quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Conferência discute Felicidade Interna Bruta

Índice internacional vira tema de encontro e secretário paulistano considera a possibilidade de aplicar avaliação.

Há muito tempo, questiona-se a eficácia de medir progresso através do crescimento do PIB - Produto Interno Bruto. Este índice mede o quanto cresceu a produção industrial e o consumo, sem medir a conservação do meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas.

Em meio a crise global, com governos e mercados preocupados com uma possível recessão mundial, há quem defenda que a busca por crescimento econômico está matando o planeta e precisa ser revista. Na busca por um índice mais eficaz do ponto de vista do Desenvolvimento Sustentável, foram criados no Butão, critérios que medem a Felicidade Interna Bruta (FIB). O FIB mede o progresso levando em consideração as dimensões sociais, ambientais, espirituais e econômicas.

Para divulgar este índice, aconteceu na quarta-feira (29), em São Paulo, uma conferência que contou com a participação de Karma Dasho Ura, coordenador das pesquisas sobre FIB no Butão, Michael Pennock, consultor sobre o Índice de Genuíno Progresso no Canadá, Susan Andrews, coordenadora da ecovila Parque Ecológico Visão Futuro e Ladislau Dowbor, economista e professor da PUC-SP.

Inspirada numa idéia de um país tão distante quanto o Butão, pequena nação asiática incrustada no meio do Himalaia, São Paulo pensa agora em medir o progresso com base na felicidade de seus cidadãos. O conceito de FIB, instituído no Butão em 1972, com a proposta de incorporar conceitos díspares como felicidade e progresso, alegria e desenvolvimento econômico, contam, desde já, com apoiadores dentro da administração municipal.

“A idéia do FIB é incorporar a felicidade - medida por critérios técnicos em questionários de até 150 perguntas - aos índices de desenvolvimento de uma cidade, Estado ou país”, explica a psicóloga e antropóloga Susan Andrews, organizadora da 1ª Conferência Nacional sobre FIB. Para medir o FIB, a percepção dos cidadãos em relação a sua felicidade é analisada em nove dimensões: padrão de vida econômica, critérios de governança, educação de qualidade, saúde, vitalidade comunitária, proteção ambiental, acesso à cultura, gerenciamento equilibrado do tempo e bem-estar psicológico.

“O FIB situa a felicidade como pivô do desenvolvimento, em oposição ao PIB (Produto Interno Bruto, que é a soma das transações econômicas de uma nação), que falha por não contabilizar os custos ambientais e inclui formas de crescimento econômico prejudiciais ao bem-estar da sociedade, como o corte de árvores”, afirma Susan.

Para ela, os bons resultados no Butão chamaram a atenção da ONU (Organização das Nações Unidas), que passou a estudar a implementação do exemplo butanês em outros países. Uma versão internacional está sendo elaborada no Canadá, com aplicação prática prevista para este ano. Karma Dasho Ura, coordenador das pesquisas sobre FIB no Butão, conta que mesmo com as diferenças visíveis entre o Butão e o Brasil (o país é do tamanho do estado do Rio de Janeiro, conta ainda com grande parte do território intocado e preserva a herança budista de respeito a vida), é possível adaptar o FIB para a realidade daqui. “Basta mostrar às pessoas que elas podem fazer uma auto-avaliação de suas condições de vida, direcionando-a para caminhos melhores”, afirma ele.

Segundo Michael Pennock, consultor sobre o Índice de Genuíno Progresso no Canadá, a métrica do PIB é muito estreita enquanto medida de bem-estar. “Precisamos repensar a maneira como estamos medindo o progresso. O FIB é mais abrangente que o PIB e, diferentemente do que muita gente imagina, é sim baseado em métodos científicos e não em questões filosóficas e religiosas”.

Pennock é categórico: “nesse momento de crise e instabilidade constatamos que nossos paradigmas precisam ser modificados. Esse turbilhão, embora penoso, será uma grande maré para mostrarmos a importância do FIB”.

Butão e Brasil
Até o início da década de 1970, uma brutal política de isolamento levou o Butão a concentrar os mais altos índices de pobreza, analfabetismo e mortalidade infantil do planeta. Em 1972, juntamente com a abertura econômica, o recém-empossado rei Jigme Singye Wangchuck criou o conceito de Felicidade Interna Bruta, para redefinir o significado de desenvolvimento social e econômico.

Hoje o Butão - cuja capital, Thimphu, com 50 mil habitantes, não possui semáforos e só conheceu televisão e internet em 1999 -, vê os índices de analfabetismo e mortalidade infantil despencarem, a economia se recuperar e as belezas naturais continuarem intactas, com 28% de seu território delimitado por parques nacionais. Desde o fim da década de 1990, observadores da ONU viajam ao País anualmente para estudar o jeito butanês de levar a vida. “As mudanças foram reflexo da maneira como os butaneses passaram a observar a vida, valorizando somente o que realmente interessa”, afirma Susan. “Eles se dizem, hoje, o povo mais feliz do planeta.”

No Brasil, um protótipo de FIB foi colocado em prática em abril, em Angatuba, a 181 km de São Paulo. Na capital, a idéia já conquistou um primeiro aliado: o secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, que propõe, a partir de 2009, iniciar pesquisas de medição do FIB em subprefeituras da capital. “Seria uma maneira de a cidade contribuir com esse esforço internacional, com adaptações à realidade da metrópole”, disse. “O ideal seria começar numa subprefeitura central, como Pinheiros, e em outra periférica, como Parelheiros. É uma boa sugestão para a próxima gestão.”

Segundo Susan Andrews, o uso equilibrado do tempo é um dos indicadores do FIB. As pesquisas revelaram que falta tempo para muita coisa, tal como cuidar da família, mas em compensação, sobra tempo para ver televisão. “O que está errado? Como melhorar essa relação com o tempo”, questiona ela.

Para pesquisadores, a adoção do FIB, em conjunto com outros indicadores, tem o mérito de informar a população sobre sua percepção de bem-estar. “O PIB foi elaborado na década de 1950 e está defasado há muito como indicador de desenvolvimento de um país. O FIB complementa os indicadores de qualidade de vida, juntamente com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)”, afirma o economista Ladislau Dowbor, consultor da ONU.

Como ressalva, há valores subjetivos que influenciam na avaliação das pessoas sobre a felicidade. “Para quem não tem nada, qualquer melhoria já representa um ganho enorme em relação ao bem-estar”, afirma o economista Flavio Comim, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). “Mas a ONU analisa o indicador com bons olhos.”

O que é avaliado:
1. Padrão de vida econômica
2. Educação de qualidade
3. Saúde
4. Expectativa de vida e longevidade comunitária
5. Proteção ambiental
6. Acesso à cultura
7. Bons critérios de governança
8. Gerenciamento equilibrado do tempo
9. Bem-estar psicológico


Naná Prado, do Mercado Ético
Envolverde, 30/10/08
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