terça-feira, 24 de julho de 2007

Desenvolvimento: Futuro está no conhecimento

Gustavo Capdevila
Publicado pela
IPS em 20/07/07

A única tábua de salvação para 767 milhões de pessoas que vivem nos 50 países mais pobres do mundo é obter conhecimento para aplicá-lo às suas economias e promover o progresso tecnológico, afirmou a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Essas nações, identificadas pela ONU como os países menos adiantados, continuarão monopolizando a pobreza extrema de “um dólar por dia” em 2015, quando vencer o prazo fixado pelas Nações Unidas para alcançar os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Dessas metas, as duas primeiras se referem precisamente à erradicação da pobreza extrema, mediante redução da metade da proporção de população com renda inferior a um dólar por dia e que sofre fome, e pelo ensino primário universal. No momento, os países menos adiantados (PMA) permanecem nos escalões inferiores da economia e tecnologia, de acordo com o informe anual que a Unctad dedica a esse grupo de nações, concentrado em 2007 no documento intitulado “O conhecimento, a aprendizagem tecnológica e a inovação para o desenvolvimento”.

Para sair do atoleiro da pobreza, os países mais pobres terão de inovar, recomendou ontem o secretário-geral da Unctad, Supachai Panitchpakdi, ao apresentar o informe. Os conhecimentos, que a cada dia ganham maior importância para a produção e a competição, são o flanco vulnerável dos PMAs, pois suas empresas e suas explorações agrícolas carecem de avanços tecnológicos, suas competências técnicas estão subdesenvolvidas e não contam com instituições nacionais que fomentem a obtenção e difusão de tecnologias.

O grupo dos PMAs, segundo a última revisão trienal da ONU feita em 2006, é formado por Afeganistão, Angola, Bangladesh, Benin, Butão, Birmânia, Burkina Faso, Burundi, Cabo Verde, Camboja, Chade, Comoras, Djibuti, Eritréia, Etiópia, Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Haiti, Ilhas Salomão, Kiribati, Laos, Lesoto e Libéria. Completam a lista Madagascar, Malawi, Maldivas, Mali, Mauritânia, Moçambique, Nepal, Níger, República Centro-africana, República Democrática do Congo, Ruanda, Samoa, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanzânia, Timor Leste, Togo, Tuvalu, Uganda, Vanuatu, Iêmen e Zâmbia.

O informe se concentra no exame de qual medida o desenvolvimento das capacidades tecnológicas dos PMAs se deve aos vínculos com os mercados internacionais, especialmente com o comércio, o investimento estrangeiro direto e a concessão de licenças. Neste aspecto, a situação dessas nações a respeito de alguns índices apresenta resultados decepcionantes, disse a Unctad. Por exemplo, esses países ocupam as últimas posições do índice de capacidade inovadora que está sendo preparado por esta agência da ONU. Essa tendência chegou ao pico na medição feita em 2001, quando metade dos PMAs aparecia com uma capacidade de inovação inferior à que tinha em 1995.

Os PMAs contam apenas com 94,3 pesquisadores científicos para cada milhão de pessoas, contra 313 nos demais países em desenvolvimento e 3.728 nas nações ricas. Por outro lado, a matricula universitária, como porcentagem do grupo de idade correspondente representa apenas 3,5% nos PMAs, sendo que chega a 23% nas demais nações em desenvolvimento e a 69% nos países ricos. Outro dado é sobre a porcentagem do produto interno bruto dedicado à pesquisa e ao desenvolvimento, que chega a 0,3% nos PMAs, a 0,8% nos demais países em desenvolvimento e a 2,4% nas nações ricas.

Supachai destacou que a ciência, a tecnologia e a inovação são elementos necessários, não um luxo, para os países mais pobres. A Unctad recordou o caso de um empresário de Bangladesh que no começo da década de 80 iniciou a indústria da confecção de roupas para exportação, sendo logo imitado. O informe também citou um empresário da Mauritânia que nos anos 90 começou a exportar queixo feito com leite de camelo para a União Européia, e, também, os pequenos camponeses de Malawi que se lançaram a testar novas variedades supeprodutivas de milho.

O documento expõe de maneira taxativa que a proteção rigorosa da propriedade intelectual é um obstáculo ao progresso tecnológico nos países pobres do mundo, um enfoque novo tanto para a instituição quanto para seu secretário-geral, em particular com respeito às posições que Supachai assumiu quando foi diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, entre 2002 e 2005. A Unctad afirma que nas atuais condições não é realista esperar que a maioria desses países consiga uma base tecnológica sólida e viável em 2013, como prescrevem as normas do acordo da OMC sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Trips).

A Unctad recomenda que o período de transição reconhecido até 2013 para que os PMAs apliquem o acordo sobre os Trips seja estendido. Supachai também pediu “um pouco mais de flexibilidade” para os PMAs quanto à propriedade intelectual. Os autores do informe estimam, da mesma forma, que não se deve exigir dos PMAs que atualmente estão em processo de adesão à OMC que concedam uma proteção acelerada ou mais rigorosa do que a prevista nos Trips. O documento se refere ao tipo de proteção denominada “Trips plus”, que as nações industrializadas, especialmente os Estados Unidos, exigem das nações em desenvolvimento para assinar acordos bilaterais de comércio.

Um ângulo de destaque na questão do emprego da tecnologia para a expansão econômica dos PMAs é a fuga de cérebros que estas nações sofrem e que afeta seu progresso. Cinco desses países, Haiti, Cabo Verde, Samoa, Gâmbia e Somália, perderam nos últimos anos mais da metade de seus profissionais universitários que foram para países industrializados em busca de melhores condições, lembrou a Unctad. Supachai, que se referiu aos casos de enfermeiras e enfermeiros que se mudaram para alguns países europeus, esclareceu que não julga essa tendência como negativa para os países pobres, “mas, merece ser acompanhada com atenção”, afirmou.

Em 2004 calculou-se que cerca de um milhão de pessoas capacitadas nos PMAs viviam e trabalhavam em nações industrializadas, o que equivalia a um êxodo intelectual de 15%, pois o número estimado de população com formação desse grupo de países chegava a 6,6 milhões. Nas demais nações em desenvolvimento essa fuga de cérebros era inferior, chegando a apenas 8%. Com relação às remessas que os emigrantes enviam, a Unctad admite que se converteram em uma importante fonte de divisas para alguns PMAs. Entretanto, observa que, no geral, se investe no consumo, e que grande parte dele é de bens importados. Essas entradas de dinheiro não parecem contribuir muito para o crescimento econômico de longo prazo dos PMAs, conclui a agência da ONU.

O informe examina por último o comportamento da ajuda oficial estrangeira destinada ao desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação nos PMAs. Essa contribuição foi muito menos efetiva do que deveria ser porque não reconhece a função essencial que a mudança tecnológica desempenha em um crescimento econômico sustentável, afirma a Unctad. Supachai compartilha dessa critica do documento. A ajuda oficial externa foi proveitosa no plano social, afirmou. Além disso, objetou que entre 2003 e 2005 os PMAs tenham recebido US$ 1,3 bilhão para melhorar sua governabilidade, enquanto simultaneamente, e pelos mesmos canais, chegaram apenas US$ 12 milhões para projetos de extensão agrícola. Por esse motivo, o secretário da Unctad reclamou das nações industriais que concedam uma ajuda mais balanceada.

Ao longo de todo o informe, a Unctad desenvolve sua idéia de que a menos que os PMAs adotem políticas de convergência para se recuperarem de seu atraso tecnológico, continuarão defasados nessa área e enfrentarão uma marginalização econômica ainda mais acentuada. A Unctad relatou que desde a década de 90 a maioria dos PMAs liberou de maneira acelerada e profunda o comércio e os investimentos. Mas, a liberalização sem aprendizagem da tecnologia acabará em aumento da marginalização, previu a agência.


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