sexta-feira, 20 de julho de 2007

Florestas em pé, para quê?

Gustavo Faleiros
Publicado pelo
Valor Online em 20/07/2007

Já se faz algum controle florestal, mas não o suficiente para impedir o desmatamento que cria desertos como os já observados em partes de Rondônia
Foto Rodrigo Baleia / Folha Imagem

O combate ao desmatamento de florestas nativas ganhou dimensão política e econômica nunca antes alcançada, graças, em grande medida, à intensificação do debate sobre mudanças climáticas. Com isso, começam a delinear-se perspectivas para o financiamento internacional da preservação de recursos verdes e de todo seu conteúdo de biodiversidade. Persistem, porém, obstáculos à concretização das melhores expectativas a esse respeito, no Brasil, por razões também relacionadas à qualidade da percepção, ultrapassada, que aqui se tem de relações entre uso controlado de recursos naturais e crescimento econômico.

No último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) se reconhece, com grau elevado de certeza, que as emissões causadas por mudanças no uso da terra, ou seja, desmatamentos e queimadas, respondem por até 20% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. É a segunda maior contribuição após o setor de energia. Verificou-se ainda que o modo mais barato de fazer um corte drástico na poluição atmosférica seria evitar a perda de florestas tropicais.

O Banco Mundial dá os primeiros passos para criar um mecanismo internacional de financiamento para países com grandes porções de floresta preservada: vai colocar dinheiro em atividades econômicas que mantenham as árvores de pé e calculará quanto carbono deixará de ser emitido ao se evitar a queima da vegetação. Assim, será possível gerar créditos que serão vendidos a países e empresas que precisam reduzir seus gases estufa. A idéia está em fase preliminar, mas o banco já anunciou que terá US$ 200 milhões para projetos-piloto até 2014.

A criação de instrumentos internacionais de controle sobre as florestas nativas é discutida há algum tempo. Esperava-se que, assim como foram instituídas nas Nações Unidas as convenções para lidar com o clima e a biodiversidade, houvesse um fórum específico para cuidar de questões florestais. O projeto esbarrou na resistência dos países em desenvolvimento (entre eles, o Brasil) em submeter seus recursos naturais a controle internacional. A questão de soberania ainda pesa, mas o aquecimento global abriu as portas para que as nações ricas em biodiversidade sejam instadas a preservá-la. E, assim como durante toda a década de 1990 o crédito internacional esteve atrelado à estabilidade econômica e ao combate à inflação, não é exagero dizer que se caminha para a concessão de financiamentos internacionais condicionados à estabilidade ambiental com controle do desmatamento.

O pesquisador da Universidade de Oxford Andrew Mitchell explica que, além da questão do clima, os países devem discutir como recompensar os serviços providos por ecossistemas preservados. As chuvas de zonas agrícolas estão ligadas à transpiração das áreas com florestas tropicais e por isso a produção deve sustentar a conservação. "Devemos olhar não apenas o clima, mas todo o sistema, e o papel importante que as florestas desempenham."

A idéia de dar maior valor financeiro a ecossistemas preservados tem atraído a atenção de políticos brasileiros. Eduardo Braga (PMDB), governador do Amazonas, foi o precursor no país e seu discurso está sempre pontuado pela retórica do "desmatamento zero". Braga lançou recentemente o Bolsa-Floresta, no qual se propõe pagar até US$ 500 por ano para pequenos proprietários que não derrubarem suas florestas. A disposição de organismos internacionais para financiar idéias como essa interessou também o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS). Sempre criticado por liderar o Estado com os mais altos índices de destruição da floresta amazônica, Maggi, um dos maiores produtores de soja do país, defende a idéia de que não se derrube nem mais uma árvore sequer. Para isso, diz, os produtores devem ser recompensados financeiramente.

Com poucas exceções, a maioria dos países promoveu notável destruição da vegetação nativa durante os ciclos de prosperidade. No Brasil, mesmo os ciclos econômicos pré-industriais foram calcados na destruição da Mata Atlântica. Hoje, são os países pobres que mais desmatam, como se vê no relatório bianual "O Estado das Florestas no Mundo", da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), publicado em março. Entre 2000 e 2005, o planeta perdeu 7,3 milhões de hectares de florestas.

A África responde por 55% do desmatamento mundial. O Brasil é o país que, isoladamente, mais destrói florestas em todo o mundo. Entretanto, registra-se na Europa um crescimento de 7% nas áreas florestadas, desde 1990. Na América do Norte, o panorama não chega a ser de crescimento, mas de estabilidade. Nos últimos 15 anos, americanos e canadenses reflorestaram vegetação no mesmo ritmo em que suprimiram.

Portanto, pode ser equivocada a concepção, largamente difundida no debate ambiental - e muito cara ao governo Lula - de que riqueza e progresso estão associados a danos ao ambiente. Diz Giuseppe Topa, especialista em florestas do Banco Mundial, que na bacia do Congo, região com as maiores extensões de floresta tropical após a do rio Amazonas, o desmatamento e a pobreza estão intimimamente ligados. Lá, as pessoas esgotam os recursos naturais e se tornam cada vez mais miseráveis.

Em alguns países da Ásia, o crescimento econômico incentivou investimentos na recuperação e conservação de florestas. O Oriente distante, que exclui a Rússia e os países árabes, teve aumento de 1,6% das áreas com floresta entre 2000 e 2005. Isso ocorreu graças à China, país com as mais altas taxas de crescimento econômico no globo, que planta 4 milhões de hectares de árvores todos os anos.

Nos últimos dois anos, a taxa de desmatamento na Amazônia caiu pela metade, de 2,6 milhões de hectares/ano para algo como 1,3 milhão de hectares. Mas o quê não se sabe ainda é se essa queda tem relação com políticas públicas do governo Lula, que colocou a Polícia Federal no encalço de madeireiras ilegais, ou reflete a queda no preço de commodities agrícolas, que teria reduzido o ímpeto da ocupação de terras por fazendas de soja e gado.

De toda forma, parece haver um movimento relativamente forte de valorização dos ativos da floresta nativa brasileira. Para além da retórica do desmatamento zero, há grupos de pesquisadores, principalmente na Embrapa, empenhados em verificar como se pode aumentar a produtividade agrícola de áreas que já estejam desmatadas, para não se avançar em zonas preservadas. Ao mesmo tempo, o governo federal, através de concessões públicas para a exploração florestal, tenta legalizar a produção de madeira e outros bens florestais. O mesmo modelo está sendo reproduzido no Pará, no Acre e outros Estados.

Criar uma economia florestal forte é uma saída para conservar as florestas, gerar desenvolvimento regional e contribuir para o controle do aquecimento global. A tese foi defendida recentemente, em entrevista ao Valor, pelo pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). "Nós, a SBPC, a Academia Brasileira de Ciências e vários cientistas estamos propondo verdadeira revolução científica e tecnológica na Amazônia, que desenvolva as bases empresariais, sociais e econômicas de uma economia baseada no valor da biodiversidade", afirmou Nobre.

O combate ao aquecimento global traz uma boa oportunidade para se aumentar o valor econômico das florestas. No xadrez das negociações internacionais da Convenção das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, países desenvolvidos mostram-se razoavelmente dispostos a financiar nações emergentes, como o Brasil, que se disponham a coibir a degradação de regiões preservadas. No entanto, a maior dificuldade está em como arquitetar um sistema no qual os países que recebam recursos possam comprovar que estão realmente barrando a degradação. Isso exigiria investimentos em monitoramento e fiscalização.

"Transparência é peça-chave no combate ao desmatamento", argumenta Mike Packer, diretor da Globe International, organização que promove encontros entre parlamentares do G8 com representantes das economias emergentes, como Brasil, China e Índia. A Globe está elaborando propostas para aumentar a governança sobre as atividades florestais nos países em desenvolvimento. Isso inclui desde a criação de mapas com todas as áreas cobertas com vegetação nativa até estabelecer políticas de acompanhamento das taxas de desflorestamento, algo que já ocorre na Amazônia brasileira, mas está longe de se tornar realidade em países africanos.

Aumentar o controle e transparência, embora essencial para concretizar um mecanismo internacional de financiamento para a conservação de florestas nativas, ainda gera resistências em boa parte dos diplomatas do governo Lula. Nas negociações do novo acordo para o combate às mudanças climáticas, que substituirá o Tratado de Kyoto em 2013, a diplomacia brasileira não quer ver a comunidade internacional determinando quais serão os limites para a degradação em solo nacional. Conter o desmatamento, afinal, significa interferir na questão agrícola e fundiária em nível doméstico. Sem metas claras, mesmo que não sejam ambiciosas como o desmatamento zero, será difícil ver dinheiro saindo dos países ricos.


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