 1990 na capital do estado, Rio Branco, atende cerca de 150 casos por ano. A única ajuda internacional que recebe vem da França, no valor anual de 40.000 reais, referente a um projeto aprovado no ano passado para os próximos três anos.

'Seleção natural'
No total, cerca de 225 agências bilaterais e 242 multilaterais financiam aproximadamente 35.000 atividades por ano ao redor do mundo com a finalidade de alcançar os objetivos de desenvolvimento do milênio, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas. Juntas, elas têm um orçamento que chegou a 107,1 bilhões de dólares (cerca de 250 bilhões de reais) em 2005; em 2007, já estava em 95 bilhões de dólares. Três dessas instituições multilaterais - Comissão Europeia, Banco Mundial e as Nações Unidas - são responsáveis por 30% de toda a ajuda global.

Em sua apresentação do relatório, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, diz que "a crise está nos ensinando muito sobre a nossa vulnerabilidade e interdependência, mas também está mostrando que temos uma extraordinária capacidade de cooperar e encontrar entendimentos comuns e dividir soluções entre nações". Para Rodrigo Baggio, diretor executivo do Comitê para Democratização da Informática (CDI), as ONGs vivem um "processo de seleção natural" que as fará adotarem padrões cada vez mais parecidos com uma empresa. "Elas vão ter de buscar um diferencial com foco em resultado, corte de custos, eficiência, qualidade de gestão, indicadores de resultados e transparências", diz.

Baggio acredita que somente assim as ONGs brasileiras poderão disputar investimentos estrangeiros, que nos últimos anos têm sido direcionados principalmente para os países da África. O continente, com exceção do norte do Saara, deverá chegar a 2010 recebendo 34% mais recursos do que o registrado em 2005, segundo o estudo da OCDE.

Cultura
O diretor de política ambiental da ONG Conservação Internacional (CI) do Brasil, Paulo Gustavo Prado, prevê que a situação possa piorar com a possibilidade de o Reino Unido fazer alguns ajustes no seu programa de assistência ao desenvolvimento. O país está entre os maiores doadores do mundo. Cerca de 80% dos recursos da CI vêm do estrangeiro por meio de acordos com agências multilaterais e fundos norueguês, inglês e alemão. "Mas o nosso maior doador são os doadores privados e fundações e filantropia americanas", explica Prado.

Com uma verba anual de 11,7 milhões, a ONG, que nasceu nos Estados Unidos, está presente em 43 países. No Brasil, repassa 60% de seus recursos a 159 outras ONGs e institutos brasileiros. Apesar da crise e dos indicativos de cortes dos países desenvolvidos nas ajudas internacionais, Prado é otimista quanto à continuidade dos investimentos estrangeiros. "Aqui no Brasil o universo não é muito amigável para doações, salvo as feitas por empresas para cultura e esportes. Nos países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos e União Europeia, existe uma cultura de doação por pessoas físicas, coisa que ainda estamos longe de alcançar no nosso país", ressalta.


Luiz de França
Veja Online, 27/02/09


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