sexta-feira, 11 de abril de 2008

Amazônia tem projeto internacional para evitar desmatamento

O governador do Amazonas, Eduardo Braga, durante assinatura de acordo com Bill Marriott, em Washington D.C., EUA
Foto AGECOM/AM


O primeiro projeto de REDD do Brasil em floresta nativa - a sigla que identifica redução de emissões por desmatamento e degradação das matas - saiu do forno nesta segunda-feira, em Washington, num acordo assinado entre a rede de hotéis Marriott International e o governo do Estado do Amazonas. Por este acerto, hóspedes dos 3 mil hotéis que a rede opera no mundo poderão neutralizar suas emissões de dióxido de carbono doando uma pequena quantia para que árvores da Amazônia continuem em pé. Não se trata de reflorestamento e nem envolve operações de crédito de carbono, o que dá ineditismo à iniciativa. Por um dólar a mais na diária, por exemplo, os hóspedes poderão neutralizar suas emissões de carbono da estadia - o diferencial da proposta é que ninguém vai plantar árvores para que isso aconteça. A garantia dos doadores é que suas emissões foram compensadas porque se evitou desmatar a Amazônia.

A ponta mais evidente desta complexa engenharia verde que vem sendo desenhada pelo governo do Estado do Amazonas e bancada pela Marriott é uma doação de US$ 2 milhões, durante quatro anos, para proteger e implementar a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma. São 590 mil hectares ao sul do Estado, à margem direita do rio Madeira onde vivem 500 pessoas de práticas extrativistas. Ali, a biodiversidade é reconhecidamente rica, com espécies de primatas recém-descobertas.

Os primeiros US$ 500 mil devem ser repassados ao Estado em 180 dias. Os recursos serão aplicados no pagamento do Bolsa-Floresta, no fortalecimento de associações comunitárias, na compra de barcos para transporte escolar, na contratação de professores, na construção de bases de pesquisa, no monitoramento ambiental ou em ações de controle e fiscalização - não faltam planos para tirar uma RDS do papel. Segundo um estudo do Conservation Strategy Fund, o custo para manutenção de um hectare de unidade de conservação na Amazônia é de R$ 6,44. Os recursos da Marriott são, portanto, muito bem-vindos no Estado mais preservado da Amazônia, com 17,4 milhões de hectares de áreas protegidas estaduais - o que equivale a praticamente 70% do território do Estado de São Paulo.

Não se trata, aqui, de apenas mais um projeto de patrocínio para a conservação. O pulo do gato está em testar uma fórmula nova que relacione, na prática, o combate às mudanças climáticas, a preservação da Amazônia, e os viajantes conectados a estas questões, mas que não sabem o que fazer. No final do ano, quando o design desta operação estiver definido, os hóspedes da Marriott compensarão o que emitiram de carbono em sua estadia - num cálculo que levará em conta, principalmente, seu consumo energético - com a reserva de carbono de árvores que estão na reserva do Juma. "Estamos muito empolgados com este projeto", diz Gordon Lambourne, vice presidente de Relações Públicas Globais da Marriott International.

Os cálculos ainda não estão feitos, diz, mas o sistema poderá funcionar da seguinte forma: no check in de um dos 3 mil hotéis que a Marriott opera no mundo, o hóspede será informado que a empresa apóia a preservação de um pedaço da Amazônia e que ele pode contribuir, se quiser. A doação é voluntária e pode ser de um dólar. Feito isso, o cliente fica sabendo que sua estadia será "carbono-neutralizada", um jargão para indicar que o quanto ele tiver emitido em gases de efeito-estufa durante seus dias no hotel, será compensado pela permanência de carbono em árvores amazônicas. A doação dos hóspedes é voluntária e este volume de recursos irá, também, para a RDS do Juma.

E quanto a rede Marriott terá de estoque de carbono amazônico para disponibilizar nas emissões de seus hóspedes? Carlos Rittl, coordenador do centro de mudanças climáticas da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas, esclarece o mecanismo, que tem uma lógica bastante parecida à do fundo de preservação das florestas tropicais que o governo federal tem defendido nas conferências internacionais sobre clima. Segundo o sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a reserva do Juma tem 4.696 hectares desmatados até 2006 - ou 0,8% de sua área total. O problema está no futuro, com a possível pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, ao norte, e da BR-230, a Transamazônica, ao sul, além de outras obras de infra-estrutura. Por este quadro, em 2008, a RDS do Juma pode ter 300 hectares de área desmatada e, em 2009, mais 700 hectares.

As previsões nada otimistas estão em um estudo do cartógrafo Britaldo Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais. O trabalho do professor lista o pior cenário possível na região, se a pressão de desmatamento sobre a reserva se confirmar e caso as ações de prevenção e fiscalização não ocorrerem ou não forem bem-sucedidas. "Se conseguirmos evitar o desmatamento, usaremos o padrão de carbono do IPCC", explica Rittl, referindo-se às estimativas do braço científico das Nações Unidas. Por estes cálculos, um hectare de reserva na Amazônia tem 104,5 toneladas de carbono ou 383 toneladas de dióxido de carbono. A partir daí, calcula-se o quanto a RDS do Juma deixou de emitir e o volume é repassado à Marriott. Não há negociação de créditos de carbono na operação, mas a Bolsa de Chicago é referência para o dispositivo. Ali, a tonelada de carbono tem sido negociada a US$ 3,50.

"O desafio da conservação no mundo é descobrir fontes seguras de recursos", diz Rittl. A operação com a Marriott é montada em um tripé. De um lado, o governo do Amazonas; de outro, a rede hoteleira, e ainda a Fundação Amazônia Sustentável, FAS, que gerenciará os serviços e produtos ambientais das 34 unidades de conservação do Estado. O próximo passo é a rede hoteleira fazer seus cálculos - e nisto será ajudada pela ONG Conservation International. O modelo de REDD será submetido à certificação internacional.

Daniela Chiaretti
Publicado pelo
Valor Online em 11/04/08


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