sexta-feira, 20 de julho de 2007

Criação cultural sustentável

Por Jorge Felix
Publicado pelo
Valor Online em 20/07/07

Tolila: "Pode haver a co-existência de uma indústria e de uma criação artística. Até porque a criação artística é a base da indústria. A indústria funciona sobre a lógica do mercado, mas precisa da novidade"
Foto: divulgação

A cultura pode ser uma mercadoria valiosa e contribuir de forma significativa para o crescimento econômico de um país. É possível sustentar uma produção artística independente e, em paralelo, uma indústria de massa - sempre prejuízo à criação. O economista francês Paul Tolila viaja o mundo para defender essas teses tão polêmicas. Ou melhor, que provocaram muito debate no passado, mas hoje caminham na direção de um consenso.

Ex-diretor do Departamento de Estudos Socioeconômicos do Ministério da Cultura da França, Tolila é autor de "Cultura e Economia" (Iluminuras, 144 págs., R$ 26). Ele esteve no Brasil para o lançamento de seu livro a convite do Itaú Cultural, no qual participa do Observatório da Cultura. Na entrevista a seguir, ele recomenda um primeiro passo para o crescimento do PIB da cultura brasileira: avaliação mais rigorosa dos resultados das leis de incentivos fiscais.

Valor: As leis de incentivo fiscal são a melhor forma de fomentar a cultura?
Paul Tolila: É sempre dinheiro público. Nós temos na Europa um dispositivo idêntico. Mas a presença do Estado é forte. Há um bom orçamento e o governo pode investir diretamente. O modelo espanhol é um pouco diferente. É meio a meio. Globalmente falando, a grande questão que se coloca é qual é o montante de investimento que vai para a cultura? O que se faz de forma direta pelo governo e de forma indireta? Quais são as necessidades para o setor cultural se desenvolver economicamente? É por isso que a questão da economia desse setor é tão importante.

Valor: Como evitar que os recursos das leis de incentivo sejam destinados apenas aos artistas com um melhor retorno de marketing para as empresas?
Tolila: Essa é uma questão crucial da política pública. Há um risco de reduzir a ajuda do Estado à renovação cultural. É o problema de equilibrar a subvenção. Eu acho - veja bem, acho - que essa política de leis de incentivo carece de um dispositivo de avaliação permanente. Essa política é muito executada como um dispositivo administrativo, apenas. É concedida burocraticamente. Basta haver conformidade no dossiê dos documentos apresentados ao ministério. Falta objetivo. Falta saber qual é a visão que tem da cultura para não ficar apenas concedendo o benefício a todos e deixando os produtores disputar as verbas da iniciativa privada. É uma forma burocrática demais. Não quero fazer uma crítica abstrata. Mas, pelo que entendi, no Brasil ocorre assim. Talvez tenha entendido errado.

Valor: Falta um objetivo?
Tolila: Poderia dizer: 50% dos recursos vão para jovens artistas. Seria brutal. Mas seria mais claro. Poder-se-ia também dar condições para artistas jovens ou sem condições de montar seu projeto para apresentá-lo ao ministério e fazer depois uma avaliação. O problema é que essas políticas de incentivo nunca são avaliadas em seus resultados. Damos a autorização, as pessoas vão captar o patrocínio na iniciativa privada e há a renúncia fiscal. Todos ficam contentes. Mas qual é o efeito para o conjunto da sociedade? Para o processo cultural? Para a economia da cultura? Para os novos criadores? Ninguém sabe. Não se pode renunciar os impostos para uma política que é apenas a administração de processos, dossiês. E para avaliar é necessário ter, antes, um objetivo claro.

Valor: Na sua visão, o Estado cumpre apenas parte da missão?
Tolila: Esse é um perigo das leis de incentivo: o governo se vê cumprindo o seu papel. Ele dá a permissão para captar e não verifica o que ocorre depois. No entanto, o mais importante para a cultura é o que ocorre depois. A avaliação, é bom que se lembre, é uma premissa de todas as economias modernas, mesmo as mais liberais. Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha. A avaliação é uma "cultura de informação" válida para o governo, a iniciativa privada e os profissionais da cultura. É um feedback para a administração da política cultural e decisiva para a modernização do processo.

Valor: Em outros países, a estratégia das leis de incentivo tem um bom resultado?
Tolila: Em todos os países que adotam leis de incentivo há objetivo definido. E avaliação constante dos resultados. É bom dizer também que em todos há uma forma mista: leis de renúncia fiscal e recursos públicos diretos. Sem isso, os administradores públicos não poderiam ser cobrados quanto a resultados.

Valor: Como traçar uma estratégia de produzir cultura com a lógica mercantil e preservar a arte?
Tolila: Nós vivemos efetivamente numa espécie de contradição potencial entre o nível de mercado de massa e a criação cultural. Mas acredito que a verdadeira produção artística pode sobreviver, desde que a cultura se torne verdadeiramente uma preocupação do país. Não somente discurso. Uma verdadeira preocupação, insisto. Isso quer dizer que o governo, assim como a iniciativa privada, se preocupam com essa questão. Porque a indústria cultural, a grande, a grande mesmo, não tem necessidade de financiamento do Estado. Mas a criação cultural, sim. Ela precisa de financiamento porque ela não é rentável. Assim como a pesquisa. A pesquisa não é rentável agora, será em 5, 10, 15 anos. O ritmo do capital financeiro não suporta esse tempo. É a mesma coisa também da educação. Logo estamos falando de um processo longo, um investimento no qual o industrial capitalista exerce mal o seu papel. É essencial que as instituições sejam capazes de ver a questão a longo prazo, seja o governo ou o setor privado.

Valor: Assim teria espaço para as duas formas de produção?
Tolila: Pode haver a co-existência de uma indústria e de uma criação artística. Até porque a criação artística é a base da indústria. A indústria funciona sobre a lógica do mercado, evidentemente. Mas ela precisa da novidade. Veja os grandes grupos, como Sony, Warner, que são alimentados por pequenas empresas muito criativas. Empresas minúsculas sem a pujança financeira que, no entanto, têm criatividade, se interessam pela criação, trabalham em nichos de mercado e não para o mercado mundial. Então as grandes ficam olhando. Quando descobrem um talento, elas integram, compram a empresa pequena, etc. É assim que a grande, apesar de tudo, participa da diversificação cultural. Não é sempre um instrumento que desqualifica a produção artística. Ela também, muitas vezes, permite que o artista se exprima de maneira ampla, global.

Valor: Como fazer para políticos, governos e profissionais pensar a economia da cultura?
Tolila: O problema é que a economia da cultura carece sempre, em muitos países, de uma organização do setor - tanto administrativa quanto profissional. Falta também uma capacitação de infra-estrutura. Faltam economistas que analisem a cultura, faltam sociólogos. Isso impede enxergar a cultura de outra maneira.

Valor: No Brasil, governos costumam escolher artistas para administrar a cultura. Isso é bom?
Tolila: Freqüentemente, o empenho pessoal em uma atividade não é a certeza de uma boa gestão. É bom dizer que não é uma particularidade do Brasil. Há sucesso, mas há muito fracasso. Podemos nos questionar se não existe aí muita ilusão. Não diria demagogia. Mas ilusão mesmo de acreditar que por ser artista se torna capaz de administrar o setor. Não tem sido sempre o caso.

Valor: A arte tem um espaço nos investimentos do mundo capitalista de hoje?
Tolila: Há duas economias no setor cultural. Uma economia dos espetáculos, de dança, de teatro, da música, do patrimônio. As atividades clássicas. De outro lado, desenvolveu-se a indústria cultural, em que os mercados são atualmente mundiais. Destaca-se aí uma dominação americana. Essa economia tem todas as características da economia clássica, do business. Não só isso. Ela chegou a um nível de desenvolvimento tal que hoje conquistou um papel estratégico.

Valor: É um produto de exportação.
Tolila: Claro. É preciso saber que a exportação dos produtos culturais é o primeiro item da pauta dos Estados Unidos, antes de aviões, carros, agricultura e armas. Logo, a indústria cultural representa hoje um precioso papel no jogo de competição mundial. Nesse momento de dominação americana, há um jogo mais pesado para aqueles que querem defender sua cultura nacional. Como sobreviver e continuar a criar, quando a difusão massiva do modelo cultural é aquele difundido a partir dos Estados Unidos?

Valor: A indústria, então, pode competir, mas a arte é sempre obrigada a se adaptar...
Tolila: Conversei outro dia com estudantes africanos que me contavam a história de um cantor. Ele produzia de forma independente e foi contratado por uma gravadora, aí seus versos se tornaram mais curtos, o ritmo mudou. Os artistas são obrigados a se adaptar a uma formatação que a indústria impõe. É como o design dos carros. Muda ao mesmo tempo em todo o planeta. O desafio é fazer que, dentro dessa industrialização, exista uma política pública capaz de fazer uma produção cultural competitiva no mundo globalizado.

Valor: Como?
Tolila: No México, decidiram juntar pequenas empresas para receber aporte financeiro governamental. O cinema mexicano foi muito importante nos anos 1950 e estava morrendo porque os tratados de livre comércio assinados com os americanos provocaram uma invasão e o cinema americano passou como um rolo compressor sobre a produção nacional. Então, a questão se colocou: o que fazer para revitalizar o cinema mexicano? Não sei se ocorre o mesmo com o cinema brasileiro.

Valor: A cultura sofre mais nesse processo de resistência à globalização?
Tolila: Necessariamente se deve repensar a cultura, porque temos efetivamente uma dominação econômica por intermédio da economia da cultura. Não se pode é ver mecanicamente como apenas "é preciso resistir a". Mas a verdadeira questão, a mais conseqüente, é "como resistir a?". Com qual política? É preciso olhar as margens de manobra, examinar em qual setor é possível agir mais. Resistir não é uma tarefa fácil.

Valor: Quais seriam suas recomendações para o Brasil?
Tolila: Falta um pensamento estratégico, industrial, alianças que possam constituir uma indústria brasileira forte. Talvez européias, latino-americanas, mas em face da hegemonia americana é preciso pensar uma rede, uma articulação. Essa é uma reflexão rara no setor cultural. Deveria ser o princípio para a parceria público-privada. Se vale para outros setores, infra-estrutura, por exemplo, vale para a cultura. Eu defendo isso em meu livro: o trabalho de uma inteligência econômica para a questão cultural. Pode-se fazer uma ação conjunta dos Ministérios da Fazenda, da Cultura e das Relações Exteriores e o setor privado. É preciso que todos se sentem para refletir qual é a estratégia cultural capaz de colaborar para o crescimento econômico.

Valor: De que forma, nesta visita, sentiu os efeitos concretos da falta dessa estratégia?
Tolila: Não existe, por exemplo, um grande circuito de galerias de arte nas cidades brasileiras. São muito poucas. Isso é espantoso. Supreendente. É um problema da organização do mercado de arte. Isso me parece ter um efeito, às vezes, tanto econômico como na forma de criação. Isso é uma observação que fiz porque fui também ao Rio e tentei fazer um passeio por alguma área de galerias e não existe, não existe um bairro que as reúna. Você vai a Paris, à Cidade do México, a Londres, a Nova York e há um bairro inteiro especializado em arte. É extremamente importante para o turismo.

Valor: Como constituir um setor cultural rentável em um país com carências na educação?
Tolila: Se a educação não é prioridade, o país terá problema. Compromete a formação da cidadania e competitividade da pessoa no mercado de trabalho globalizado, porque a economia moderna é cada vez mais sustentada pela capacidade de inovação. São as soluções originais que valem mais. A educação e a cultura são os setores em que o retorno do investimento de um país na questão de inovação é certo, garantido. No México houve uma percepção estratégica. Não sei se existe essa percepção aqui.


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