terça-feira, 24 de julho de 2007

Além de terem mais dinheiro, ricos se dizem mais felizes

The Economist
Publicado pelo
Valor Online em 24/07/2007

Todo verão, o mundo tem sua temperatura duplamente aferida - uma por climatologistas, literalmente; outra pelas pesquisas de opinião, metaforicamente. Neste ano, duas novas pesquisas trouxeram muitos dados novos sobre como o mundo se sente. E esses dados, dizem os pesquisadores, lançam uma luz inesperada sobre a relação entre riqueza e felicidade.

Desde que os pesquisadores da Universidade da Pensilvânia descobriram que milionários americanos que moram em mansões são só marginalmente mais felizes que guerreiros massai que vivem em choupanas, vários economistas vêm minimizando o nexo entre dinheiro e satisfação. Num livro de 2005, Richard Layard, estudioso britânico, diz que ambiente familiar, emprego e saúde são, todos, fatores mais influentes para a sensação de bem-estar do que a renda. Países ricos poderiam ser mais felizes que os pobres, mas, além de determinado limiar, a relação enfraquece, e mais dinheiro não compra mais felicidade, diz a teoria.

As novas pesquisas lançam alguma dúvida sobre essa escola de pensamento. Os dados coletados dão maior peso ao argumento segundo o qual crescimento e renda desempenham um grande papel na substancial melhoria da satisfação das pessoas com a vida e de sua atitude em relação ao futuro.

Uma dessas pesquisas diz ser a primeira genuinamente mundial. Denominada Pesquisa Mundial de Opinião e realizada pelo instituto Gallup, cobriu 130 países, muitos dos quais avaliados pela primeira vez. Outras pesquisas são de menor abrangência. A respeitada Pesquisa Mundial sobre Atitudes, do Pew Research Centre, atua anualmente em pouco mais de 50 países. A Pesquisa Mundial sobre Valores, coordenada pela Universidade de Michigan, é mais abrangente (mais de 80 países), porém só é atualizada a cada cinco anos.

Os pesquisadores da Gallup fizeram uma pergunta padrão: qual seu grau de satisfação com a vida, numa escala de zero a dez? Em todos os lugares ricos (EUA, Europa, Japão, Arábia Saudita), a maioria das pessoas diz estar feliz. Em todos os lugares pobres (especialmente na África), as pessoas dizem que não estão. Nas palavras de Angus Deaton, da Universidade Princeton, o mapeamento dos resultados assemelha-se a uma representação gráfica da distribuição da renda no mundo (ver mapa). Há algumas exceções: Geórgia e Armênia, embora não estejam entre os países mais pobres do mundo, são dois dos 20 mais infelizes. Costa Rica e Venezuela, embora sejam de renda média, estão entre os 20 mais felizes. Os brasileiros parecem um pouco mais felizes do que justificável por seu nível de renda.

Mas, em geral, os níveis declarados de felicidade estão correlacionados com a riqueza. O padrão parece se repetir também dentro das fronteiras de cada país. Os americanos ricos são mais felizes do que os pobres; os brasileiros ricos são mais felizes que os mais pobres.

A outra nova pesquisa, do Ipsos, confirma o quadro. Em primeiro na sua lista de 20 países ordenados por felicidade está a rica Holanda (segundo o Gallup, é a Finlândia); a China está na lanterninha. A pesquisa perguntou ainda sobre confiança no futuro, se acredita que seus filhos terão melhores condições de vida do que você, e assim por diante. Independentemente da renda corrente dos países, verificou-se uma íntima correlação entre crescimento do PIB e otimismo, sendo que China, Índia e Rússia revelaram-se os mais otimistas; França, Alemanha e Itália se disseram os menos otimistas. Se as duas pesquisas estão corretas, os chineses são bem infelizes agora, mas esperam uma melhoria espetacular.

A pesquisa do Ipsos não é rigorosamente comparável à do Gallup, porque (pela primeira vez) faz perguntas a pessoas que o Ipsos denomina "líderes e formadores de opinião pública", em sua maioria empresários e políticos. Esse grupo encara o mundo de modo distinto e vê as coisas de um ângulo mais favorável do que a população em geral. A discrepância entre a percepção da elite e do povo em geral é especialmente grande na Rússia, Índia e China. Nesses países, a atitude das pessoas mais bem situadas é muito mais otimista que a da população. Na Europa e nos EUA, as atitudes da elite estão praticamente alinhadas com (ou são mais pessimistas que) as da sociedade em seu todo.

Para sermos justos, é preciso admitir que os economistas dedicados ao estudo da "nova felicidade", como Layard, nunca afirmaram a total inexistência de uma relação entre dinheiro e bem-estar. O que disseram é que, depois que as pessoas escapam da pobreza, o nexo é fraco e pode ser totalmente inexistente acima de certo ponto (nas palavras de um expert britânico, "hoje está provado, sem qualquer dúvida", que mais dinheiro "não proporciona maior felicidade, nacional ou individualmente"). A prova disso vem de pesquisas na maioria dos países ricos (como a pesquisa social geral nos EUA), que revela uma felicidade inalterada há décadas, apesar de a renda ter crescido sensivelmente.

Aparentemente, as novas constatações são um contraponto a dados anteriores. Se os países mais ricos se dizem mais "felizes" que os moderadamente ricos, isso sugere não existir um nível quantificável de renda a partir do qual mais dinheiro não proporciona satisfação adicional. Ainda assim, as conclusões mais recentes não invalidam a experiência histórica de determinados países - como os EUA - que ascenderam a níveis mais altos de riqueza sem registrar nenhum aumento geral nos níveis de felicidade declarada.

Mas, se o leitor quiser ignorar o passado e concentrar-se nos níveis de satisfação que os países sentem neste momento, os resultados são, na opinião de Deaton, bem surpreendentes. Ele comparou a pontuação de satisfação registrada pelo Gallup com rendas nacionais baseadas em paridades de poder de compra, e detectou uma correlação muito próxima.

Assim, que conclusões deveríamos tirar da contradição entre essas pesquisas e evidências anteriores? Problemas de definição podem ser responsáveis por parte da explicação. Nessas pesquisas, os entrevistadores registram o que as pessoas relatam, e quando falam de sua "felicidade", as pessoas referem-se a coisas diferentes. É provável que diferenças culturais de entendimento sejam muito maiores quando há 130 países envolvidos.

Outra possibilidade é que "felicidade" seja, na realidade, um indicador de alguma outra coisa, como saúde. Talvez o aspecto central seja que o dinheiro ameniza problemas de saúde, de modo que os ricos são mais felizes do que os pobres principalmente porque sentem-se mais saudáveis. Mas essa não pode ser toda a explicação.

Mais de metade dos 20 países com o mais baixo nível de satisfação com a saúde pertenceram à União Soviética ou estão na Europa Oriental, embora em termos estatísticos pareçam relativamente bem de vida. Em contraste, países africanos muito mais pobres (com incidência muito maior de aids e outras doenças) relatam níveis mais elevados de satisfação com a saúde. Expectativas, ou lembranças, podem estar influindo nas respostas: problemas de saúde num ex-país comunista parecem piores porque as pessoas se lembram, ou julgam lembrar-se, de um passado róseo - uma era de cobertura total pelo sistema público de saúde.

Por último, como evidencia claramente a pesquisa do Ipsos, felicidade e otimismo não são apenas diferentes, pode ser contraditórios. Os chineses estão insatisfeitos, porém, otimistas; os europeus estão satisfeitos agora, mas temem o amanhã. Muitos nexos entre felicidade, renda e otimismo ainda não foram extraídos das pesquisas. Esses novos dados, embora não sejam a última palavra sobre a questão, podem ser úteis para isso.

Tradução de Sergio Blum


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